Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2836/05-1
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBVENÇÃO
CONSUMAÇÃO
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 03/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
1- Conforme Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/2006 do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Novembro de 2005, in Diário da República, I série–A, de 4 de Janeiro de 2006, o crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, previsto no artigo 36º, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente.
2- Se não se mostra violado o princípio da legalidade das provas, tendo-se, o tribunal, estribado em provas legalmente válidas que valorou de forma racional, lógica, objectiva e de harmonia com as regras da experiência comum, não há lugar à modificação da decisão de facto.
3- O princípio in dubio pro reo, como princípio relativo à prova, não se aplica quando a actividade probatória não deixa ao julgador qualquer dúvida na posição a tomar na decisão sobre matéria de facto.
4- Desde que o tribunal explicite o porquê da decisão de facto e o processo lógico-formal seguido, inexiste, quanto a ela, falta ou insuficiência de fundamentação.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em audiência, na Relação de Évora
a - Nos autos de processo comum (tribunal colectivo), com o nº … da comarca do …, os arguidos J e M, id. nos autos, notificados da junção aos autos do exame pericial de fls 850 a 857, requereram, a fls 859, com vista ao apuramento da verdade material, se oficiasse ao I para juntar aos autos os relatórios referidos no requerimento.
b- Por despacho de 14 de Junho de 2002, foi indeferido tal requerimento e, designada data para debate instrutório.
c- Vieram então os arguidos reclamar em 21 do mesmo mês, do mesmo despacho alegando que a omissão da diligência requerida constitui a nulidade prevista no artº 120ºnº 2 d) do CPP, por insuficiência de instrução e omissão de diligências essenciais ao apuramento da verdade material
d- Na data do debate instrutório o magistrado judicial ordenou a notificação do INGA “para em dez dias juntar aos autos os elementos constantes das alíneas a) e b) do requerimento de fls 859.”
e- O INGA juntou documentos de harmonia com tal despacho.
f- Os mesmos arguidos, notificados dessa junção insistiram pelo cumprimento do ordenado por os documentos juntos “não darem cabal cumprimento àquele douto despacho”
g- Proferido despacho em 4 de Outubro do mesmo ano, nele se disse que:
“Como se constata dos esclarecimentos prestados pelo assistente I, este não possui outros elementos para além dos que já apresentou, na sequência do requerimento dos arguidos. Designadamente, não existiram as tais foto-interpretações pelas quais os arguidos insistem.
Importa portanto encerrar essa questão, e retirar as ilações que forem possíveis da prova disponível.
h- Realizado debate instrutório, “foi concedida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, à ilustre mandatária do assistente e ao ilustre mandatário dos arguidos requerentes e demais arguidos para querendo, requererem a produção de provas indiciárias suplementares – a apresentar durante o debate – sobre questões concretas, controversas, nada tendo sido requerido.”
Foi novamente concedida a palavra “a fim de, querendo, formularem sinteticamente as suas conclusões sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios recolhidos e sobre questões de direito de que depende o sentido da decisão instrutória”,
- Pelo Ilustre mandatário dos arguidos requerentes e demais arguidos foi dito:
“Embora maioritária, não é uniforme a jurisprudência relativamente à questão da competência territorial para conhecer dos crimes de fraude na obtenção de subsídios. Atente-se, a titulo de exemplo, no acórdão do STJ de 7 de Novembro de 1991, proferido no processo 41897, que se encontra publicado no BMJ n. 411 de fls. 444 e seguintes.
Entendem por isso os arguidos ser incompetente para o julgamento destes autos o Tribunal Judicial da Comarca do “…X…”, uma vez que tendo as candidaturas aos respectivos subsídios sido apresentadas em Lisboa será o Tribunal desta Comarca o competente.
Por outro lado discordam os arguidos da douta posição assumida pelo Ministério Público e pela assistente no que concerne à prova indiciária recolhida nos autos, quer na fase de inquérito, quer na fase de instrução.
Como se colhe da acusação deduzida, grande parte da prova assenta em registos fotográficos que se encontram nos autos.
Suscitaram os arguidos a falsidade da maioria daqueles documentos fotográficos, por não retratarem a realidade física a que alegadamente se reportam.
Foram tais documentos sujeitos a perícia, cujo relatório de fls. 850 a 857 acabou por confirmar a manipulação pelos serviços da assistente da generalidade das fotografias que ofereceu aos autos para fundamentar a não elegibilidade de parcelas para efeitos da concessão de subsídios, ou invocar inscrição de áreas superiores ás efectivamente semeadas, fazendo-o, como resulta daquele relatório, utilizando fotografias de um voo realizado em Junho de 1996 e pretendendo com tais documentos provar que nas campanhas de 1997, 1998 e 1999 as áreas reproduzidas naquelas fotografias não seriam elegíveis ou não teriam sido parcialmente semeadas.
Estranhamente, a assistente veio invocar, quando confrontada com o relatório, "a incompetência" dos técnicos do …, aliás, nomeados por este Tribunal para o efeito.
Assim, a prova indiciária assenta em inverdades que um Estado de direito não pode acolher e que, por isso, não podem sustentar qualquer acusação pública.
Registe-se, ainda, que a assistente ao contrario do que alegou no inquérito e na instrução, nunca levou a cabo a fotointerpretação das fotografias que suportam a da acusação, como, aliás, o próprio Tribunal reconheceu no seu despacho de fls. 897, onde expressamente refere que "não existiram as tais foto interpretações pelas quais os arguidos insistem.(...)”
i- Foi proferida decisão, que julgou improcedente a invocada excepção de incompetência territorial, aduindo que:
“O tribunal é competente e o Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal.
Inexistem outras excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer”.
Passou de seguida à apreciação de fundo com vista a proferir decisão instrutória, tendo a final vindo a pronunciar os arguidos.
j- Inconformados recorreram o arguido J e M, “no que concerne à arguida incompetência do Tribunal Judicial do “…X…” para julgamento dos factos e, ainda no que concerne à arguida nulidade da prova.”, concluindo:
1- Os Recorrentes foram acusados da prática dos crimes de fraude na obtenção de subsídio e falsificação de documentos.
2- Na Instrução que requereram suscitaram a excepção da incompetência territorial do Tribunal Judicial da Comarca do “…X…” para conhecer da matéria dos autos, por entenderem caber tal competência ao Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa.
3- Suscitaram, ainda, a questão da nulidade da prova decorrente da falsidade da prova documental (fotográfica) junta aos autos e consequente nulidade da prova.
4- O Tribunal "a quo" indeferiu a excepção deduzida declarando competente o Tribunal Judicial da Comarca do “…X…”.
5- Na esteira dos ensinamentos do douto Acórdão do S.T.J., de 7 de Novembro de 1991, publicado no BMJ, 411, pág. 444 e seg.tes, entendem os Recorrentes ser competente para conhecer da matéria dos autos o Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa.
6- O Tribunal "a quo" violou, assim, por erro de interpretação e aplicação as disposições legais dos ars 19º, n° 1 e 32°, n° 1, ambos do C.P.P.
7- O que constitui nulidade insanável nos termos do artº 119º, e) do C.P.P.
8- Por outro lado, o Tribunal "a quo" omitiu pronúncia relativamente à questão da nulidade decorrente da falsidade da prova documental (fotográfica) e sua utilização no processo.
9- Tal falsidade resulta, em si mesma, do confronto das fotografias entre si, bem como do relatório pericial de fIs. 844 a 857 dos autos.
10- Tais fotografias constituem, por isso, um meio enganoso de prova, que é cominado com a sanção de nulidade por violação das disposições combinadas dos ars 118°, n° 1, 126°, nº 1 e n° 2, a), 170º, n° 1 e 379º, todos do C.P.P., bem como dos art.s 25°, n° 1 e 32°, n° 8, ambos da Constituição da República.
11- Deve, por isso, ser revogada a douta decisão do Tribunal "a quo" e substituída por outra que declare competente para conhecer a matéria dos autos o Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa e declare nula a prova documental (fotográfica) junta aos autos,
12- ou ordene a devolução dos autos ao Tribunal de Instrução Criminal de … para se pronunciar quanto à suscitada questão da nulidade da prova.
k- Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, concluindo:
1° O crime de fraude na obtenção de subsídio consuma-se com a efectiva entrega do subsídio ao beneficiário que a requereu, sendo territorialmente competente o tribunal onde os montantes são entregues, depositados e colocados à ordem e na disposição do beneficiário e não com o despacho de concessão.
2° A entrega dos subsídios em causa nos autos ocorreu na área da comarca do “…X…”, pelo que entendemos ser territorialmente competente para julgamento o Tribunal Judicial da Comarca do “…X…”, devendo improceder a invocada excepção, conforme decidido pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal.
3° De igual modo, entendemos não ter ocorrido a alegada falsidade da prova fotográfica e consequente invocada nulidade da prova.
4° No decurso de toda a instrução foram atendidas todas as pretensões dos arguidos no que respeita à problemática das fotografias e fotointerpretações.
Foram juntas as fotografias e informações pretendidas, foi realizada a requerida perícia através de perito nomeado, foi junta pelo “I” uma ampliação fotográfica e relatório dos serviços relativo à fotointerpretação e o “I” não possui outros elementos para além dos que apresentou, designadamente, não existiram as fotointerpretações pelas quais os arguidos insistem.
5° Claramente entendeu o Mmo Juiz na sua douta decisão instrutória estarmos perante meios de prova válidos e suficientes, quando conjugados com os restantes elementos de prova reunidos nos autos, para permitir a imputação aos arguidos dos crimes pelos quais foram acusados, considerando que "a situação actual não apresenta alterações em relação à que existia no momento do encerramento do inquérito e que justifiquem uma posição divergente daquela que foi tomada pelo Ministério Público",
6° Não ocorreu a violação de qualquer preceito legal, nomeadamente os invocados pelos recorrentes, pelo que, em consequência, entendemos dever ser mantida a douta decisão instrutória.
Termos em que,
Se entende dever ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a douta decisão de pronúncia dos arguidos.
L- Também o “I”, assistente, respondeu à motivação de recurso, no sentido da confirmação da decisão recorrida, mantendo-se a pronúncia do arguido
m- Nesta Relação, o Ministério Público opinou no sentido da improcedência do recurso interposto, com a consequente manutenção na ordem jurídica da impugnada decisão instrutória proferida a fls 918 a 942, com as legais consequências.”
