Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
410/18.7T8EVR-A.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1
5
ACTUALIZAÇÃO DE PENSÃO
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 09/18/2025
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: SOCIAL
Sumário: Sumário:
1. Apesar dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência não gozarem de força obrigatória geral, nem de valor vinculativo para os tribunais, tendo apenas natureza persuasiva, tal jurisprudência deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, por aplicação dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas.
2. A aplicação do factor de bonificação de 1,5 previsto na Instrução Geral n.º 5 al. a) da TNI, está apenas dependente de dois critérios objectivos: idade igual ou superior a 50 anos e não ter o sinistrado beneficiado da aplicação desse factor. Não depende de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão, e deve ser aplicado independentemente de pedido de revisão.
3. Face ao AUJ n.º 16/2024, o agravamento pela idade igual ou superior a 50 anos pode ser objecto de um pedido de revisão.
4. O Plenário do Tribunal Constitucional já declarou, no seu Acórdão n.º 173/2014, a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 82.º n.º 2 da LAT, articulado com o art. 1.º n.º 1 al. c), subalínea i), do DL n.º 142/99, numa das suas dimensões: o impedimento de actualização das pensões por IPP inferior a 30%, mas não remíveis por ocorrer a situação prevista no art. 75.º n.º 1, parte final, da LAT (serem superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta).
5. A proibição de actualização da pensão por incapacidade permanente inferior a 30%, quando esta não é superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, para além de impor ao sinistrado o risco de desvalorização monetária da sua pensão, em caso de recidiva que ocasione o agravamento da incapacidade inicial, mas ainda assim em percentagem inferior a 30%, também se mostra desrazoável, na medida em que impõe regime diverso entre sinistrados que merecem tratamento igual.
6. Aquelas normas impõem um tratamento diverso entre sinistrados, afectados da mesma incapacidade, inferior a 30%, apenas com fundamento no valor da sua retribuição anual ilíquida.
7. Mais grave, protege os sinistrados que auferem uma retribuição anual ilíquida elevada, desprotege os sinistrados que auferem uma retribuição anual ilíquida reduzida, e que por esse motivo se encontram em situação de maior carência económica.
8. Os primeiros não correrão o risco de desvalorização monetária da sua pensão, os segundos terão de suportar esse risco.
9. Com efeito, o sinistrado que aufira uma retribuição anual ilíquida que não lhe permita obter, mercê de uma incapacidade permanente inferior a 30%, uma pensão superior ao sêxtuplo previsto no art. 75.º n.º 1, parte final, da LAT, não só vê a sua pensão ser obrigatoriamente remida, como vê ser-lhe negado o direito a actualizar o valor da sua pensão, com o argumento desta ser, ainda assim, inferior a 30%, em caso de agravamento que ocorra anos após a data da alta, suportando por sua exclusiva conta o risco de desvalorização monetária da pensão agravada.
10. O art. 24.º n.º 3 da LAT reconhece o direito de actualização do valor da indemnização por incapacidade temporária, em caso de recidiva ou agravamento, sem quaisquer restrições.
11. Mas, sem qualquer justificação razoável, é negado esse direito de actualização do valor da pensão por incapacidade permanente a uma categoria de sinistrados, os afectados de uma incapacidade inferior a 30% e que tiveram direito a uma pensão inferior ao sêxtuplo da r.m.m.g., em vigor no dia seguinte à data da alta.
12. Ademais, o regime legal contido no art. 82.º n.º 2 da LAT, articulado com o disposto no art. 1.º n.º 1 al. c), subalínea i), do DL n.º 142/99, agrava, sem qualquer justificação razoável, a situação desta categoria de sinistrados, conforme um facto que não depende do seu controlo ou domínio – a data da recidiva ou agravamento da sua incapacidade.
13. Conforme mais tarde esse facto ocorrer, maior o risco de desvalorização do valor da sua pensão, pois mesmo que o agravamento venha a ser reconhecido, se a incapacidade permanente se mantiver inferior a 30%, o sinistrado terá direito a uma pensão desvalorizada, que assim deixou de reflectir, de forma plena e efectiva, o direito à justa compensação pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho.
14. O art. 82.º n.º 2 da LAT, em articulação com o disposto no art. 1.º n.º 1 al. c), subalínea i), do DL n.º 142/99, ao impedir a actualização do valor da pensão aos sinistrados afectados de uma incapacidade permanente inferior a 30% e que tiveram direito a uma pensão inferior ao sêxtuplo da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, é inconstitucional, por violação do direito à justa reparação das vítimas de acidente de trabalho, estatuído no art. 59.º n.º 1 al. f) da Constituição, e do princípio da igualdade, previsto no art. 13.º n.º 1 da Constituição.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Évora, foi participado acidente de trabalho ocorrido em 15.03.2017 a AA, quando auferia a retribuição anual de € 21.607,10.
Por sentença de 29.01.2019, transitada em julgado, fixou-se à sinistrada uma IPP de 14,5%, a partir de 17.02.2018, dia seguinte ao da alta. Em consequência, foi fixada a pensão anual correspondente a essa incapacidade no valor de € 2.193,12, a qual foi declarada obrigatoriamente remível.
Foi ainda determinado que sobre o valor da pensão eram devidos juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte ao da alta.
Calculado o capital de remição, este foi entregue à sinistrada, acrescido dos juros determinados na sentença.

Em 02.01.2025 a sinistrada requereu a revisão da sua incapacidade, alegando que lhe devia ser atribuído o factor de bonificação constante da Instrução Geral n.º 5 al. a) da TNI, pois perfez os 50 anos de idade em …/…/2022.
Após oposição da entidade responsável – Generali Seguros, S.A. – a sentença decidiu aplicar a jurisprudência firmada pelo AUJ n.º 16/2024, publicado no DR, 1.ª Série, de 17.12.2024 e, em consequência, atribuir o factor de bonificação de 1,5 e fixar a IPP em 21,75%.
A pensão derivada dessa incapacidade foi calculada com base na retribuição que a sinistrada auferia em 2017, data do acidente, i.e., € 21.607,10.
Em consequência, a pensão foi determinada por aplicação da seguinte fórmula: € 21.607,10 x 70% x 21,75% = € 3.289,68.
Finalmente, foi decidido que a referida pensão era obrigatoriamente remível, sendo devida a partir de 02.01.2025, acrescida dos correspondentes juros de mora à taxa legal em vigor contados desde a referida data até efectivo e integral pagamento, levando-se em consideração a pensão anteriormente atribuída à sinistrada e já remida.

