Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MIGUEL TEIXEIRA | ||
| Descritores: | LEGITIMIDADE PROCESSUAL TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL DECISÃO INTERLOCUTÓRIA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO NULIDADES DA DECISÃO | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | - A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos de facto e/ou direito; - Na nulidade prevista no primeiro segmento da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC está em causa um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e a conclusão; - O artigo 263.º, n.º 1, do CPC consagra uma situação de substituição processual: o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, agora enquanto substituto do adquirente; - Se, com a decisão final, o recorrente pretende impugnar uma ou mais decisões interlocutórias, deve, no requerimento de interposição de recurso e nas conclusões, identificar as concretas decisões intercalares que pretende ver reapreciadas pelo tribunal de recurso, na sequência dos fundamentos que invocar nas alegações e nas conclusões; - A ampliação do recurso está reservada para os casos em que a parte vencedora tenha decaído em algum dos fundamentos invocados e quer prevenir a necessidade da sua apreciação. Se o decaimento se reportar a um pedido principal ou subsidiário que tenha sido formulado, o interessado deverá promover a reapreciação da decisão, nesse segmento, mediante impugnação autónoma ou recurso subordinado e não através do mecanismo previsto no artigo 636.º, n.º 1, do CPC. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 5713/22.3T8STB.E1 - Recurso de Apelação Tribunal Recorrido – Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Central Cível de Setúbal - Juiz 1 Recorrente – (…); Recorrida – (…); * Sumário: (…)** * I – RELATÓRIO1. (…) intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra (…). Em síntese, alega que é proprietária do imóvel denominado Herdade (…) e que a Ré ocupa ilegalmente a casa n.º 13 existente no referido imóvel, o que causa prejuízos à Autora, designadamente, os resultantes da frustração da venda da Herdade por causa dessa ocupação, no caso de essa venda se frustrar, bem como os decorrentes das despesas judiciais, taxas de justiça e encargos processuais e outros custos e despesas, destinados a fazer cessar o ilícito em curso. Pede que: “A) Se declare a Autora possuidora, dona e legítima proprietária prédio misto denominado “Herdade (…)”, situado no concelho de Alcácer do Sal, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial n.º (...), das secções R-R1-R3 e urbanos n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…) e n.º (…), da União das Freguesias de … (antiga freguesia de …) e … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob a ficha n.º (…), com descrição em livro n.º (…), do concelho de Alcácer do Sal, registado e inscrito a favor da Autora pela apresentação n.º (…), de (…); B) Condene a Ré a reconhecer a Autora como possuidora, dona e legítima proprietária da casa n.º 13 sub judice, que faz parte ou é parte integrante do prédio misto denominado Herdade (…), identificado na alínea anterior; C) Condene a Ré a restituir e entregar de imediato à Autora, livre e devoluta de pessoas, de coisas e bens e de ónus ou encargos, a casa n.º 13 sub judice, que faz parte do prédio misto denominado “Herdade (…)”, identificado na alínea A) deste pedido; D) Condene a Ré a abster-se de praticar quaisquer atos ou condutas que possam lesar ou ameaçar lesar ou perturbar o direito de propriedade da Autora sobre a casa n.º 13 sub judice e do respetivo prédio misto n.º (…), da qual a mesma faz parte, ou de o violar, designadamente abstendo-se de ocupar qualquer parte do referido prédio, abstendo-se de fruir, alienar, onerar ou transformar diretamente ou por interposta pessoa ou de qualquer atitude que possa por em causa a posse e o domínio decorrente do direito de propriedade da Autora sobre todo prédio identificado na alínea A) deste pedido; E) Condene a Ré no pagamento imediato da quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), acrescida dos juros legais vencidos e vincendos, por cada dia de ocupação e de retardamento na entrega da casa n.º 13 sub judice, livre e devoluta de pessoas, de coisas e bens e de ónus ou encargos, a contar desde o dia 15 de julho de 2022 ou, subsidiariamente, a contar da data da citação da Ré para a presente ação, até à data da cessação da lesão do direito de propriedade da Autora, mediante a efetiva desocupação e restituição à Autora a casa n.º 13 sub judice, livre e devoluta de pessoas, de coisas e bens e de ónus ou encargos; F) Condene a Ré no pagamento da indemnização no montante de € 4.000,00 pelos prejuízos apurados até ao presente, sendo esta quantia acrescida dos juros de mora à taxa de juro legal, a contar a partir da citação da Ré até ao efetivo pagamento da mesma; G) Condene a Ré a pagar indemnizações à Autora, pelos danos já causados e ainda pelos danos emergentes, prejuízos diretos e indiretos, ganhos cessantes, lucros cessantes e danos futuros, que se venham apurar, nomeadamente com perdas de oportunidades de negócios de venda deste seu prédio e, ainda, pelos danos morais ou de ordem não material que também se venham apurar, sendo a indemnização, pelos danos patrimoniais e morais, a atualizar desde a citação da Ré até à sentença e execução da mesma, à taxa legal, e ainda a condenação em indemnização pelos danos que, entretanto, se venham a apurar e culposamente causados ou decorrentes da atuação da Ré, relegando-se o seu apuramento para execução de sentença; H) Condene a Ré, em multa condigna, que se deixa ao prudente juízo do Digníssimo Tribunal, contudo, não devendo ser inferior a € 1.000,00 e numa indemnização nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do 543.º do C.P.C., com reembolso das despesas a que a má fé da Ré obrigou a Autora a suportar, como sejam as respetivas taxas, preparos para despesas inerentes e decorrentes deste processo, incluindo os honorários do mandatário e no reembolso dessas despesas e restantes prejuízos sofridos pela Autora como consequência direta ou indireta da má fé, cujo o valor está estimado em, pelo menos, € 2.000,00”. Pede ainda “(…) a condenação da Ré no pagamento da sanção pecuniária de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia, a partir do trânsito em julgado da sentença proferida nos presentes autos até à data da cessação da lesão do direito de propriedade da Autora, mediante a efetiva desocupação e restituição à Autora da casa n.º 13 sub judice, livre e devoluta de pessoas, de coisas e bens e de ónus ou encargos”. 2. A Ré contestou. Em síntese, alegou que desde 1975 que tem posse pública, pacífica e de boa-fé da casa n.º 13, atuando e sendo reconhecida como proprietária da mesma, devendo reconhecer-se que adquiriu o imóvel por usucapião. Mais alegou que, assim não se entendendo, tem o direito de habitação da casa, o que deve ser reconhecido. Alegou ainda que, assim não se entendendo, deve a Autora ser condenada a indemnizá-la pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. Deduziu reconvenção, pedindo: a) que a Autora seja condenada: - “(…) a reconhecer a aquisição do direito de propriedade da Ré por usucapião da casa n.º 13, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob a ficha n.º (…), com matriz urbana sob o n.º (…), da freguesia da União de freguesias de … (antiga freguesia de …) e …, com subsequente desanexação e registo da aquisição em nome da Ré”; - “(…) a abster-se de praticar quaisquer atos e condutas que possam lesar ou perturbar o direito de propriedade da Ré”; b) Improcedendo o anterior pedido, que se reconheça “(…) que a Ré é titular do direito de habitação da casa n.º 13, inserta na Herdade (…) em 1991, na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob a ficha n.º (…), com matriz urbana sob o n.º (…), da freguesia da União de freguesias de … (antiga freguesia de …) e ….”; c) Improcedendo os anteriores pedidos, - que a Autora seja “(…) condenada no pagamento de uma indemnização nunca inferior a € 102.000,00 (cento e dois mil euros), pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos”; - que seja reconhecido “(…) à Ré o direito de retenção, de continuar a ocupar o imóvel, sendo este direito uma garantia real que prevalece sobre qualquer outra alegada negociação, até integral satisfação do seu credito”. 3. A Autora apresentou réplica. Em síntese, pugna pela improcedência da reconvenção, alegando que nunca autorizou a realização de quaisquer obras na casa. Requereu ainda a condenação da Ré como litigante de má-fé, em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00. A Ré respondeu ao pedido de condenação por litigância de má-fé, pugnando pela sua improcedência, e alegou a ilegitimidade da Autora, invocando ser do seu conhecimento que a Autora procedeu à venda do imóvel identificado nos autos. 4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que: - Declarou “(…) a Autora possuidora, dona e legítima proprietária do prédio misto denominado “Herdade (…)”, situado no concelho de Alcácer do Sal, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial n.º (…), das secções R-R1-R3 e urbanos n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…) e n.º (…), da União das Freguesias de … (antiga freguesia de …) e (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob a ficha n.º (…), com descrição em livro n.º (…), do concelho de Alcácer do Sal, registado e inscrito a favor da Autora pela apresentação n.º (…), de (…)”; - Condenou “a Ré a reconhecer a Autora como possuidora, dona e legítima proprietária da casa n.º 13 sub judice, que faz parte ou é parte integrante do prédio misto denominado Herdade (…), identificado na alínea anterior”; - Condenou “a Ré a restituir e entregar de imediato à Autora, livre e devoluta de pessoas, de coisas e bens e de ónus ou encargos, a casa n.º 13 sub judice, que faz parte do prédio misto denominado “Herdade (…)”, identificado na alínea a)”; - Condenou “a Ré a abster-se de praticar quaisquer atos ou condutas que possam lesar ou ameaçar lesar ou perturbar o direito de propriedade da Autora sobre a casa n.º 13 sub judice e do respetivo prédio misto n.º (…), da qual a mesma faz parte, ou de o violar, designadamente abstendo-se de ocupar qualquer parte do referido prédio, abstendo-se de fruir, alienar, onerar ou transformar diretamente ou por interposta pessoa ou de qualquer atitude que possa por em causa a posse e o domínio decorrente do direito de propriedade da Autora sobre todo prédio identificado na alínea a)”; - Absolveu “a Ré do demais peticionado”; - Julgou “a reconvenção improcedente, absolvendo a Autora dos pedidos”. - Julgou “procedente o pedido de condenação por litigância de má-fé impetrado pela Autora e, consequentemente:” - Condenou a Ré no pagamento de uma multa que fixou em 2 UC’s; - “Em ordem à fixação da indemnização requerida”, determinou “a notificação das partes para se pronunciarem, no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 543.