-
n- Oportunamente veio a ser realizado o julgamento tendo sido proferido acórdão que decidiu julgar a acusação:
- parcialmente improcedente por não provada e, em consequência, absolver o arguido J - quanto aos pedidos de subsídio de comercialização de cereais do ano de 1997 -da prática de, em autoria material, na forma consumada e em concurso real:
um crime de falsificação de documento, p. e p. nos arts 256°, n° 1, al. b), com referência ao disposto no art. 255°, al. a), ambos do Cód. Penal;
e um crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p., pelo art. 36°, nos 1, al. a), 2, 5, al. a) e 8, do D.L. n° 28/84, de 20.01;
dois crimes de falsificação de documento, p. e p. nos art°s 256°, n° 1, al. b), com referência ao disposto no art. 255°, al. a), ambos do Cód. Penal e relativos aos factos de 1998 e 1999;
- parcialmente procedente por provada e, em consequência:
quanto aos pedidos de subsídio de superfície e de comercialização de cereais do ano de 1998, condenar pela prática de um crime continuado de fraude na obtenção de subsídio, na forma consumada, p. e p. no art. 36°, ns 1, ala a), 2, 5, al. a) e 8 do D.L. n° 28/84, de 20.01, os arguidos:
-.J com referência ao art. 2° do Dec-Lei no 28/84, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- sociedade "N", com referência aos arts 3° e 7° do Dec-Lei no 28/84, na pena de 4.900,00 ( (quatro mil e novecentos euros) ;
Quanto aos pedidos de subsídio de comercialização de cereais do ano de 1999, condenar os arguidos J e M pela prática, na forma consumada e em co-autoria material, de um crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. no art. 36°, nos 1, al. a), 2, 5, ala a) e 8, do D.L. n° 28/84, de 20.01, com referência ao art. 2°, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um deles ;
Condenar a sociedade "J2", pela prática, na forma consumada, de um crime de fraude na obtenção de subsídio, p. e p. no art. 36°, nos 1, al. a), 2, 5, ala a) e 8, do D.L. n° 28/84, de 20.01, com referência aos arts. 3° e 7° do Dec-Lei n 28/84, na pena de 4.900,00 € (quatro mil e novecentos euros);
Em cúmulo jurídico, condenar o arguido J na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Julgar o pedido cível parcialmente procedente e, consequentemente, condenar os arguidos a pagar ao “I”:
- a sociedade "A" e seu legal representante e sócio gerente, o arguido J - pedido de subsídio de superfície de 1998 - a importância de Esc. 9.418.264$00 (nove milhões, quatrocentos e dezoito mil, duzentos e sessenta e quatro escudos) e juros às taxas sucessivas legais desde a data de recebimento do montante indicado;
- a sociedade "A2" e o arguido J - pedido de subsídio de superfície de Abril de 1999 - o montante de Esc. 1.108.58200 (um milhão, cento e oito mil, quinhentos e oitenta e dois escudos) e juros às taxas sucessivas legais desde a data de recebimento do montante indicado;
- a sociedade "A2" e a sua legal representante e sócia gerente, a arguida M - dois pedidos de subsídio de comercialização de cereais 1999 - o montante total de Esc. 6.479.989$00 (seis milhões, quatrocentos e setenta e nove mil, novecentos e oitenta e nove escudos) e juros às taxas sucessivas legais desde a data de recebimento do montante indicado.
- Suspender na sua execução a pena imposta à arguida M pelo período de 4 (quatro) anos, suspensão que ficou sujeita à condição de ressarcimento do “I” da quantia por si apropriada { o montante total de Esc. 6.479.989$00 (seis milhões, quatrocentos e setenta e nove mil, novecentos e oitenta e nove escudos)} e na qual vai condenada a pagar ao “I”, no prazo de 6 ( seis) meses ;
Condenar cada arguido a pagar 20 (vinte) UC 's de taxa de justiça, 1% de adicional a favor das vítimas de crimes e nas custas do processo, com metade de procuradoria.
Ordenar Boletins ao registo.
o- Inconformados, recorreram os arguidos J e M, apresentando as seguintes conclusões:
1 - O Tribunal "a quo" julgou como questão já decidida a da suscitada incompetência do Tribunal do “…X…” para conhecer dos presentes autos;
2 - Porém, tal questão, ao invés do decidido, encontra-se em aberto, já que, como resulta do douto despacho de fls. 1.152, face ao recurso do Despacho de Pronúncia entretanto interposto, ainda pendente, a mesma será "sindicada por Tribunal superior";
3 - Conheceu, assim, o Tribunal "a quo" de questão que não podia conhecer, facto que constitui a nulidade da sentença cominada na alínea c) do n° 1, do artº 379º do C.P.P.
4 - O Tribunal "a quo" julgou não verificada a suscitada nulidade de prova fotográfica apresentada pelo Assistente;
5 - Porém, estava-lhe vedado fazê-lo, já que, como também resulta do douto despacho de fls. 1152, face ao recurso do Despacho de Pronúncia, entretanto interposto, e ainda pendente, tal "matéria será sindicada por Tribunal superior";
6 - Conheceu, assim, o Tribunal "a quo" de questão de que não podia tomar conhecimento, facto que constitui a nulidade da sentença cominada na alínea c) do n° 1, do artº 379º do C.P.P
7 - Por outro lado, foram incorrectamente julgados os pontos de facto constantes dos nºs 12, 13, 14 15, 32, 33, 34, 35, 37, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63 e 64 da matéria de facto dada como provada,
8- bem como os pontos de facto constantes das letras 1), m), n), o), t) e n) da matéria de facto que foi dada como não provada;
9 - A prova fotográfica constante do Apenso III, bem como a demais prova fotográfica junta aos autos e que foi objecto de exame pericial a que se reporta o relatório de peritagem de fls. 849 a 857, configura um meio enganoso de prova, atenta a sua comprovada falsidade;
10 - pelo que este Venerando Tribunal terá de declarar tal prova nula, com todas as suas consequências.
11- A nulidade inquina toda a demais prova produzida, já que foi com base nas falsas fotografias aéreas das parcelas que os depoimentos testemunhais foram produzidos;
12 - bem como foi com base nelas que foram produzidos os relatórios que determinaram, quer a inexigibilidade das parcelas, quer a redução de áreas e consequente exclusão ou redução dos subsídios;
13 - Se o Assistente tivesse utilizado, como podia e devia (já que delas dispunha) fotografias aéreas de 1998 e 1999 , contemporâneas das sementeiras e culturas arvenses que controlou naqueles anos, todas as parcelas seriam elegíveis e todas as áreas declaradas seriam também confirmadas;
14 - Por isso, a douta sentença recorrida terá de ser revogada, e os Recorrentes absolvidos, por força da aplicação das disposições combinadas dos art.s 126°, n° I e n° 2, a), 127°, 374°, n° 2 (indicação e exame crítico das provas) e 431°, a), todos do C.P.P., bem como o disposto nos art.s 1°,2° e 32°, n° 8 da C.RP. e, ainda, o princípio constitucional in dubio pro reo, disposições legais que o Tribunal "a quo" violou;
15 - Os arguidos, ora Recorrentes negaram a prática dos factos, conforme resulta da súmula das suas declarações de fls. 1253 e 1254;
16 - A Recorrente M apenas teve um relacionamento formal com as sociedades, dado que era seu marido quem geria as duas sociedades;
17 - Aliás, apenas subscreveu o pedido de subsídio em nome e representação da sociedade A;
18 - o qual, como resulta, quer da confissão do Recorrente marido, quer do depoimento da testemunha …, gravado na Cassete n° 5, Lado A, do n° 1852 ao n° 2227, foi entregue pelo Recorrente marido nos serviços do Assistente em Lisboa;
19 - Nenhuma outra referência à Recorrente M foi feita por qualquer dos demais intervenientes processuais;
20 - Pelo que inexiste qualquer prova que tivesse sido produzida em audiência que permitisse que o Tribunal "a quo" desse como provada a matéria dos n.s 12, 13, 15,52,54,55,56,57,58, 59,60 e 64 dos Factos Provados;
21 - Há, assim, manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto no que concerne à Recorrente M;
22- Modificada que for, por este Venerando Tribunal da Relação, a matéria de facto, ao abrigo das disposições combinadas dos art.s 410º, n° 1 e 2 e 431°, a) e b), ambos do C.P.P., deverá a Recorrente M ser absolvida.
23 - Por outro lado, é absolutamente destituída de fundamento legal e inconstitucional a utilização de provas não produzidas ou examinadas em audiência de discussão e julgamento, para efeitos de formação de convicção do Tribunal, como expressamente decorre do artº 355°, n° 1, do C.P.P.
24- Ora, o Tribunal "a quo" refere como tendo servido de base à formação da sua convicção, entre outros, o Parecer de fls. 235 a 240, informações de fls. 76 a 85, quadro de fls. 306 e memorando de fls. 880 a 887;
25- Compulsadas as actas de julgamento de fls. 1250 a 1254, 1276 a 1281, 1282 a 1283, 1293 a 1295 e 1321 a 1322, constata-se que tais documentos não foram examinados em julgamento, em clara violação do disposto no citado artº 355°, n° 1, do C.P.P. e dos princípios constitucionais e processuais da imediação da prova e do contraditório;
26 - "Assim, é nula a fundamentação da prova da matéria de facto por incumprimento do disposto no artº 355º do C.P.P., quando não é lido o documento em audiência e feita a menção dessa leitura na acta" (Ac. do STJ, de 93.03.11, pág. 42 a 94, in C.P.P. Anotado, de Simas Santos e Leal Henriques).
27 - Há manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto dado como provado sob o nº44 dos Factos Provados;
28- O detentor da factura N° 2, de 12.08.98, … não prestou declarações, nem foi admitida a leitura das que prestou em inquérito, como resulta da acta de audiência de discussão e julgamento de fls. 1321 e 1322;
29 - Assim, nenhum elemento de prova existe que possa sustentar não corresponder à verdade o que consta da aludida factura;
30 - Deverá, por isso, este Venerando Tribunal modificar a resposta dada, ao abrigo das disposições combinadas dos art.s 410º, n° I e 2 e 431°, a) e b), ambos do C.P.P., dando tal facto como não provado;
31 - Por outro lado, há manifesta contradição entre a matéria dada como provada sob o n° 14 e a que consta dos nºs 66 e 67 dos Factos Provados.
32 - Esta patente contradição compromete a validade da sentença que, inquinada como está daquele vício, não pode subsistir;
33 - Por outro lado, o Assistente só pagou o subsídio de comercialização da campanha 1999/2000, após ter recebido o Parecer da …, de fls. 482 a 484, o qual confirmou, quer as áreas cultivadas, tipo de culturas, quer a possibilidade de produção apresentada pela Sociedade requerente.
34 - Acresce que o Tribunal " a quo " não valorou, como devia, o teor do referido Parecer de fls. 482 a 484, que previamente solicitou, conforme fls. 485, o qual nem sequer considerou na motivação da decisão de facto, não tendo sido criticamente examinado como impõe o artº 374°, n° 2 do C.P.P., que, assim, se mostra violado;
35 - As provas que impõem decisão diversa e recorrida são constituídas pelas declarações dos Recorrentes, pelos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, e cujos depoimentos foram gravados, conjugados com os documentos fotográficos do Apenso m, Parecer de fls. 482 a 484 e exame pericial de fls. 849 a 857;
36 - O douto Acórdão recorrido, ao condenar os ora Recorrentes, violou por erro de interpretação e aplicação as disposições combinadas dos art.s 36°, n° 1, a), 2, 5, a) e 8 e 39° do D.L. n° 28/84 de 20 de Janeiro, 126°, n° 1 e 2, a), 127°, 355°, n° 1, 374°, n° 2,410°, n° I e 2, a) e b), todos do C.P.P., bem como o disposto nos artsº 1º, 2° e 32°, n° 8, todos da C.R.P., e ainda os princípios da imediação da prova, o princípio do contraditório e o princípio in dubio pro reo,.
37 - Deve, por isso, ser revogado e substituído por outro que, declarando nula toda a prova produzida por directa ou indirectamente ter sido obtida por meios enganosos, absolva os Recorrentes dos gravosos crimes por que foram injustamente condenados;
38 - Ou, quando, mesmo assim se não entenda, julgar a acusação totalmente improcedente, absolvendo os ora Recorrentes da prática dos crimes por que foram acusados, bem como do pedido cível contra eles formulados.
p- Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, concluindo:
1ª O Tribunal Judicial da comarca do “…X…” é o competente, em razão do território, para julgar os arguidos/recorrentes.
