Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7411/24.4T8STB-B.E1
Relator: CARLA FRANCISCO
Descritores: PROCESSO TUTELAR
DESLOCAÇÃO ILÍCITA DE MENOR
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: I- Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária e, como tal, regem-se não por critérios de estrita legalidade, mas antes por juízos de equidade e de oportunidade com vista à tutela dos interesses que visam salvaguardar.
II- Não se deve confundir o conhecimento das questões colocadas à apreciação do Tribunal com a consideração de provas produzidas nos autos ou cuja produção foi ordenada em autos que correram por apenso, tanto mais que a apreciação de meios de prova não configura uma questão de que o Tribunal devesse conhecer, sendo tais meios apenas o instrumento da prova dos factos que podem ou não integrar tais questões.
III- A questão da nulidade da decisão de um Tribunal espanhol deveria ter sido suscitada pelo recorrente junto daquele Tribunal, não podendo ser conhecida por este Tribunal de recurso, o qual também não tem jurisdição sobre os Tribunais espanhóis, apenas podendo sindicar a legalidade e o acerto das decisões de Tribunais nacionais hierarquicamente inferiores.
Decisão Texto Integral: Processo nº 7411/24.4T8STB-B.E1

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1 – Relatório


O Ministério Público intentou os presentes autos de providência cautelar para entrega de menor com o nº 7411/24.4...-B, que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Família e Menores de ... - Juiz 3, com vista ao regresso a Espanha da criança AA, nascida em ........2021, natural de Cidade 1 - Espanha, filha de BB e de CC com última residência conhecida em Calle 3 em Cidade 1, contra BB, naturalidade: Português, atualmente a residir na ... em Cidade 2.


Alegou, para tanto, que:


“ 1. A criança, AA nasceu em Espanha, em ........2021, atualmente com 3 anos de idade.


2. AA é filha de BB e CC.


3. No seguimento da separação dos progenitores ainda não foram reguladas as responsabilidades parentais, sendo que corre termos para tal o p n.º 7411/24.4... - J3 deste Tribunal de família e menores de ....


4. No dia 15.01.2025 o progenitor da criança trouxe a AA para Portugal sem autorização da progenitora.


5. No seguimento da referida deslocação a Autoridade Central de Espanha formulou à Autoridade Central Portuguesa um pedido de regresso a Espanha da AA, ao abrigo da Convenção de Haia de 1980 e do Regulamento da EU 2019/111, a pedido da progenitora.


6. Foram desenvolvidas diligências pela Autoridade Central da Portuguesa junto da progenitora com vista à reposição voluntária da criança, nos termos do artigo 7.º, al. c) da Convenção de Haia, tendo as mesmas resultado negativas, face à posição manifestada pelo progenitor que afirma que a residência da criança é em Portugal, o que invalida o regresso voluntário da criança a Espanha.


7. A deslocação da criança para Portugal deve considerar-se ilícita na medida em que ambos os progenitores, detentores das responsabilidades parentais têm direitos e deveres que deverão ser cumpridos sendo que, o progenitor retém a criança em Portugal contra a vontade da progenitora.


8. Ao adotar a conduta descrita o progenitor da criança violou expressamente o disposto no artigo 3.º da Convenção dos Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças e impõe que o Tribunal adote procedimentos de urgências (cf. artigos 2.º e 11.º da mencionada Convenção), com vista ao regresso da criança à sua residência habitual, Espanha.”


Por decisão datada de 1 de Abril de 2025 foi ordenado o regresso da menor AA a Espanha e determinada a emissão de mandados de entrega judicial da menor à progenitora, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º-a), 3.º, 11.º, 12.º e 13.º, todos da Convenção de Haia, que foram cumpridos.


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Inconformado com esta decisão, veio BB interpor o presente recurso, pedindo a revogação da decisão proferida nos autos e, em consequência, que se determine a reabertura e o prosseguimento do processo de regulação das responsabilidades parentais, a reabertura e o prosseguimento dos processos de promoção e proteção e de inquérito, de acordo com o ordenado pela Ata de 05.02.2025, e articular com o tribunal a quo congénere espanhol o imediato regresso da menor AA a Portugal, por ter ficado provado que é no nosso país que a menor tinha a sua residência habitual, à guarda e cuidados do apelante, para o que formulou as seguintes conclusões:


1. Salvo o devido e merecido respeito por entendimento diverso, não cremos que a douta sentença ora recorrida se encontre em conformidade com os princípios basilares e norteadores do nosso Ordenamento Jurídico, e, decidindo daquela forma e naqueles termos é o mesmo ilegal, injustificado, descurando a verdade material.


2. Id est, enferma de “erro de julgamento”, erro esse que impõe a revogação da douta decisão, e a subsequente modificação nos exatos termos peticionados pelo Apelante


3. O douto Tribunal a quo, no dia 01-04-2025, decidiu que a menor AA teria que ser entregue nesse mesmo dia, por considerar que:


4. “…a residência habitual da menor AA não está, nunca esteve, estabelecida em Portugal, mas sim em Cidade 1, sendo que a deslocação para Portugal constituiu um ato ilícito”.


5. A questão controvertida da efetiva residência habitual da menor foi discutida não só nessa audiência do dia 01.04.2025, assim como na audiência de 05.02.2025, tida em sede do Apenso A destes autos.


6. Na Ata de audiência de 05.02.2025, tida em sede do Apenso A destes autos, e onde constam a gravação das declarações, foi determinada a realização obrigatória de vários atos, constantes nos pontos 1) a 8) da Ata, e com ordem judicial expressa para que a mesma fosse colocada no presente Apenso C, para auxiliar a futura determinação da residência habitual da AA.


7. Na audiência de 05.02.2025, consta o registo de que o Apelante fez imediatamente menção à entrega de um registo informático de uma aplicação digital, chamada TRACTIVE GPS, que assinala os lugares diários, as deslocações diárias da menor.


8. Na audiência de 01.04.2025, o Apelante entregou cópia dos registos informáticos da TRACTIVE GPS que assinalam e provam a residência habitual da AA em Portugal.


9. O Meritíssimo Juiz aceitou esses registos no processo, e admitiu-os como prova documental, como se encontra na transcrição do diálogo efetuado.


10. O Apelante fez a explicação técnica, em sede do presente recurso, que comprova a sua certeza e exactidão, sendo impossível de falsificar.


11. A douta sentença ora recorrida não fez qualquer menção a esta prova técnica essencial, o que constitui um erro grave de apreciação de prova e de um facto, uma nulidade de sentença, de acordo com o artigo 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, que poderia ter sido dado como provado com uma relevância tremenda para a causa:


12. Na verdade, a menor AA sempre se encontrou em Portugal, à guarda e cuidados do Apelante, de modo permanente e contínuo.