º, n.ºs 1, alínea a), 2 e 3, do CPC”. 5. A Ré, inconformada com a decisão, dela veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo: “a) Em primeiro lugar, sempre salvaguardando o devido respeito pelo Ilustre Magistrado signatário da Decisão ora sindicada do Tribunal a quo, impugna-se a Decisão da Matéria de Facto, havendo que reapreciar a prova gravada e a de Direito. b) Deve a prova gravada ser reapreciada e concluir-se que, no que resultou quer dos documentos, quer da prova gravada resultou que: 1. A Recorrida não é possuidora nem nunca foi da casa n.º 13 identificada nos autos. 2. A Recorrida não é proprietário do imóvel identificado nos autos, que se encontra registado a favor de terceiros. 3. A Recorrente reside na casa n.º 13 e em 2022 recebeu missivas e pressão por parte a Recorrida para abandonar a sua residência, alegando que estava a vender a Herdade. 4. A Recorrente e o marido (…), residiram na casa n.º 13 em virtude da mesma lhe ter sido transmitida, no ano de 1975 (janeiro), a posse do referido imóvel, ou seja, há mais de 47 anos, através da entrega das chaves junto do Tribunal Judicial de Alcácer do Sal. 5. A habitação tinha autonomia física e económica. 6.A Recorrente foi interpelada para entregar, mas a parcela rústica de exploração agrícola, com 0,1659 ha, a única sobre a qual existia recibos de arrendamento (docs. 1, 2 e 3) que adveio, na sequência da exploração agrícola iniciada no âmbito da Reforma Agrária. 7. A recorrente sempre tive o corpus e o animus possidendi, ou seja, atuou por forma correspondente ao exercício de direito de propriedade: a Recorrente não ocupou ilegitimamente a casa n.º 13, reside na referida casa, em virtude de lhe ter sido transmitida, no ano de 1975; A chave foi-lhe entregue em 1975. Desde essa data, que a Recorrente fixou ali a sua residência familiar, e investiu as suas parcas economias familiares, na habitabilidade, melhoramento/reconstrução da casa n.º 13. As casas não tinham chão, não tinham as paredes rebocadas, não tinham placa de telhado e os barrotes do telhado estavam podres, não tinham portas interiores, não tinham casa-de-banho, nem cozinha, nem água, nem eletricidade. 8. Provaram-se as obras necessárias e urgentes na casa e as despesas feitas: bomba, furo, cozinha, portas, telhado chão, casa de banho, sala, canalizações, muro, etc.. 9. Agiu de forma pública, pacifica e boa fé, sem oposição de ninguém, durante quase 50 anos. c) E deveria, o Tribunal a quo: 1. Ter decretado a ilegitimidade da recorrida: a ilegitimidade é uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso e que implica a absolvição da instância, cfr. artigos 30.º, 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º e 577.º, alínea e), todos do CPC.; disposições que violou. 2. A instância deveria ter sido suspensa de forma a habilitar a atual proprietária invocando a recorrente, a usucapião, o registo da ação era obrigatório, de acordo com aos artigos 2.º, n.º 1/a) e 3.º, n.º 1/a), do Código do Registo Predial. 3. Reconhecido a aquisição do direito de propriedade da Recorrente por usucapião da casa n.º 13, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob a ficha n.º (…), com matriz urbana sob o n.º (…), da freguesia da União de freguesias de … (antiga freguesia de …) e …, com subsequente desanexação e registo da aquisição em nome da Recorrente por há mais de 47 anos, na posse da Ré, adquirida de forma pública, pacífica e de boa fé, tendo o Tribunal a quo incorretamente interpretado os factos e o disposto nos artigos 1252.º, 1287.º, 1288.º, 1296.º, 1316.º, 1296.º, 1287.º, 2163.º, alínea b), 1440.º e 1485.º do Código Civil. 4. Não reconhecer que a recorrida seja possuidora, dona e legítima proprietária do prédio misto denominado "Herdade (…)", situado no concelho de Alcácer do sal, melhor identificado nos autos. 5. Condenar a Recorrida a abster-se de praticar quaisquer atos e condutas que possam lesar ou perturbar o direito de propriedade da Recorrente ou, Improcedendo o anterior pedido: 6. Reconhecer que a Ré é titular do direito de habitação da casa n.º 13, inserta na Herdade (…) em 1991, na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob a ficha n.º (…), com matriz urbana sob o n.º (…), da freguesia da União de freguesias de … (antiga freguesia de …) e …. Improcedendo os anteriores pedidos: 7. Ser a Recorrida condenada no pagamento de cento e dois mil euros, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. 8. Ser conhecido à Recorrente o direito de retenção, de continuar a ocupar o imóvel, sendo este direito uma garantia real que prevalece sobre qualquer outra alegada negociação, até integral satisfação do seu crédito. 9. Ora, não só a Sentença não especifica factos e documentos demonstrativos de que a recorrida seja possuidora e proprietária, também quanto aos pedidos subsidiários, existe ainda omissão de pronuncia, uma vez que a Sentença não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão, o que acarreta a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º do CPC. Se se deu como provado que a Recorrente ocupa há casa há mais de 50 anos: “18. A Ré vive na casa n.º 13 desde 1976, de forma ininterrupta” (facto provado) como é que o Mmo. Juiz a quo sentencia que a recorrida é legitima possuidora? Contradição insanável.” Pede que seja “revogada a Douta Sentença do Tribunal decidindo este Venerando Tribunal, em doutíssimo suprimento, tudo o mais que tenham por conveniente”. 6. A Autora apresentou resposta, concluindo do seguinte modo: “1.º – Quanto ao 1.º Fundamento das Contra-alegações – Refutação do recurso face às questões essenciais e das objeções pertinentes ou exceptio que, por si só, refutam in totum o recurso: A. – As confissões reveladas pela Recorrente constituem objeções pertinentes ou exceptio que, por si só, refutam in totum o recurso, nomeadamente, porque a Recorrente evidenciou que sabia e sabe que: – É ocupante da casa n.º 13 sub judice, porque, em junho de 2010, terminou o contrato de arrendamento mediante o qual começou a utilizar a casa n.º 13 sub judice: – Não é possuidora da casa n.º 13 sub judice; – Não tem qualquer título para ocupar a casa n.º 13 sub judice; B. – A Recorrente pela carta de 08.06.2022 que remeteu à Recorrida pediu que a Recorrida lhe permitisse continuar a habitar na casa 13 pelo que, assim, voltou a exteriorizar, confessar e reconhecer que sabe que não tem qualquer título para ocupar casa n.º 13, sub judice e, assim, também, confessou e revelou que age sem animus possidendi, tal como o fez anteriormente, em 2010 – após terminar, em 06.06.2010, o contrato de arrendamento ao abrigo do qual começou a utilizar a casa n.º 13 sub judice – porque, então, pediu que à Recorrida lhe permitisse continuar a habitar na casa 13, enquanto a Herdade não fosse vendida; C. – A Recorrente ao remeter para Recorrida a carta de 08.06.2022 e ao solicitar ou pedir à Recorrida que a autorizasse a continuar a permanecer na habitação, casa n.º 13 sub judice e ao propor pagar à Recorrida «uma compensação mensal,», [renda], uma vez mais, em 08.06.2022, a Recorrente, reconheceu e confessou que sabe que a Recorrida era proprietária da casa n.º 13 sub judice; D. – Resulta da prova produzida que a própria Recorrente, mesmo depois de 1992, designadamente após ter falecido, em 03.12.1991, o rendeiro seu marido, continuou a pagar rendas à Autora, enquanto o contrato de arrendamento rural que abrangia a casa n.º 13 sub judice, esteve em vigor, ou seja, até ao início ao mês de junho de 2010 (vide autos n.ºs 4, 20 a 23 dos Factos Provados na sentença recorrida); E. – Em 16.01.2025, a Recorrente no seu depoimento de parte, por mais de uma vez, declarou que, não havia contrato e que o seu marido não era rendeiro e, subsequentemente, em manifesta contradição no seu depoimento confessou que pagou rendas à Autora nomeadamente nos períodos de 1992 e 2007 a 2008 e até 2010, e, assim, revelou, “levantou véu” de que atua sem animus possidendi e, também, evidenciou a sua má-fé substantiva e processual, bem como o manifesto abuso de direito substantivo e processual com que a Recorrente atua, nomeadamente no recurso; F. – Em 21.01.2025 a Recorrente, voltou a reconhecer e confessar que sabia do arrendamento rural que abrangia a casa n.º 13, sub judice, uma vez que, na 2ª sessão da audiência de discussão de julgamento, realizada em 21.01.2025, juntou aos autos duas cartas, respetivamente de 28.05.1992 e de 05.06.1992 ambas da Autora/Recorrida e ambas relativas ao assunto da renda do referido contrato de arrendamento e as duas foram remetidas ao arrendatário (…), marido da Recorrente, as quais a Recorrente recebeu – porque o seu marido já havia falecido em 03.12.1991 – e assim, a Recorrente também reconheceu que pagava as rendas à Autora: assim, também, por via de tais cartas e da sua junção a Recorrente desvelou e evidenciou a sua má-fé substantiva e processual e o manifesto abuso de direito substantivo e processual com que recorre; G. – Oportunamente, em 03.11.2008, 10.11.2008, 16.12.2008 e em 19.12.2008, foi comunicado à Recorrente, por carta e por Notificação Judicial Avulsa o fim do prazo de vigência (em junho de 2010) do respetivo arrendamento rural que abrangia a casa n.º 13 sub judice, o que ficou provado sob o n.º 4 dos Factos Provados na douta sentença recorrida; H. – A Recorrente foi esclarecida que após terminar o contrato de arrendamento rural que abrangia a casa n.º 13 sub judice, não tinha título para continuar a usar a casa n.º 13; I. – A Recorrente bem sabe que o referido contrato de arrendamento, abrangia a parcela de terreno e a habitação, até porque expressamente o reconheceu e confessou na sua carta, de 08 de junho de 2022, que assinou e enviou à Recorrida, na qual a Recorrente, confessou que: – «Começou a utilizar a casa porque havia arrendado uma parcela de terreno destinada a horta, pagando durante muitos e muitos anos uma compensação (renda) pela sua utilização»; – «O preço [renda] incluía a casa e o terreno»; – «...solicita a V. Exa. que seja analisada a sua situação no sentido de ser possível a continuação da permanência na habitação, pagando a V. Exa. uma compensação mensal de acordo com as suas possibilidades» (vide e n.º 9 dos Factos Provados na sentença recorrida); J. – As conclusões anteriores são objeções pertinentes e ou exceptio que, por si só, refutam in totum o recurso e determinam a improcedência do recurso, especialmente porque a Recorrente: – É ocupante da casa n.º 13 sub judice, porque, em junho de 2010, terminou o contrato de arrendamento mediante o qual começou a utilizar a casa n.º 13 sub judice; – Não é possuidora da casa n.º 13 sub judice; – Não tem qualquer título para ocupar a casa n.º 13 sub judice; – Não pode adquirir por usucapião a referida casa n.º 13. 2.º – Quanto ao 2.