2ª Na realidade, o crime de fraude na obtenção de subsídio só se consuma com a entrega das importâncias, sendo competente o Tribunal da área onde essa entrega ocorre.
3ª A prova fotográfica não é falsa, pois é verdadeira na sua materialidade e estão identificadas as pessoas que as fizeram.
4ª Essa prova não é nula, pois não viola princípio algum de proibição de prova.
5ª As fotografias não foram consideradas como meio de prova para a formação da convicção do Tribunal "a quo", isto é, não foram consideradas como o não seriam em caso de nulidade.
6ª O Tribunal "a quo" considerou apenas as restantes provas para a formação da sua convicção e considerou-as suficientes para condenar - ( e bem) - os arguidos.
7ª Sem esquecer que também absolveu os arguidos em parte.
8ª Foram respeitados todos os princípios, nomeadamente, o da oralidade, o da imediação, o do contraditório e o do "in dubio pro reo".
9ª O julgador julga de acordo com a livre convicção que forma por processos legalmente estabelecidos.
10ª A convicção do julgador não é sindicável, mas apenas as formas e processos que o levaram a essa convicção.
11ª O princípio da imediação permitiu ao Tribunal "a quo" apreciação e valoração rigorosa de toda a prova nomeadamente a testemunhal.
12ª No acórdão recorrido explica-se de forma clara, completa, precisa e rigorosa quais os meios de prova em que assentou a sua convicção.
13ª O Tribunal considerou todos os meios de prova – (excepto as fotografias) e não apenas parte dos depoimentos de algumas testemunhas, coisa que os recorrentes fazem de forma desgarrada e sem grande engenho e arte.
14ª Os recorrentes ignoram por completo a exaustiva motivação do acórdão recorrido.
15ª Também não foi violado o princípio do contraditório, aliás, direito do qual os arguidos usaram e abusaram.
16ª O acórdão recorrido respeitou todos os ditames da lei, do bom senso e da Justiça.
17ª Não foram violadas disposições legais, nomeadamente, o disposto nos artigos 36°, 39° do D.L. n° 28/84, de 20 de Janeiro, 126°, 127°, 355°, 374° e 410°, todos do C.P.P., e 1°,2 e 32° do C.R.P.
Nestes termos, entende o MºPº que o recurso não deverá merecer provimento e que se deverá manter, na sua totalidade, o acórdão sob censura.
q- Nesta Relação, o Exmo Procurador-geral Adjunto é de parecer que “o presente recurso não merece provimento, devendo a douta decisão recorrida ser mantida nos seus precisos termos .”
r- Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP.
s- Foi o processo a vistos dos Exmos Adjuntos, após o que o Exmo Presidente designou a audiência que veio a realizar-se na forma legal.
t- Consta da decisão recorrida:
“Questão já decidida é a da competência do Tribunal do “…X…” conhecer dos presentes autos.
Não ocorre nulidade da prova apresentada, pois que se não trata de uso de métodos proibidos de prova - artigo 126° Código de Processo Penal - nem os documentos apresentados (fotos aéreas) são falsos, discutindo-se e apenas se as mesmas dizem respeito ao ano que é indicado pela acusação ou se a outro ano qualquer sendo, portanto, caso de ponderação da mesma e da sua virtualidade de fundar a convicção do Tribunal.
Nada obsta a que se conheça do mérito, mantendo-se a regularidade da instância.
Mostram-se provados os seguintes factos:
1) Os arguidos J e M são casados entre si.
2) Estes arguidos são proprietários de diversos terrenos agrícolas sitos em várias Freguesias do Concelho de ….
3) Tendo em vista explorar os aludidos terrenos e daí retirar proveitos económicos os arguidos J e M vieram a criar as sociedades "A" e "S", respectivamente, a 27.11.97 e 01.03.99.
4) A sociedade arguida "A" tem por objecto social a produção, transformação, comercialização, exportação e importação de produtos alimentares e agrícolas de qualquer género e espécie, nomeadamente semente para multiplicação, cereais para transformação humana e animal, aluguer de máquinas agrícolas, arrendamento e gestão de propriedades agrícolas, silvicultura e olivicultura, agro-pecuária e agro turismo, coutadas de caça, máquinas e alfaias agrícolas e produtos complementares da actividade agrícola.
5) Os dois únicos sócios desta sociedade são os arguidos J e M.
6) Por seu turno, arguido J é, desde a constituição da sociedade, gerente da mesma, com poderes para, por si só, a obrigar.
7) Exercendo desde então, sozinho e em exclusivo, toda a gestão da Sociedade arguida, cabendo-Ihe a iniciativa e a total responsabilidade pelas decisões concernentes à gestão da mesma a que depois dava execução.
8) O arguido J assim procedeu sempre, consciente, de forma voluntária, por sua iniciativa, em nome da sociedade arguida "A" e a favor dos interesses desta.
9) A sociedade arguida "S" tem por objecto social a exploração agro turística e hoteleira, compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos para esse fim, o comércio e aluguer de veículos automóveis e de máquinas agrícolas, a produção e comércio de produtos agro-pecuários, alimentares, sementes, plantas, flores, rações e agro-químicos.
10) Os dois únicos sócios desta sociedade são os arguidos J e M.
11) A gerência da sociedade "S", desde a constituição da mesma a 01.03.99, é exercida por ambos os arguidos, marido e mulher, sendo, no entanto, necessária apenas uma assinatura para obrigar a sociedade em todos os seus actos e contratos.
12) Desde então, ambos os arguidos exerceram, de facto, toda a gestão da sociedade arguida, cabendo-Ihes a iniciativa e a total responsabilidade pelas decisões concernentes à administração da mesma a que depois davam execução.
13) Os arguidos J e M assim procederam sempre, em conjunto, de forma voluntária, por sua iniciativa, em nome da sociedade arguida "S" e a favor dos interesses desta.
14) Por seu turno, o arguido J, fora do âmbito de actividade das mencionadas sociedades, mas porém com o objectivo comum de explorar os aludidos terrenos e daí retirar proveitos económicos, desenvolve também a actividade de empresário agrícola em nome individual.
15) Com o desempenho destas actividades, os arguidos J e M, a partir do ano de 1998, tomaram a resolução criminosa de começar a apossar-se indevidamente de dinheiros públicos, e que são facultados aos agricultores a título de ajuda para o desenvolvimento agrícola, mediante subsídios e ajudas concedidos pelo “I”, que de ora em diante se designará abreviadamente por ….
16) O “I” é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira que procede, conforme as suas atribuições legais, à gestão e pagamento das ajudas comunitárias provenientes da Secção Garantia do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola, nos termos e para os efeitos do disposto no Reg. (CEE) n° 729/70, de 21.04, bem como à centralização dos fluxos financeiros provenientes daquele fundo, e ainda à aplicação e execução das garantias institucionais dos mercados dos produtos vegetais e animais previstas nos sistemas nacionais e comunitários de intervenção, de preços e de atribuição de prémios, ajudas e subsídios.
17) É da responsabilidade financeira da Secção Garantia daquele Fundo, em regime de co-financiamento pelo orçamento nacional, o pagamento da ajuda especial aos Produtores Portugueses de Cereais, instituída pelo Reg. (CEE) n° 3653/90, do Conselho, de 11 de Dezembro, e Reg. (CEE) n° 1184/91, da Comissão, de 6 de Maio. Esta ajuda, em traços gerais, é concedida ao produtor de trigo mole, triticale, centeio, cevada, milho e sorgo, em função das quantidades de cereal em relação aos quais o produtor faça prova de venda no mercado (venda a um comprador).
18) Para o efeito, deve o produtor manifestar no seu "pedido de ajuda superfícies" (Modelo A) as parcelas (que surgem identificadas pela referência ao número que possuem no sistema de identificação das parcelas agrícolas, designado de parcelário) e áreas exploradas com algum daqueles cereais, e apresentar pedido de pagamento instruído com a factura de venda do cereal no mercado, para o qual solicita esta ajuda, que de ora em diante se designará abreviadamente por subsídio/ajuda de comercialização de cereais.
19) Por outro lado, é também da exclusiva responsabilidade financeira da Secção Garantia daquele Fundo, o pagamento da Ajuda Comunitária aos Produtores de Culturas Arvenses, instituído pelo Reg. (CEE) n° 1765/92 do Conselho, de 30 de Junho, executado, no âmbito nacional, pelo DN n° 43-A/96, de 28.01.
20) Esta ajuda - designada de pagamentos compensatórios - é concedida aos produtores que ocupem as respectivas explorações com culturas arvenses - fixadas no Anexo I do referido Regulamento - ou as consagrem à retirada de terras, nos termos do regime desta ajuda, desde que tenham procedido à sementeira e apresentem um pedido de ajuda. Esta ajuda é assim função da superfície ou área ocupada com culturas arvenses e/ou consagrada a pousio.
21) Para acederem a esta ajuda, devem os produtores preencher e apresentar o "pedido de ajuda superfícies" (Modelo A), a que já se aludiu anteriormente, indicando as áreas ocupadas com culturas arvenses e pousio nos prédios com que se habilitam a tal ajuda, identificados por referência ao número que possuem no sistema de identificação das parcelas agrícolas (Parcelário).
22) De ora em diante designar-se-á abreviadamente esta ajuda como subsídio de superfície.
23) A 5 de Março de 1997, o arguido J, enquanto agricultor em nome individual, apresentou junto do “I” um pedido de subsídio de superfície (vide doc.s de fls. 62 a 66).
24) As áreas declaradas para efeitos de obtenção da mencionada ajuda foram objecto de uma acção de controlo físico pela empresa "SA".
25) O arguido J, na qualidade de agricultor em nome individual, apresentou a 28.07.97 e 31.08.97 junto do “I” pedidos de subsídio relativos à comercialização de cereais (vide fls. 141 a 145 e 146 a 149).
26) A facturação apresentada, comprovativa da venda de cereais, totaliza o valor de Esc. 24.067.236$00 (vinte e quatro milhões, sessenta e sete mil, duzentos e trinta e seis escudos), relativo à comercialização de 904.960 quilogramas.
27) Face a estes valores declarados, o “I” veio de facto a atribuir ao arguido J um subsídio no valor de Esc. 13.641.700$00 (treze milhões, seiscentos e quarenta e um mil e setecentos escudos), mediante dois pagamentos, a saber: um de Esc. 6.160.436$00, a 27.09.97, e outro de Esc. 7.481.262$00, a 10.12.97 (cfr. fls. 119,123, 126e 127)
28) Os pedidos de subsídio foram instruídos com sete facturas relativas à alegada venda de cereais, sendo duas delas as:
factura n° 35, datada de 16.07.97, emitida em nome da empresa "E" e relativa à venda de 53.560 Kgs. de cereal (fls. 142); e
factura n° 37, datada de 16.07.97, emitida em nome de “D” e relativa à venda de 22.500 Kgs. de cereal (fls. 143).
29) A 17 de Abril de 1998, a sociedade arguida "S", por intermédio do seu legal representante e sócio gerente, o arguido J, apresentou junto do “I” um pedido de subsídio de superfície, fazendo uso das mesmas parcelas de terreno do ano anterior (cfr. fls. 12 a 26).