Inconformada, a Seguradora recorre, concluindo:
1. A decisão recorrida é violadora de quanto dispõem as normas dos artigos 411º e 609º do CPC, 48º, nº 3, al c), 70º, nº 1 e 75º, nº 1 da LAT (Lei nº 98/2009, de 4.09), 145º, nºs 1 a 5 e 156º do CPT, 9º, nº 1 e 859º do CC, 59º, al. f) e 13º da CRP;
2. Não ignorando o conteúdo do recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido em 22.05.2024, citado na decisão recorrida, a ora Recorrente não se conforma com tal enquadramento, quer porque a ficção de presunção do factor 1.5 não passa de uma mera instrução a ponderar em necessária conexão com outros factores previstos no DL nº 352/2007, de 23 de Outubro; quer porque considera que, do ponto de vista processual e substantivo, não existindo agravamento em sede de incidente de revisão, a consequência será, necessariamente, a sua improcedência independentemente da idade do sinistrado; quer porque em pensões remidas não pode ser admissível a actualização pelo factor 1,5 já que com a remição ocorreu a extinção do direito à pensão; quer finalmente, porque, a al. a) (segunda parte), do nº 5 das Instruções Gerais da TNI quando interpretada no sentido da sua aplicação automática em razão da idade é violadora dos princípios constitucionais da justa reparação, da proporcionalidade e da igualdade;
3. Sendo a Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007, de 23 de Outubro e constante do seu Anexo I, um mero guia para a avaliação médico-legal do dano corporal em consequência de acidente de trabalho, permite, como não poderia deixar de ser, a necessária margem para, casuisticamente, os peritos médicos procederem à avaliação do dano corporal, tendo o legislador, conforme consta do preâmbulo, tido a preocupação de assegurar “a salvaguarda da garantia de igualdade dos cidadãos perante a lei, no respeito do princípio de que devem ter avaliação idêntica as sequelas que, sendo idênticas, se repercutem de forma similar nas actividades da vida diária.”
4. Por considerar que existem situações de particular gravidade que justificam uma ponderação acrescida, o legislador introduziu em sede de “Instruções Gerais” da tabela, o artigo 5º, als. a) e b), nos termos do qual se estabelece que os coeficientes de incapacidade são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1.5 se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor; e quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho;
5. A razão de ser da instrução constante da segunda parte da citada al. a), “ou tiver 50 anos ou mais”, que tem quase 20 anos de existência sem qualquer alteração, prendeu-se com a consideração por parte do legislador de que, em virtude da idade associada à lesão decorrente de um acidente de trabalho, o sinistrado, teria uma dificuldade acrescida para o exercício de uma qualquer actividade laboral, pelo que, com tal fundamento, a incapacidade fixada deveria ser bonificada com o aludido factor;
6. Sucede que, ponderando uma análise sistemática da tabela, a evolução da ciência médica em 20 anos, bem assim como a esperança média de vida, necessariamente temos que concluir que o legislador não pretendeu, com a citada instrução, a aplicação automática e não ponderada e casuística do factor de bonificação 1,5;
7. Antes pretendendo, como sucede nos restantes parâmetros de avaliação previstos na tabela, a relação da idade com a concreta actividade profissional exercida e com a concreta lesão resultante do acidente de trabalho, em busca da necessária descoberta da verdade material, prevista no artigo 411º do CPC, mas também presente em muitas outras normas do mesmo diploma, como elemento essencial do processo, nomeadamente, as normas dos artigos arts 176º, nº 5 417º,431º,436º, 444º, nº 1, 459º, 476º, nº 2, 516º, nº 4, 552º, nº2, al) b)e d) e o artº 605º, nº 8;
8. Decidir de outro modo e passar a considerar uma “instrução” como lei, descontextualizadamente considerada, é violar os mais elementares princípios orientadores da tabela, o que constitui clara violação do preceituado no artigo 9º, nº 1 do CC e, designadamente, do artigo 411º do CPC;
9. No caso dos autos, a situação é ainda mais ostensiva, quanto é certo que na sequência do exame médico realizado se concluiu que não existiu qualquer agravamento, devendo igualmente não ser descurada a circunstância de estarmos perante uma situação de uma pensão remida e há muito liquidada;
10. Impondo-se, com este fundameno, a revogação da decisão recorrida;
11. De outro prisma, cumpre salientar que as decisões dos Tribunais e no caso a decisão proferida no Incidente objecto do presente recurso, têm como substrato o pedido e o objecto, indicado pelo Sinistrado, sob pena de violação do disposto no artº 609º do Cód. de Proc. Civil;
12. No caso, o que a Sinistrada pediu ao Tribunal foi a reavaliação do seu quadro clínico por alegado agravamento, ao abrigo do artigo 145º, nºs 1 a 5 do C.P.T., a qual, conforme bem resulta do auto de junta médica e, de resto, foi considerado na decisão recorrida, resultou improcedente;
13. Nos termos do disposto no nº 1 do artº 70º da Lei 98/2009 de 04 de Setembro, a Revisão é pedida e/ou deferida quando “…se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.”
14. Não se verificando qualquer modificação da capacidade de trabalho ou de ganho, porque inexistiu qualquer agravamento, recidiva ou recaída, o pedido da Sinistrada está necessariamente votado ao insucesso, devendo por isso ser indeferida a sua pretensão e não sendo de aplicar, nestes casos, o factor de bonificação 1,5 mesmo que tenha, entretanto, atingido os 50 anos de idade, neste sentido, vide, designadamente, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 24 de Outubro de 2016, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6/02/2020, proc. n.º 558/06.0TTBRG.G3 (Relatora Maria Leonor Barroso), Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15.06.2021, Acórdão do douto Tribunal da Relação de Évora, de 12.01.2023, proc. nº 326/14.6TTEVR.1.E1 (Relatora Emília Ramos Costa), Acórdão do douto Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.04.2023, proc. nº 35/03.1TTCVL.4.C1 (Relatora Paula Maria Roberto), e finalmente, pouco antes da decisão constante do Acórdão Uniformizador, Acórdão do douto Tribunal da Relação de Guimarães, de 26.10.2023, proc. nº 2077/22.9T8MTS.G1 (Relator Antero Veiga), todos disponíveis em www.dgsi.pt;
15. Na realidade, o artigo 70º, nº 1 da LAT é claro ao prever a possibilidade de alteração da prestação em caso de modificação, no sentido da melhoria ou do agravamento, da lesão ou doença que deu origem à reparação. Exige-se, para a aplicação da norma uma modificação da lesão ou doença, o que não é compatível com a aplicação automática do factor 1,5 quando desacompanhado de um efectivo agravamento do quadro clínico;
16. Este requisito da modificação do quadro clínico encontra o seu enquadramento processual nas normas dos artigos 145º e 146º do CPT, nos termos das quais se infere que os incidentes de revisão têm necessariamente subjacente à respectiva tramitação, uma alegada alteração da doença ou lesão que fundamentou a atribuição da incapacidade inicial;
17. Termos em que admitir a aplicação automática do factor de bonificação 1,5 em virtude de o sinistrado ter 50 anos ou mais sem que se demonstre qualquer agravamento da lesão, seguindo a citada tramitação processual e ao abrigo do preceituado no artigo 70º, nº 1 da LAT, constitui uma verdadeira interpretação contra legem, claramente violadora das normas dos artigos 9º do CC e 609º do CPC;
18. O regime especial definido na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI não afasta, antes pressupõe a convocação da disciplina geral contida no artigo 70º, nº 1 da LAT, não podendo deixar de se considerar que a TNI reveste uma natureza meramente instrumental em relação ao regime substantivo de reparação dos danos decorrentes de acidentes de trabalho, que se encontra previsto na citada norma do artigo 70º, nº 1 da Lei nº 98/2009;
19. De facto, não tendo o legislador previsto um qualquer processo de revisão automática da incapacidade, não é admissível o recurso à norma do artigo 70º, nº 1 da LAT, sob pena de estarmos perante um recurso processual enviesado, frontalmente conflituante com o procedimento instituído, que pressupõe sempre uma alegação da modificação do quadro clínico inicial e sua posterior demonstração por perícia médico-legal, sob pena de improcedência;
20. Por outro lado, não pode deixar de se considerar que os trabalhadores que atingem os 50 anos em momentos diferentes - momento inicial e momento subsequente - encontram-se, na verdade, em posições distintas;
21. O artigo 5º, al) a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades apenas considera como beneficiários do coeficiente de 1,5 os sinistrados que no momento da avaliação inicial da incapacidade já tivessem atingido os 50 anos de idade, porque se trata de um sistema de avaliação do dano corporal baseado num modelo tabelar, e um modelo tabelar revela-se claramente tributário de uma lógica padronizada ou uniformizadora;
22. Razão pela qual, se o sinistrado já tiver atingido uma tal idade na altura em que se procede à avaliação inicial da incapacidade, o coeficiente de 1,5 será aplicado sobre o valor da incapacidade que se vier a apurar. Porém, caso não tenha perfeito os 50 anos nesse momento, então já não poderá beneficiar da aplicação automática da bonificação, pois no momento subsequente em que venha a completar a idade dos 50 anos, já se encontra sujeito, por força da lei da reparação dos danos por acidentes de trabalho e de doenças profissionais, a um outro regime de avaliação da incapacidade, onde a regra da automaticidade da aplicação da bonificação já não se encontra prevista (artº 70º, nº 1 da Lei nº 98/2009);
23. Por tudo o exposto, a decisão recorrida violou quanto dispõem as normas dos artigos 70º da LAT, 145º e 146º do CPT, 609º do CPC e 9º do CC, impondo-se, consequentemente, a sua revogação também com este fundamento;
24. Por outro lado, não podemos ignorar que, in casu, estamos perante uma pensão remida, que há muito foi liquidada, sendo, por conseguinte, uma situação diversa da abordada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22.05.2024, que respeita a um caso de pensão não remível;
25. A jurisprudência tem entendido de forma pacífica que a remição, no rigor das coisas, surge como uma causa de extinção do direito à pensão, que se caracteriza pela conversão deste no direito à perceção de um capital, tendo clara conotação com a novação, figura civilista que é causa de extinção de obrigações;