º Fundamento das Contra-alegações – Refutação do recurso por via da Questão Prévia da Rejeição do Recurso por a Recorrente não especificar um único e concreto meio probatório que imponha decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida – violação do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC. e por recorrer com abuso de direito substantivo e processual: A. – O recurso deve ser rejeitado, especialmente porque a referência genérica e descontextualizada dos depoimentos, respetivamente de parte Recorrente e da testemunha filho da Recorrente, por si só, não permitem modificar a matéria de facto considerada provada na douta sentença, uma vez que não permitem, que se obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante por via do recurso da Recorrente; B. – Por força dos princípios da utilidade, economia processual e da celeridade processual e ou da gestão processual o Venerando Tribunal da Relação não deve proceder à reapreciar da matéria de facto objeto da impugnação, pela Recorrente, por insuscetível de ter relevância jurídica, já que: – a impugnação da matéria de facto e o ademais alegado no recurso da Recorrente é juridicamente inócuo, irrelevante e insuficiente para alterar a douta sentença; C. – O recurso deve ser rejeitado «sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe de antemão, ser inconsequente (...) o que contraria o princípio da celeridade e da economia processual» (vide Ac. da RC de 27.95.2014); C. – No é suficiente, não basta à Recorrente reproduzir um ou outro extrato ou segmento descontextualizado dos depoimentos dela e de seu filho; G. – A Recorrente limitou-se a um mínimo assente em meros extratos, parcelas sincopadas e descontextualizadas do seu depoimento e do depoimento da testemunha seu filho, não dando, cumprimento ao ónus de indicar os meios probatórios que imponham decisão diversa da recorrida, incorrendo na violação do artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC; H. – As provas que são relevantes e decisivas são as que evidenciam a realidade e concomitantemente, refutam o recurso da Recorrente, porque de facto: 1.º – A Recorrente 1992 – após o seu marido e anterior arrendatário ter falecido em 03.12.1991 – a Recorrente continuou a reconhecer a Recorrida proprietária e sua Senhoria face ao contrato de arrendamento, que abrangia a casa n.º 13 sub judice, visto que continuou a pagar à Recorrida até junho de 2010; 2.º – A Recorrente desde 2008 até ao mês de setembro de 2022 nunca pôs causa que a Recorrida era a proprietária da casa n.º 13 sub judice; 3.º – No verão de 2010 e, posteriormente, a Recorrente prometeu à Recorrida sair da casa sub judice quando a Herdade estivesse à venda; 4.º – A Recorrente durante mais de 12 anos, até ao início do mês de setembro de 2022, nunca pôs causa que a Recorrida era a proprietária da casa n.º 13 sub judice; 5.º – A Recorrente em 08.06.2022 pela citada carta, em, confessou que: – «Começou a utilizar a casa porque havia arrendado uma parcela de terreno destinada a horta, pagando durante muitos e muitos anos uma compensação ( renda) pela sua utilização»; – «O preço [renda ] incluía a casa e o terreno»; – «...solicita a V. Exa. que seja analisada a sua situação no sentido de ser possível a continuação da permanência na habitação, pagando a V. Exa. uma compensação mensal de acordo com as suas possibilidades»; I. – A impugnação da matéria de facto e o ademais alegado no recurso é juridicamente inócuo, irrelevante e insuficiente para alterar a douta sentença; J. – O Recurso deve ser de imediato rejeitado por a Recorrente não especificar um único e concreto meio probatório que imponha decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida – pelo que incorreu em violação do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C. e por recorrer com abuso de direito substantivo e processual sendo que o Tribunal a quo analisou criticamente as provas e julgou corretamente a matéria de facto, não se verificando os supostos erros invocados pela Recorrente, consequentemente, com o devido respeito e salvo melhor opinião, estão refutados, infirmados os fundamentos do recurso da sua douta apelação: pelo que improcedem as conclusões enunciadas sob as alíneas a) e b)1 a b)9 e c)1 a c)9; 3.º – Quanto ao 3.º Fundamento das Contra-alegações – Refutação do recurso por via da não violação dos artigos 1252.º, n.º 2, 1287.º, 1288.º, 1296.º e 2163.º, alínea b), do Código Civil: A. – A douta sentença não violou os artigos 1287.º, 1288.º e 1296.º do Código Civil, desde logo, porque está provado que o rendeiro e marido da Recorrente detinham a casa n.º 13 sub judice por via dos mencionados arrendamentos rurais que abrangiam a parcela de terreno e a sua habitação casa n.º 13 sub judice, até porque: – a Recorrente expressamente o reconheceu e confessou na carta, de 08.06.2022, que: – «Começou a utilizar a casa porque havia arrendado uma parcela de terreno destinada a horta, pagando durante muitos e muitos anos uma compensação ( renda) pela sua utilização»; – «O preço [renda ] incluía a casa e o terreno». – Nessa carta a Recorrente pediu à Recorrida autorização para a continuação da permanência na habitação, pagando a V. Exa. uma compensação mensal de acordo com as suas possibilidades»: B. – Os factos provados, nomeadamente por via da carta e 08.06.2022 e do depoimento de parte da Recorrida, provam que o rendeiro e marido da Recorrente e a Recorrente agiram como meros detentores e ou como possuidores precários; C. – A Recorrente a partir de 06.06.2010, ou seja, após terminar o contrato de arrendamento rural que abrangia a casa n.º 13 sub judice, não tem qualquer título para continuar a usar a casa 13, a qual está a ocupar ilegitimamente; D. – Com a detenção da casa n.º 13 sub judice, não se iniciou para o rendeiro, marido da Recorrida, a posse, mas sim mera detenção ou posse precária, por falta de animus possidendi; E. – À Recorrente falta-lhe o animus possuidor e nunca inverteu o título da alegada posse, para que se verificasse a posse era necessário que a Recorrida, provasse algo mais que os meros atos materiais ou simples poder de facto: era preciso que tivesse alegado e provado factos concretos de ter havido por parte dos seus antecessores, especialmente do rendeiro seu marido, a intenção o propósito o animus possidendi de exercer diretamente perante a Recorrida proprietária da casa n.º 13 sub judice uma afirmação inequívoca de domínio sobre a referida casa e não um mero poder de facto; F. – In casu não se verificaram os prazos para a putativa usucapião, nomeadamente porque: – O arrendamento rural que abrangia a casa n.º 13 sub judice, teve a sua vigência até junho de 2010 e, em 08.06.2022, a Recorrente reconheceu e confessou que sabe que a Recorrida era proprietária da casa n.º 13 sub judice, sendo que, entre junho de 2010 e setembro de 2022 não decorreram sequer 15 anos: Não se verifica o prazo mínimo para pretensa usucapião. 4.º – Quanto ao 4.º Fundamento das Contra-alegações – Refutação do recurso por não se verificar a putativa ilegitimidade da Recorrida e da suspensão da instância: A. – Nesta ação, pelo douto despacho 22.11.2023 foi decidido que a Autora, ora Recorrida, «continua a ter legitimidade para a causa nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 263.º do CPC» e a Recorrente conformou-se com esse despacho, não recorreu do mesmo, pelo que, o referido despacho transitou em julgado, assim, também, por força de tal despacho a Recorrida é parte legítima (vide autos: Ata de Audiência Prévia de 22.11.2023 com Ref.ª 9840203, no citius); B. – A Recorrida é sujeito da relação material, porque tem um interesse direto na defesa de interesse pessoais, maxime o de promover a desocupação da casa n.º 13 sub judice para receber o remanescente do preço da venda, pelo que, a Recorrida transmitente continua a ter legitimidade processual e substantiva para a causa, até ao final do pleito, final do pleito que ainda não ocorreu (vide neste sentido o douto do Acórdão de 22.11.2022 da Relação do Porto); C. – A Recorrida continua a ter legitimidade processual e substantiva para a causa, até ao final do pleito, e, assim, Recorrida continua a ser sujeito da relação material controvertida e continua a ter interesse próprio, direto e imediato nesta ação, pelo que, tem legitimidade substantiva e processual, nomeadamente porque é a Recorrida que tem de promover a desocupação do imóvel e tem um interesse próprio e direto na defesa do direito real de propriedade e, também, tem um interesse próprio e direto porque é credora da sociedade adquirente, pelo que, face aos termos da causa de pedir e do pedido na ação e por todos fundamentos enunciados nestas contra-alegações, é irrelevante que o prédio já tenha sido vendido e a instância não tem de ser suspensa para habilitar a adquirente. 5.º – Quanto ao 5.º Fundamento das Contra-alegações – Refutação do recurso por não se verificar a violação dos artigos 1440.º e 1485.º do Código Civil: A. – A ocupação pela Recorrente da casa n.º 13 sub judice ocorreu no contexto dos contratos de arrendamento rural que foram celebrados, primeiro com o Estado Português e depois com a Recorrida, o que configura uma posse precária ou mera detenção, sem que a Recorrente tenha sido alegado, e muito menos provado, qualquer facto suscetível de configurar um título de aquisição do alegado direito de uso e habitação; B.– O direito de uso e habitação, é um direito que não pode ser constituído por usucapião, ou seja: – o simples facto de a Recorrente estar a ocupar – sublinhe-se ilegitimamente – a casa n.º 13 sub judice e de fazer dela sua habitação não permite a constituição do alegado ou putativo direito de uso e habitação no sentido da existência de um direito real de gozo oponível à Recorrida; C. – A Recorrente não é titular do suposto ou putativo direito de uso e habitação da casa n.º 13 sub judice pelo que também improcedem as conclusões c)5. a c)6 do recurso, relativa ao putativo direito de uso e habilitação da casa n.º 13 sub judice; 6.º – Quanto ao 6.º Fundamento das Contra-alegações –Refutação do recurso por via da rejeição e da improcedência do recurso por a Recorrente continuar a agir com má-fé material e má-fé instrumental e a atuar com abuso de direito substantivo e processual: A. – A Recorrida em face da factualidade que é do conhecimento seu pessoal age com falta de colaboração para apuramento da verdade material e a sua conduta evidencia manifestas contradições; B. – A Recorrida apesar de condenada por litigância de má-fé – quiçá por a multa ser muito “leve”, mesmo, insignificante –, a Recorrente, no recurso continua a litigar com manifesta má-fé, continua a agir com má-fé material e má-fé instrumental e a atuar com abuso de direito substantivo e processual; C. – A má-fé material e má-fé instrumental e da Recorrida e o respetivo abuso de direito substantivo e processual: – Obstam ao conhecimento do recurso e determina a sua rejeição e ou improcedência; D. – A Recorrida no Verão de 2010 e, posteriormente – durante mais de 12 anos – designadamente até ao início do mês de setembro de 2022, nunca pôs causa que a Recorrida era a proprietária da casa n.