30) A 29.10.98, as áreas declaradas pela sociedade arguida, para efeito de obtenção da mencionada ajuda, foram objecto de uma acção de controlo físico, efectuada por técnicos do “I”.
31) Destinava-se tal acção a confirmar no terreno as declarações prestadas pela sociedade arguida, por intermédio do seu legal representante.
32) Estes técnicos detectaram que as áreas efectivamente cultivadas eram muito inferiores àquelas que estavam declaradas no pedido de subsídio, subscrito pelo legal representante da sociedade arguida, conforme consta do quadro explicativo de fls. 8, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
33) Esta constatação foi confirmada mediante a recolha de fotografias aéreas, que constam de fls. 37 a 44 dos presentes autos.
34) Por outro lado, no que toca à ajuda nesta campanha para o grupo de pousio obrigatório, apurou-se que as áreas declaradas não eram elegíveis porque não tinham sido semeadas no ano anterior, sendo esta uma condição essencial para a concessão de subsídio.
35) Procurou, assim, o arguido J, em nome da sociedade "A", obter benefícios ilegítimos a título de ajuda/ subsídio concedido pelo “I”, o que só não logrou fazer, dado que estes serviços se aperceberam a tempo das diferenças intencionais entre que foi declarado e o que tinha correspondência na realidade, em resultado do controle físico efectuado.
36) Com efeito, propuseram aqueles técnicos, ao abrigo do disposto no art. 9°, ponto 2 do Regulamento 3887/92, de 23.12, no que toca ao grupo de cereais de sequeiro e regadio, e de harmonia com o disposto no n° 10 do Despacho Normativo n° 40-A/ 96, no que respeita aos grupos de pousio obrigatório, que fosse a sociedade arguida excluída do benefício solicitado, proposta que veio a ser aceite superiormente (cfr. relatório de fls. 76 a 81 e parecer de fls. 82 a 85).
37) Não obstante estas discrepâncias, que comprometiam seriamente os números a apresentar relativos à produção e consequente venda de cereais, a sociedade arguida "A", por intermédio do seu legal representante e sócio gerente, o arguido J, apresentou junto do “I”, a 20.08.98 e 06.11.98, pedidos de subsídio relativos à comercialização de cereais (cfr. fls. 91 a 93 e 94 a 96 dos autos).
38) A facturação apresentada, alegadamente comprovativa da venda de cereais, totaliza o valor de Esc. 24.495.750$00 (vinte e quatro milhões, quatrocentos e noventa e cinco mil, setecentos e cinquenta escudos), relativo à comercialização de 1.072.700 quilogramas de cereais.
39) Face a estes valores declarados nos pedidos de ajuda subscritos pelo arguido José Manuel, em nome da sociedade "A", o “I” veio, de facto, a atribuir à sociedade arguida um subsídio de comercialização no montante de Esc. 9.418.264$00 (nove milhões, quatrocentos e dezoito mil, duzentos e sessenta e quatro escudos) -vide doc.s de fls. 97 e 98.
40) Este montante corresponde apenas ao pedido de subsídio apresentado a 20.08.98, dado que o apuramento destes valores foi feito a 30.09.98, antes da aludida acção de controle físico levada a cabo a 29.10.98, pelo que não se apercebeu o “I” que a comercialização de cereais declarada não podia ter suporte numa produção quase inexistente.
41) Tal constatação só se verificou a quando da apreciação do pedido de subsídio datado de 06.11.98, o que conduziu ao seu natural indeferimento.
42) Mais uma vez os pedidos de subsídio foram instruídos com facturas relativas à alegada venda de cereais a compradores, num total de quatro, sendo que as mesmas não titulam efectivas transacções, tendo sido os factos delas constantes forjados pelo arguido J, sem o conhecimento ou autorização dos putativos compradores de cereal, com o propósito de vir a obter do “I”, em nome da sociedade "A", pagamentos indevidos a título de ajuda.
43) Propósito esse que, como se viu, foi alcançado no que respeita ao pedido de subsídio de 20.08.98, e já não naquele que data de 06.11.98, porquanto os serviços do “I” se aperceberam atempadamente que a uma produção incipiente não podiam corresponder vendas significativas.
44) São as seguintes as facturas em causa :
factura n° 1, datada de 05.08.98, emitida em nome de … e relativa à venda, nunca efectuada, de 294,900 Kgs. de cereal (fls. 92);
factura n° 2, datada de 12.08.98, emitida em nome de … e relativa à venda, nunca efectuada, de 425,100 Kgs. de cereal (fls. 93);
45) Foram os valores declarados nestas duas facturas que fundaram a concessão indevida do subsídio requerido a 20.08.98.
factura n° 5, datada de 11.10.98, emitida em nome de … e relativa à venda, nunca efectuada, de 120.000 Kgs. de cereal (fls. 95);
factura n° 11, datada de 27.10.98, emitida mais uma vez em nome de … e relativa à venda, nunca efectuada, de 232.760 Kgs. de cereal (fls. 96);
46) Foram estas as facturas que fundaram o pedido de subsídio datado de 06.11.98, que veio a ser recusado.
47) Com esta conduta logrou o arguido J, em representação e no interesse da sociedade arguida "A", apoderar-se ilegitimamente do montante da ajuda indevidamente recebida, na importância de Esc. 9.418.264$00 (nove milhões, quatrocentos e dezoito mil, duzentos e sessenta e quatro escudos).
48) A 29 de Abril de 1999, a sociedade arguida "S", por intermédio do seu sócio gerente e legal representante, o arguido J, que agiu no âmbito dos seus poderes e em benefício dos interesses societários, apresentou junto do “I” um pedido de subsídio de superfície, fazendo uso das mesmas parcelas de terreno que no ano anterior haviam sido utilizadas pela sociedade "A" (cfr. fls. 140 e 167 a 177).
49) O “I” fez o controlo de campo às parcelas apresentadas no pedido de subsídio, tendo detectado novamente grandes diferenças entre o que foi declarado e o efectivamente constatado no terreno, no que respeita às áreas alegadamente cultivadas, conforme se pode verificar pela documentação constante do "Apenso" III destes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
50) Porém, e visto que essas incongruências não foram detectadas, em medida suficiente, no que toca à ajuda para o grupo de pousio obrigatório, o “I” veio, de facto, a atribuir à sociedade "S", um subsídio de superfície no montante de Esc. 1.108.58200 (um milhão, cento e oito mil, quinhentos e oitenta e dois escudos) - cfr. fls. 188 e 189.
51) O controle de campo efectuado pelos técnicos do “I”, relativo às parcelas de terreno, detectou que, ao contrário do declarado, grande parte das parcelas não haviam sido cultivadas, o que não podia de comprometer os números a apresentar relativos à produção e venda de cereais.
52) Porém, a sociedade arguida "S", por intermédio da sua legal representante e sócia gerente, a arguida M, apresentou junto do “I”, a 29.07.1999 e a 02.09.1999, dois pedidos de subsídio de comercialização de cereais ("Ajuda Especial Portugueses de Cereais") - vide fls. 183 a 186.
53) A facturação apresentada, alegadamente comprovativa da venda de cereais, totaliza o valor 17.078.625$00 (dezassete milhões, setenta e oito mil, seiscentos e vinte e cinco escudos), relativo à comercialização de 759.050 quilogramas de cereal.
54) Face a estes valores declarados em ambos os pedidos de ajuda subscritos pela arguida M, em nome e no interesse da sociedade arguida "S", o “I” veio, de facto, a atribuir à sociedade arguida um subsídio no montante total de Esc. 6.479.989$00 (seis milhões, quatrocentos e setenta e nove mil, novecentos e oitenta e nove escudos) - vide fls. 187.
55) Cada um dos pedidos de subsídio foi instruído com uma factura relativa à alegada venda de cereais, sendo que nenhuma delas corresponde a efectivas transacções realizadas, tendo sido os factos delas constantes forjados/ escritos pelo seu marido, o co-arguido J e também sócio gerente da "S",
56) Agiram assim estes arguidos, marido e mulher, em comunhão de esforços e actuações com o propósito alcançado de vir a obter do “I”, em nome da sociedade "S", pagamentos indevidos a título de ajuda.
57) São as seguintes as facturas a que se aludiu :
factura n° 1, datada de 23.07.99, emitida em nome da sociedade "A" e relativa à venda, nunca efectuada, de 609.850 Kgs. de cereal (fls. 184); e aos Produtores
factura n° 2, datada de 28.08.99, emitida em nome da sociedade "A" e relativa à venda, nunca efectuada, de 149.200 Kgs. de cereal (fls. 186).
58) Como se referiu, são forjadas estas facturas, dado que titulam vendas fictícias de cereal, resultando tal constatação de diversos factos, a saber .
59) As alegadas transacções foram efectuadas, como que em "circuito fechado", entre as duas sociedades arguidas nestes autos, cujos únicos sócios são, recorde-se, os arguidos J e M; os montantes titulados nas facturas nunca foram pagos pela "A" à "S", o que resulta da análise da contabilidade das duas empresas (cfr. fls. 91 e 74 do "Apenso I") e do facto de não ter sido emitida por aquela última nenhuma quitação/ recibo; tendo averiguado o “I”, na sequência do controle de campo efectuado, que a maior parte das parcelas declaradas não haviam sido cultivadas, e não se tendo apurado que a "S", antes da apresentação dos pedidos de subsídio, haja adquirido cereais a terceiros, verifica-se que não havia possibilidade de esta sociedade vir a vender cereais em tal quantidade, já que não os detinha.
60) Deste modo lograram os arguidos M e J, sendo aquela primeira em representação e no interesse da sociedade arguida "S", apoderar-se indevidamente do montante da ajuda efectivamente recebida, na importância de Esc. 6.479.989$00 (seis milhões, quatrocentos e setenta e nove mil, novecentos e oitenta e nove escudos).
61) Nos apontados períodos, antes de 1999, o arguido J agiu livre, voluntária e conscientemente, ora em seu interesse individual, ora em representação da sociedade arguida "A", sabedor que os elementos apresentados ao “I” nos pedidos de pagamento das ajudas eram inverídicos e ainda que os documentos justificativos do direito aos subsídios relatavam factos falsos, tendo agido com o propósito, ora alcançado, ora frustrado, de obter dinheiro indevidamente.
62) Durante o ano de 1999, e no que respeita à actividade da sociedade "S", agiram os arguidos J e M de forma livre, voluntária e consciente, em comunhão de esforços e actuações, sendo aquela última em representação e no interesse da sociedade arguida, sabedores que os dados fornecidos ao “I” nos pedidos de ajuda eram inverídicos e ainda que os documentos justificativos do direito aos subsídios eram falsos no seu teor, tendo agido com o propósito conjunto de obterem indevidamente dinheiro, o que lograram fazer.
63) Por último, ao preencher e emitir as diversas facturas relativas à alegada venda de cereais, e ao nelas consignar, como o fez, transacções nunca efectuadas, estava o arguido ciente que fazia constar falsamente de documento, facto juridicamente relevante, tendo agido com a intenção de obter enriquecimento ilegítimo e de causar prejuízo ao “I”.
64) Estavam os arguidos J e M cientes que as suas condutas eram proibidas e punidas pela Lei Penal.