26. Termos em que, “(…) não faz assim qualquer sentido admitir que uma obrigação já extinta, relativamente à qual a entidade responsável já emitiu, de resto, um recibo ou uma declaração de quitação, se possa vir a proceder a uma actualização da mesma, na sequência de um pedido de revisão da prestação a que têm direito os trabalhadores lesados, nos termos previstos no artº 77º, al) b) da Lei da Reparação dos Danos por Acidentes de Trabalho ou por Doenças Profissionais.”, (vide Parecer do Prof. Filipe Albuquerque Matos);
27. Mesmo admitindo que o legislador pretendeu incluir na previsão da al. b) do artigo 77º da LAT, as situações de pensões remidas, fê-lo necessariamente, perspectivando, como causa de pedir do incidente, uma “modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão”, conforme preceitua o artigo 70º do mesmo diploma;
28. Jamais se podendo admitir que, não se demonstrando tal modificação por inexistência de agravamento, se venha a aumentar a pensão parcialmente extinta porque integralmente remida e liquidada, através da aplicação automática do factor de bonificação 1,5;
29. Termos em que, o Tribunal a quo violou o preceituado no artigo 859º do CC, impondo-se, também com este fundamento, a revogação da decisão recorrida;
30. Finalmente, esta decisão, ao interpretar o disposto na al. a) do artigo 5º das Instruções Gerais da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007, de 23 de Outubro, no sentido de permitir uma aplicação automática do factor de bonificação 1,5 respeitante à idade, mesmo não se verificando qualquer agravamento, desassociada de outros critérios a ponderar casuisticamente e ao sabor da morosidade processual de cada incidente de revisão, é violadora dos Princípios Constitucionais da igualdade e da justa reparação, respectivamente previstos nos artigos 13º e 59º, nº 1, al. f) da CRP;
31. A decisão objecto do presente recurso, veio aplicar à incapacidade inicial fixada à sinistrada, o factor de bonificação 1,5, num incidente de revisão por aquela desencadeado por alegado agravamento que veio a ser julgado improcedente. A acrescer, a situação tem a particularidade de respeitar a uma pensão remida e que, como tal, foi há muito integralmente liquidada;
32. Fez, pois, uma interpretação da al. a) do artigo 5º das Instruções Gerais da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, automática, cega, totalmente alheada das verdadeiras limitações do sinistrado, da sua actividade profissional e da circunstância de o quadro clínico não se ter agravado apesar de ter atingido os 50 anos;
33. Se analisarmos a al. a) do citado artigo 5º das Instruções gerais da Tabela nacional das Incapacidades, desde logo verificamos que nela se encontram previstos dois grupos de situações, no âmbito dos quais o legislador considerou ser de aplicar o factor de bonificação de 1,5: a) vítimas de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais não reconvertíveis à sua função profissional originária b) Vítimas de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais com mais de 50 anos de idade, desde que não tenham anteriormente beneficiado da aplicação do factor de bonificação, independentemente de as mesmas serem ou não reconvertíveis ao posto de trabalho originário.
34. No confronto das duas previsões, e se o dado objectivo da idade for aplicável só por si, totalmente desassociado da natureza da lesão e do concreto posto de trabalho que vinha sendo ocupado, é por demais evidente que estamos perante duas situações chocantemente distintas, que jamais merecem tratamento igualitário;
35. De acordo com o moderno entendimento doutrinal em torno do princípio da igualdade, que o prefigura em termos materiais e não meramente formais, não é admissível que se proceda a um tratamento desigual daquilo que é substancialmente igual, nem é permitido que se reserve uma disciplina idêntica a realidades substancialmente diversas;
36. Sobre o modo como são tratados os dois grupos de pessoas indicados no artº 5º, al) a) das Instruções Gerais, já se pronunciou Moura Ramos nos seguintes termos: “ A dever seguir-se este raciocínio, seria tratado, nos mesmos termos de um trabalhador que, não atingindo embora os 50 anos, fosse vítima de um acidente de trabalho ou de uma doença profissional que impedisse a sua reconversão ao posto de trabalho originariamente ocupado, um outro que fosse atingido por uma incapacidade semelhante e que não o impedisse de retomar o posto de trabalho precedente, desde que tivesse ultrapassado já aquele nível etário. Ou, paralelamente, considerados dois hipotéticos trabalhadores que fossem atingidos em idênticos termos por um mesmo acidente de trabalho ou uma idêntica doença profissional, a indemnização atribuída a um deles excedida em 50% a que viria a ser fixada ao outro se um deles, contrariamente ao outro, tivesse atingido os 50 anos (por força da bonificação decorrente da multiplicação pelo referido factor de 1,5 que aproveitaria ao primeiro, mas já não ao segundo”.
37. Evidentemente que um tratamento destas situações que assente numa aplicação automática do factor de bonificação 1,5, é ostensivamente mais favorável para os sinistrados com 50 anos ou mais de idade, o que não pode ser admissível;
38. Ainda sobre esta questão releva a circunstância de o legislador ter condicionado a aplicação do factor de bonificação de 1,5 em função da idade, ao facto de não ter beneficiado da bonificação com outro fundamento, conferindo-lhe uma natureza meramente subsidiária, o que bem demonstra as incertezas e ambiguidades que estiveram na base desta opção legislativa;
39. Devendo o princípio constitucional da igualdade ser perspectivado como uma igualdade proporcional, necessariamente concluímos que, atento o exposto, a opção da decisão recorrida de aplicação automática do factor de bonificação, sem se registarem razões objectivas ponderosas para um tal benefício (antes pelo contrário, já que se demonstrou que o quadro clínico não se agravou), é claramente violadora do princípio Constitucional da igualdade, previsto no artigo 13º da CRP;
40. Do mesmo modo, ao tratar nos mesmos moldes, situações objectivamente distintas em termos de gravidade, não associando ao critério da idade outros elementos relacionados com o quadro clínico e a actividade profissional desenvolvida, a decisão recorrida viola o princípio da justa reparação, previsto no artigo 59º, nº 1, al. f) da CRP;
41. Cremos, pois, que a presunção subjacente ao critério normativo fixado a propósito da idade na Tabela Nacional das Incapacidades terá sempre de ser qualificada como de presunção meramente relativa. Como a propósito da prova por presunções sugestivamente consideram Pires de Lima e Antunes Varela: “As presunções são meias de prova por sua natureza falíveis, precários, cuja força persuasiva pode, por isso mesmo, ser afastada por simples contraprova”.
42. Não descurando que o envelhecimento é intrínseco ao decurso da idade, a verdade é que, o impacto desse mesmo envelhecimento não ocorre uniformemente, variando de pessoa para pessoa, pelo que apenas uma análise casuística pode justificar a aplicação do factor de bonificação previsto no citado artº 5º, al) a) das Instruções Gerais. Para além disso, as lesões podem ter um impacto diferente consoante as características pessoais dos sinistrados;
43. A interpretação adoptada pela decisão recorrida de atribuir a bonificação do factor 1,5 pela idade, de forma automática e desassociada de outros fundamentos, leva, nomeadamente a permitir a implementação de situações clamorosamente violadoras do princípio da justa reparação, como será o caso de uma dedução de um pedido de revisão da incapacidade por força da idade feito por um sinistrado num momento em que já tenha passado à reforma, por velhice ou invalidez;
44. Numa tal situação, além de não fazer qualquer sentido impor à seguradora o pagamento de uma pensão majorada pelo referido factor de 1.5, destinada a compensar a maior penosidade do desempenho profissional que já não existe, chegaríamos a uma situação de claro enriquecimento sem causa a favor do sinistrado, o que não pode ser admissível;
45. Partindo assim desta premissa, “dir-se-á também que a múltipla consideração do factor da idade, para efeitos de determinação do grau de incapacidade, resultante do disposto no artº 21º da LAT, e dos nºs 6 e 7 das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades, poderá muito naturalmente conduzir a que a aplicação de forma automática, do coeficiente de bonificação de 1,5, seja no momento inicial da alta médica, seja em momento sucessivo, em sede de incidente de revisão da incapacidade, venha a determinar um situação de locupletamento injustificado dos trabalhadores lesados, e numa verdadeira pena ou sanção para a entidade responsável pelo acidente.” (vide Parecer do Prof. Filipe Albuquerque Matos);
46. Por tudo o que se deixa exposto, não podemos deixar de concluir pela inconstitucionalidade do disposto na al. a) do artigo 5º das Instruções Gerais da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007, de 23 de Outubro, por violação dos Princípios Constitucionais da igualdade e da justa reparação, respectivamente previstos nos artigos 13º e 59º, nº 1, al. f) da CRP, quando interpretada no sentido em que o factor de bonificação 1,5 respeitante à idade é de aplicação automática, mesmo não se verificando qualquer agravamento, sem a ponderação de outros elementos clínicos, associados à profissão e inerentes ao sinistrado e desconsiderando uma aplicação casuística;
47. A finalizar, importa não descurar o enorme impacto que o entendimento da decisão recorrida acarretará, se vingar, o que não se admite e só por mera cautela de patrocínio se equaciona, quer para a actividade económica das seguradoras, quer para o próprio Estado no caso de trabalhadores de serviços públicos em que a responsabilidade pelo pagamento das pensões resultantes de incapacidades permanentes (onde se inclui, naturalmente, o acréscimo decorrente do factor de bonificação pela idade) está a cargo da Caixa Geral de Aposentações, quer finalmente (e não menos importante) para todos aqueles que estejam obrigados a contratar seguros de acidentes de trabalho, na medida em que o aumento exponencial do risco resultante desta interpretação determina, no contexto do sinalagma risco a cobrir/prémio a pagar, um correspondente aumento do custo associado ao seguro;
48. Impondo-se, por tudo o exposto, a revogação da decisão proferia.