º 13 sub judice e inopinadamente em 21.11.2022, mediante só e apenas na reconvenção, é que, pela primeira vez, pôs em causa que a casa não é da Recorrida e invocou que é possuidora da referida casa n.º 13; E. – A Recorrida na audiência de julgamento de 21.01.2025, apesar de inicialmente ter negado que paga renda no âmbito do respetivo contrato de arrendamento rural, acabou por reconhecer que pagava as rendas à Recorrida, no âmbito do contrato de arrendamento rural que abrangia a casa n.º 13 sub judice; F. – A Recorrente neste recurso age em abuso de direito e com má-fé que é evidenciada, pelos termos do recurso e pelo facto de 08.06.2022 ter comunicado à Recorrida, o constante da citada carta de 08 .06.2022 e, agora, no recurso continua a agir em manifesta contradição como que tinha reconhecido e confessado, e, assim, abusivamente no recurso sem fundamentos insiste na aquisição da casa n.º 13 sub judice, por usucapião; G. – A Recorrente, no recurso litiga com dolo ou negligencia grave litiga com manifesta má-fé substantiva e processual e com manifesto abuso de direito substantivo e processual e tem consciência que a posição assumida no recurso é contrária à sua conduta anterior e é abusiva, pelo que incorre em venire contra factum proprium, violando o mais elementar princípio de Direito e de Justiça: o da boa-fé; H. – A Recorrente, no recurso litiga com dolo ou negligencia grave e abusivamente “instrumentaliza o processo” para “ganhar tempo”, até 30.12.2025 para pressionar a Recorrida a lhe pagar uma avultada quantia em dinheiro, para desocupar a casa sub judice porque bem sabe que a Recorrida tem de desocupar a casa, até ao dia 30.12.2025 para receber o montante de três milhões de euros (€ 3.000.000,00); I. – A Recorrente abusivamente está a instrumentalizar o recurso para “aproveitar” o tempo de duração do processo para “ganhar tempo” e evitar cumprir o que prometeu à Recorrida: desocupar e entregar a casa n.º 13 sub judice quando fosse avisada que a Herdade estava à venda; J. – A Recorrente no recurso atua com manifesta má-fé substantiva e processual e com manifesto abuso de direito processual “instrumentalizando” o processo” para ganhar tempo e, abusivamente está a sobrecarregar (desnecessariamente) o Venerando Juiz Desembargador com mais um recurso que é manifestamente abusivo e improcedente a; K. – A Recorrente bem sabe, que neste recurso litiga arrogando-se de um direito de que tem perfeita consciência que não lhes assiste, agindo com dolo substancial e instrumental ao apresentar um recurso, cuja falta de fundamento não ignora e conscientemente altera e omite factos relevantes, mediante uma lide dolosa; L. – A Recorrente por recorre com má-fé material e má-fé instrumental e por agir com abuso de direito substantivo e processual, designadamente por venire contra factum proprium e suppressio, pelo que não deve ser admitido o recurso, o qual deve ser rejeitado e ou julgado improcedente; 7.º – Quanto à ampliação do objeto do recurso: A. – A Recorrida no sentido de sustentar a procedência da presente ação também a fundamentou com base no abuso de direito substantivo e processual da Ré-Reconvinte e da sua má-fé material e má-fé instrumental por agir com abuso de direito substantivo e processual até para fundamentar a improcedência da reconvenção; B. – A douta sentença julgou parcialmente procedente ação, nomeadamente Condenando a R. a restituir e entregar de imediato à A., livre e devoluta de pessoas, de coisas e bens e de ónus ou encargos, a casa n.º 13 sub judice, que faz parte do prédio misto denominado “Herdade (…)”, identificado na alínea a) mas não decidiu sobre o fundamento do abuso de direito substantivo e processual da Ré-Reconvinte; C. – Os factos provados e os documentos juntos ao processo também permitem a procedência da ação por via do fundamento do abuso de direito substantivo e processual da Ré-Reconvinte e da sua má-fé material e má-fé instrumental por agir com abuso de direito substantivo e processual; D. – Por tudo quanto se aduziu na ação, nestas contra-alegações e na ampliação do objeto do recurso, também, por Recorrente com abuso de direito substantivo e processual e face à sua má-fé material e má-fé instrumental por agir com abuso de direito substantivo e processual o Venerando Tribunal da Relação deve julgar procedente o fundamento com abuso de direito substantivo e processual, como fundamento para a procedência da presente ação; E. – Atento tudo quanto se aduziu nestas contra-alegações e na ampliação do objeto do recurso, perante o abuso de direito substantivo e processual decorrente da conduta da Recorrente não deve ser admitido o recurso, o qual deve ser rejeitado e ou julgado improcedente; F. – A Recorrente deve ser condenada em multa condigna, que se deixa ao prudente do Venerando Tribunal da Relação, contudo, não devendo ser inferior a € 5.000,00 e condenada a pagar uma indemnização que julgue adequada à conduta litigante de má fé e abuso de direito substantivo e processual da Ré-Recorrente, fixando-se, em pelo menos, € 10.000,00 (dez mil euros) valor da indemnização nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 543.º do C.P.C., com reembolso das despesas a que a má fé e abuso de direito substantivo e processual da Recorrente obrigou a Recorrida a suportar. Pede que: 1.º se negue “provimento o recurso, o qual não deve ser admitido o recurso, devendo ser rejeitado e ou julgado improcedente”; 2.º se julgue “procedente o fundamento com abuso de direito substantivo e processual o que se requer, como fundamento para a procedência da presente ação”; 3.º A Recorrente seja “condenada em multa condigna, que se deixa ao prudente do Venerando Tribunal da Relação, contudo, não devendo ser inferior a € 5.000,00 e condenada a pagar uma indemnização que julgue adequada à conduta litigante de má fé e abuso de direito substantivo e processual da Recorrente, fixando-se, em pelo menos, € 10.000,00 (dez mil euros) valor da indemnização nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do 543.º do C.P.C., com reembolso das despesas a que a má fé e abuso de direito substantivo e processual da Recorrente obrigou a Recorrida a suportar, como sejam as respetivas taxas, preparos para despesas inerentes e decorrentes deste processo, incluindo os honorários do mandatário e no reembolso dessas despesas e restantes prejuízos sofridos pela Recorrida como consequência direta ou indireta da má fé e abuso de direito substantivo e processual da Recorrente”. * II. QUESTÕES A DECIDIR:O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes. Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC). Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação. No caso concreto, perante as conclusões das alegações da recorrente e da Recorrida, importa decidir: a) se a decisão é nula; b) se a Autora é parte (i)legítima e se a instância devia ter sido declarada suspensa; c) se a matéria de facto considerada provada e não provada deve ser alterada; d) se, procedendo a impugnação da matéria de facto, a decisão deve ser alterada; e) se existe fundamento para a ampliação do âmbito do recurso e para a condenação da Recorrida, nesta sede, como litigante de má-fé. * * III - FUNDAMENTAÇÃO3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos. “1. No registo predial, esteve registada a favor da Autora a aquisição da propriedade do prédio misto denominado “Herdade (…)”, situado no concelho de Alcácer do Sal, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial n.º (…), das secções R-R1-R3 e urbanos n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…), n.º (…) e n.º (…), da União das Freguesias de … (antiga freguesia de …) e … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcácer do Sal sob o n.º (…), inscrita através da Ap. n.º (…), de (…). 2. A aquisição referida em 1 ocorreu por escritura pública de compra e venda de 12.03.1974, na qual a Autora, então solteira, declarou comprar o referido prédio a (…) e (…), usufrutuário, pelos preços de 18.000 contos e 2.000 contos, respetivamente. 3. Na referida Herdade existem várias casas, entre as quais a casa n.º 13, que está a ser ocupada pela Ré. 4. Em 03.11.2008, 10.11.2008, 16.12.2008 e em 19.12.2008, a Autora comunicou à Ré, através de carta e de notificação judicial avulsa, para produzir efeitos no dia 05.06.2010, a denúncia de contrato de arrendamento rural celebrado em 06.06.1991 entre a Autora e (…), marido da Ré. 5. Após 05.06.2010, a Ré foi esclarecida de que já tinha terminado o arrendamento, tendo-lhe sido proposta a celebração de um contrato de comodato. 6. O que a Ré não aceitou. 7. A Ré e as demais pessoas que habitam as casas do (…) sabem que este é pertença da Autora e é convicção das mesmas que também o são as casas e habitações que o integram. 8. Em 10.05.2022, a Autora enviou à Ré uma carta registada com aviso de receção, carta que a Ré efetivamente recebeu em 11.05.2022 e cujo conteúdo é, além do mais, o seguinte: “(…) Exma. Senhora, Na qualidade de proprietária e legítima possuidora da construção denominada de edifício ou casa n.º 13 sita no prédio misto denominado “Herdade (…)”, na sequência dos contactos promovidos, no sentido de consensualmente resolver o presente assunto, uma vez mais, informo que V. Ex.ª se encontra a ocupar ilegitimamente, sem qualquer título, a referida casa n.º 13 de que sou proprietária já que, essa casa é parte integrante da minha propriedade denominada “Herdade (…)”, sita na União das Freguesias de … (…) e …, no concelho de Alcácer do Sal e que tem até ao dia 15 de junho de 2022 de proceder à entrega da casa n.º 13, da “Herdade (…)”, livre de pessoas e bens e de ónus ou encargos. Aliás, oportunamente e por mais de uma vez interpelei V. Ex.ª para proceder à entrega da casa n.º 13 da “Herdade (…) livre de pessoas e bens e de ónus ou encargos, sob pena de ter de responder em Tribunal por esta ilegítima ocupação, nomeadamente em 2008 mediante a notificação judicial. Relembrou-lhe que, entretanto, em 2010 V. Ex.ª foi informada, pessoalmente, que já deveria ter desocupado a referida casa n.º 13, porque estavam a ocupar essa casa ilegitimamente, sem qualquer título e contra a vontade da proprietária da mesma. Entretanto, apesar da minha disponibilidade para uma solução consensual do presente assunto, não só não resolveu consensualmente como ainda não procedeu à entrega da referida casa livre de ónus ou encargos e de pessoas e coisas. Perante a sua ocupação ilegítima, uma vez mais, reafirmo o meu domínio e direito de propriedade sobre a casa n.º 13 e informo que pretendo que esta situação seja resolvida, mediante a mencionada desocupação e entrega, pelo que, o mais tardar, V. Ex.ª tem, até ao dia 15 de junho de 2022, de proceder à entrega da casa n.