| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | ELISABETE VALENTE | ||
| Descritores: | PROCESSO DE INSOLVÊNCIA RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS TESTEMUNHAS INABILIDADE PARA DEPOR | ||
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| Data do Acordão: | 06/07/2018 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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| Sumário: | Estão impedidos de depor como testemunhas, nos termos do disposto no art.º 617.º do Código de Processo Civil, no processo de reclamação de créditos, apenso à insolvência, os credores da massa insolvente, uma vez que são titulares de um conflito de interesses entre eles a massa insolvente, pelo que são parte processual para este efeito. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório. Na reclamação de créditos apensa à insolvência de AA, Lda., os credores BB, CC, DD, EE e FF apresentaram róis de testemunhas com indicação de outros credores reclamantes como testemunhas. Foi proferida a seguinte decisão (decisão recorrida): “Nos termos do disposto no art. 496º do CPC estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes. Assim, por terem sido indicados como testemunhas partes na causa, não são os rois de testemunhas legalmente admissíveis. Decisão: Assim sendo e em face do exposto, decido não admitir os rois de testemunhas apresentados pelos Credores Impugnados. Notifique.” Inconformados com tal decisão, vieram os requerentes interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): “1- Dos autos resulta que cada um dos ora recorrentes, apresentou a sua própria reclamação de créditos e a sua própria resposta à impugnação, e todas as testemunhas indicadas por cada um dos recorrentes, são credores da insolvência e todos reclamaram os seus respectivos créditos. 2- BB, apresentou reclamação de créditos que consta de fls. 626 a 633 dos autos e a fls 143 dos autos apresentou resposta à impugnação dos créditos apresentada pelo GG, na qual a fls 145 indicou como testemunhas FF, EE, DD e CC; CC, apresentou reclamação de créditos que consta de fls 634 a 641 dos autos e a fls 150 dos autos apresentou resposta à impugnação dos créditos apresentada pelo GG, na qual a fls. 152 indicou como testemunhas FF, EE, DD e BB; DD, apresentou reclamação de créditos que consta de flls. 703 a 709 dos autos e a fls 129 dos autos, apresentou resposta à impugnação dos créditos apresentada pelo GG, na qual a fls.131, indicou como testemunhas FF, EE, CC e BB ; EE apresentou reclamação de créditos que consta de fls. 647 a 653 dos autos e a fls 136 dos autos, apresentou resposta à impugnação dos créditos apresentada pelo GG, na qual a fls.138, indicou como testemunhas FF, CC, DD e BB; FF apresentou reclamação de créditos que consta de fls. 664 a 670 dos autos e a fls 157 dos autos, apresentou resposta à impugnação dos créditos apresentada pelo GG, na qual a fls.159, indicou como testemunhas DD, CC, EE e BB; 3- O sentido e alcance do disposto no artigo 496 º do CPC, não permitem que os ora recorrentes, meros credores reclamantes, possam ser considerados partes na causa, pois os ora recorrentes não sendo requerentes no processo de insolvência, não são partes na causa, sendo certo que no apenso de reclamação de créditos , também não se podem considerar como tal relativamente aos créditos alheios que não respeita a cada um deles, pois cada um dos reclamantes , tem um direito próprio e exclusivo, que não se confunde , ou colide com os restantes. 4- À face do artigo 496º do CPC não podem os recorrentes ser considerados partes na causa, pois é o que resulta da conjugação desta disposição legal com o disposto no artigo 454º nº 1 do CPC. 5- Dispondo o artigo 496º do CPC que “Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa podem depor como partes”, e o artigo artigo 454º nº 1 do mesmo código que o depoimento de parte só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, sendo cada um dos créditos reclamados, próprio e exclusivo de cada um dos reclamantes, não consubstancia aquele crédito nem as circunstâncias da sua existência ou constituição, facto pessoal dos restantes nem se vê que deles tenham de ter conhecimento . 6- Logo, nenhum dos ora recorrentes pode depor como parte no que concerne aos créditos dos restantes, e sendo o impedimento de depôr como testemunha estabelecido por exclusão com o depoimento de parte , afigura-se que cada um dos ora recorrentes, indicados como testemunhas quanto aos créditos dos outros , podem depor como testemunhas. 