13. Este facto e esta prova técnica indubitáveis acarretam outra consequência, que o douto tribunal a quo não considerou: a de que a Progenitora mentiu ao tribunal, ao ter ela afirmado que sempre viveu com a AA em Cidade 1 durante o ano de 2024.


14. Nos termos conjuntos dos artigos 13º da Convenção de Haia e dos artigos 29º, nº 3, 24º, nº 2 e 11º do Regulamento (UE) n.º 1111/2019, de 25 de junho, esta prova técnica constitui não só uma circunstância excepcional que impedia o regresso da criança AA a Espanha,


15. Assim determinava a competência do douto tribunal a quo para apreciar a guarda da menor, a sua regulação das responsabilidades parentais e á prossecução do processo de promoção e proteção, em sede da ordem jurídica Portuguesa.


16. A Ata de 05.02.2025 obrigava à realização de vários actos processuais, que não foram realizados pelo tribunal a quo.


17. Apesar das várias insistências urgentes que a Digníssima Procuradora-Adjunta e que o Meritíssimo Juiz efetuaram, em sede interna do Apenso B, para que lhes fossem remetidos os processos de Inquérito e de Promoção e Proteção, somente na data de 27.03.2025 chegaram aos autos.


18. Nunca foram efetuados os Relatórios Sociais, nunca se fez a análise técnica da situação de vida da menor AA, nunca se leram os autos de ocorrência, nunca se ouviram os agentes da GNR do Posto de Local 1.


19. Estas graves omissões de atuação processual, às quais o douto tribunal a quo estava previamente obrigado a efetuar, por força da Ata de 05.02.2025, constituem uma nulidade processual per se, nos termos do artigo 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil.


20. O douto tribunal a quo não tomou em conta- na sua sentença, como devia, o artigo 13º in fine da Convenção de Haia, e verificava que, antes de proferir a sua sentença, faltavam as diligências processuais obrigatórias constantes da Ata de 05.02.2025, nos seus pontos 1), 2), 4), 5) e 6), que impediriam o regresso a Espanha e obrigavam à permanência da menor AA em Portugal.


21. Transcrevemos no presente recurso as declarações da Digníssima Senhora Procuradora-Adjunta proferidas a 05.02.2025, que reforçam e esclarecem a obrigatoriedade judicial do douto tribunal a quo praticar certos actos, antes de haver qualquer decisão judicial quanto ao rapto internacional.


22. Na situação processual actual da menor AA na ordem jurídica espanhola, não há o equivalente a um processo de promoção e proteção, que aferiria a situação de perigo da menor, a situação social da menor.


23. Entre a chegada aos autos dos processos de Inquérito e de Promoção e Proteção, a 27.03.2025 e a douta sentença ora recorrida, o douto tribunal a quo teve tempo e oportunidade processual para ordenar a prática obrigatória de vários actos processuais, nomeadamente a obtenção da informação social da menor AA,


24. A obtenção de mais elementos de prova, quer perante as partes, quer perante as autoridades policiais, quer perante a EMAT, agindo, assim, com prudência e de acordo com as orientações normativas da Convenção de Haia e do Regulamento (UE) n.º 1111/2019, de 25 de junho - mas nunca o fez.


25. Como tal, a douta decisão ora recorrida omitiu um aspecto fundamental contido no artigo 13º in fine da Convenção de Haia, violou as normas conjuntas dos artigos 29º, nº 3, 24º, nº 2 e 11º do Regulamento (UE) n.º 1111/2019, de 25 de junho, que o obrigavam a realizar os actos judiciais da Ata de 05.02.2025 e dos Pontos 44, 45 e 48 ex vi do Preâmbulo do Regulamento (UE) n.º 1111/2019, de 25 de junho, que alterariam por completo a apreciação da prova e fundamentariam melhor a douta decisão ora recorrida.


26. Quanto à apreciação dos factos tomados como provados e não provados, o douto tribunal a quo cometeu seis erros graves, com relevância para a causa.


27. Deu como provado que a menor AA residia permanentemente em Cidade 1, Espanha, desde Março de 2024, deu como provado que a progenitora trabalhou e viveu com a menor AA desde 2024 a 2025,


28. Nunca confrontou a progenitora com a assinatura de duas declarações, que manifestamente provavam que a menor AA viveu em Portugal, à guarda e cuidados do Apelante,


29. Deu como provado que a progenitora trabalhou e viveu com o Apelante e com a menor AA em Maio de 2024,


30. Deu como provado que o Apelante acreditaria em educações alternativas para a menor AA e que ele e a progenitora trabalharam e viveram juntos com a menor AA em Cidade 1,


31. Deu como provado que a progenitora e o Apelante inscreveram a menor AA no Colégio 1, quando existe numerosa prova desta falsidade, o Apelante nunca deu o seu consentimento para tal, nunca inscreveu a menor AA no referido Colégio e existe, inclusive, como prova nestes autos, um mail da diretora do Colégio, que referiu claramente que essa inscrição foi ilegal.


32. Enquanto a progenitora reteve ilegalmente a menor AA em Cidade 1, após 21.10.2024, tendo impedido o Apelante de estar com a menor, cometeu várias ilegalidades no que concerne aos direitos de visita e contacto com a menor, privando-o mesmo dos períodos de Natal e Ano Novo.


33. Durante o processo espanhol de rapto, alertou o Apelante várias vezes que não tinha advogado espanhol constituído nos autos, pediu o Apelante várias vezes a nomeação oficiosa urgente de defensor, tendo sido proferida sentença espanhola sem o Apelante ter defensor nos autos, o que é inadmissível.


34. Esta violação do direito do Apelante em ter defensor oficioso, no processo de Rapto que correu termos em Espanha, e no qual o douto tribunal a quo se baseou para a prolação da decisão ora recorrida, enquadra-se no previsto do artigo 25º da Convenção de Haia.


35. Em face do acima exposto e, em abono da Justiça, Venerandos Juízes Desembargadores, dúvidas não nos restam quanto à revogação da douta sentença recorrida, pugnando o Recorrente pela procedência integral do presente recurso de apelação.

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O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida, sem formular conclusões.


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CC apresentou contra-alegações, requerendo a rejeição do recurso do recorrente, por intempestividade, a extinção da instância ou que se julgue findo o recurso, por impossibilidade do seu objeto, nos termos do disposto no art.º 652.º, n.º 1, al. h) do CPC, ou, subsidiariamente que se julgue improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.


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O Tribunal recorrido proferiu despacho, nos termos previstos no art.º 617º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, defendendo a inexistência de qualquer nulidade.


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Proferido despacho liminar neste Tribunal de recurso, teve lugar a conferência.

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2 – Objecto do Recurso


Conforme o previsto nos arts.º 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso.


Assim sendo, a questão a decidir neste recurso consiste em saber se a decisão recorrida deve ser substituída por outra que determine a reabertura e o prosseguimento do processo de regulação das responsabilidades parentais, a reabertura e o prosseguimento dos processos de promoção e proteção e de inquérito, com vista ao imediato regresso da menor AA a Portugal.