65) O arguido J foi arguido em vários processos judiciais, essencialmente, de transgressão posteriormente, de contra-ordenação, por arranque de azinheiras e que correram termos pelo Tribunal Judicial de … e Tribunal Judicial do “…X…”.
66) O arguido J exerceu, em nome individual, a actividade de empresário agrícola até ao ano de 1997, inclusive.
67) A partir de 1998 deixou de exercer individualmente tal actividade, que passou a exercer através da sociedade A e da qual é sócio-gerente.
68) Entretanto, esta sociedade adquiriu, os armazéns da …, no …, através de escritura pública, de 29 de Setembro de 1998.
69) Para o efeito, recorreu a empréstimo hipotecário junto da C.G.D.
70) O arguido J decidiu criar a S, o que ocorreu em 1 de Março de 1999.
71) Os arguidos são de média condição económica e social.
72) A arguida frequentou, por dois anos, o curso superior de Línguas e Literaturas Modernas.
*
Não se provou :
a) Foram detectadas sérias irregularidades na campanha de 1997, uma vez que foram consideradas partes de parcelas que não tinham estado afectas às culturas declaradas na campanha em causa (vide fls. 80).
b) Cinco facturas relativas ao ano de 1997 não correspondem a reais transacções, tendo sido os factos delas constantes forjados pelo arguido J, sem o conhecimento ou autorização dos hipotéticos compradores de cereais, com o propósito alcançado de vir a obter do “I” pagamentos indevidos a título de ajuda.
c) São as seguintes as facturas em causa :
i. factura n° 39, datada de 20.07.97, emitida em nome de … e relativa à venda, nunca efectuada, de 188.990 Kgs. de cereal (fls. 144);
ii. factura n° 40, datada de 25.07.97, emitida em nome de … e relativa à venda, nunca efectuada, de 144.600 Kgs. de cereal (fls. 145);
iii. factura n° 42, datada de 15.08.97, emitida em nome de … e relativa à venda, nunca efectuada, de 225.640 Kgs. de cereal (fls. 147);
iv. factura n° 43, datada de 10.09.97, emitida em nome de … e relativa à venda, nunca efectuada, de 169.800 Kgs. de cereal (fls. 148);
v. e factura n° 44, datada de 20.09.97, emitida em nome de … e relativa à venda, nunca efectuada, de 99.870 Kgs. de cereal (fls. 149).
d) Deste modo, conclui-se que do valor efectivamente recebido pelo arguido J, a título de subsídios de comercialização no ano de 1997, o mesmo só teria legítimo direito a haver o montante de Esc. 1.142. 591$00, relativo às facturas n.s 35 e 37, pelo que se apropriou ilegitimamente da diferença, na importância de Esc. 12.499.109$00 (doze milhões, quatrocentos e noventa e nove mil, cento e nove escudos) - vide quadro de fls. 306.
e) Logrou o arguido atingir este fim, já que induziu propositadamente os serviços do “I” em erro, apresenado facturas forjadas que não correspondiam a vendas de cereal efectivamente realizadas.
f) O arguido passou a exercer, de forma mais alargada, a actividade comercial que até então vinha sendo exercida pela …, isto é, passou a comercializar adubos, sementes, razões, produtos agro-químicos, utensílios agrícolas, material para vedação, redes, madeira tratada.
g) Essencialmente, esta sociedade foi criada para separar as actividades produtivas das actividades de comercialização de produtos ou serviços.
h) Por isso, a partir da sua constituição a sociedade A passou a dedicar-se exclusivamente à comercialização dos produtos agrícolas produzidos nos terrenos agrícolas de que os arguidos são proprietários ou rendeiros, bem como de todos os produtos ou serviços que anteriormente eram comercializados pela …, bem como aqueles que passou a comercializar nas antigas instalações da ….
i) Ficaram perfeitamente definidas as distintas actividades que cada uma das sociedades passou a levar a cabo: a A, passou a dedicar-se exclusivamente à comercialização de produtos e a Sociedade S, à produção de cereais e de animais.
j) Relativamente aos cereais, tem como único cliente a A, comercializando directamente os animais.
k) As duas sociedades celebraram um contrato, em 15 de Abril de 1999, nos termos do qual a S, se obrigava a comprar todos os cereais produzidos pela A, bem como se obrigava, também a fornecer a esta sociedade todos os serviços destinados ao cultivo dos cereais, nomeadamente, assistência técnica, máquinas, quer para ceifar, quer para trabalhar a terra, adubos, sementes e herbicidas.
l) As acções de controlo das parcelas semeadas são levadas a cabo, 3 ou 4 meses após a colheita dos cereais, e quando as terras já estão todas mobilizadas, e, muitas vezes, já feita a sementeira seguinte.
m) Não é humanamente possível determinar, quando da acção de controlo, se as parcelas foram ou não semeadas.
n) É usual no Alentejo os restolhos serem todos queimados.
o) Não estão concreta e correctamente determinadas as áreas elegíveis de cada uma das parcelas.
p) O arguido, por sua iniciativa, retirou de cada uma das parcelas a área que não foi efectivamente cultivada, através de medição por si efectuada.
q) Sem, contudo, tais reduções corresponderem, como se pretende, a áreas não semeadas.
r) Relativamente à Campanha de 1998, a Sociedade A, por comunicação postal registada, retiradas determinadas áreas das parcelas inicialmente inscritas, por não terem sido efectivamente semeadas.
s) O “I” recebeu tal comunicação em 4 de Novembro de 1998, isto é, depois de os seus serviços terem procedido a acção de controlo, que ocorreu em 29 de Outubro de 1998.
t) Não tendo remetido aos arguidos, até hoje, cópia do relatório de tal acção de controlo.
u) Todas as parcelas inscritas foram semeadas.
v) Não resultou provado qualquer outro facto com relevo para a decisão da causa ou qualquer facto que se mostre incompatível com os dados como provados, bem como apreciações genéricas, juízos valorativos e conclusões.
*
u- Cumpre apreciar e decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões constantes da motivação. (Ac, do Plenário das Secções Criminais do STJ nº 7/95 de 19 de Outubro, in Diário da República I-A de 28 de Dezembro de 1995)
Do recurso do despacho:
Sobre a questão da competência territorial
A decisão recorrida considerou, nomeadamente:
“Vem arguida a competência territorial da comarca de Lisboa para conhecimento da matéria dos autos.
Afigura-se que a questão colocada está hoje resolvida pela jurisprudência, depois de alguma controvérsia passada. Assim, lugar de consumação do crime de fraude na obtenção de subsídio é o local onde a importância ilegitimamente apropriada é colocada na disponibilidade de agente, por só então ficar sob o seu poder de facto. No caso, trata-se da área da comarca de “…X…”, onde os subsídios em questão foram pagos às sociedades arguidas (ou deveria sê-lo, no caso da tentativa).
Deste modo, tal como acontece para os crimes de falsificação indiciados, a comarca competente para o julgamento dos crimes de fraude para obtenção de subsídio é a de “…X…” ( o que confere também competência para a instrução a este Tribunal de Instrução Criminal).(...)
A este respeito, transcrevem-se, por todos, as conclusões do Acórdão da Relação de Lisboa de 7/01/97: "sendo crime contra a economia o de fraude na obtenção de subsídio, é no momento da produção do resultado típico, ou seja, o recebimento do subsídio, que se desvirtuam as regras do funcionamento do mercado, designadamente ofendendo as regras da igualdade de oportunidades e de lealdade na concorrência entre os diversos agentes económicos, pelo que é nesse momento que o crime se consuma"; e do Acórdão da Relação de Coimbra de 17/5/2000: "o crime de fraude na obtenção de subsídio consuma-se com a entrega do subsídio e não com a sua atribuição e mais concretamente com o pagamento da última tranche. O tribunal competente para conhecer do crime de fraude na obtenção de subsídios é o da área onde os montantes dos subsídios foram depositados e colocados na disponibilidade dos pretensos beneficiários".
Nesta orientação, improcede a invocada excepção de incompetência territorial.”
Assiste inteira razão à decisão recorrida, pela fundamentação válida exposta, não tendo razão os arguidos recorrentes quando entendem ser incompetente para o julgamento destes autos o Tribunal Judicial da Comarca do “…X…”, por as candidaturas aos respectivos subsídios terem sido apresentadas em Lisboa.
Sendo certo que a tese acolhida pela decisão recorrida não era uniforme na jurisprudência, como, aliás, vem referido pelos recorrentes, quando assinalam: “Embora maioritária, não é uniforme a jurisprudência relativamente à questão da competência territorial para conhecer dos crimes de fraude na obtenção de subsídios. Atente-se, a titulo de exemplo, no acórdão do STJ de 7 de Novembro de 1991, proferido no processo 41897, que se encontra publicado no BMJ n. 411 de fls. 444 e seguintes.”, o certo é que a questão encontra-se definitivamente resolvida pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/2006 do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Novembro de 2005 in Diário da República, I série –A de 4 de Janeiro de 2006 que fixou a seguinte jurisprudência:
“O crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção previsto no artigo 36º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, consuma-se com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção ao agente.”
Daí, ser competente para conhecer do pleito, o Tribunal da comarca do “…X…”, local de entrega dos subsídios em causa, e não o da comarca de Lisboa.
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Relativamente “à questão da nulidade decorrente da falsidade da prova documental (fotográfica) e sua utilização no processo.”
Alegam os recorrentes que tal falsidade resulta, em si mesma, do confronto das fotografias entre si, bem como do relatório pericial de fIs. 844 a 857 dos autos e que tais fotografias constituem, por isso, um meio enganoso de prova,
Vejamos
Em processo penal português vigora o princípio da legalidade da prova a que alude o artigo 125º do CPP – são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
Na verdade, como refere MARQUES FERREIRA (Meios de Prova in Centro de Estudos judiciários – Jornadas de Direito Processual Penal – o Novo Código de Processo Penal, Livraria Almedina, Coimbra), p. 222) , metodologicamente, o Código de Processo Penal, “em vez de consagrar um conceito de prova penal, opta por delimitar o seu objecto(artº 124º)
Com efeito, o artº 124º nº 1 do C.PP determina que constituem objecto de prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis.
Aliás o nº 2 acrescenta que se tiver lugar pedido civil, constituem igualmente objecto de prova os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil.
O artº 126º do mesmo diploma define os métodos proibidos de prova que tornam nulas as mesmas, não podendo ser utilizadas.(nºs 1 e 2 do preceito)
Como salienta o Prof, GERMANO MARQUES DA SILVA, in Obra cit.,II, p.102, “o Código não considera a busca da verdade como um valor absoluto, e por isso não admite que a verdade seja procurada através de quaisquer meios, mas só através de meios justos, ou seja de meios legalmente admissíveis. A verdade não é um valor absoluto e, por isso, não tem de ser investigada a qualquer preço, mormente quando esse preço é o sacrifício dos direitos das pessoas.”
Daqui os dispositivos do artº 126º, sobre métodos proibidos de prova.
As proibições de prova, como salienta GÖSSEL (Bockelmann-Fs, p. 801), são “barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo.”
Ora, os arguidos formularam quesitos sobre as fotografias questionadas e realizou-se perícia sobre a foto-interpretação das fotografais aéreas juntas aos autos.