A sinistrada contra-alegou, sustentando a manutenção da decisão recorrida.
Resumidamente, entendeu que a decisão recorrida reflecte a interpretação mais fiel à legislação em vigor e às necessidades de protecção dos sinistrados, está devidamente fundamentada de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ, e que o afastamento do factor de bonificação 1,5 carece de fundamento legal e contraria os princípios fundamentais de protecção ao trabalhador sinistrado.

Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer, propondo a manutenção da decisão recorrida.

Apresentados os autos ao Relator, este proferiu o seguinte despacho:
Notificação para exercício do direito de contraditório:
O acidente de trabalho a que se reportam os autos ocorreu em 15.03.2017, quando a sinistrada auferia a retribuição anual de € 21.607,10.
Em 02.01.2025 a sinistrada requereu a aplicação do factor de bonificação de 1,5, em virtude de ter completado, em 2022, 50 anos de idade.
A decisão recorrida decidiu conceder a revisão da incapacidade com esse fundamento, aumentando a IPP para 21,75%, fixando uma pensão correspondente a essa incapacidade, obrigatoriamente remível.
Sucede que, para o cálculo da pensão e, por consequência, do capital de remição a atribuir à sinistrada, a decisão recorrida utilizou a mesma retribuição anual que esta auferia em 2017, i.e., € 21.607,10.
Ou seja, a sentença decidiu manter, como base de cálculo, a mesma retribuição que a sinistrada auferia em 2017, não a actualizando, e fê-lo por aplicação das disposições conjugadas dos arts. 71.º n.º 1 e 82.º n.º 2 da LAT, que prevêem a realização do cálculo com base na retribuição à data do acidente, e apenas permite a actualização das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30%.
Ponderando que estão em causa direitos irrenunciáveis – art. 78.º da LAT – esta Relação tenciona conhecer na constitucionalidade daquelas disposições conjugadas dos arts. 71.º n.º 1 e 82.º n.º 2 da LAT, por confronto com a regra da justa indemnização às vítimas de acidentes de trabalho, contida no art. 59.º n.º 1 al. f) da Constituição.
Para esse efeito, as partes vão notificadas para exercerem o seu contraditório, querendo, em 10 dias.”