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3- Fundamentação:


3.1. – Fundamentação de Facto


É a seguinte a decisão recorrida:


1. Relatório


O Ministério Público instaurou a presente providência urgente de natureza tutelar cível, à luz da Convenção dos Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, na sequência de uma invocada deslocação ilícita da menor AA, de Espanha para Portugal.


Em síntese, alegou o Ministério Público que a criança, AA nasceu em Espanha, em ...-...-2021, tendo atualmente 3 anos de idade, sendo filha de BB e CC.


Mais refere que no seguimento da separação dos progenitores ainda não foram reguladas as responsabilidades parentais, correndo termos, para tal efeito, o processo n.º 7411/24.4..., neste J3.


Acrescenta que, no dia 15-01-2025, o progenitor da criança trouxe a mesma para Portugal sem autorização da progenitora e que no seguimento da referida deslocação a Autoridade Central de Espanha formulou à Autoridade Central Portuguesa um pedido de regresso a Espanha da AA, ao abrigo da Convenção de Haia de 1980 e do Regulamento da UE 2019/1111, a pedido da progenitora.


Mais refere que foram desenvolvidas diligências pela Autoridade Central da Portuguesa junto da progenitora com vista à reposição voluntária da criança, nos termos do artigo 7.º-c) da Convenção de Haia, tendo as mesmas resultado negativas, face à posição manifestada pelo progenitor que afirma que a residência da criança é em Portugal, o que invalida o regresso voluntário da criança a Espanha.

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Nesta sequência, foram notificados os progenitores para, querendo, se pronunciarem.

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O progenitor pronunciou-se por escrito alegando, no essencial e com relevância para a decisão, o seguinte:


Refere, no essencial, que a menor vivia em Portugal com o seu progenitor de janeiro de 2024 até setembro de 2024 e que a progenitora vinha a Portugal visitar a sua filha e levá-la para passar fins de semana consigo em Cidade 1, donde conclui que não houve nenhuma deslocação ilícita da menor.


Alude, ainda, à existência do processo de promoção e proteção n.º 1316/24.6...


Mais refere que nos documentos da Segurança Social, consta a nacionalidade como da menor como portuguesa, que a menor somente tem passaporte português, não tendo sequer passaporte espanhol, nem registos fiscais ou equivalentes a beneficiar da Segurança Social espanhola, concluindo que, documentalmente, a menor somente dispõe de documentos e registos portugueses e que, apesar de nascida em Espanha, a nacionalidade, em termos de averiguação e definição indiciária quanto à aplicação de lei pessoal da menor, é a portuguesa.


Junta dois manuscritos que atribui à progenitora, onde a mesma declara que se deslocará com a menor a Espanha e que a entregará depois ao pai.

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A progenitora pronunciou-se por escrito, aderindo ao requerimento do Ministério Público.


Acrescentou, no essencial e com relevância para a decisão, o seguinte.


Alegou que a AA sempre residiu em Espanha com ambos os pais e a sua irmã uterina, DD, atualmente com 14 anos, referindo que é falso que o ex-casal se tivesse mudado para Portugal entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024.


Refere que, tendo em conta a ligação da família, mormente do requerido, a Portugal, a família viajava a Portugal com alguma frequência, em especial nas férias do Verão, mas que, porém, não residiam permanentemente em Portugal, sempre mantendo a sua residência habitual em Cidade 1, onde a DD tinha as suas atividades escolares e a Requerida a sua atividade profissional.


Refere que AA já começava a ter aí as suas rotinas, estando inscrita na natação desde setembro de 2023, ou seja, desde os dois anos de idade e que o próprio requerido procedeu a essa inscrição, tanto no ano de 2023 como no ano de 2024 e que não faria o menor sentido o progenitor proceder àquela inscrição se, como alega, a família se houvesse mudado para Portugal em dezembro de 2023.


Alega que as mensagens trocadas entre os progenitores, que junta, atestam que DD sempre fez parte do agregado familiar do ex-casal, e que sempre teve uma relação de enorme proximidade com a irmã.


Mantendo a DD uma relação de proximidade também com o requerido, a quem inclusivamente aquele continua a enviar mensagens, referindo que o seu desejo é voltarem a estar todos – os 4 - juntos, como sempre estiveram até a separação do casal, em agosto


Alega que a separação do ex-casal ocorreu em Portugal, enquanto estariam em férias, na Local 2, em agosto, após o que a requerida voltou a Cidade 1 porque tinha compromissos agendados mormente a entrega de veículo automóvel que havia alugado e reunião com entidade bancária, tendo deixado AA temporariamente aos cuidados do requerido e sempre planeando recolher a criança no dia 22, de modo a que a menina regressasse a sua casa após o Verão – o que, contudo, não lhe foi permitido pelo progenitor, referindo que foi neste contexto, então, que ocorreu a primeira retenção ilícita da AA em Portugal, pelo requerido, entre 22 e 31 de agosto de 2024, período em que apenas permitiu à progenitora estar com a filha em Portugal, nas proximidades da sua quinta.


Refere, no entanto, que a AA esteve em Cidade 1 entre 31 de agosto e 8 de setembro de 2024, junto da Mãe e da sua irmã DD, retomando os seus hábitos e preparando-se para o início do ano letivo, indo com a mãe ao pediatra, ao dentista, ao cabeleireiro, preparando o seu regresso às rotinas após as férias, em condições de normalidade e tranquilidade.


Refere que a 6 de setembro, comunicou ao Requerido que, tendo em conta a necessidade de AA e DD retomarem as suas rotinas, e de proteger ambas da incerteza quanto aos períodos que a AA passaria em Cidade 1, seria melhor que o pai se deslocasse àquela cidade para conviver com a filha, inclusivamente sugerindo que organizassem juntos o aniversário da criança, para que a menina pudesse celebrar aquela ocasião festiva junto de ambos os pais e da irmã.


Alega que permitiu que o pai e a filha convivessem em Cidade 1, tanto no dia 7 como no dia 8 de setembro, tendo apenas enfatizado ao requerido que não autorizava a deslocação da AA para fora da cidade madrilena, sendo que o pai, apesar de saber que não tinha o consentimento da mãe, aproveitou-se do convívio presencial com a filha para a deslocar ilicitamente para Portugal, tudo enquanto garantia à progenitora por mensagem que a menina se encontrava em Cidade 1 ,Assim se registando o segundo rapto internacional da criança, desta vez por deslocação e subsequente retenção da AA, em Portugal, entre 8 e 16 de setembro.