º 13, da “Herdade (…)”, livre de pessoas e bens e de ónus ou encargos. Mais informo que, considerando o exposto e sua conduta que tem vindo a ser adotada por V. Ex.ª de não entrega da referida casa, pelo menos, desde a referida notificação judicial, V. Ex.ª está obrigada a pagar a título de indemnização a quantia de € 250.00 (duzentos e cinquenta euros) por cada dia de atraso ou retardamento na entrega da casa, pelo que, tem de pagar uma indemnização de valor superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros). Acresce que, V. Ex.ª, também, terá de pagar as devidas indemnizações pelos demais prejuízos e ou danos decorrentes da ilegítima ocupação da casa n.º 13. Assim, formalmente, por esta carta, numa derradeira tentativa de resolução extrajudicial, informo que V. Ex.ª deverá até ao próximo dia 15 de junho de 2022, proceder à entrega da referida casa n.º 13 livre de ónus ou encargos e de pessoas e coisas, ou seja, deverá desocupar a casa n.º 13 até ao próximo dia 15 de junho de 2022, sob pena de responder judicialmente pela ilegítima ocupação dessa casa e ter que pagar as respetivas indemnizações. (…)”. 9. A Ré respondeu à carta de 10 de maio através de carta de 08.06.2022, carta essa que a Autora recebeu e cujo conteúdo é, além do mais, o seguinte: “(…) No que respeita ao conteúdo da mesma, vem informar que habita a casa há 47 anos. Começou a utilizar a casa porque havia arrendado uma parcela de terreno destinada a horta, pagando durante muitos e muitos uma compensação (renda) pela sua utilização. Deixou de pagar quando V. Exa. lhes retirou os terrenos que cultivavam. O preço que pagava incluía a casa e o terreno. Desconhece o motivo pelo qual V. Exa. deixou de receber a renda. Tem 73 anos de idade, não tem quaisquer bens nem rendimentos, a não ser uma pensão de reforma. Não tem quaisquer possibilidades de arrendar outro imóvel. Pelo que solicita a V. Exa. que seja analisada a sua situação no sentido de ser possível a continuação da permanência na habitação, pagando a V. Exa. uma compensação mensal de acordo com as suas possibilidades. (…)”. 10. Em 28.06.2022, a Autora enviou à Ré uma carta registada com aviso de receção, carta que a Ré efetivamente recebeu em 29.06.2022 e cujo conteúdo é, além do mais, o seguinte: “(…) Relembro a V. Ex.ª que, pelo menos, desde 06 de junho de 2010 foi-lhe transmitido que não tem qualquer título para ocupar a casa n.º 13 sita no prédio misto denominado “Herdade (…)” e que, ainda assim, tentei resolver consensualmente a sua situação face à sua ilegítima ocupação da referida casa n.º 13, o que foi feito, nomeadamente mediante os sucessivas contactos e tentativas de diálogo desenvolvidos pelo sr. (…) e com o sr. (…), guarda da “Herdade (…)”. Contudo, V. Ex.ª sempre se opôs a resolver consensualmente o presente assunto e reiteradamente recusou a receber as cartas que lhe foram enviadas nesse sentido. Entretanto, V. Ex.ª continuou ilegitimamente e contra a minha vontade o ocupar a referida casa n.º 13 e sucessivamente foi alertada que teria de desocupar essa casa, quanto antes, sob pena de responder em Tribunal por essa ocupação ilegítima. Perante estes factos e circunstâncias é manifestamente contra a boa-fé, excessivo, insustentável e abusivo e que, depois de anos a recusar-se resolver o assunto consensualmente, V. Ex.ª, agora, na sua carta de 08 de junho de 2022, venha pedir para continuar na mencionada casa n.º 13, quando há vários anos está ocupar ilegitimamente a referida casa 13 que já deveria ter desocupado há vários anos e que já deveria ter procedido à entrega dessa casa da “Herdade (…)”, livre de pessoas e bens e de ónus ou encargos, o mais tardar até ao dia 15 de junho de 2022. (…) Pelo exposto, V. Ex. tem que entregar, quanto antes, a casa n.º 13, da “Herdade (…)”, livre e devoluta livre de pessoas e bens e de ónus ou encargos. (…)”. 11. No final do mês de junho de 2022 era do conhecimento dos ocupantes das casas que a Herdade, incluindo as respetivas casas, estava a ser vendida e que teriam de proceder à entrega das casas da Herdade, mas a Ré continuou a ocupar a casa n.º 13 contra a vontade da Autora. 12. Em 21.07.2022, a Autora enviou à Ré uma carta registada com aviso de receção, carta que a Ré efetivamente recebeu em 22.07.2022 e cujo conteúdo é, além do mais, o seguinte: “(…) Exma. Senhora, Na qualidade de proprietária e legítima possuidora da construção denominada de edifício ou casa n.º 5 que é parte integrante da “Herdade (…)”, pela presente carta reitero o que comuniquei a V. Ex..ª nas cartas que lhe remeti em 10 de maio de 2022 e em 28 de junho de 2022, para efeitos de V. Ex.ª. de proceder à entrega da casa n.º 13, da “Herdade (…)”, livre de pessoas e bens e de ónus ou encargos. Como sabe foi comunicado a V. Ex.ª pelas duas cartas supra referidas, V. Ex.ª já deveria ter procedido à desocupação e entrega casa n.º 13 livre de pessoas e bens e de ónus ou encargos. Relembro-lhe que, o meu propósito foi o de resolver este assunto de forma consensual e extrajudicial e por isso foi-lhe comunicado que teria de desocupar e restituir a referida casa n.º 13 até ao dia 15 de junho de 2022, em conformidade com o já transmitido na minha carta de 10 de maio de 2022. De resto, como sabe e como lhe foi comunicado, a “Herdade (…)”, está a ser vendida e, também, por esse motivo V. Ex.ª foi avisada que deveria desocupar e restituir a referida casa n.º 13 até ao dia 15 de junho de 2022, sob pena de ser responsável pelos prejuízos causados ou que ponham em causa a venda da “Herdade (…)”. Embora V. Ex.ª já tenha sido interpelada para desocupar a casa n.º 13, até ao dia 15 de junho de 2022, como, não procedeu à entrega casa n.º 13 livre de pessoas e bens e de ónus ou encargos, consequentemente está a agir ilegitimamente contra a minha vontade e a causar-me danos e prejuízos. Como lhe foi comunicado, V. Ex.ª tem de desocupar a casa n.º 13 e como continua, ilegitimamente, a não proceder à entrega da referida casa, V. Ex.ª, além de estar obrigada a entregar a casa, também, tem de pagar a quantia de € 250,00 a título de indemnização, por cada dia de atraso ou retardamento na entrega da casa n.º 13. Pelo exposto, informo V. Ex.ª que, além da indemnização, por cada dia de atraso ou retardamento na entrega da casa n.º 13, também terá de pagar as devidas indemnizações pelos demais prejuízos e ou danos decorrentes da ilegítima ocupação da referida casa, designadamente os que afetem, prejudiquem ou ponham em causa a venda da “Herdade (…)”, livre de ónus e ou encargos. Caso não proceda à entrega voluntária da referida casa n.º 13, serei forçada a recorrer ao Tribunal onde V. Ex.ª terá de responder por essa ocupação ilegítima, com todas as consequências legais, nomeadamente de V. Ex.ª ser condenada a pagar as respetivas indemnizações pelos prejuízo e danos causados. Considerando que, entretanto, já passaram mais de 90 dias e apesar da falta de colaboração de V. Ex.ª, numa derradeira tentativa de solução extrajudicial, exijo que proceda à entrega imediata da mencionada casa n.º 13, a fim de resolver consensual e extrajudicialmente o presente até ao fim do corrente mês de julho de 2022. Assim, mediante esta carta comunico a V. Ex.ª que esta é a última tentativa de solução extrajudicial do presente assunto, e, para tanto, informo que deverá contactar para a morada e número de telefone do meu escritório, indicados no rodapé desta carta ou em alternativa deverá contactar com o sr. (…), podendo contactá-lo pelo telefone n.º (…) a fim agendar e proceder à entrega imediata da casa n.º 13, livre de pessoas, de bens e de ónus ou encargos. Aguardo com expetativa as prezadas notícias de V. Ex.ª para encerrar o presente assunto. (…)”. 13. A Ré ficou a saber que a Herdade estava em processo de venda. 14. A Autora necessitava de vender a Herdade para fazer face a encargos que tinha para com terceiros. 15. A Autora vendeu o prédio identificado em 1 por escritura de compra e venda de 30.12.2022, pelo preço de 10 milhões de euros, à sociedade (…) – Investimentos e Exploração Turística, SA. 16. No ato da celebração da escritura, a Autora recebeu da compradora a quantia de sete milhões de euros, ficando consignado na escritura o seguinte: “(…) Que o pagamento do remanescente do preço, no montante de três milhões de euros, fica dependente da verificação pela Sociedade Compradora da Desocupação do Imóvel, promovida pela vendedora, durante o Período de Desocupação do Imóvel, que é de três anos a contar da presente data. Fica expressamente entendido que não será devido o Preço Remanescente, de três milhões de euros, se a Desocupação do Imóvel não ficar concluída no Período de três anos a contar da presente data, devendo tal desocupação ser devidamente atestada por compromisso escrito, lavrado em documento autenticado, subscrito por cada um dos Ocupantes, confirmando não ocupar o imóvel, e não ter qualquer direito sobre o mesmo. (…)”. 17. A aquisição da propriedade a favor da (…) – Investimentos e Exploração Turística, SA, foi registada através da Ap. (…), de (…). 18. A Ré vive na casa n.º 13 desde 1976, de forma ininterrupta. 19. Em Despacho do Ministro da Agricultura de 25.10.1985, determinou-se o seguinte: “Pelo Decreto-Lei n.º 407-A/75, de 30 de Julho, foi nacionalizado o prédio rústico denominado «(…) » (…). (…), agricultor (…), detém desde 1976 a posse útil de uma courela, com a área de 0,1650 ha, naquele prédio rústico. A referida courela está a ser explorada (…) pelo que a Direcção Regional (…) propõe a sua entrega (…) mediante contrato de arrendamento rural (…). Nestes termos, ao abrigo do disposto, no artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 111/78, de 27 de Maio, e no n.º 1 da Portaria n.º 427-A/84, de 29 de Junho, determino a entrega para exploração a (…), mediante contrato de arrendamento rural, da courela a seguir identificada, que faz parte do prédio rústico (…): Courela n.º 34, com a área total de 0,1650 de horta (…)”. 20. Em 25.02.1986, foi celebrado entre o Estado Português e (…), marido da Ré, um “contrato de arrendamento rural” que teve por objeto o prédio rústico “(…)”, courela n.º 34, com a área de 0,1650 ha, com a menção de que todas as questões em que o contrato fosse omisso seriam reguladas pelo DL n.º 111/78, de 27/5, e pela Lei do Arrendamento Rural. 21. No dia 06.06.1991, o prédio denominado “Herdade (…)” foi entregue à Autora pelo Estado Português, em cumprimento de Despacho do Sr. Secretário de Estado da Alimentação de 06.05.1991, que declarou que o referido prédio não se encontrava abrangido pelas medidas de nacionalização previstas no DL n.º 407-A/75, de 30/7. 22. Na ata elaborada para documentar a entrega, consignou-se ter ficado acordado, relativamente às instalações agrícolas, que as mesmas ficariam livres e devolutas até 13 de junho de 1991, e que na mesma data eram celebrados contratos de arrendamento rural entre a Autora e os rendeiros na mesma ata identificados, entre os quais (…), nos termos do artigo 29.º, n.º 3, da Lei n.º 109/88. 