Ambas as partes produziram as suas observações quanto à questão suscitada pelo Relator.
Para a sinistrada, a aplicação conjugada dos arts. 71.º n.º 1 e 82.º n.º 2 da LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro) resulta numa situação manifestamente contrária ao princípio constitucional da justa reparação, pois produz o efeito perverso de cristalizar no tempo o valor da reparação para incapacidades inferiores a 30%, ignorando completamente a desvalorização monetária que inevitavelmente ocorre com o decurso do tempo. Ademais, a distinção estabelecida pelo art. 82.º n.º 2 da LAT, permitindo a actualização apenas para incapacidades iguais ou superiores a 30%, constitui uma discriminação arbitrária que viola o princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da Constituição, pois não existe justificação material suficiente para tratar de forma diferente trabalhadores que sofrem incapacidades de 29% e de 30%. O critério percentual de 30% revela-se, assim, como uma linha divisória artificial que não encontra correspondência na realidade dos danos sofridos pelos sinistrados nem na necessidade de protecção constitucional que todos merecem. Também entende que a restrição imposta pelos arts. 71.º n.º 1 e 82.º n.º 2 da LAT não respeita o princípio da proporcionalidade, uma vez que o meio utilizado (cristalização temporal da retribuição base) é inadequado e excessivo face ao fim pretendido.
Para a Seguradora, as disposições conjugadas dos arts. 71.º n.º 1 e 82.º n.º 2 da LAT, que impedem a actualização das pensões obrigatoriamente remíveis, não ofendem a regra da justa indemnização às vítimas de acidente de trabalho. Sendo obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com IPP inferior a 30%, esta converte-se em capital que é pago de uma só vez, traduzindo-se assim no pagamento antecipado do capital correspondente ao montante acumulado dos valores da pensão que seriam auferidos anualmente pelo sinistrado. Finalmente, o benefício de aplicação do factor de bonificação de 1,5 pelo atingimento da idade de 50 anos compensa largamente a inexistência de actualizações das pensões obrigatoriamente remíveis.

Cumpre-nos agora decidir.

A matéria de facto estabelecida nos autos é a seguinte:
a) A sinistrada nasceu no dia …/…/1972.
b) Em 15.03.2017 quando exercia as funções de enfermeira ao serviço do Hospital …, a sinistrada sofreu um acidente de trabalho do qual lhe resultaram as lesões descritas e examinadas nos autos principais.
c) Aquando da ocorrência do acidente, a sinistrada auferia a retribuição anual no montante de € 21.607,10.
d) A responsabilidade da entidade patronal por danos resultantes de acidentes de trabalho encontrava-se integralmente transferida para a Generali – Companhia de Seguros, S.A..
e) A alta médica teve lugar em 16.02.2018.
f) A sinistrada ficou uma incapacidade permanente parcial de 14,5% do acidente supra descrito.
g) No cálculo de tal incapacidade não foi englobado qualquer factor de bonificação.

APLICANDO O DIREITO
Da aplicação do factor de bonificação, por atingimento da idade de 50 anos, em incidente de revisão
A Recorrente pretende, em suma, o afastamento da jurisprudência uniformizada pelo AUJ n.º 16/2024, argumentando que a Instrução Geral n.º 5 al. a) da TNI, aprovada pelo DL 352/2007, de 23 de Outubro, não é de aplicação automática, devendo ser ponderada em conexão com outros factores previstos naquela tabela; que não existindo agravamento na incapacidade o incidente de revisão deve necessariamente improceder, independentemente da idade do sinistrado; que em relação às pensões remidas não pode ser admissível a actualização pelo factor 1,5 já que com a remição ocorreu a extinção do direito à pensão; e que a aplicação automática do factor de bonificação em razão da idade é violadora dos princípios constitucionais da justa reparação, da proporcionalidade e da igualdade.
No entanto, os argumentos que a Recorrente apresenta são substancialmente idênticos aos que foram apreciados no AUJ n.º 16/2024, no qual se decidiu que o referido factor de bonificação “é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse factor”, e que “o sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.”
Apesar dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência não gozarem de força obrigatória geral, nem de valor vinculativo para os tribunais, tendo apenas natureza persuasiva, tal jurisprudência “deve ser respeitada pelos tribunais de instância e pelo próprio STJ, pois a aplicação do direito não pode ser alheada dos valores da igualdade, da segurança e da certeza jurídicas, pressupostos da própria legitimação da decisão. Assim, a linha interpretativa fixada nos acórdãos uniformizadores só deverá ser objecto de desvio, no âmbito do mesmo quadro legal, perante diferenças fácticas relevantes e/ou (novos) argumentos jurídicos que não encontrem base de ponderação nos fundamentos que sustentaram tais arestos. Nessa medida, a natureza persuasiva dos acórdãos uniformizadores encontra respaldo em normas processuais de admissibilidade dos recursos (como é o caso da alínea b) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC) visando a natural aceitação e acatamento da respectiva jurisprudência pelos tribunais inferiores e pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.2022 (Proc. 1562/17.9T8PVZ.P1.S1), publicado em www.dgsi.pt.
De todo o modo, na linha do que esta Relação de Évora já afirmou no seu Acórdão de 26.09.2019 (Proc. 1029/16.2T8STR.E1, com o mesmo Colectivo do presente), também publicado na página da DGSI – e citado na fundamentação do AUJ n.º 16/2024 – reafirma-se que a aplicação do mencionado factor de bonificação de 1,5 está apenas dependente de dois critérios objectivos: idade igual ou superior a 50 anos e não ter o sinistrado beneficiado da aplicação desse factor. Não depende de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão, e deve ser aplicado independentemente de pedido de revisão.
E acompanhando a fundamentação do AUJ n.º 16/2024, de igual modo afirmamos que “o legislador considerou que a idade do sinistrado – ter este 50 ou mais anos de idade – representa, ela própria, um factor que tem impacto na capacidade de trabalho ou de ganho e que representa um agravamento na situação do trabalhador, mormente no mercado de trabalho. Este agravamento pela idade, reconhecido pelo legislador, poderá ser objecto de um pedido de revisão das prestações.”
Quanto à argumentação de violação dos princípios constitucionais da justa reparação, da proporcionalidade e da igualdade, diremos que a questão já foi apreciada no Tribunal Constitucional nos seus Acórdãos n.ºs 526/2016 e 317/2023, ali se afirmando o seguinte:
“(…) a previsão de um regime mais favorável para os trabalhadores com idade igual ou superior a 50 anos, quando não tenham já beneficiado da aplicação do factor em causa, não é desrazoável ou arbitrária, por assente nas características do mercado de trabalho e da mais difícil inserção neste dos trabalhadores com idade superior a 50 anos. Existem, pois, fundamentos racionais, pois assentes em dados empíricos relacionados com as consequências do envelhecimento do trabalhador e com as características do mercado de trabalho, e objectivos, porque aplicáveis de forma genérica e não subjectiva, por o legislador ter em conta a idade do trabalhador ao estabelecer o regime aplicável ao cálculo das incapacidades dos sinistrados ou doentes no âmbito laboral. Cabe-lhe, assim, escolher os instrumentos através dos quais esta ponderação ocorre, tendo optado, neste caso, por consagrar uma repercussão nos coeficientes através da previsão de uma bonificação. O regime também prevê que a bonificação apenas opera uma vez, não ocorrendo se o factor em causa tiver já sido aplicado por outro motivo. Esta solução encontra-se dentro da margem de livre apreciação do legislador, não se apresentando como desrazoável.
Existindo fundamento material suficiente, razoável, objectivo e racional, para a diferenciação de trabalhadores com idades iguais ou superiores a 50 anos, nomeadamente relacionados com o efeito do envelhecimento na capacidade de ganho e tendo em conta as características do mercado de trabalho nacional, não é possível concluir que a solução tenha um carácter arbitrário ou que exista violação do princípio da igualdade.”
Eis porque o recurso deduzido pela Seguradora, pretendendo a não aplicação do mencionado factor de bonificação, não pode proceder.