Produzido o relatório pericial, os arguidos, notificados, não apresentaram reclamações contra a perícia, de harmonia com as possibilidades legais, sobre deficiências, obscuridades ou contradições,
Apesar de insistência sobre junção de outros elementos de prova e notificado o “I” para o efeito, este juntou documentos, não possuindo outros elementos para além dos apresentados.
Assim, ainda que temporalmente as fotografias aéreas apresentadas fossem tiradas em data anterior ao evento sub judice, o certo é que não podem considerar-se de per se falsas.
Como refere o Exmo Magistrado do MºPº na conclusão 3ª da resposta à motivação do recurso interposto do acórdão final, “A prova fotográfica não é falsa, pois é verdadeira na sua materialidade e estão identificadas as pessoas que as fizeram”
O juízo probatório sobre as mesmas, fica delimitado pelas regras próprias da valoração da prova, vinculadas ao artigo 127º do CPP.
Por outro lado, tais fotografias não se enquadram em qualquer presunção probatória, mormente juris et de jure.
Como salientou o Ministério Público na resposta à motivação de recurso:
“No decurso de toda a instrução foram atendidas todas as pretensões dos arguidos no que respeita à problemática das fotografias e foto-nterpretações.
Foram juntas as fotografias e informações pretendidas, foi realizada a requerida perícia através de perito nomeado, foi junta pelo “I” uma ampliação fotográfica e relatório dos serviços relativo à fotointerpretação e o “I” não possui outros elementos para além dos que apresentou, designadamente, não existiram as fotointerpretações pelas quais os arguidos insistem”
Na verdade, era processualmente irrelevante – nem havia obrigatoriedade legal de - pronúncia sobre a pretendida falsidade da aludida prova documental fotográfica, pois que a eficácia probatória da mesma, na amplitude da verdade material, vinha sendo auscultada no desenrolar da instrução.
Daí o despacho de despacho de 4 de Outubro de 2002, que reza:
“Como se constata dos esclarecimentos prestados pelo assistente “I”, este não possui outros elementos para além dos que já apresentou, na sequência do requerimento dos arguidos. Designadamente, não existiram as tais fotointerpretações pelas quais os arguidos insistem.
Importa portanto encerrar essa questão, e retirar as ilações que forem possíveis da prova disponível”
Aliás, a decisão recorrida não se cingiu exclusivamente às fotografias, já que a matéria factual indiciária resultou de todas as demais provas.
Como consta da decisão recorrida:
“Procedeu-se ao interrogatório dos arguidos e à inquirição das testemunhas arroladas pelos arguidos.
Foi trazida para os autos mais prova documental, como requerido pelos arguidos, e produzida prova pericial.
A seu tempo teve lugar o debate instrutório, (...)
No caso presente, e encerrada a instrução, o que se pode concluir quanto aos indícios disponíveis?
Entendemos que a situação actual não apresenta alterações em relação à que existia no momento do encerramento do inquérito, que justifiquem uma posição divergente daquela que foi tomada pelo Ministério Público.
Com efeito, os elementos de prova adicionais trazidos durante a instrução não infirmam os indícios recolhidos durante o inquérito, e que determinaram a decisão de acusar.
Na verdade, os elementos probatórios agora acrescentados resumem-se essencialmente, para além de documentação diversa que não contraria a prova antes existente, no conjunto formado por um lado pelo relatório pericial de fls. 849 a 857, sobre a fotointerpretação das fotografias aéreas que foram utilizadas pelo “I” para detectar a situação denunciada, e por outro lado pelo memorando do “I”, que tem o interesse de descrever os procedimentos usados na detecção e comprovação das infracções denunciadas.
Como se constata, o esforço dos arguidos dirigiu-se mais a abalar os meios de prova apresentados pela acusação para provar os factos do que a afastar os próprios factos acusados.
Porém, analisando o resultado desse esforço, não se encontra no citado relatório fundamento para concluir que estão afastados os indícios existentes de que ocorreram efectivamente os ilícitos acusados.
E tal conclusão também não pode resultar dos depoimentos das testemunhas …, motorista que efectuou transporte de cereal adquirido aos arguidos, depoimento este aliás caracterizado pela imprecisão, diga-se que natural, quanto a quantidades e localização temporal, e da testemunha …, pai da arguida M, que por um lado pouco releva quanto ao fundo da questão (não sabe evidentemente qual a produção dos arguidos) e por outro lado entrou em forte contradição com anterior depoimento já produzido nos autos.
Muito menos poderão abalar a acusação as declarações dos próprios arguidos, as quais reiteram a negação já antes expressa, e que traduzem natural vontade de defesa.
Sublinha-se que a prova trazida pela instrução, apesar do volume de papel, apresenta-se bem mais escassa do que tal volume poderia levar a pensar - e sobretudo pouco traz de novo em relação aos indícios já constantes do inquérito.
Concluímos portanto que, face ao conjunto dos elementos a considerar , existem pelo menos indícios suficientes - entendida essa suficiência como uma probabilidade razoável - de estarem verificados os pressupostos depende a aplicação aos arguidos de uma pena.
Deve em consequência ser proferido despacho de pronúncia.(...)”
E o despacho de pronúncia fundou-se em variada prova: pericial, documental, e, testemunhal, como consta do rol da prova que integra o referido despacho de pronúncia.
As referidas fotografias não foram pelo exposto, uma meio enganoso de prova, nem o despacho de pronúncia se acolheu a elas de forma a que a incriminação dos arguidos tivesse nelas o seu fundamento
Não procede a invocada nulidade da prova
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Invocam os recorrentes a nulidade da decisão recorrida, alegando que:
- o Tribunal "a quo" julgou como questão já decidida a da suscitada incompetência do Tribunal do “…X…” para conhecer dos presentes autos; Porém, tal questão, ao invés do decidido, encontra-se em aberto, já que, como resulta do douto despacho de fls. 1.152, face ao recurso do Despacho de Pronúncia entretanto interposto, ainda pendente, a mesma será "sindicada por Tribunal superior"; Conheceu, assim, o Tribunal "a quo" de questão que não podia conhecer, facto que constitui a nulidade da sentença cominada na alínea c) do n° 1, do artº 379º do C.P.P.
- O Tribunal "a quo" julgou não verificada a suscitada nulidade de prova fotográfica apresentada pelo Assistente; Porém, estava-lhe vedado fazê-lo, já que, como também resulta do douto despacho de fls. 1152, face ao recurso do Despacho de Pronúncia, entretanto interposto, e ainda pendente, tal "matéria será sindicada por Tribunal superior"; Conheceu, assim, o Tribunal "a quo" de questão de que não podia tomar conhecimento, facto que constitui a nulidade da sentença cominada na alínea c) do n° 1, do artº 379º do C.P.P
Vejamos:
Já supra analisámos tais questões, análise aqui por reproduzida.
Poderá ainda acrescentar-se que quando a decisão recorrida refere que “Questão já decidida é a da competência do Tribunal do “…X…” conhecer dos presentes autos.”, está, não a conhecer mas a explicitar a adesão do tribunal de julgamento à decisão anterior quanto a tal matéria (decidida pelo juiz de instrução e, que foi objecto de recurso).
Note-se que a incompetência territorial, pode ser reconhecida e declarada oficiosamente pelo tribunal, até ao início do debate instrutório, tratando-se de juiz de instrução ou até ao início da audiência de julgamento, tratando-se de tribunal de julgamento.- als a) e b) o nº 2 do artigo 32º do CPP
A posição assumida pelo tribunal do julgamento não excedeu os seus poderes de cognição em tal excepção.
De igual modo quando a decisão recorrida antes da enumeração da matéria de facto provada, assinalou que “Não ocorre nulidade da prova apresentada, pois que se não trata de uso de métodos proibidos de prova - artigo 126° Código de Processo Penal - nem os documentos apresentados (fotos aéreas) são falsos, discutindo-se e apenas se as mesmas dizem respeito ao ano que é indicado pela acusação ou se a outro ano qualquer sendo, portanto, caso de ponderação da mesma e da sua virtual idade de fundar a convicção do Tribunal.” E, assim formule um juízo de valor quanto legalidade dessa prova, porém não a valorou, já que como consta da motivação da decisão de facto:
“O Tribunal não atendeu às fotografias aéreas pois que, tal como resulta das peritagens efectuadas, não é possível estabelecer uma sequência de prova em todos os anos a que respeitam os factos, na medida em que várias fotos [resposta aos quesitos c) e e) a fls. 853 e h) a n) de fls. 854] foram tiradas em voos efectuados em 1996.
Assim o Tribunal, na sua convicção, atendeu à restante prova documental indicada infra e nos depoimentos das várias testemunhas ouvidas.”
Por isso, para efeitos de valoração dessa mesma prova, não houve excesso de pronúncia do tribunal de julgamento, uma vez que não atendeu a ela.
Inexistem as nulidades apregoadas.
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Invocam os recorrentes o vício de contradição insanável de fundamentação, a que alude a alínea b) do artigo 410º nº 2 do CPP., ao concluírem que há manifesta contradição entre a matéria dada como provada sob o n° 14 e a que consta dos nºs 66 e 67 dos Factos Provados. e que esta patente contradição compromete a validade da sentença que, inquinada como está daquele vício, não pode subsistir
Vejamos:
1. Como se sabe, nos termos do artº 410º nº 2 do CPP mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão
c) Erro notório na apreciação da prova
Aliás, de harmonia com o Ac. do Plenário das secções criminais do STJ de 19 de Outubro de 1995 in Diário da República I-A Série , de 28 de Dezembro de 1995, é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º nº 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito.
O erro notório na apreciação da prova, não é um princípio de prova, não é um meio de valoração da prova, mas um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum, na leitura do texto da decisão recorrida ainda que conjugada com as regras da experiência comum.
Como é sabido, o conceito de erro notório na apreciação da prova tem de ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja como o facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (v. por ex. Ac. do S.T.J. de 6-4-94 in Col. Jur. Acs. do STJ, II, tomo 2, 186
A contradição insanável supõe a existência de factualidade antagónica e inconciliável entre si, de forma a que a matéria de facto e/ou a fundamentação se encontrem em total discrepância, intrinsecamente insolúvel, quanto a um ou vários factos constantes da decisão.
Como referem M. Simas Santos e Leal Henriques in Código de Processo Penal Anotado, Vol. II, pág. 739, “constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras da experiência. Só existe, pois, contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados.”
Por sua vez, o vício constante da alínea a) – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando a decisão de facto tomada não é suficiente para a decisão de direito encontrada. Ou como ensina Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 340: “Para se verificar esse fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria Ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito”, porque o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, a matéria de facto que lhe cabia apurar, dentro do objecto do processo, tal como este é enformado pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova em audiência justifique, de tal forma que a matéria de facto apurada não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à sua apreciação. –v. Acs do STJ de 29 de Fevereiro de 1996 e de 16 de Abril de 1998, relatados respectivamente pelos Conselheiros Sousa Guedes e Hugo Lopes in www.dgsi.pt)
Contudo, tais vícios, têm necessariamente de resultar, como aliás resulta da lei e, já se aludiu supra, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Ora no caso em questão, do correlacionamento da matéria de facto aludida, não é de concluir por contradição irremediável de fundamentação, já que o que vem provado não colide entre si de forma inconciliável.
Na verdade, vem provado que o arguido J exerceu, em nome individual, a actividade de empresário agrícola até ao ano de 1997, inclusive. (nº 66) e que a partir de 1998 deixou de exercer individualmente tal actividade, que passou a exercer através da sociedade A e da qual é sócio-gerente (nº 67).