7- Nesta conformidade, e salvo o devido respeito, o despacho recorrido fez errada interpretação dos artigos 496º do CPC e 454 nº 1 do mesmo Código, e não teve em conta as especificidades próprias da reclamação e impugnação de créditos no CIRE. Deve pois ser revogado o despacho recorrido, com todas as consequências legais (…).” Não houve contra-alegações. Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. Os factos com relevância para a decisão do recurso são os que constam deste relatório e os seguintes: Cada um dos ora recorrentes, apresentou a sua própria reclamação de créditos e a sua própria resposta à impugnação. Assim: AA apresentou reclamação de créditos que consta de fls. 626 a 633 dos autos e a fls. 143 dos autos apresentou resposta à impugnação dos créditos apresentada pelo GG, na qual a fls. 145 indicou como testemunhas FF, EE, DD e CC; CC apresentou reclamação de créditos que consta de fls. 634 a 641 dos autos e a fls. 150 dos autos apresentou resposta à impugnação dos créditos apresentada pelo GG, na qual a fls. 152 indicou como testemunhas FF, EE, DD e BB; DD apresentou reclamação de créditos que consta de fls. 703 a 709 dos autos e, a fls. 129 dos autos, apresentou resposta à impugnação dos créditos apresentada pelo GG, na qual, a fls.131, indicou como testemunhas FF, EE, CC e BB; EE apresentou reclamação de créditos que consta de fls. 647 a 653 dos autos e, a fls. 136 dos autos, apresentou resposta à impugnação dos créditos apresentada pelo GG, na qual, a fls.138, indicou como testemunhas FF, CC, DD e BB; FF apresentou reclamação de créditos que consta de fls. 664 a 670 dos autos e, a fls. 157 dos autos, apresentou resposta à impugnação dos créditos apresentada pelo GG, na qual a fls.159, indicou como testemunhas DD, CC, EE e BB. 2 – Objecto do recurso. Questão a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC: Saber se podem ser admitidos como testemunhas uns dos outros os credores que reclamaram créditos, no processo de reclamação de créditos apensa à insolvência, por este ter especificidades próprias em relação ao regime processual geral que justifiquem um conceito de “parte” mais restrito do que aquele que é aflorado, entre outros, pelos artigos 3.º, 3.º-A, 26.º e 342.º do C. P. Civil e que o art.º 617.º do mesmo código estabelece como impedimento (geral) para depor como testemunha. 3 - Análise do recurso. Os recorrentes vêm recorrer da decisão que não admitiu os róis dos credores reclamantes constituídos por outros credores reclamantes, por ter considerado que as testemunhas indicadas por cada um dos ora recorrentes são partes na causa e, por isso, estão impedidas de depor como testemunhas, de acordo com o disposto no artigo 496.º do CPC. Os recorrentes discordam desta decisão, argumentando que não foram tidas em conta as especificidades próprias da reclamação e impugnação de créditos no CIRE, que todas as testemunhas indicadas por cada um dos recorrentes são credores da insolvência e todos reclamaram os seus respectivos créditos e o artigo 496.º do CPC não permite que os ora recorrentes, meros credores reclamantes, possam ser considerados partes na causa pois o processo de reclamação de créditos é um apenso do processo de insolvência, existindo na dependência deste e os recorrentes, não sendo requerentes no processo de insolvência, não são partes na causa , sendo certo que no apenso de reclamação de créditos, também não se podem considerar como tal relativamente aos créditos alheios que não respeitam a cada um deles. Ou seja, a lei permite-lhes, a cada um, vir aos autos de insolvência reclamar junto do respectivo administrador o seu crédito, tentar obter o pagamento de todo ou de parte do crédito que demonstram ter. Cada um dos reclamantes tem um direito próprio e exclusivo, que não se confunde ou colide com os restantes. Concluem que não podem os recorrentes ser considerados “partes” na causa, no sentido e alcance do disposto no artigo 496.º do CPC e, por isso, podem ser testemunhas. Mas, no nosso entender, não têm razão. Vejamos: Nos termos do art.º 496.º (art.º 617.