Acrescenta que perante os sucessivos raptos da criança em Portugal, e de modo a pacificar a situação, a requerida fez um esforço no sentido de possibilitar convívios da AA com o pai tanto em Portugal como em Cidade 1, num período em que o progenitor se encontrava mais pressionado do ponto de vista laboral. Deslocando-se a Portugal entre 20 e 22 de setembro para que a AA passasse o fim de semana com o pai, e entregando-a novamente ao progenitor no dia 28 daquele mês, ficando o pai de entregar a menina novamente à mãe, em Cidade 1, no dia 1 de outubro de 2024, o que, porém, não ocorreu, uma vez que o requerido incumpriu o combinado, retendo ilicitamente a criança em Cidade 2 de 1 a 11 de outubro, data em que finalmente acedeu a viajar com a criança até Cidade 3, local para onde a Mãe também viajaria, de modo a conviver com a filha e a regular com o progenitor os termos de exercício das responsabilidades parentais.


Neste contexto, e após desentendimento do ex-casal, o requerido coagiu a requerida a assinar uma declaração, onde se comprometia a entregar a AA em Portugal no dia 21 de outubro.


Alega, ainda, a requerida que permitiu que o progenitor estivesse com a menina na própria casa da progenitora e em cafés e parques na proximidade da sua casa e que, durante o mês de setembro, os pais acordaram na inscrição de AA no colégio, em Cidade 1, sendo que o requerido passou a fingir-se desconhecedor de tal acordo nos finais de outubro, início de novembro.


Refere a requerida que a escolha do colégio foi feita por acordo, tendo a mesma o cuidado de sugerir escolas próximas da sua casa com um estilo educativo alternativo, já que o requerido vinha a defender que a menina deveria continuar a ser educada em casa, pelos pais, tendo finalmente sido possível obter consenso quanto ao Colégio 1, por ser o que mais se aproximava do estilo educativo preconizado pelo pai.


Alega, então, que o requerido o recolheu a AA na creche frequentada pela menina, no passado dia 15 de janeiro e que, desde esse dia, a criança encontra-se retida ilicitamente em Portugal, sem quaisquer rotinas ou atividades, passando todo o tempo em indolência, dentro de casa.


Conclui, assim, pela existência de deslocação ilícita da menor AA, pedindo que o Tribunal ordene o regresso imediato da AA a Cidade 1.


Juntou documentos

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Procedeu-se à audição dos progenitores, conforme consta da ata.

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O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser ordenado o regresso da menor a Espanha, e os Il. Representantes


2. Fundamentação de facto


2.1. Factos provados


Resultam provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:


1. A AA tem, desde que nasceu, a sua residência habitual em Espanha, Cidade 1, inicialmente com ambos os pais e a sua irmã uterina, DD, e posteriormente apenas com a progenitora e a sua irmã uterina DD, atualmente com 14 anos, que aí tinha as suas atividades escolares, tendo a requerida aí a sua atividade profissional.


a. A primeira habitação da menor foi na Calle 1 Cidade 1, o que ocorreu no mês de setembro de 2021.


b. A segunda habitação da menor foi na Calle 2 Cidade 1, o que ocorreu entre outubro de 2021 e maio de 2024.


c. A terceira habitação da menor foi na Calle 3 Cidade 1, a partir de maio de 2024.


d. A AA esteve inscrita na natação em Cidade 1 desde setembro de 2023, sendo o próprio requerido que procedeu a essa inscrição, tanto no ano de 2023 como no ano de 2024.


2. Tendo em conta a ligação da família, mormente do requerido, a Portugal, a família viajava a Portugal com alguma frequência, em especial nas férias do Verão.


3. A separação do ex-casal ocorreu em Portugal, enquanto estariam em férias, na Local 2, em 17-08-2024.


4. Após a separação, a requerida voltou a Cidade 1 porque tinha compromissos agendados, nomeadamente a entrega de veículo automóvel que havia alugado e uma reunião com entidade bancária, tendo deixado AA temporariamente aos cuidados do requerido, planeando recolher a criança no dia 21 ou 22 de agosto, de modo a que a menina regressasse a sua casa após o Verão.


5. A DD sempre teve uma relação de enorme proximidade com a irmã AA.


6. O requerido não permitiu o regresso da menor AA a Espanha, tendo-a retido em Portugal, contra a vontade da progenitora, entre 22 e 31 de agosto de 2024, período em que apenas permitiu à progenitora estar com a filha em Portugal, nas proximidades da sua quinta.


7. A AA esteve em Cidade 1 entre 31 de agosto e 8 de setembro de 2024, junto da mãe e da sua irmã DD.


8. O requerido e a AA conviveram em Cidade 1, tanto no dia 7 como no dia 8 de setembro, tendo a requerida referido ao requerido que não autorizava a deslocação da AA para fora da cidade madrilena.


9. O pai, apesar de saber que não tinha o consentimento da mãe, aproveitou-se do convívio presencial com a filha para a deslocar para Portugal no dia 8 de setembro de 2024, contra a vontade da progenitora, tudo enquanto garantia a esta por mensagem que a menina se encontrava em Cidade 1.


10. A AA ficou retida em Portugal, entre 8 e 16 de setembro, tendo sido novamente entregue à progenitora, nesse dia 16 de setembro.


11. Entre 20 e 22 de setembro, a progenitora deslocou-se com a AA para Portugal para estar presente no batizado do EE, um sobrinho do progenitor e para passar o fim de semana com o pai.


12. No dia 22 de setembro a progenitora voltou a Cidade 1 com a AA.


13. No dia 27 de setembro a progenitora voltou a Portugal e entregou a AA ao progenitor, ficando o pai de entregar a menina novamente à mãe, em Cidade 1, no dia 1 de outubro de 2024, o que não ocorreu, retendo o requerido retido a criança em Cidade 2 de 1 a 11 de outubro.


14. O progenitor entregou a AA à progenitora no dia 12 de outubro de 2024, em Cidade 3.


15. Durante o mês de setembro, os pais acordaram na inscrição de AA no colégio, em Cidade 1, tendo sido possível obter consenso quanto ao Colégio 1, por ser o que mais se aproximava do estilo educativo preconizado pelo pai.


16. AA começou a frequentar o colégio em 17 ou 18 de setembro de 2024.


17. O requerido recolheu a AA na creche frequentada pela menina, no passado dia 15-01-2025 e, desde esse dia, a criança encontra-se retida em Portugal, contra a vontade da mãe.