Ora vindo também provado que o arguido J, fora do âmbito de actividade das mencionadas sociedades, mas porém com o objectivo comum de explorar os aludidos terrenos e daí retirar proveitos económicos, desenvolve também a actividade de empresário agrícola em nome individual (nº 14), e, conjugando com os demais itens, significa que o referido J, além de sócio-gerente da sociedade, também é empresário agrícola em nome individual, sem prejuízo de que a partir de 1998 deixou de exercer individualmente tal actividade, que passou a exercer através da sociedade A e da qual é sócio-gerente
Não se perfila a existência de qualquer dos vícios assinalados no artigo 410º nº 2 do CPP, pois que a decisão mostra-se coerente, harmónica, sem antagonismos factuais, ou ilogicismos, nem contém factos contrários às regras da experiência comum, nem a existência de erro que seja patente para qualquer cidadão; inexiste por outro lado, qualquer inconciliabilidade na fundamentação ou entre esta e a decisão, sendo que a decisão de facto é bastante para a decisão de direito.
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É certo que os recorrentes aludem à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando concluem que há manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto dado como provado sob o nº44 dos Factos Provados, pois que o detentor da factura N° 2, de 12.08.98, … não prestou declarações, nem foi admitida a leitura das que prestou em inquérito, como resulta da acta de audiência de discussão e julgamento de fls. 1321 e 1322; E, assim, consideram que nenhum elemento de prova existe que possa sustentar não corresponder à verdade o que consta da aludida factura;
Vejamos
O vício constante da alínea a) do nº 2 do artº 410º do CPP, tem a ver com a insuficiência da decisão de facto para a decisão de direito, e não com insuficiência de prova para a decisão de facto.
Se o recorrente alega vícios da decisão recorrida a que se refere o nº 2 do artº 410º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inserta no artº 127º do CPP. (Ac. do S.T.J. de 213 de Fevereiro de 1991 in AJ, nºs 15/16, 7).
E, de algum modo, é o caso concreto, em que o recorrente alega a inexistência de prova sobre a dita factura.
Tal impugnação da convicção do tribunal, apenas poderá ser discutida em recurso sobre matéria de facto, pois que só então o tribunal superior pode sindicar a valoração da prova efectuada pelo tribunal recorrido.
Na verdade, de harmonia com o artigo 412º nº3 do Código de Processo Penal, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) O pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas; e, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição. -artº 412ºnº 4.
Somente em recurso em matéria de facto, poderia impugnar-se a matéria de facto, com a indicação dos pontos incorrectamente julgados e na indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, isto é, das razões da discordância que não corroboram o raciocínio lógico-analítico que formou a convicção do tribunal.
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No caso concreto, sendo admissível o recurso em matéria de facto, os recorrentes embora não dando cabal cumprimento ao disposto no artigo 412º nº 4 do CPP, ao remeter de forma genérica para os respectivos suportes técnicos, (v. fls 1375 e 1376), impugnam a matéria de facto pois que alegam que foram incorrectamente julgados os pontos de facto constantes dos nºs 12, 13, 14 15, 32, 33, 34, 35, 37, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 51, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63 e 64 da matéria de facto dada como provada, bem como os pontos de facto constantes das letras 1), m), n), o), t) e n) da matéria de facto que foi dada como não provada;
Aduzem ainda que a prova fotográfica constante do Apenso III, bem como a demais prova fotográfica junta aos autos e que foi objecto de exame pericial a que se reporta o relatório de peritagem de fls. 849 a 857, configura um meio enganoso de prova, atenta a sua comprovada falsidade pelo que este Venerando Tribunal terá de declarar tal prova nula, com todas as suas consequências, pois que a nulidade inquina toda a demais prova produzida, já que foi com base nas falsas fotografias aéreas das parcelas que os depoimentos testemunhais foram produzidos; bem como foi com base nelas que foram produzidos os relatórios que determinaram, quer a inexegibilidade das parcelas, quer a redução de áreas e consequente exclusão ou redução dos subsídios; Se o Assistente tivesse utilizado, como podia e devia (já que delas dispunha) fotografias aéreas de 1998 e 1999 , contemporâneas das sementeiras e culturas arvenses que controlou naqueles anos, todas as parcelas seriam elegíveis e todas as áreas declaradas seriam também confirmadas;
Por outro lado alegam que os arguidos, ora Recorrentes negaram a prática dos factos, conforme resulta da súmula das suas declarações de fls. 1253 e 1254;A Recorrente M apenas teve um relacionamento formal com as sociedades, - apenas subscreveu o pedido de subsídio em nome e representação da sociedade S - dado que era seu marido quem geria as duas sociedades; o qual, como resulta, quer da confissão do Recorrente marido, quer do depoimento da testemunha …, gravado na Cassete n° 5, Lado A, do n° 1852 ao n° 2227, foi entregue pelo Recorrente marido nos serviços do Assistente em Lisboa; Nenhuma outra referência à Recorrente M foi feita por qualquer dos demais intervenientes processuais, pelo que inexiste qualquer prova que tivesse sido produzida em audiência que permitisse que o Tribunal "a quo" desse como provada a matéria dos n.s 12, 13, 15,52,54,55,56,57,58, 59,60 e 64 dos Factos Provados;
Vejamos:
Como é sabido, vem sendo entendido entre nós que o recurso é mero remédio jurídico, e não novo julgamento com repetição dos meios de prova produzidas em 1ª instância, (exceptuado o caso em que seja admissível a renovação da prova) mas sim uma nova reapreciação da prova documentada.
Assim, mesmo quando se considere a impugnação da matéria de facto de forma processualmente válida, nem por isso a impugnação equivale necessariamente à modificação da decisão de facto recorrida.
A impugnação da matéria de facto não se bastará com a pretensão de dar-se provada a versão pretendida pela recorrente, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre.
A impugnação da matéria de facto terá de ser equacionada com a livre convicção do tribunal a quo., com o princípio da livre apreciação da prova.
Na verdade, segundo dispõe o artº 127º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
É certo que, este princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, já que a própria lei lhe estabelece excepções – designadamente as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (artº 169º); ao caso julgado (artº 84º); à confissão integral e sem reservas no julgamento (artº 344º) e à prova pericial (artº 163º) (Ac. do STJ de 5 de Maio de 1993; BMJ 327, 441)
A regra da livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável.
Porém, o julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo (c. do Tribunal Constitucional nº 1165/96 de 19 de Novembro; BMJ,461, 93).
Uma dúvida que, em rigor, não ultrapassa o limite da subjectividade, e que por isso se não deixa objectivar, não tem a virtualidade de, racionalmente, convencer quem quer que seja da bondade da sua justificação (v. Acs do STJ de 4 de Novembro de 1998 in CJ, Acs do STJ, VI, tomo 3. 201 e, de 21 de Janeiro de 1999, proc. 1191/98 3ª, SASTJ, nº 27,78).
É certo também que a livre apreciação da prova exige o exame crítico das
provas (v, artº 374º nº 2 do CPP),
Determina na verdade, o artº 374º nº 2 do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Segundo o artº 379º a) do mesmo diploma adjectivo, é nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no artº 374º nº 2 (...); nulidade esta que não é insanável, não lhe sendo por isso aplicável disposto no artº 119º do C.P.P. (Ac. do Plenário das Secções Criminais do S.T.J. de 6 de Maio de 1992 in D.R. I Série -A, de 6 de Agosto de 1992), e, que não tem necessariamente de ser arguida nos termos estabelecidos na alínea a) do nº 3 do artigo 120º do mesmo diploma processual, podendo sê-lo ainda, em motivação de recurso para o tribunal superior conforme Ac. do Plenário das Secções Criminais do S.T.J. de 2 de Dezembro de 1993 in D.R. I Série - A de 11 de Fevereiro de 1994).
Antes da vigência da Lei nº 59/98 de 15 de Agosto, entendia-se que o artigo 374º nº 2 do CPP não exigia a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, mas tão só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não impondo a lei a menção das inferências indutivas levadas a cabo pelo tribunal ou dos critérios de valoração das provas e contraprovas (Ac. do S.T.J. de 9 de Janeiro de 1997; C.J. Acs. Do STJ,V, tomo I, 172), nem impondo que o julgador exponha pormenorizadamente o raciocínio lógico que se encontra na base da sua convicção (Ac. do S.T.J. de 27 de Janeiro de 1998 in B.M.J., 473, 166), pelo que somente a ausência total da referência às provas que constituíram a fonte da convicção do tribunal constituía violação do artº 374º nº 2 do CPP a acarretar nulidade da decisão nos termos do artº 379º do CPP.
E, na estrutura formal da decisão, a fundamentação de facto tanto abarca a factualidade provada como a não provada, sendo por isso a motivação de facto necessária e legalmente obrigatória quanto aos factos não provados, o que bem se compreende, uma vez que na sua ausência, desconhece-se o modo de formação da convicção do tribunal, sendo desconhecidos os conteúdos probatórios em que assentou tal convicção para considerar determinados factos como não provados.
Actualmente, face à nova redacção do nº 2 do artº 374º do CPP, - aditamento à redacção do preceito: exame crítico das provas - é indiscutível que tem de ser feito um exame crítico das provas.(Ac. do STJ de 7 de Julho de 1999 in CJ. Acs do STJ, VII, tomo 2, 246)
Foi a referida Lei nº 59/98 de 25 de Agosto que aditou a exigência do exame crítico das provas.
O exame crítico das provas tem como finalidade impor que o julgador esclareça "quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra. " (cfr. Ac. do S.T.J. de 01.03.00 in BMJ 495, 209)
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo –Ac do STJ de 12 de Abril de 2000, proc. nº 141/2000-3ª; SASTJ, nº 40. 48.
Não basta assim uma mera referência dos factos às provas, mas torna-se necessário um correlacionamento dos mesmos com as provas que os sustentam de forma a poder concluir-se quais as provas e, em que termos, garantem que os factos aconteceram ou não da forma apurada.
Somente assim se cumpre a função intraprocessual e endoprocessual da motivação.
Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão.
Consta da motivação da decisão de facto:
“Motivação
A convicção deste Tribunal assentou na contra posição das declarações dos arguidos, com os depoimentos das testemunhas inquiridas e com os documentos juntos aos autos.
O Tribunal não atendeu às fotografias aéreas pois que, tal como resulta das peritagens efectuadas, não é possível estabelecer uma sequência de prova em todos os anos a que respeitam os factos, na medida em que várias fotos [resposta aos quesitos c) e e) a fls. 853 e h) a n) de fls. 854] foram tiradas em voos efectuados em 1996.
Assim o Tribunal, na sua convicção, atendeu à restante prova documental indicada infra e nos depoimentos das várias testemunhas ouvidas.
Daqui não resulta que a prova seja "nula", por violação de qualquer princípio de proibição de prova, resulta apenas que o Tribunal não a valorou como fundamento da sua convicção.
*
Os arguidos negaram a prática dos factos, referindo a arguida que teve uma intervenção formal, já que o "marido" (o arguido) de tudo tratava.
O Tribunal entendeu, no entanto, que tal circunstância não invalida, até pela capacidade demonstrada pela circunstância de a arguida ter frequência de um curso superior, que a mesma tivesse consciência do que implicava a sua participação na gerência da sociedade e da actividade do arguido, da sociedade e do recebimento das quantias de que os autos dão mostra.