Da actualização da pensão revista – juízo de constitucionalidade
Esta Relação de Évora decidiu, por unanimidade, nos seus Acórdãos de 27.02.2020 (Proc. 446/14.7T8TMR.1.E1) e de 25.01.2023 (Proc. 169/12.1TTVFX.1.E1), ambos publicados na endereço da DGSI, que “sendo a pensão devida por acidente de trabalho revista, em função do agravamento das lesões, mas continuando a mesma a ser obrigatoriamente remível, por estar em causa uma IPP inferior a 30%, a mesma não é actualizável.”
Porém, a partir do Acórdão de 14.09.2023 (Proc. 342/13.5TTTMR.1.E1.E1, publicado no mesmo local), nesta Relação de Évora vem sendo discutida a conformidade constitucional, nomeadamente com o princípio da justa reparação, contido no art. 59.º n.º 1 al. f) da Constituição, da norma que resulta das disposições conjugadas dos arts. 71.º n.º 1 e 82.º n.º 2 da LAT, na parte em que impõem que a indemnização por incapacidade parcial permanente inferior a 30% seja sempre calculada com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, assim impedindo a actualização dessa indemnização, mesmo em caso de recidiva que ocasione o agravamento da incapacidade inicial, mas ainda assim em percentagem inferior a 30%.
No essencial, os argumentos que o agora Relator apresentou naquele aresto, no seu voto de vencido, foram os seguintes:
a) actualmente, um sinistrado, que tenha sido inicialmente considerado curado sem desvalorização, ou a quem tenha sido atribuída nessa altura uma incapacidade parcial permanente (IPP) inferior a 30%, recebendo então uma pensão obrigatoriamente remível, nos termos do art. 75.º n.º 1 da LAT, sofrendo anos mais tarde uma recidiva ou agravamento, confronta-se com a seguinte situação:
1.º - após a nova baixa, mantém o direito à indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, mas, para esse efeito, é considerado o valor da retribuição à data do acidente actualizado pelo aumento percentual da retribuição mínima mensal garantida – art. 24.º n.º 3 da LAT;
2.º - após a nova alta, em caso de agravamento da sua incapacidade parcial permanente, mas em que esta se mantenha, apesar disso, ainda inferior a 30%, já não tem lugar essa actualização, e a pensão agravada será assim calculada com recurso à regra geral do art. 71.º n.º 1 da LAT, e a indemnização pela nova IPP será calculada, tão só, com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, tanto mais que o art. 82.º n.º 2 da LAT apenas prevê um mecanismo de actualização do valor das pensões por incapacidades superiores a 30%.
b) em resumo, enquanto o sinistrado estiver em situação de nova incapacidade temporária, a indemnização será paga por valores actualizados, mas quando atingir a nova alta, a pensão será calculada por valores não actualizados;
c) se o sinistrado sofre, em virtude de recidiva, uma redução da sua capacidade de ganho vários anos após o acidente, ficando ainda assim com uma IPP inferior a 30%, não se pode afirmar que uma indemnização calculada com base numa retribuição desactualizada (por vezes, desactualizada em muitos anos), seja capaz de cumprir a função de reintegração da sua concreta capacidade de ganho;

É tempo de reponderar esta questão.
A norma do art. 82.º n.º 2 da LAT é incisiva: apenas estão sujeitas a actualização de valor as pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte e outras responsabilidades nos termos regulamentados em legislação especial.
Nesta linha, o art. 1.º n.º 1 al. c), subalínea i), do DL 142/99, de 30 de Abril – na redacção que lhe foi conferida pelo DL 185/2007, de 10 de Maio – afirma competir ao Fundo de Acidentes de Trabalho reembolsar as empresas de seguros dos montantes relativos às actualizações das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte, bem como às actualizações da prestação suplementar por assistência de terceira pessoa, derivadas de acidentes de trabalho ou de acidentes em serviço.
Assim, em princípio, todas as pensões por incapacidade permanente inferiores a 30% não seriam passíveis de actualização.
A justificação para tal proibição de actualização estaria na circunstância de tais pensões serem obrigatoriamente remíveis, o que tornaria, em princípio, inútil a sua actualização – o capital de remição estaria entregue de imediato ao sinistrado, que assim ficava ressarcido da indemnização devida.
Acresce que os tempos de tratamento e cura associados às incapacidades inferiores a 30% seriam, na maior parte dos casos, curtos, e por isso o sinistrado não incorreria em significativo risco de incorrer na desvalorização monetária da indemnização devida pelo acidente de que foi vítima.
Sucede que isto nem sempre ocorre.
A circunstância na incapacidade, à data da cura, ser inferior a 30% não significa, necessariamente, que os tempos de tratamento tenham sido curtos – daí que o art. 22.º n.ºs 1 e 2 da LAT preveja que a incapacidade temporária seja convertida em permanente decorridos 18 meses consecutivos, prazo este que pode ser prorrogado até ao máximo de 30 meses, verificando-se que ao sinistrado está a ser prestado o tratamento clínico necessário, sendo a prorrogação autorizada pelo Ministério Público, a requerimento da entidade responsável e/ou do sinistrado.
Neste hiato entre a data do acidente e a data da alta, que pode ir até ao máximo de 30 meses, quem suporta o risco de desvalorização monetária é o sinistrado – tanto mais que a pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta (art. 50.º n.º 2 da LAT), pelo que apenas a partir dessa data são devidos juros (neste sentido, vide o Acórdão desta Relação de Évora de 09.03.2016, Proc. 354/15.4T8BJA.E1, publicado na página da DGSI).
Por outro lado, a norma do art. 82.º n.º 2 da LAT não cuida das situações – como a ocorrida no caso dos autos – em que o agravamento da incapacidade ocorre anos após a data da alta, impondo ao sinistrado o risco de desvalorização monetária da pensão que lhe é devida, apenas com a justificação da incapacidade agravada continuar a ser inferior a 30%.