18. Foi proferida decisão pelo Juzgado de 1ª instancia n.º 28 de Cidade 1, no âmbito de procedimento de restituição ou retorno de menores em casos de subtração internacional, no dia 11-03-2025, a qual foi junta aos autos pela progenitora com o requerimento de 12-03-2025, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, onde se escreveu, além do mais, o seguinte:


a. «Feitas as considerações anteriores, há um facto fundamental que não deve ser questionado e não é outro senão que, embora seja verdade que não existe qualquer decisão judicial que regule as medidas que seriam inerentes à cessação da coabitação e rutura da relação pelos pais de AA, a residência habitual de AA antes da transferência feita pelo seu pai paterno era Cidade 1. Ocorre assim a circunstância prevista na alínea b) do artigo 3.° da Convenção, na medida em que, de facto, o direito de guarda era efetivamente exercido pela Sr.ª CC no momento da deslocação ou da retenção, sendo igualmente evidente que ambos os progenitores detinham e, portanto, exerciam conjuntamente a autoridade parental sobre a filha, nos termos do artigo 156.º do Código Civil. Esta atribuição conjunta não depende de que assim tenha sido estabelecida em alguma decisão judicial, sendo evidente que uma das decisões que deve ser acordada no âmbito do seu exercício é o lugar onde deve residir um filho menor, podendo citar-se, a este propósito, o artigo 154.º do Código Civil, que, depois de afirmar que "a autoridade parental, enquanto responsabilidade parental, é sempre exercida no interesse dos filhos, de acordo com a sua personalidade e no respeito dos seus direitos, da sua integridade física e mental", passa a elencar quais os deveres e faculdades aí compreendidos, em cujo n.° 3 se inclui a decisão de decidir o lugar de residência habitual da pessoa menor, que só pode ser alterada com o consentimento de ambos os progenitores ou, na sua falta, mediante autorização judicial. No caso em apreço é objetivamente claro que a transferência da menor AA para Portugal pelo seu progenitor e, mais propriamente, a sua retenção após aquela transferência, que é assim dotada de caráter permanente contrário à vontade da progenitora, não foi, desde logo, uma decisão consensual, mas unilateral e arbitrária por parte do Sr. BB, o que legitima absolutamente a Sra. CC a requerer e obter decisão judicial que sustente o seu pedido de que a referida transferência tenha sido ilegal.


b. E que a residência habitual do menor tem sido em Espanha está claramente demonstrado pela documentação fornecida com a petição inicial, com a certidão de registo da criança, com a mãe e outro menor, fruto de outra relação anterior de Dona CC, esta da mesma data do nascimento da criança em ... de ... de 2021, com a certidão do pediatra da menor, atestando que esta é assistida pelo referido especialista desde o seu nascimento, ou com a declaração de que a criança está matriculada numa creche, sem que o progenitor contra o qual o pedido é deduzido nos termos do artigo 778.º do Código de Processo Civil tenha procurado impugnar tais circunstâncias, não comparecendo à diligência e adotando uma posição passiva e, em certa medida, dilatória, como ocorreu no âmbito do procedimento de medidas provisórias preliminares que tramita neste mesmo órgão jurisdicional, no momento de procurar a adoção das medidas correspondentes.


c. É certo que um progenitor, subjetivamente, pode sentir-se totalmente legitimado na sua decisão de se mudar com os filhos para outro país, mas, para que tal transferência seja legal, é necessário o consentimento do outro progenitor ou a autorização judicial que valide e proteja a transferência, existindo uma grande diferença, mesmo do ponto de vista psicológico, entre a transferência legal de menores para outro país e uma deslocação ou retenção ilícitas, implicando esta última um corte abrupto e, por vezes, definitivo do contacto com o outro progenitor e do seu ambiente habitual (casa, atividades, escola, amigos, etc.), o que pode gerar graves consequências psicológicas que põem em causa o direito fundamental das crianças a manter relações contínuas com ambos os progenitores, um direito garantido pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.


d. As circunstâncias acima expostas permitem-nos afirmar que, no caso em apreço, por um lado, houve uma transferência ilegal da menor AA para Portugal, uma vez que foi realizada sem o consentimento da mãe materna ou autorização judicial no seu caso, e, por outro, uma retenção ilegal, uma vez que a criança não regressou a Espanha e o progenitor paterno não a devolveu ao seu ambiente ou local onda a menina tinha a sua residência habitual no momento da deslocação.


e. Por todo o exposto, o pedido deve ser deferido e deve ser declarado que a menor AA, com residência habitual em Espanha, foi objeto de uma deslocação ou retenção ilícitas, critério que é o mantido pelo Ministério Público nas suas conclusões.


2.2. Factos não provados


i. O ex-casal mudou-se para Portugal entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024.


ii. A menor vivia em Portugal com o seu progenitor de janeiro de 2024 até setembro de 2024.


iii. A progenitora vinha a Portugal visitar a sua filha e levá-la para passar fins de semana consigo em Cidade 1


3.3. Fundamentação da decisão de facto


A prova assenta nas declarações prestadas no dia de hoje pelos progenitores, bem como nos documentos juntos pelas partes, mais concretamente


1. Documentos juntos pelo requerido


a. Com o requerimento de 14-02-2025:


i. Doc. 1: declaração


ii. Doc. 2 declaração manuscrita


2. Documentos juntos pela requerida


a. Com os dois requerimentos de 25-02-2025:


i. Doc. 1: fatura de eletricidade.


ii. Doc. 2: extrato bancário.


iii. Doc. 3: imposto de circulação de veículos.


iv. Doc. 5: carta dirigida a requerido em Cidade 1


v. Doc. 7: Cópia de calendário.


vi. Docs. 8 a 11: cópias de mensagens WhatsApp.


vii. Doc. 12: contrato de arrendamento.


viii. Doc. 13: extrato bancário.


ix. Doc. 14 a 17: ficheiros de vídeo.


x. Doc. 18: Fotogramas.


xi. Doc. 19: ficheiro de vídeo.


xii. Doc. 20: ficheiro de vídeo.


xiii. Doc. 21: e-mail.


b. Com o requerimento de 12-03-2025:


i. Doc. 1: sentença de Juzgado de 1.ª Instancia n.º 28 de Cidade 1.


ii. Doc. 2: tradução certificada do doc. 1.

*

Quanto às declarações das partes, o Tribunal tem a salientar que a progenitora falou de modo absolutamente espontâneo e credível. Respondeu de forma calma, segura, sem hesitações e sem contradições, não se vislumbrando no seu discurso qualquer tipo de preparação prévia daquilo que iria dizer tudo soando como uma normal conversa.


No que diz respeito ao progenitor, o Tribunal denotou, ao invés da existência de respostas claras, assertivas, calmas, espontâneas, uma tentativa de narrar factualidade, sem que a mesma lhe tivesse sido perguntada, tendente a convencer o Tribunal de que a família vivia entre Portugal e Espanha, mas que passava a maior parte do tempo em Portugal, o que vai, não só contra todas as evidências constantes dos autos, mas também contra as totalmente espontâneas declarações da progenitora.


3. Fundamentação de direito


Ora, à luz desta factualidade, há, então, que verificar se estão preenchidos os pressupostos previstos na Convenção sobre Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças que determinam que seja ordenado o regresso da menor AA a Espanha.


A Convenção tem como objetivos assegurar o retorno imediato das crianças ilicitamente transferidas para outro Estado ou neles retidas indevidamente, e fazer respeitar, nos Estados contratantes, os direitos de guarda e de visita neles existentes – cfr. alíneas a) e b) do artigo 1.º –, tendo subjacente dois postulados:


a) A subtração ilícita gera uma rutura negativa na vida da criança;


b) As autoridades do país da residência habitual da criança são as que, em princípio, se encontram em condição mais favorável para decidir sobre a guarda e o local de residência da criança.