23. Na mesma data (06.06.1991) foi celebrado entre a Autora e (…) um “contrato de arrendamento rural” que teve por objeto uma parcela de terra com a área de 0,1650 ha, que fazia parte integrante do prédio rústico denominado “(…)”, com a menção de que o prazo inicial eram 10 anos, com três renovações obrigatórias de três anos cada, renovando-se sucessivamente por iguais períodos enquanto não fosse denunciado por qualquer das partes com uma antecedência mínima de 18 meses relativamente ao termo da renovação. 24. Na sequência de despacho judicial de 23.04.1992, procedeu-se à penhora, por termo, em 04.05.1992, dos prédios urbanos existentes na Herdade (…), todos descritos na CRP de Alcácer do Sal sob o n.º (…), folhas 272 verso do Livro (…), da freguesia de (…), correspondente ao atual n.º de ficha (…), da freguesia de (…). 25. Na sequência de despacho judicial de 01.02.1993, procedeu-se à penhora do prédio misto referido em 1, por se ter concluído que o mesmo prédio não foi objeto de expropriação. 26. Ao longo dos anos em que tem vivido na casa n.º 13, a Ré: - procedeu a pequenos arranjos e reparações; - colocou chão novo dentro da casa; - pintou a casa mais do que uma vez; - procedeu a um arranjo no telhado da casa; - fez instalação de água, através de um furo e de uma bomba de água; - colocou portas interiores e janelas novas; - acrescentou uma casa de banho e colocou sanitários; - solicitou fornecimento de eletricidade e fez a instalação elétrica dentro da habitação; despendendo com isso um valor não concretamente apurado. 27. A Ré não pediu autorização à Autora para realizar as obras referidas no ponto anterior. 28. A Ré é pensionista e não tem, neste momento, alternativa de residência. 29. E vive angustiada com a perspetiva de ter de sair da casa n.º 13”. E, como não provados, os seguintes factos: “1. Em consequência direta da atuação da Ré, a Autora teve de alocar, afetar ou destinar meios técnicos, designadamente veículos automóveis, recursos humanos que, no seu conjunto consumiram muitíssimas horas de trabalho de trabalhadores, colaboradores e técnicos, nomeadamente de topografia, para acompanhar e obstar à atuação da Ré, o que envolveu despesas e custos extraordinários, estimados em mais de € 4.000,00, custos e prejuízos que não existiriam não fosse a atuação da Ré. 2. Já que, ao longo de mais de quatro meses, entre os meses de maio e setembro de 2022, os vários trabalhadores, colaboradores e técnicos, tiveram de deixar de desenvolver as suas tarefas normais que estavam a executar e tiveram de se deslocar, ao todo e no seu conjunto, várias vezes ao prédio, o que envolveu outras tantas viagens de ida e volta da sede ou escritórios até à herdade o que corresponde a mais de 300 km, permanecendo, no seu conjunto vários dias na herdade para tratar diligenciar com vista à desocupação das respetivas casa. 3. A estes custos acrescem diversas despesas extraordinárias, para além das despesas e custos com a deslocação em veículos automóveis para obtenção de documentação e diligências para a defesa do direito de propriedade da Autora. 4. A Ré é considerada pela vizinhança como a legítima proprietária da casa n.º 13. 5. Onde habita há mais de 47 anos, à vista de toda a gente e sem a oposição de ninguém, atuando com a convicção de ser a proprietária da casa. 6. A Ré reside na casa n.º 13 em virtude de a posse da mesma lhe ter sido transmitida, em 1975, quando da nacionalização da Herdade (…), através da entrega das chaves junto do Tribunal Judicial de Alcácer do Sal”. * Da nulidade da decisão recorrida A recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida. Diz que «não só a Sentença não especifica factos e documentos demonstrativos de que a recorrida seja possuidora e proprietária, também quanto aos pedidos subsidiários, existe ainda omissão de pronuncia, uma vez que a Sentença não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão, o que acarreta a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º do CPC. Se se deu como provado que a Recorrente ocupa há casa há mais de 50 anos: “18. A Ré vive na casa n.º 13 desde 1976, de forma ininterrupta” (facto provado) como é que o Mmo. Juiz a quo sentencia que a recorrida é legitima possuidora? Contradição insanável». É pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento segundo o qual a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão aí contemplada pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente (cfr. nesse sentido, na doutrina Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 141, Coimbra Editora, 1981, Amâncio Ferreira, Manual de Recursos no Processo Civil, 9ª edição, pág. 56 e Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª edição, págs. 736-737, e na jurisprudência, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, de 28.10.2010, Proc. 2375/18.6T8VFX.L1.S3, 21.3.2018, Proc. 471/10.7TTCSC.L1.S2, e 9.2.2017, Proc. 2913/14.3TTLSB.L1-S1). No caso concreto, não vislumbramos a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão. Da circunstância de o Tribunal recorrido ter dado como provado que “A Ré vive na casa n.º 13 desde 1976, de forma ininterrupta” não resulta, evidentemente, que por essa razão a Autora não seja legítima possuidora do prédio em causa nos autos. Viver numa casa, ocupá-la ou detê-la é uma coisa, ser sua possuidora é coisa completamente diferente. Como, de resto, se lê na decisão recorrida, “A posse, face à concepção adoptada na definição que do conceito dá o artigo 1251.º do Código Civil, tem de se revestir de dois elementos: o “corpus”, ou seja, a relação material com a coisa, e o “animus”, o elemento psicológico, a intenção de actuar como se o agente fosse titular do direito real correspondente, seja ele o direito de propriedade ou outro. (…) Quanto ao “animus possidendi”, a sua presença e relevância não poderão ser recusadas quando a actividade em que o “corpus” se traduz pela causa que a justifica, seja reveladora, por parte de quem a exerce, da vontade de criar em seu benefício, uma aparência de titularidade correspondente ao direito de propriedade ou outro direito real.” – cfr. Abílio Neto, in “Código Civil Anotado”, 15ª edição 2006, pág. 1037» – cfr. acórdão do STJ de 07.04.11, proc. n.º 956/07.2TBVCT.G1.S1, in www.dgsi.pt. No caso em análise, os autos revelam que a Ré não exerceu uma posse apta à aquisição do direito por usucapião, tendo-se por ilidida a presunção estabelecida no artigo 1252.º, n.º 2, do CC, uma vez que a ocupação ocorreu no contexto dos contratos de arrendamento rural que foram celebrados, primeiro com o Estado Português, e depois com a Autora, o que configura uma posse precária ou mera detenção, sem que tenha sido alegado, e muito menos provado, qualquer facto suscetível de configurar a inversão do título da posse (artigos 1253.º, alínea a) e 1263.º, alínea d), do CC)”. Ademais o Tribunal considerou igualmente demonstrado que “A Ré e as demais pessoas que habitam as casas do (…) sabem que este é pertença da Autora e é convicção das mesmas que também o são as casas e habitações que o integram”. E, deu como não provado, que: “4- A Ré é considerada pela vizinhança como a legítima proprietária da casa n.º 13. 5- Onde habita há mais de 47 anos, à vista de toda a gente e sem a oposição de ninguém, atuando com a convicção de ser a proprietária da casa. 6. A Ré reside na casa n.º 13 em virtude de a posse da mesma lhe ter sido transmitida, em 1975, quando da nacionalização da Herdade (…), através da entrega das chaves junto do Tribunal Judicial de Alcácer do Sal”. Não existe, portanto, qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, geradora da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC. A sentença segue uma linha lógica de raciocínio, que é explicada, e que coerentemente conduziu à decisão proferida. Não existe vício lógico de raciocínio. A decisão que se tomou foi a decisão logicamente expetável face à fundamentação que a antecedeu. Do mesmo modo, parece-nos claro que a decisão não padece de falta de fundamentação. “Em relação à falta de fundamentação que constitui causa de nulidade da sentença, ensina Alberto dos Reis[3]: «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)». O mesmo entendimento tem sido defendido por doutrina mais recente. Escreve Lebre de Freitas[4], que «há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação». Por sua vez, Teixeira de Sousa[5], afirma que «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (…)». No mesmo sentido, escreve Rodrigues Bastos[6], que «a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença». A nível jurisprudencial, desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, têm considerado que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta[7]” – Ac. da Relação de Évora de 25.01.2024, em www.dgsi.pt. Perfilhando o referido entendimento, doutrinário e jurisprudencial, desde já se adianta que a sentença proferida não se encontra atingida pelo alegado vício da nulidade. O Tribunal recorrido enunciou os factos provados e não provados com relevo para a decisão, fundamentou a decisão de facto e extraiu, ao nível do enquadramento jurídico, as consequências dos factos provados e não provados. Não se vê, por isso, em que medida existe omissão de pronúncia, nem a recorrente o refere, limitando-se a, genericamente, invocar o apontado vício. Improcede, por isso, a arguição de nulidade da decisão. * A recorrente diz que o Tribunal recorrido devia “Ter decretado a ilegitimidade da recorrida: a ilegitimidade é uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso e que implica a absolvição da instância, cfr. artigos 30.º, 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º e 577.º, alínea e), todos do CPC.; disposições que violou.” e que “A instância deveria ter sido suspensa de forma a habilitar a atual proprietária invocando a recorrente, a usucapião, o registo da ação era obrigatório, de acordo com aos artigos 2.º, n.º 1/a) e 3.º, n.º 1/a), do Código do Registo Predial”. Na decisão recorrida, lê-se: “In casu, importa começar por referir que a pretensão da Autora não fica posta em causa pelo facto de ter sido efetuada a venda do imóvel reivindicado na pendência da ação, certo que o artigo 263.º, n.º 1, do CPC dispõe que o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for admitido a substituí-lo, por meio de habilitação, e que o n.º 3 do mesmo artigo preceitua que a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de efetuado o registo da ação”. Em linha, portanto, com a decisão proferida em sede de audiência prévia, que reconheceu à Autora “legitimidade para a causa, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 263.º, n.º 1, do C.P.C.”. O Tribunal, na decisão final, mais não fez do que reafirmar a legitimidade da Autora já reconhecida na decisão de 22.11.2023. A respeito da recorribilidade das decisões interlocutórias, “Funcionando a regra geral constante do artigo 644.º, n.