Porém, a regra do impedimento de actualização das pensões por incapacidade permanente inferior a 30% não pode impor ao sinistrado que suporte o risco de desvalorização monetária da sua pensão, por nesse caso ocorrer a violação dos princípios constitucionais de justa reparação ao trabalhador vítima de acidente de trabalho, e de igualdade.
Já no Acórdão n.º 173/2014, o Plenário do Tribunal Constitucional teve a oportunidade de declarar a inconstitucionalidade daquela norma, com força obrigatória geral, numa das suas dimensões: o impedimento de actualização das pensões por IPP inferior a 30%, mas não remíveis por ocorrer a situação prevista no art. 75.º n.º 1, parte final, da LAT (serem superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta).
Importa atentar à fundamentação do referido Acórdão, em especial na parte em que este chama a atenção para a necessidade de “garantir aos sinistrados um valor de reparação constante, que não se degrade conforme as flutuações da moeda”:
“Coloca-se, por isso, com toda a pertinência a seguinte questão de constitucionalidade: é admissível à luz da Constituição a existência de pensões devidas a sinistrados por acidentes de trabalho não remíveis e que também não sejam actualizáveis de acordo com a inflação?
7. A resposta a tal questão deve ser inequivocamente negativa.
Na verdade, não se vislumbra qualquer razão legítima que justifique o impedimento legal de actualização das pensões insusceptíveis de remição, nos mesmos moldes em que as restantes pensões não remidas são actualizadas, ou seja, de acordo com os termos do artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, em articulação com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Decreto -Lei n.º 142/99, de 30 de Abril. Tal como sucede nos casos das pensões remíveis, não remidas, ou das pensões sobrantes, em resultado da remição parcial da pensão originária, também em relação às pensões correspondentes a uma incapacidade permanente parcial inferior a 30% está em causa a manutenção do valor efectivo das pensões, importando garantir aos sinistrados um valor de reparação constante, que não se degrade conforme as flutuações da moeda. Mais: há que assegurar a igualdade de tratamento, relativamente a todos os que auferem uma pensão não remível ratione valoris, independentemente do respectivo grau de incapacidade permanente parcial ser superior, igual ou inferior a 30%, porquanto a finalidade da pensão é em todos os casos o mesmo – trata-se de uma prestação destinada “a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de ganho resultante de acidente de trabalho” (cfr. o artigo 48.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009; nesta perspectiva, a pensão desempenha uma função substitutiva do vencimento para a subsistência do beneficiário, conforme tem sido salientado na jurisprudência deste Tribunal) –; e tal finalidade fica irremediavelmente comprometida com a desvalorização monetária. Por idêntica ordem de razões, também se deve impedir que os sinistrados em acidente de trabalho, afectados de uma incapacidade inferior a 30% mas com pensões superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, sejam colocados numa situação de desvantagem em relação aos sinistrados com incapacidade inferior a 30%, mas que viram as suas pensões imediatamente remidas, não correndo assim o risco da desvalorização monetária.”
Mas o Tribunal Constitucional vai ainda mais longe: não está apenas em causa a violação do princípio da justa reparação aos sinistrados em acidente de trabalho, está em causa a violação do princípio da igualdade, contido no art. 13.º n.º 1 da Constituição, dada a diversidade de tratamento entre sinistrados não fundada em motivos razoáveis:
“Acresce que tal solução de não actualização, ao impor soluções diferentes relativamente a quantias que desempenham nos termos da Constituição e da lei função idêntica – como sucede relativamente: (i) às pensões remíveis não voluntariamente remidas; (ii) às pensões sobrantes determinadas em razão de prévia remição parcial; e (iii) às pensões não remíveis compensatórias de incapacidade permanente parcial igual ou superior a 30% – também não se mostra materialmente fundada, sendo por isso mesmo arbitrária.
Nesse sentido, afirmou -se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 546/2011:
«[É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os actos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjectivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjectivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis».
No caso presente, porém, não se vislumbram motivos razoáveis para a previsão de actualização apenas do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30%, estabelecida no artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, em articulação com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Decreto -Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, pelo que tal limitação se mostra também violadora do princípio da igualdade consignado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.”

Sucede que a proibição de actualização da pensão por incapacidade permanente inferior a 30%, quando esta não é superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida (r.m.m.g.), em vigor no dia seguinte à data da alta, para além de impor ao sinistrado o risco de desvalorização monetária da sua pensão, em caso de recidiva que ocasione o agravamento da incapacidade inicial, mas ainda assim em percentagem inferior a 30%, também se mostra desrazoável, na medida em que impõe regime diverso entre sinistrados que merecem tratamento igual.
Para começar, a norma do art. 82.º n.º 2, conjugada com o art. 75.º n.º 1, parte final, ambas da LAT, impõe um tratamento diverso entre sinistrados, afectados da mesma incapacidade, inferior a 30%, apenas com fundamento no valor da sua retribuição anual ilíquida.
Mais grave, protege os sinistrados que auferem uma retribuição anual ilíquida elevada, desprotege os sinistrados que auferem uma retribuição anual ilíquida reduzida, e que por esse motivo se encontram em situação de maior carência económica.
Os primeiros não correrão o risco de desvalorização monetária da sua pensão, os segundos terão de suportar esse risco.
Vejamos o caso dos autos.
A sinistrada, afectada de uma IPP de 14,5%, viu a sua pensão ser obrigatoriamente remida porque auferia, à data do acidente, uma retribuição anual ilíquida de € 21.607,10, sendo a pensão daí resultante de € 2.193,12 (por aplicação da fórmula € 21.607,10 x 70% x 14,5%), valor este inferior ao sêxtuplo da r.m.m.g., em vigor no dia seguinte à data da alta (recorde-se que no ano de 2018, o valor daquela retribuição mínima era de € 580,00, por aplicação do DL n.º 156/2017, de 28 Dezembro).
Auferisse a sinistrada uma retribuição anual ilíquida de, pelo menos, € 34.286,00, afectada da mesma IPP de 14,5% e com alta na mesma data, teria direito a uma pensão de € 3.480,03 (por aplicação da fórmula € 34.286,00 x 70% x 14,5%), e assim, por apenas três cêntimos, já a sua pensão seria superior ao sêxtuplo da r.m.m.g. em vigor no ano de 2018 (€ 580,00 x 6 = € 3.480,00), pelo que não era obrigatoriamente remível (art. 75.º n.º 1, parte final, da LAT) e beneficiaria de actualizações anuais, face à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 173/2014.
Actualizações anuais a que teria também direito em caso de recidiva ou agravamento da sua incapacidade, mesmo que o agravamento da incapacidade se mantivesse em percentagem inferior a 30% e o valor da pensão agravada fosse inferior ao sêxtuplo da r.m.m.g. à data do agravamento, pois o que releva para o cálculo a que se refere o art. 75.º n.º 1, parte final, da LAT, é o valor dessa retribuição mínima em vigor no dia seguinte à data da alta, e não o valor que esteja em vigor à data do agravamento.
Porém, no caso da sinistrada, por auferir uma retribuição anual ilíquida que não lhe permitiu obter, mercê da sua IPP de 14,5%, uma pensão superior ao sêxtuplo previsto no art. 75.º n.º 1, parte final, da LAT, não só viu a sua pensão ser obrigatoriamente remida, como vê agora ser-lhe negado o direito a actualizar o valor da sua pensão, com o argumento desta ser, ainda assim, inferior a 30%, suportando por sua exclusiva conta a desvalorização monetária ocorrida entre 2018 e 2025.