*
Tiveram relevo os depoimentos das seguintes testemunhas:
…, no atinente ao controle das áreas cultivadas na campanha de 1998, tendo percorrido todas as parcelas numa tarde em Outubro de 1998, verificando que parte substancial delas não tinham sido cultivadas;
…, testemunha funcionária do “I” e que, igualmente, fez o controle às propriedades dos arguidos em Outubro de 1998.
Testemunha muito segura no seu depoimento e que afirmou ter preparado devidamente o controle de campo, tendo constatado a ausência de cultura nas parcelas dos arguidos, com ausência de vestígios de pastoreio e áreas com estevas altas declaradas como sendo de plantação de cereais.
Que viram as parcelas todas e com medições rigorosas e que verificaram todas as parcelas com culturas, conforme se constata do relatório de fls. 28 e seguintes.
…, que afirmou ter comprado cereais, mas das suas declarações resulta que o mesmo adquiriu quantidades do mesmo, inferiores às constantes das facturas que lhe dizem respeito; designadamente, esta testemunha afirmou que tinha cerca de 10, ou 20, ou 30 borregos, declarações que evidenciam, por si só e pela imprecisão, vontade de escamotear a realidade e, por outro lado, um número de animais insuficientes para justificar a aquisição de 294,900 kgs. de cereal da campanha de 1998. Tal conclusão também se retira das suas declarações quanto ao transporte de cereais, já que o mesmo foi incapaz de afirmar com que tipo de viatura fazia tais transportes (afirmando ter feito o carregamento, por seis vezes, numa viatura com capacidade para transportar 20 toneladas) e, por fim, acabou a firmar que quem fazia os transportes era o "…" (…), testemunha que foi peremptória a firmar que apenas fez, no máximo, três carregamentos de cereais para o … (que qualificou de pequeno comerciante) e que a viatura utilizada nem sequer 15 toneladas podia carregar (ou seja, um total máximo de 45 toneladas).
…, que foi categórico na afirmação de que apenas comprou aos arguidos vinte e duas toneladas de trigo em 1997 e que em 1998 nada lhe comprou.
…, pai da arguida e reformado da construção civil, que trabalhou numa empresa de construção civil até 1997 e que, a partir desta data, criava "galinhas em casa", para tanto adquirindo trigo ao arguido, trigo esse ("40 ou 50 toneladas) que foi transportado num camião TIR. O Tribunal entendeu este testemunho como um típico depoimento de "familiar" de arguido.
…, no que diz respeito ao controle sobre os compradores de cereais da campanha de 1997/1998, designada mente …, … e …, tendo estes dois últimos referido terem adquirido menores quantidades de cereal do que as constantes das facturas juntas aos autos;
… e …, funcionários do “I” que efectuaram o controle de campo da campanha de 1999 (em Outubro de 1999), e que verificaram todas as parcelas com apoio de aparelho GPS e acerto posterior em gabinete, constatando a existência de muitas parcelas sem cultura - fls. 1 a 15 do apenso III.
…, funcionário do “I” que elucidou o Tribunal quanto aos procedimentos do “I” e formas de controlo.
…, testemunha que foi peremptória a firmar que apenas fez, no máximo, três carregamentos de cereais para o … (que qualificou de pequeno comerciante) e que a viatura utilizada - uma viatura de três eixos - nem sequer 15 toneladas podia carregar .
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Bem como nos seguintes documentos:
Parecer de fls. 235 a 240 ;
controlo físico dos terrenos constante de fls. 27 a 61 ("Anexos" II a V); controlo de campo constante do "Apenso III".
relatório de fls. 849 a 857.
certidões da Conservatória do Registo Comercial de fls 162 a 104 e de fls. 153 e 154;
contratos de sociedade fls. 2 a 6 e de fls. 78 a 82, do "Apenso I";
cópias de facturas de fls. 92, 93, 95, 96, 142, 143, 144, 145, 147, 148, 149, 184 e 186;
participação de fls. 4 a 11;
quadro de fls. 306;
informações de fls. 76 a 85 ;
pedidos de subsídio de fls. 62 a 66, 141 a 145, 146 a 149, 12 a 26, 91 a 93, 94 a 96, 140, 167 a 177 e 183 a 186; comprovativos do efectivo pagamento de subsídios constantes de fls. 119, 123, 126, 127, 97, 98, 188, 189 e 187. memorando de fls. 880 a 887.
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Independentemente da incapacidade das fotografias aéreas fundarem a convicção do Tribunal, entendeu-se que a prova documental e testemunhal produzida era suficiente para fundar um juízo de imputabilidade dos factos aos arguidos.
Por outro lado, o Tribunal entendeu que a prova produzida relativamente à campanha de 1997 era claramente insuficiente para sustentar a prova quanto à produção de cereais dos arguidos e, logo, da falsificação das facturas. De facto, nenhuma das testemunhas fez controle de campo nesse ano, o qual foi feio pela empresa SA, cujo controle de qualidade revelou deficiência, como claramente reconhece o “I” nos seus relatórios - v.g. fls. 78 - e nos depoimentos prestados em audiência, pelo que tal matéria foi dada como não provada.
Relativamente aos vestígios de cultura em algumas parcelas, atendeu o Tribunal ao depoimento de testemunhas que indicaram que tais vestígios se encontravam no terreno em virtude da sementeira efectuada em ano anterior , face à dispersão de tais vestígios e pequenas áreas onde tal se verificava.”
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As provas produzidas e examinadas na decisão recorrida não revelam que a decisão recorrida extraísse ilação contrária, logicamente impossível, ou excluísse dela facto essencial.
Logo, é lícito ao tribunal a quo valorar a prova de harmonia com o artº 127º do CPP.
E, ao valorá-la, não se lhe apresentou dúvida razoável sobre a ocorrência dos factos que conduziram à condenação do arguido.
É, pois óbvio que o tribunal não se socorreu do princípio in dubio pro reo que apenas significa que perante factos incertos, a dúvida favorece o arguido, porque não teve quaisquer dúvidas de valoração da prova e, ficando seguro no juízo de censura do arguido.
Tal princípio só teria sido violado “se, da prova produzida e documentada, resultasse que, ao condenar os arguidos com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor dos arguidos. ( cfr. Ac. STJ, de 11/02/98, in Col. Jur. Sup. 1998 (1) 199).”
Note-se aliás que dúvidas apenas houve relativamente à campanha de 1997, pois que como consta da motivação da convicção, “o Tribunal entendeu que a prova produzida relativamente à campanha de 1997 era claramente insuficiente para sustentar a prova quanto à produção de cereais dos arguidos e, logo, da falsificação das facturas. De facto, nenhuma das testemunhas fez controle de campo nesse ano, o qual foi feio pela empresa SA, cujo controle de qualidade revelou deficiência, como claramente reconhece o “I” nos seus relatórios - v.g. fls. 78 - e nos depoimentos prestados em audiência, pelo que tal matéria foi dada como não provada.”
Por outro lado, a motivação da decisão de facto, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à actividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe reflectir nela exaustivamente todos os factores probatórios, argumentos, intuições, etc, que fundamentam a convicção ou resultado probatório. A lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível, (Ac. do STJ de 30 de Junho de 1999, proc. nº 285/99-3ª, SASTJ nº 32, 92)
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Alegam os recorrentes que: É absolutamente destituída de fundamento legal e inconstitucional a utilização de provas não produzidas ou examinadas em audiência de discussão e julgamento, para efeitos de formação de convicção do Tribunal, como expressamente decorre do artº 355°, n° 1, do C.P.P. Ora, o Tribunal "a quo" refere como tendo servido de base à formação da sua convicção, entre outros, o Parecer de fls. 235 a 240, informações de fls. 76 a 85, quadro de fls. 306 e memorando de fls. 880 a 887; Compulsadas as actas de julgamento de fls. 1250 a 1254, 1276 a 1281, 1282 a 1283, 1293 a 1295 e 1321 a 1322, constata-se que tais documentos não foram examinados em julgamento, em clara violação do disposto no citado artº 355°, n° 1, do C.P.P. e dos princípios constitucionais e processuais da imediação da prova e do contraditório;
Assim, entendem que é nula a fundamentação da prova da matéria de facto por incumprimento do disposto no artº 355º do C.P.P., quando não é lido o documento em audiência e feita a menção dessa leitura na acta" (Ac. do STJ, de 93.03.11, pág. 42 a 94, in C.P.P. Anotado, de Simas Santos e Leal Henriques).
Vejamos:
O artigo 355º nº 1 do CPP estabelece na verdade que não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
Todavia, o nº 2 do preceito ressalva do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes.
Assim, as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, não significa obrigatoriedade de leitura desses actos em audiência.
Como explica Maia Gonçalves em anotação ao referido artigo no seu Código Penal Português Anotado e comentado, “O dispositivo do nº 2 indica que valem em julgamento, independentemente da sua leitura em audiência, as provas contidas em actos processuais cuja leitura é permitida nos termos dos artigos seguintes.
Nos termos deste dispositivo, há, por exemplo, que deixar bem claro que os documentos juntos ao processo não têm, em regra, que ser lidos na audiência.”
Como doutamente referia o Ac. do STJ de 10 de Novembro de 1993 in CJ, Acs do STJ, I, tomo 3, 233), o exame das provas documentais não exige, por forma alguma, a necessidade da sua leitura em audiência, já que o exame é feito em sede de deliberação pelo tribunal.
As provas constituídas por documentos juntos aos autos são provas que, forçosamente, estão presentes na audiência e submetidas ao contraditório, sem necessidade de serem lidas na mesma audiência, já que as partes têm conhecimento do seu conteúdo (Acs. do STJ de 23 de Março de 1994 proc, 46218/3º e, de 27 de Janeiro de 1999 in proc. nº 350/98-3ª, SASTJ. nº 27. 83).
Aliás, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 87/99. De 10 de Fevereiro, proc, nº 444/98, in Diário da República. II série, de 1 de Julho de 1999, considerou não serem inconstitucionais os normativos do artº 355º o CPP interpretados no sentido de que os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.
Os documentos constantes do processo consideram-se produzidos em audiência independentemente da sua leitura e é irrelevante que as actas sejam omissas quanto aos que contribuíram para a formação da convicção do tribunal (c. do STJ de 10 de Julho de 1996 in Col. Jur. Acs, do STJ, IV, tomo 2,228)
De tudo o exposto resulta que se a motivação não viola os princípios da legalidade das provas, e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas, e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com as regras da experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo, por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto que, consequentemente, retirou de tal prova, não procedendo pressupostos de modificabilidade da decisão de facto.
A matéria fáctica constante da decisão recorrida, não é contrariada pela prova produzida em audiência, de harmonia com a valoração dela feita pelo tribunal a quo, obedecendo à livre convicção do tribunal, nos termos legalmente permitidos, e, segundo o uso das regras da experiência, ou seja, obedece a disposto no artigo 127º do CPP.
Os recursos não merecem provimento.
v- Termos em que, decidindo:
Negam provimento aos recursos e, confirmam as decisões recorridas.
Tributam os recorrentes em 7 Ucs de taxa de justiça,

Évora, 26 de Março de 2006
Elaborado e revisto pelo relator
Pires da Graça
Rui Maurício
Sérgio Poças