º 3, do CPC, a qual determina que a generalidade das decisões interlocutórias proferidas em 1ª instância serão – se for essa a vontade do vencido em recorrer delas – necessariamente impugnadas (digamos que, por arrasto) no recurso – de apelação – interposto da decisão final; ou que decida parcialmente do mérito da causa, ou que absolva algum ou alguns réus do pedido (artigo 644.º, n.º 1, do CPC), compete obviamente ao recorrente, no seu requerimento de interposição de recurso e (forçosamente) nas conclusões respectivas, aludir expressamente às decisões interlocutórias que pretende abranger e que serão, nessa medida, conhecidas no âmbito da apelação (que as integra), salvo se o seu conhecimento se tiver tornado inútil nos termos do artigo 660.º do Código de Processo Civil. Isto é, o recorrente, para além de indicar que pretende recorrer da decisão final que o desfavorece, deverá, no âmbito do próprio requerimento de interposição de recurso e conclusões, indicar quais as concretas decisões intercalares com as quais não conforma (e relativamente às quais a lei não lhe permitiu a interposição imediata de apelação autónoma), para serem conhecidas pelo tribunal ad quem, na sequência dos fundamentos que apresentar no corpo das alegações e nas suas conclusões” – Luís Filipe Espírito Santo, Recursos Civis – O Sistema Recursório Português – Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária, págs. 190 e 191. A recorrente não indica a concreta decisão intercalar com a qual não conforma. Conclui-se que é a decisão proferida em 22.11.2023 mas a recorrente não o refere, nem no requerimento de interposição de recurso, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões. Por outro lado, a circunstância de o Tribunal recorrido ter reiterado, em sede de decisão final, a posição anteriormente expressa a respeito da legitimidade da Autora não permite à Ré. que suscite a questão como se de questão nova se tratasse. Devia, isso sim, ter impugnado, com a decisão final, a decisão de 22.11.2023, ademais porque o facto provado em que fundamenta, nessa parte, o recurso – “15. A Autora vendeu o prédio identificado em 1 por escritura de compra e venda de 30.12.2022, pelo preço de 10 milhões de euros, à sociedade (…) – Investimentos e Exploração Turística, SA.” – não é sequer superveniente, tendo sido invocado no requerimento que apresentou em 11.04.2023 (Ref.ª 7179868). Sem embargo, diremos que a questão está corretamente decidida. Em primeiro lugar, porque o artigo 263.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “Legitimidade do transmitente – Substituição deste pelo adquirente”, dispõe que: “1 - No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo”. Depois, porque nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 3, do CPC, “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor” e na ação são também deduzidos pedidos indemnizatórios – pela falta de entrega e desocupação do imóvel – em relação aos quais não se vislumbra que outra pessoa, que não a Autora, tivesse interesse em deduzir. Assim, não só a Autora é parte legítima como também não existia qualquer fundamento – que de resto a Recorrente não invoca – para a suspensão da instância. * Da impugnação da matéria de factoO recurso vem interposto também da matéria de facto da decisão de primeira instância, considerando a recorrente que foram incorretamente apreciados factos dados como provados e não provados. Prevê o artigo 640.º do C.P.C.: “1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. No caso concreto, a Recorrente considera que o Tribunal devia ter dado como não provados os seguintes factos: “7. A Ré e as demais pessoas que habitam as casas do Monte (…) sabem que este é pertença da Autora e é convicção das mesmas que também o são as casas e habitações que o integram”; “11. No final do mês de junho de 2022 era do conhecimento dos ocupantes das casas que a Herdade, incluindo as respetivas casas, estava a ser vendida e que teriam de proceder à entrega das casas da Herdade, mas a Ré continuou a ocupar a casa n.º 13 contra a vontade da Autora”; “12. A Ré ficou a saber que a Herdade estava em processo de venda”; “14. A Autora necessitava de vender a Herdade para fazer face a encargos que tinha para com terceiros”. E pretende que sejam dados como provados os seguintes pontos: “3. A Ré é considerada pela vizinhança como a legítima proprietária da casa n.º 13”; “4. Onde habita há mais de 47 anos, à vista de toda a gente e sem a oposição de ninguém, atuando com a convicção de ser a proprietária da casa”; “6. A Ré reside na casa n.º 13 em virtude de a posse da mesma lhe ter sido transmitida, em 1975, quando da nacionalização da Herdade do (…), através da entrega das chaves junto do Tribunal Judicial de Alcácer do Sal”. E, ainda, que: “1. A Recorrida não é possuidora nem nunca foi da casa n.º 13 identificada nos autos; 2. A Recorrida não é proprietário do imóvel identificado nos autos, que se encontra registado a favor de terceiros”. Invoca, em abono da sua posição, a prova documental e testemunhal – os depoimentos das testemunhas (…) e (…) –, para além do depoimento que prestou. Pois bem, analisada a prova indicada, não cremos que imponham decisão diversa da proferida. O Tribunal fundamentou a decisão de facto da seguinte forma: “Os factos referidos em 1, 2, 4, 15, 16, 17, 19 a 25 estão provados por documento (certidão predial, escritura de compra e venda, cartas de 03.11.2008, de 10.11.2008 e de 16.12.2008, notificação judicial avulsa – que a Ré admitiu ter recebido –, escritura de compra e venda, certidão predial, Diário da República com publicação do despacho ministerial, contratos de arrendamento rural, ata da entrega da Herdade, despachos judiciais, termo de penhora e certidão do assento de nascimento de …, com o averbamento do casamento com a Ré, contraído em 26.11.1972, e o falecimento do mesmo, ocorrido em 03.12.1991), sendo que o recebimento parcial do preço na escritura de 30.12.2022 foi confirmado, sem hesitações e sem controvérsia, por … (filho da Autora). O facto aludido em 3 está admitido por acordo. A matéria descrita em 8 a 10 e 12 não suscitou controvérsia, resultando genericamente dos depoimentos das testemunhas e do depoimento de parte da Ré, em conjugação com o teor das missivas e dos comprovativos de envio e receção das mesmas que constam dos autos. A factualidade a que aludem os pontos 5 a 7, 11 e 13 resultou provada face aos depoimentos das diversas testemunhas que, de forma coerente, consistente, convincente e categórica: - deram nota da iniciativa da Autora no sentido de esclarecer todos os que viviam na Herdade que estavam na mesma situação da Ré, ou seja, das pessoas que se encontravam nas casas depois de formalmente lhes ter sido comunicada a denúncia dos contratos de arrendamento, alertando essas pessoas (entre as quais a Ré) que já não estavam a ocupar legalmente as casas e propondo-lhes a celebração de um contrato de comodato que daria cobertura legal a essa ocupação, contrato esse que a Ré nunca quis celebrar; - confirmaram que todas as pessoas que ali viviam, incluindo a Ré, não podiam deixar de saber que a Autora era a proprietária da Herdade e, por consequência, de todas as casas e habitações que nela existiam; - confirmaram as diligências efetuadas a partir de maio de 2022, com o envio de cartas e com os contactos diretos com as pessoas na Herdade, referindo que estas, incluindo a Ré, ficaram a saber que a propriedade estava em processo de venda, o que se compreende considerando que essa foi a razão principal pela qual a Autora encetou de forma mais insistente diligências para que as pessoas desocuparem voluntariamente a propriedade, incluindo através do envio de cartas como as que constam dos autos. Reportamo-nos em particular aos depoimentos de (…), (…), (…), (…), (…) e (…), que mostraram conhecer o local e as pessoas que ali viviam (… viveu na Herdade até junho de 2022) e, em alguns casos, tiveram participação ativa nas diligências encetadas a partir do momento em que o arrendamento se devia ter por cessado, como aconteceu com (…), (…) e (…), referindo o referido (…) que a Ré ainda chegou a facultar o bilhete de identidade para ser elaborado um contrato de comodato, mas que depois mudou de ideias e não o quis assinar. Ademais, em relação ao ponto 7, não se vê a que outra conclusão se possa chegar, em face da prova documental junta aos autos, como sejam os vários contratos de arrendamento anteriores e contemporâneos da entrega que teve lugar em 06.06.1991, atestada pela ata que foi então elaborada, onde se faz referência à presença no ato do marido da Ré. O ponto 14 refere-se a facto que não suscitou controvérsia e que sem hesitações foi confirmado por … (filho da Autora). O referido em 18 estava no essencial admitido por acordo, mas por uma questão de rigor considerou-se o ano de 1976, referido no despacho reproduzido no ponto 19, em vez do ano de 1975, que não foi com segurança confirmado por nenhuma das pessoas ouvidas em audiência. A factualidade a que se alude em 27 foi admitida pela Ré no depoimento de parte que prestou, além de ter sido confirmado por várias testemunhas, incluindo por (…), filho da Ré, que referiu que as obras não tinham que ser autorizadas. Os factos 26, 28 e 29 foram julgados provados face aos depoimentos das testemunhas … (cunhada da Ré) e … (filho da Ré), que foram valorados na parte em que descreveram, com um mínimo de pormenor, e de forma coerente, as obras realizadas na casa, dando também nota do estado de angústia em que a Ré se encontra relativamente à perspetiva de ter de sair da casa, até porque não tem alternativa de residência; sendo que se teve ainda em consideração o documento que comprova que a Ré é pensionista. Relativamente à matéria julgada não provada, considerou-se, desde logo, relativamente aos pontos 1 a 3, que não foi apresentada qualquer prova documental relevante e que os depoimentos das testemunhas da Autora não apontam no sentido de que as diligências realizadas tenham implicado que a Autora procedesse a uma afetação de pessoas e de recursos financeiros extraordinários, antes apontam no sentido de que as pessoas que participaram no conjunto das diligências realizadas o fizeram no contexto do normal exercício das suas funções profissionais ao serviço da Autora. Isto sem olvidar que essa afetação de recursos não deixaria de se verificar mesmo que outra tivesse sido a conduta da Ré, que era apenas uma das pessoas que ainda não tinha saído da Herdade. As razões que levaram a que tenham sido considerados provados os factos acima indicados em 5 a 7, 11 e 13 são as mesmas que explicam que não se tenha julgado assente a matéria referida em 4 e 5 dos factos não provados, assim como a matéria descrita em 6., sendo que nenhuma prova foi feita no sentido de se demonstrar que a posse da casa foi transmitida à Ré, em 1975, aquando da nacionalização da Herdade do (…), através da entrega das chaves junto do Tribunal Judicial de Alcácer do Sal. Eis, pois, as