º CPC 1961)Estão impedidos de depor como testemunhas os que na causa possam depor como partes. Impedimentos A testemunha é um terceiro estranho à causa com conhecimento de factos relevantes para a decisão, o que implica equidistância, o que não é a situação dos autos. No regime previsto no CIRE não há qualquer sinal de que se deva tratar de forma diferente esta questão relativamente ao regime geral, nem se vislumbra qualquer utilidade no afastamento do mesmo e a verdade é que há, sem dúvida, interesses divergentes e parcialidade dos pontos de vista entre os credores na situação em análise. Neste sentido, pode ler-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 18.02.2016, proferido no processo n.º 2734/10.2TJVNF-A.G1, disponível em www.dgsi.pt: “a impugnação em articulado separado e autónomo não configura incidente individualizado, quer porque, em função das regras do CPC como das do CIRE, tal é inadmissível, quer porque a comunhão de motivos, de argumentos e pretensões, ou seja, de interesses directos, é demasiado óbvia, despindo, naturalmente, cada um da exigível verticalidade e imparcialidade à testemunha responsavelmente exigíveis para relatar sem paixão e com fidelidade factos cuja utilidade e relevo jurídico não se circunscrevem ao pedido singular mas que nos de todos se projectam e a todos aproveitam e, por isso, comprometem. Partes são as pessoas pelas quais ou contra as quais é requerida uma providência judiciária. Tanto da parte contrária como de compartes (litisconsortes ou coligadas) pode, nos termos dos art.º 453.º, n.º 3, e 452.º, n.º 1, ser exigida a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos. Logo, é inelutável que os demais reclamantes estavam impedidos, por força do art.º 496.º, de depor como testemunhas. Bem justificada foi, por isso, a inadmissibilidade da sua inquirição como testemunhas, inútil se perspectivando a sua eventual audição, oficiosa, como partes em face das demais provas obtidas e dos resultados alcançados, uma vez que, como de tudo resulta óbvio, se limitariam a reproduzir verbalmente a versão arquitectada e já trazida aos autos nos respectivos articulados e não a confessar, informar ou esclarecer factos.” E, no mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 28.02.2012, proferido no processo n.º 211/09.3TBLHN-N.L1-7, disponível em www.dgsi.pt: “O impedimento de depor como testemunha é, pois, estabelecido por antinomia ou exclusão com o depoimento de parte. Se pode depor como parte não pode depor como testemunha. O que seja o depoimento de parte é definido em função de dois vetores distintos, mas complementares, o primeiro dos quais nos é dado pela posição relativamente ao litígio objeto do processo e o segundo pelo fim que se visa atingir com tal diligência instrutória. Em relação ao primeiro, o depoimento só pode ser prestado por quem, sendo contendor no conflito de interesses em causa, como tal se encontra no processo, exercendo os seus direitos processuais na defesa dos seus interesses (a título de exemplo, os já citados art.ºs 3.º, 3.º-A, 26.º e 342.º do C. P. Civil). Em relação ao segundo o depoimento só pode ser prestado por quem possa dispor do interesse em litígio (art.ºs 553., n.ºs 1 e 2 e 5.º do C. P. Civil). De facto, um e outro desses vetores se encontram orientados, e daí a sua complementaridade, para a prova através de confissão. A epígrafe da III Secção, que começa no art.º 552.º do C. P. Civil, é disso sintomática com a expressão Prova por Confissão das Partes. Com efeito, no seu desenho atual, o depoimento de parte em processo civil destina-se essencialmente, antes de mais e mais que tudo, a obter a confissão de factos desfavoráveis (art.º 352.º e 356.º, n.º 1, do C. Civil). Isso mesmo resulta do disposto nos art.ºs 552.º, n.º 2 e 553.º, n.º 3, do C. P. Civil, nos termos dos quais o depoimento de parte só pode ser requerido pela parte contrária ou por algum dos compartes, excluindo-se, portanto, o depoimento a requerimento do próprio, do disposto no art.º 356.º, n.º 2 do C. Civil que prevê a confissão judicial provocada e do art.º 563.º do C. P. Civil que determina a redução a escrito do depoimento confessório. E dissemos, destina-se essencialmente, porque o depoimento de parte comporta também uma outra finalidade que, para nós, não é de somenos importância, mas que até agora não tem merecido a devida atenção como meio probatório, que podemos apelidar de auxiliar ou residual. Referimo-nos à possibilidade de o próprio tribunal determinar o depoimento de parte para melhor se esclarecer sobre factos pertinentes para decisão da causa (art.º 552.º, n.º 1, do C. P. Civil), à indivisibilidade da confissão que determina a prova de factos favoráveis ao depoente (art.º 360.º do C. P. Civil) e à aplicação do princípio da livre apreciação da prova no que respeita a factos desfavoráveis, insuscetíveis de confissão (art.