Nesse sentido, de acordo com o previsto no artigo 3.º, é considerada ilícita a deslocação ou retenção da criança quando:


a) tenha havido violação do direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção;


b) Esse direito estivesse a ser exercido de maneira efetiva, individual ou conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.


Ora, considerando a factualidade acima provada, o Tribunal entende que estamos perante uma deslocação/retenção ilícita da criança.


Efetivamente, a menor tinha a sua residência habitual, desde que nasceu, em Espanha. É certo que não há uma decisão judicial a determinar a residência da criança. Porém, essa residência era, de facto, em Cidade 1, sendo que iriamos contra toda a teleologia da própria Convenção da Haia, gerando-se uma vazio inadmissível, se, por não haver ainda decisão judicial ou administrativa a determinar a residência da criança, qualquer dos progenitores, pudesse, de modo arbitrário, deslocar-se com a criança, sem o consentimento do outro, para onde lhe aprouver, aí fixando a sua residência, sem que houvesse uma possibilidade de reação a tal ato extraordinariamente prejudicial ao bem estar e superior interesse da criança.


O progenitor deslocou-se para Portugal sem o conhecimento e contra a vontade da requerida, e fê-lo mais do que uma vez, aqui fixando a residência da menor, quando a mesma residia habitualmente em Cidade 1.


Ora, segundo o artigo 12.º, «quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do artigo 3.º e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respetiva deverá ordenar o regresso imediato da criança».


Assim, em princípio o Tribunal deverá ordenar o regresso imediato da AA a Espanha.


Importa, porém, atentar no que dispõe o artigo 13.º da Convenção.


Segundo tal artigo, «sem prejuízo das disposições contidas no Artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:


a) Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou


b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.


A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.


Ao apreciar as circunstâncias referidas neste Artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança.


Ora, nenhuma das situações supra descritas se verifica.


Efetivamente, a criança tem 3 anos, não tendo, pois, maturidade, para exprimir a sua situação. Por outro lado, não resultou dos autos a alegação ou prova de factualidade alguma que se subsumisse nas alíneas a) ou b) do artigo 13.º da Convenção.


Portanto, em cumprimento das normas supracitadas da Convenção de Haia, o Tribunal determina o regresso imediato da AA a Espanha.


4. Dispositivo


Ao abrigo do disposto nos artigos 1.º-a), 3.º, 11.º, 12.º e 13.º, todos da Convenção de Haia, ordeno o regresso da menor AA para Espanha e determino a emissão de mandados de entrega judicial da menor à progenitora a cumprir pela autoridade policial no dia de hoje, que, para tal, se deverá deslocar à residência do progenitor, ... Cidade 2, em veículo descaraterizado, acompanhada da progenitora, a quem entregará a criança.

*

Comunique o teor da presente decisão à Autoridade Central Portuguesa (Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais).”


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Por apenso aos presentes autos encontram-se os autos:


- 7411/24.4... – processo tutelar comum findo;


- 7411/24.4...-A – processo de regulação das responsabilidades parentais onde foi proferida sentença, transitada em julgado, que julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta e absolveu a requerida da instância (artigos 96.º-a), 97.º/1, 99.º/1 e 278.º/1-a), todos do Código de Processo Civil);


­- 7411/24.4...-C – processo de promoção e protecção, no qual foi proferida decisão, transitada em julgado, a determinar o arquivamento dos autos, ao abrigo do disposto no artigo 2.º da LPCJP, por a menor AA não ter a sua residência em território nacional.


3.2.- Mérito do recurso

No presente recurso defende o apelante que: “deverá ser revogada a douta sentença a quo, objeto deste recurso, e em consequência, determinar a reabertura e prosseguimento do processo de regulação das responsabilidades parentais, a reabertura e o prosseguimento dos processos de promoção e proteção e de inquérito, de acordo com o ordenado pela Ata de 05.02.2025, E articular com o douto tribunal a quo congénere espanhol o imediato regresso da menor AA a Portugal, por se ter ficado provado que é no nosso pais que a menor tinha a sua residência habitual, à guarda e cuidados do Apelante.”


Para tanto alega que:


- a sentença recorrida é nula porque não faz qualquer menção à cópia dos registos informáticos da TRACTIVE GPS que assinalam e provam a residência habitual da AA em Portugal, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil;


- a Ata de 05.02.2025, da diligência realizada nos autos que constituem o apenso A, obrigava à realização de vários actos processuais com vista à obtenção de informação social sobre a menor AA, designadamente sobre a sua residência habitual, que não foram realizados pelo tribunal a quo, o que constitui uma nulidade processual, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil;


- há erro de julgamento;


- a decisão proferida pelo Tribunal espanhol é nula porque não foi nomeado ao apelante um defensor oficioso naquele processo, o que era obrigatório.


1. Nulidade da decisão por omissão de pronúncia


Alega o recorrente que a decisão recorrida é nula, nos termos previstos no art.º 615º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil, porque na mesma não foi tido em conta o registo técnico-informático da aplicação TRACTIVE GPS, do qual o apelante entende que resulta que a sua filha AA residiu em Portugal, de modo permanente e contínuo, de Janeiro de 2024 até 21/10/2024, tendo estado à guarda e cuidados do pai.


Mais alega que a decisão recorrida também é nula, nos termos do citado preceito legal, porquanto não foram realizadas várias diligências probatórias, ordenadas na Ata de audiência de 5.02.2025, que teve lugar nos autos que constituem o Apenso A, designadamente a realização de relatórios sociais, a avaliação das dinâmicas familiares, entrevistas aos progenitores e aos agregados familiares, a análise técnica da situação de vida da menor AA, a leitura dos autos de ocorrência, a audição dos agentes da GNR do Posto de Local 1, que presenciaram os indícios constantes das queixas que o Apelante fez.


Alega ainda que o Tribunal a quo estava obrigado pelo art.º 13º, in fine, da Convenção de Haia a obter as informações sociais sobre a vida da menor AA, antes de proferir a douta decisão ora recorrida, e não o fez, o que constitui uma nulidade processual.


Vejamos se lhe assiste razão.


Nos termos do art.º 615º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, aplicável a estes autos por remissão do art.º 33º, nº 1 do RGPTC, uma sentença é nula quando:


“a)- Não contenha a assinatura do juiz;


b)- Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;


c)- Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;


d)- O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;


e)- O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”


Em face desta disposição legal verificamos que a decisão recorrida não padece de qualquer nulidade, mormente da prevista na alínea d) desta norma, porquanto não deixou de se pronunciar sobre qualquer questão que tivesse sido colocada à apreciação do Tribunal.