Acresce que a lei estabelece, em matéria de actualização em caso de recidiva ou agravamento, regimes distintos para a incapacidade temporária e para a incapacidade permanente.
Na incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, em caso de recidiva ou agravamento, o sinistrado tem direito a auferir uma indemnização tendo em conta o valor da retribuição à data do acidente actualizado pelo aumento percentual da retribuição mínima mensal garantida – art. 24.º n.º 3 da LAT.
Tal valor actualizado é garantido para todos os sinistrados que incorram em recidiva ou agravamento, no período de incapacidade temporária subsequente à nova baixa, e não depende da sua incapacidade permanente inicial ser inferior, igual ou superior a 30%.
Tal regime de actualização, porém, não é idêntico para a incapacidade permanente subsequente à nova alta, concedida após a recidiva ou agravamento: os que estiverem então afectados de uma incapacidade permanente inferior a 30%, não terão direito a qualquer actualização do valor da pensão, porque assim o impede o art. 82.º n.º 2 da LAT, os que estiverem afectados de incapacidade permanente igual ou superior a 30%, ou se enquadrarem na situação prevista no art. 75.º n.º 1, parte final, da LAT, já beneficiarão da actualização.
Ou seja, o legislador reconhece o direito de actualização do valor da indemnização por incapacidade temporária, em caso de recidiva ou agravamento, sem quaisquer restrições.
Mas, sem qualquer justificação razoável, nega esse direito de actualização do valor da pensão por incapacidade permanente a uma categoria de sinistrados, os afectados de uma incapacidade inferior a 30% e que tiveram direito a uma pensão inferior ao sêxtuplo da r.m.m.g., em vigor no dia seguinte à data da alta.
Ademais, o regime legal contido no art. 82.º n.º 2 da LAT, articulado com o disposto no art. 1.º n.º 1 al. c), subalínea i), do DL n.º 142/99, agrava, sem qualquer justificação razoável, a situação desta categoria de sinistrados, conforme um facto que não depende do seu controlo ou domínio – a data da recidiva ou agravamento da sua incapacidade.
Conforme mais tarde esse facto ocorrer, maior o risco de desvalorização do valor da sua pensão, pois mesmo que o agravamento venha a ser reconhecido, se a incapacidade permanente se mantiver inferior a 30%, o sinistrado terá direito a uma pensão desvalorizada, que assim deixou de reflectir, de forma plena e efectiva, o direito à justa compensação pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho, a que, em princípio, teria direito por força do art. 48.º n.º 2 da LAT.
Risco este mais evidente, quanto é certo que, face à actual redacção do art. 70.º da LAT, a verificação do agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão não está sujeita a prazo de caducidade, pelo que pode ter lugar 5, 10, 15, 20, ou mais anos após a data da alta.

Conclui-se, pois, que o art. 82.º n.º 2 da Lei n.º 98/2009 (LAT), em articulação com o disposto no art. 1.º n.º 1 al. c), subalínea i), do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, ao impedir a actualização do valor da pensão aos sinistrados afectados de uma incapacidade permanente inferior a 30% e que tiveram direito a uma pensão inferior ao sêxtuplo da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, é inconstitucional, por violação do direito à justa reparação das vítimas de acidente de trabalho, estatuído no art. 59.º n.º 1 al. f) da Constituição, e do princípio da igualdade, previsto no art. 13.º n.º 1 da Constituição.
Recusando-se, pois, a aplicação das mencionadas normas, com fundamento em inconstitucionalidade, e visto que estão em causa direitos irrenunciáveis – art. 78.º da LAT – procederemos à actualização do valor da pensão agravada reconhecida à sinistrada, pelo seguinte modo:
· pensão agravada, deduzida da pensão inicial já remida: € 3.289,68 - € 2.193,12 = € 1.096,56
· actualizando a pensão agravada, com a referida dedução, a partir da data da alta:
o em 01.01.2019 (Port. 23/2019, de 17/01): € 1.096,56 + 1,6% = € 1.114,10
o em 01.01.2020 (Port. 278/2020, de 04/12): € 1.114,10 + 0,7% = € 1.121,90
o em 01.01.2022 (Port. 6/2022, de 04/01): € 1.121,90 + 1% = € 1.133,12
o em 01.01.2023 (Port. 24-A/2023, de 09/01): € 1.133,12 + 8,4% = € 1.228,30
o em 01.01.2024 (Port. 423/2023, de 11/12): € 1.228,30 + 6% = € 1.302,00
o em 01.01.2025 (Port. 6-A/2025/1, de 06/01): € 1.302,00 + 2,6% = € 1.335,86
Fixa-se, pois, a pensão agravada a que tem direito a sinistrada, já devidamente actualizada, para € 1.335,86, a qual é obrigatoriamente remível, acrescendo os juros desde a data do requerimento de revisão.

DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso interposto pela Seguradora, mas actualiza-se a pensão agravada devida à sinistrada, a partir de 02.01.2025, para o valor de € 1.335,86, acrescendo os juros de mora, à taxa legal, desde a referida data e até integral pagamento.
Custas pela Seguradora.
Valor do incidente de revisão: € 1.335,86 x 12,964 (Port. 11/2000, de 13/01) = € 17.318,09.

Entregue cópia certificada deste aresto à Digna Magistrada do Ministério Público, para efeitos de interposição obrigatória de recurso de constitucionalidade.

Évora, 18 de Setembro de 2025

Mário Branco Coelho (Relator)

Emília Ramos Costa (vota a decisão e apresenta a seguinte declaração de voto)
Após melhor ponderação, decidimos alterar a nossa posição, e concordar que o “art. 82.º n.º 2 da LAT, em articulação com o disposto no art. 1.º n.º 1 al. c), subalínea i), do DL n.º 142/99, ao impedir a actualização do valor da pensão aos sinistrados afectados de uma incapacidade permanente inferior a 30% e que tiveram direito a uma pensão inferior ao sêxtuplo da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, é inconstitucional, por violação do direito à justa reparação das vítimas de acidente de trabalho, estatuído no art. 59.º n.º 1 al. f) da Constituição, e do princípio da igualdade, previsto no art. 13.º n.º 1 da Constituição.”
Efetivamente, verifica-se um tratamento desigual em caso de agravamento ou recidiva entre o sinistrado que teve a pensão remível e o que a não a teve, independentemente, até, de a incapacidade permanente ser ou não inferior a 30%. A não atualização da pensão, após agravamento da incapacidade permanente, apenas por se manter remível, determina uma efetiva e injustificada desvalorização da pensão desse sinistrado.
Emília Ramos Costa

Paula do Paço (vencida, apresentando a seguinte declaração de voto)
Voto de vencida:
Voto vencida em relação à parte que declarou a inconstitucionalidade do artigo 82.º, n.º 2 da LAT e, consequentemente, procedeu à atualização da pensão revista, obrigatoriamente remível.
Sem prejuízo do respeito pela posição que mereceu vencimento, mantenho o entendimento de que não há lugar à atualização da pensão revista quando esta continue a ser obrigatoriamente remível.
Em termos de fundamentação, remeto para os Acórdãos desta Secção Social, obtidos por unanimidade, de 21-11-2024 (Proc. n.º 1604/19.3T8STR-A.E1), 07-03-2024 (Proc. n.º 631/17.0T8TMR.2.E1), 25-01-2023 (Proc. n.º 169/ 12.1TTVFX.1.E1), 27-02-2020 (Proc. n.º 446/14.7T8TMR.1.E1), e para a posição maioritária defendida nos Acórdãos de 05-12-2024 (Proc. n.º 4306/17.1T8STB.1.E1), 18-12-2023 (Proc. n.º 1897/15.5T8TMR.2.E1) e 14-09-2023 (Proc. n.º 342/13.5TTTMR.1.E1.E1).
Indico, ainda, os Acórdãos da Relação de Lisboa prolatados em 05-06-2024 (Proc. n.º 2229/04.3TTLSB.2.L2-4 e Proc. n.º 992/23.1T8BRR.L1-4). Todos os arestos identificados estão publicados em www.dgsi.pt.
Por conseguinte, teria confirmado, totalmente, a sentença da 1.ª instância.
Paula do Paço