º 361.º do C. Civil). Em qualquer dos casos o depoimento de parte não se pode confundir com prova testemunhal pois, como dispõe o art.º 554.º, n.º 1, só pode incidir sobre factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento. A razão profunda que subjaz a um tal regime é simples e tem a ver com a suspeição que o legislador ficciona relativamente ao depoimento testemunhal sobre factos que interessam a quem testemunha, ou seja, neste caso, a um dos titulares do conflito de interesses. Com este fundamento, juris et de jure, depoimento testemunhal da parte, passe a contradição, só em depoimento de parte, nas condições que já descrevemos. Assim delineado o regime geral do depoimento de parte e do que deva considerar-se parte em processo civil, resta-nos averiguar se na espécie processual em causa, o apenso de reclamação de créditos em processo de insolvência, ocorrem especificidades que justifiquem uma derrogação a esse regime geral, nomeadamente, nos bem delimitados termos em que a apelante a coloca, a saber, se o conceito de parte e logo do impedimento estabelecido pelo art.º 617.º do C. P. Civil, se devem definir relativamente a cada impugnação e respetiva resposta (que, assim, terão autonomia processual). Ora, não obstante a atração que emana da respetiva elaboração conceptual, afigura-se-nos que a resposta não pode deixar de ser negativa por três ordens de razões, as duas primeiras de matriz negativa e a última de natureza positiva/afirmativa. A primeira, é que nada na letra dos preceitos processuais em causa, em especial nos art.ºs 128.º a 140.º do CIRE, nos permite ancorar minimamente (art.º 9.º, n.º 2, do C. Civil) tal entendimento. (…) A segunda, é que não vislumbramos qualquer valor (como sejam, acrescidas dificuldades de prova) que, em especial nesta matéria, deva ser acautelado através de um regime especial de produção de prova pessoal. A terceira, e a nosso ver a mais importante, é que a titularidade do conflito de interesses, subjacente ao conceito de parte, que acima aflorámos, se estende a todos e cada um dos credores, independentemente da situação dos seus créditos e da sua intervenção ou não intervenção na impugnação em causa. O conceito de parte deve, nesta matéria, ser visto na perspetiva de cada um dos credores em direção à massa insolvente e, portanto, numa relação triangular em relação a esta e com os restantes credores. Afinal, a massa será insuficiente para satisfazer todos os créditos (art.º 39.º e 182.º do CIRE, que citamos apenas para vincar essa asserção) e, nessa medida, todos os credores são titulares de um conflito de interesses em que um dos vértices são eles próprios, outro a massa insolvente e ainda outro todos os restantes credores. A suspeição ficcionada, que estará na base do afastamento do depoimento testemunhal da parte processual tem aqui a mesma substância que no regime geral acima descrito e tanto vale para os credores que não tenham deduzido impugnações, para os credores cujos créditos não tenham sido impugnados, como para os credores cujos créditos tenham sido impugnados ou ainda para os credores que tenham deduzido impugnações, ou seja, vale para todos os credores da massa insolvente. Aliás, como resulta do disposto nos art.ºs 66.º, n.º 1 e 70.º e 136.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE, todos os credores acabam por estar presentes no processo de impugnação através da comissão de credores. Assim, não podendo os credores reclamantes ser ouvidos na qualidade de testemunhas, restaria ao credor interessado requerer o seu depoimento de parte, nos termos do art.º 553.º, n.º 2, do C. P. Civil, com o condicionalismo factual estabelecido pelo art.º 554.º do mesmo código, o que é substancialmente diverso da sua inquirição como testemunhas.” Subscrevemos os argumentos desenvolvidos exaustivamente nestes acórdãos antes citados e, por isso, improcede o recurso, mantendo-se a decisão em causa. Sumário: Estão impedidos de depor como testemunhas, nos termos do disposto no art.º 617.º do Código de Processo Civil, no processo de reclamação de créditos, apenso à insolvência, os credores da massa insolvente, uma vez que são titulares de um conflito de interesses entre eles a massa insolvente, pelo que são parte processual para este efeito. 4 – Dispositivo. Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes. Évora, 07.06.2018 Elisabete Valente Ana Margarida Leite Silva Rato |