O Ministério Público requereu a entrega da criança AA à mãe, por ter considerado que houve uma deslocação ilícita da criança de Espanha para Portugal, com fundamento no facto de a criança ter a sua residência habitual e o seu centro de vida em Cidade 1, junto da sua mãe, a qual não deu autorização para a alteração da residência da criança para Portugal, junto do pai.


E foi esta a questão que o Tribunal a quo apreciou e sobre a qual proferiu decisão.


O Tribunal a quo para apreciação desta questão e para prova dos factos que o Ministério Público submeteu à sua apreciação não considerou necessário ter em conta os meios de prova que o recorrente invoca, não só os suscitados nos presentes autos, como aqueles que foram suscitados na diligência realizada a 5/02/2025 no apenso A.


Na verdade, diz-nos o art.º 12º do RGPTC que os processos tutelares cíveis, nos quais o presente processo se inclui, têm a natureza de jurisdição voluntária.


Como tal, estes processos regem-se não por critérios de estrita legalidade, mas antes por juízos de equidade e de oportunidade com vista à tutela dos interesses que visam salvaguardar, conforme o previsto no art.º 987º do Cód. Proc. Civil.


Para além disso, segundo o princípio do inquisitório, previsto no art.º 411º do Cód. Proc. Civil, “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”


No caso dos autos, o Juiz a quo, no exercício da sua liberdade na apreciação da prova, não deu como provados os factos alegados pelo Ministério Público com fundamento no registo técnico-informático da aplicação TRACTIVE GPS, como pretendido pelo recorrente, mas antes com base noutros meios de prova produzidos nos autos e referidos na motivação de facto da decisão.


Por outro lado, as diligências probatórias ordenadas na Ata de audiência de 5.02.2025, que teve lugar nos autos que constituem o Apenso A, não tinham que ser consideradas no âmbito dos presentes autos, tanto mais que o art.º 609º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, que fixa os limites da condenação, também assim o impedia.


No caso dos autos, foi pedida ao Tribunal recorrido a apreciação dos pressupostos da deslocação ilícita de uma criança e a sua entrega à progenitora com quem vivia, que foi o que o Tribunal recorrido fez.


Não cabia no objecto do presente processo conhecer de questões suscitadas nos autos em apenso e decidir aquilo que o recorrente entende que o Tribunal a quo devia ter decidido e que é “determinar a reabertura e prosseguimento do processo de regulação das responsabilidades parentais, a reabertura e o prosseguimento dos processos de promoção e proteção e de inquérito, de acordo com o ordenado pela Ata de 05.02.2025, E articular com o douto tribunal a quo congénere espanhol o imediato regresso da menor AA a Portugal, por se ter ficado provado que é no nosso pais que a menor tinha a sua residência habitual, à guarda e cuidados do Apelante.”


Para conhecer do objecto dos presentes autos, o Tribunal a quo muniu-se de todas as provas necessárias para o efeito, pelo que não existe qualquer nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.


É que também não se deve confundir o conhecimento das questões colocadas à apreciação do Tribunal com a consideração de provas produzidas nos autos ou cuja produção foi ordenada em autos que correram por apenso, tanto mais que a apreciação de meios de prova não configura uma questão de que o Tribunal devesse conhecer, sendo tais meios apenas o instrumento da prova dos factos que podem ou não integrar tais questões.


Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 8/04/2025, proferido no processo nº 2616/24.0T8FNC.L1-7, em que foi relator José Capacete, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que:“(…) Dispõe o art.º 608.º, n.º 2, 1.ª parte, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras», estatuindo, por sua vez, o art.º 615.º, n.º 1.º, al. d), 1.ª parte, que «é nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).»


A sentença comporta sempre um limite mínimo segundo o qual ao juiz compete resolver todas as questões submetidas pelas partes à sua apreciação, com exceção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, entendendo-se por «questão» o efeito pretendido pelo autor (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir), bem como as exceções, sejam dilatórias ou perentórias, e suas razões, invocadas pelas partes ou de que o juiz deva conhecer oficiosamente.


Ora, a omissão de pronúncia (vício a que alude o art.º 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte) pressupõe o silenciar absoluto de qualquer questão de cognição obrigatória, nos termos do art.º 608.º, n.º 2, 1.ª parte; ou seja, tal nulidade ocorre quando o juiz pura e simplesmente deixa de se pronunciar sobre determinada questão que devesse apreciar, sendo certo que questão a resolver para os efeitos dos mencionados normativos legais é coisa diferente de «questão jurídica» - determinação de qual a norma aplicável e sua correta interpretação – que, como fundamento ou argumento de direito possa (ou deva mesmo) ser analisada no âmbito da apreciação da questão a resolver.


Assim, pois, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que constituem, de forma direta e imediata, dados integradores dos elementos constitutivos ou impeditivos, modificativos ou extintivos dos direitos cuja tutela é procurada pelas partes em juízo, na lógica e na perspetiva dos pedidos, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os argumentos, opiniões ou razões jurídicas.


Tanto a jurisprudência como a doutrina vêm unanimemente distinguindo, por um lado, «questões» e, por outro, «razões» ou «argumentos», para concluírem no sentido de que só a falta de apreciação das primeiras, quer dizer, das «questões, integra a nulidade prevista na 1ª parte da al. d) do nº 1 do art.º 615º, mas já não a simples falta de discussão das «razões» ou «argumentos» invocados para concluir sobre as questões.


Daqui se retira de imediato que a sentença recorrida não enferma da referida nulidade!


Ainda que o tribunal a quo não tivesse chegado sequer a emitir pronúncia sobre aquele requerimento probatório, e emitiu, indeferindo-o, tal omissão não tornaria a sentença nula nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, pois que um requerimento probatório não constitui, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2.(…)”


A tudo isto acresce que os autos que constituem o apenso A se encontram findos, por decisão transitada em julgado, sem que o recorrente aí tenha arguido a nulidade da decisão por falta de produção de prova.


Assim sendo, e por maioria de razão, não pode vir agora suscitar a nulidade da decisão recorrida por falta da produção daquela prova, quando no apenso A se conformou com a ausência da mesma.


Impõe-se, assim, concluir que não padece a decisão recorrida da invocada nulidade por omissão de pronúncia, improcedendo neste tocante o recurso.


2. Impugnação da matéria de facto


Quanto à apreciação dos factos dados como provados e não provados, entende o recorrente que o Tribunal a quo cometeu seis erros graves, com relevância para a causa, a saber:


- deu como provado que a menor AA residia permanentemente em Cidade 1, Espanha, desde Março de 2024;


- deu como provado que a progenitora trabalhou e viveu com a menor AA desde 2024 a 2025;


- nunca confrontou a progenitora com a assinatura de duas declarações, que manifestamente provavam que a menor AA viveu em Portugal, à guarda e cuidados do Apelante;


- deu como provado que a progenitora trabalhou e viveu com o Apelante e com a menor AA em Maio de 2024;


- deu como provado que o Apelante acreditaria em educações alternativas para a menor AA e que ele e a progenitora trabalharam e viveram juntos com a menor AA em Cidade 1;


- deu como provado que a progenitora e o Apelante inscreveram a menor AA no Colégio 1, quando existe numerosa prova desta falsidade, o Apelante nunca deu o seu consentimento para tal, nunca inscreveu a menor AA no referido Colégio.


Alega, para tanto, que o Tribunal a quo não analisou a prova documental que o apelante carreou para os autos, não analisou com a necessária prudência e rigor o registo informático que comprovava a localização da AA em Portugal e não apreciou condigna e articuladamente as declarações de ambos os progenitores.


Ora, relativamente à impugnação da matéria de facto, dispõe o art.º 640º do Cód. Proc. Civil que:


“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:


a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;


c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;


b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”


Face a esta disposição legal, dúvidas não restam de que o recorrente não cumpriu integralmente o ónus de impugnação da matéria de facto ali previsto, pois limitou-se a indicar genericamente os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, mas não concretizou quais as provas que impunham decisão diversa e porquê, nem indicou a versão dos factos que, no seu entender, em concreto se apurou.


Na verdade, estas exigências legais têm a dupla função de delimitar o âmbito do recurso e de tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária, pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo. (cf. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 26/09/2019, proferido no processo nº 144/15.4T8MTJ.L1-2, em que foi relator Carlos Castelo Branco, in www.dgsi.pt).


No caso dos autos, o recorrente limitou-se a discordar genericamente da factualidade apontada e da decisão tomada pelo Tribunal recorrido com base na mesma, invocando generalidades e conclusões, o que se compreende do ponto de vista da sua visão pessoal sobre a decisão, mas que não configura uma forma correcta de impugnação da matéria de facto.


Não tendo o recorrente cumprido o ónus do art.º 640º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, deve ser rejeitado o recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, atento o disposto no art.º 639º, nº 3 do mesmo diploma.


Ainda assim, sempre se dirá que o Tribunal recorrido deu como provados os factos apurados com fundamento na prova produzida nos autos e articulou as declarações dos progenitores da menor com todos os documentos juntos ao processo, tendo explicado as razões pelas quais conferiu maior credibilidade à versão dos factos apresentada pela progenitora da menor em detrimento da do progenitor, nos moldes descritos na motivação da decisão de facto supra transcrita, que não nos merecem qualquer reparo.


Compulsados os autos, verifica-se que foram juntos documentos que atestam que:


- a menor se encontra inscrita em estabelecimento escolar sito em Cidade 1, desde o início do ano lectivo 2004/2025, tendo frequentado este estabelecimento até janeiro de 2025;


- a menor se encontra inscrita na actividade extra-curricular de natação em Cidade 1;


- a menor é seguida regularmente por um pediatra em Cidade 1 desde que nasceu e onde lhe têm sido ministradas todas as vacinas;


- o progenitor da menor também tinha residência em Cidade 1, tendo celebrado juntamente com a progenitora um contrato de arrendamento para habitação principal, na qualidade de arrendatários;


- era enviada ao progenitor da menor correspondência para a sua morada em Cidade 1.


O recorrente não impugnou a validade dos documentos de onde se extraem estes factos, nos termos previstos no art.º 444º do Cód. Proc. Civil.


Estes documentos, em conjunto com os outros mencionados na decisão e articulados com as declarações da progenitora da menor, permitiram ao Tribunal recorrido concluir que a AA sempre viveu em Cidade 1 desde que nasceu, primeiro com ambos os progenitores e, após a separação destes, no verão de 2024, com a mãe e a irmã uterina.


Em face disto, impõe-se igualmente a conclusão de que ocorreu efectivamente uma deslocação ilícita da criança de Espanha para Portugal, nos termos previstos no art.º 3º da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, na medida em que o seu pai a trouxe para o nosso país sem autorização e contra a vontade da mãe, com intenção de que a menor aqui passasse a viver.


Esta conclusão a que chegou o Tribunal a quo alicerça-se na prova produzida nos autos, de forma coerente, fundamentada e não arbitrária, sem que o recorrente tenha apresentado meios de prova que impusessem decisão contrária.


É que uma coisa é a prova que efectivamente foi produzida e coisa diferente é a interpretação que o recorrente faz dessa mesma prova, como sucede no presente recurso.


Constata-se, assim, que o Tribunal recorrido recolheu todas as informações sociais sobre a vida da menor AA de que necessitava, antes de proferir a decisão recorrida, em obediência ao previsto no art.º 13º, in fine, da Convenção de Haia, não se verificando a nulidade processual invocada pelo recorrente.


Em face do exposto, improcede também este fundamento do recurso.


3. Nulidade da decisão espanhola


Alega ainda o recorrente que no processo espanhol mencionado na decisão recorrida ocorreu uma nulidade decorrente da falta de nomeação obrigatória de um defensor oficioso, o que põe em causa a validade da decisão daquele Tribunal.


Sucede, porém, que mais uma vez esta questão não faz parte do objecto dos presentes autos e, como tal, não pode ser conhecida por este Tribunal de recurso, sob pena de nulidade da decisão, atento o disposto nos arts.º 609º, nº 1 e 615º, nº 1, alínea e) do Cód. Proc. Civil.


A questão da nulidade da decisão do Tribunal espanhol deveria ter sido suscitada pelo recorrente junto daquele Tribunal, não podendo ser conhecida por este Tribunal de recurso, o qual também não tem jurisdição sobre os Tribunais espanhóis, apenas podendo sindicar a legalidade e o acerto das decisões de Tribunais nacionais hierarquicamente inferiores.


Falece, assim, também este fundamento do recurso.


*


O Tribunal recorrido deu como provados os factos apurados, motivou a decisão de facto e de direito e considerou ter ocorrido efectivamente uma deslocação ilícita da criança AA de Espanha para Portugal a que urgia pôr cobro, tendo decidido ordenar a entrega da criança à mãe, em obediência a todas as disposições de direito interno e internacional que regem esta matéria, nos moldes explanados e que não merecem reparo.


Cumpre salientar que o recorrente também não impugnou a qualificação jurídica dos factos dados como provados feita pela decisão em apreço, apenas tendo manifestado a sua discordância quanto à prova daqueles factos.


Em face do exposto, não se tendo efectuado qualquer alteração na matéria de facto dada como provada, impõe-se julgar totalmente improcedente o presente recurso, não se mostrando violadas nenhumas das normas invocadas pelo recorrente.


*


4. Decisão:


Pelo exposto, acordam as Juízes desta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso interposto por BB e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente (cfr. art.º 527º do CPC).

Évora, 10 de Julho de 2025

(texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto pela relatora)


Carla Francisco


(Relatora)


Maria Perquilhas


Rosa Barroso


(Adjuntas)