razões que estão na base da convicção do Tribunal”. A prova indicada no corpo da motivação de recurso de forma alguma contraria a conclusão a que chegou o Tribunal recorrido. Não cremos que permitisse e – menos ainda – que impusesse decisão diversa. Particularmente impressivo é o documento a que alude o ponto 9 dos factos provados (a carta de 08.06.2002) quando nele a Ré refere que “Começou a utilizar a casa porque havia arrendado uma parcela de terreno destinada a horta, pagando durante muitos e muitos uma compensação (renda) pela sua utilização. (…) O preço que pagava incluía a casa e o terreno. (…) solicita a V. Exa. que seja analisada a sua situação no sentido de ser possível a continuação da permanência na habitação, pagando a V. Exa. uma compensação mensal de acordo com as suas possibilidades”. Carta que a Ré reconhece ter enviado (minuto 38:38 a 42:00 do seu depoimento) e que, conjugada com as demais declarações que prestou (minuto 17:40 a 34:58), de onde resulta que entre data que não se recorda e 2008 foram pagas rendas, inicialmente ao Estado, depois à Autora – ainda que refira serem apenas “rendas das terras” – evidencia a convicção com que a Ré ocupava o prédio objeto dos presentes autos, não sabendo explicar por que razão diz que pagava renda pelos terrenos mas não pela ocupação da casa, apesar de reiteradamente afirmar que o seu marido jamais foi “rendeiro”. Ora, como se lê no Ac. da Relação de Guimarães de 13.01.2011, em www.dgsi.pt, “Cumpre recordar aqui, e para além do que acima deixamos dito, outras regras e limites a observar quanto à reapreciação pelo Tribunal da Relação da matéria de facto. Consagra o artigo 655.º do C.P.C. o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Segundo este princípio, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas. “O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (...): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis. Representando, tal como os outros princípios referidos, uma conquista que se tem vindo a desenvolver desde a Revolução Francesa, a livre apreciação implantou-se historicamente em substituição dum sistema de prova legal em que os próprios depoimentos testemunhais eram valorados em função de factores meramente quantitativos. Hoje, a liberdade de apreciação da prova pelo julgador constitui a regra, sendo excepção os casos em que a lei lhe impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova” (J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., 2008, pág. 668, em anotação ao artigo 655.º). Sobre o recurso da matéria de facto diz-se, por outro lado, no preâmbulo do DL 39/95, de 15.02, que veio a prever e a regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência — visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso” e, ainda, “... o objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova ...”. Verificamos, assim, que a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal superior há-de ser apenas justificada por manifesto e excepcional erro de julgamento, contrário à evidência das provas, não pela leitura e convicção que estas geram no julgador – que é livre, não sendo determinada por qualquer hierarquização das provas, como dissemos – mas pela clara desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão proferida sobre a matéria de facto. Ou seja, os poderes do tribunal da Relação de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto estão reconduzidos aos casos de flagrante desadequação entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão. É esta, aliás, a posição defendida no Ac. da RC de 22.1.08 (Proc. 738/04.TBTMR, in www.dgsi.pt): “... a existência de um sistemático novo julgamento no âmbito factual, sempre circunscrito aos elementos - audíveis e documentais - disponíveis para a instância de recurso, acabaria por implicar, para os próprios recorrentes, uma inevitável diminuição de base qualitativa nas decisões assim proferidas. Com efeito, toda a indescritível panóplia de elementos visualizáveis que necessariamente rodeia a imediação da apreciação da prova na 1ª instância estaria então absolutamente ausente na instância de recurso. Permitir um segundo julgamento sem a riqueza de um tal cenário de análise seria o mesmo que deliberadamente retirar ao novo julgador um considerável número de instrumentos para uma conscienciosa formação da respectiva convicção, porventura tão ou mais determinantes do que os facultados pelo mero registo magnético, amputando-se o processo decisório da possibilidade de crítica dos elementos genéticos globalmente nele influentes, com um natural e acrescido risco de erro para o resultado final. De forma que, sem prejuízo do indispensável cotejo com todo o sustentáculo fundamentador da decisão impugnada, só limitando a intervenção do tribunal de recurso à detecção de flagrantes e excepcionais situações de inadequação ou irrazoabilidade do juízo e convicção que integram aquele sustentáculo, sindicados no confronto com o peso de certos e discriminados elementos probatórios (a que o recorrente atribui uma relevância desprezada pela instância recorrida) se consegue o desiderato de um melhor julgamento do ponto ou pontos em questão.” O Ac. do STJ de 10.5.07 (Proc. 06B1868, relatado pelo Conselheiro J. Pires da Rosa) sintetizou, de forma particularmente expressiva, os poderes do Tribunal da Relação sobre a reapreciação da matéria de facto: “O tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova) mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si. Claro – repete-se – que por mais sugestiva ou adequada que seja ou pareça a fundamentação do tribunal recorrido, o tribunal tem de conhecer as provas produzidas, tem de ouvir as cassetes (nos pontos indicados, ao menos) sempre, porque só a partir dessa audição – e do confronto dela com as mais provas - pode aferir dessa adequação ou razoabilidade. Mas se esta existe não há que alterar o que quer que seja, não há que substituir a razoabilidade afirmada por uma outra razoabilidade à qual necessariamente faltariam alguns elementos de suporte – já se falou nisso acima - que ajudaram a estruturar a primeira. Estaria a substituir-se uma razoabilidade por uma outra, todavia mais débil.” Em suma: no recurso sobre a decisão da matéria de facto não deve ser sindicada a convicção do Juiz de 1ª instância, e apenas deve determinar-se a alteração da matéria de facto em caso de evidente erro de julgamento, traduzido na flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão. É nos moldes descritos que tem de compreender-se a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal superior, na certeza de que não pode o tribunal ad quem substituir-se, pura e simplesmente, na convicção formada pelo Juiz no tribunal a quo”. Neste contexto, mantém-se inalterada a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida. * Mantendo-se inalterada a decisão de facto, inexiste fundamento para alteração a decisão quanto ao reconhecimento do direito de propriedade da Autora sobre o prédio misto denominado “Herdade de (…)” e ao reconhecimento da Autora como possuidora, dona e legítima proprietária da casa n.º 13, que faz parte ou é parte integrante do referido prédio misto e às consequências que daí foram extraídas ao nível da condenação da Ré na entrega do prédio à Autora e na abstenção da prática de atos ou condutas que possam lesar ou ameaçar lesar ou perturbar o direito de propriedade da Autora e, finalmente, quanto à improcedência do pedido reconvencional.* Da ampliação do âmbito do recursoNas alegações que apresentou, a Recorrida requereu a “ampliação do objeto do recurso”. Diz que: “A. – A Recorrida no sentido de sustentar a procedência da presente ação também a fundamentou com base no abuso de direito substantivo e processual da Ré-Reconvinte e da sua má-fé material e má-fé instrumental por agir com abuso de direito substantivo e processual até para fundamentar a improcedência da reconvenção; B. – A douta sentença julgou parcialmente procedente ação, nomeadamente condenando a Ré a restituir e entregar de imediato à Autora, livre e devoluta de pessoas, de coisas e bens e de ónus ou encargos, a casa n.º 13 sub judice, que faz parte do prédio misto denominado “Herdade de (…)”, identificado na alínea a) mas não decidiu sobre o fundamento do abuso de direito substantivo e processual da Ré-Reconvinte”. E pede que a Recorrente seja “condenada em multa condigna (…), contudo, não devendo ser inferior a € 5.000,00 e condenada a pagar uma indemnização que julgue adequada à conduta litigante de má fé e abuso de direito substantivo e processual da Ré-Recorrente, fixando-se, em pelo menos, € 10.000,00 (dez mil euros) valor da indemnização nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do 543.º do C.P.C., com reembolso das despesas a que a má fé e abuso de direito substantivo e processual da Recorrente obrigou a Recorrida a suportar”. O artigo 636.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido”, dispõe que “No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”. A pretensão da Recorrida não procede. Em primeiro lugar, importa dizer que inexiste, no caso concreto, abuso de direito “substantivo”. “O abuso de direito pressupõe a existência de um direito radicado na esfera do titular, direito que, contudo, é exercido por forma ilegítima por exceder manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico (artigo 334.º do C.Civil). (…) Poder-se-á, então, dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante” – Ac. da Relação de Coimbra de 09.01.2017, em www.dgsi.pt. A conduta da Recorrente, poderia, sim, configurar uma situação de abuso de direito se lhe tivesse sido reconhecido algum direito no domínio da ocupação do imóvel reivindicado na presente ação. Tal não aconteceu, o que obsta à conclusão de que a Ré agiu/age com “abuso de direito substantivo”. Depois, interessa focarmo-nos no que dispõe o artigo 636.º, n.º 1, do CPC. A ampliação do objeto do recurso surge como um mecanismo que permite à parte vencedora pedir ao tribunal que aprecie, a título subsidiário – “prevenindo a necessidade da sua apreciação” – fundamentos ou pontos da decisão que lhe foram desfavoráveis, caso o recurso interposto pela contraparte venha a ser julgado procedente. No caso concreto, o recurso interposto pela Ré improcede em toda a sua extensão, razão por que ficaria também prejudicada a apreciação da ampliação do recurso requerida pela Ré. Em terceiro lugar, interessa notar que a admissibilidade da ampliação do recurso não é aplicável às situações em que o decaimento do Recorrido se reporta a um pedido principal ou subsidiário que tenha sido formulado. Neste caso, não é através da ampliação do âmbito do recurso que o interessado poderá promover a reapreciação da decisão no segmento em que saiu vencido, mas mediante impugnação autónoma ou recurso subordinado – assim o Ac. da Relação de Guimarães de 12.09.2019, em www.dgsi.pt. Em concreto, na petição inicial, a Autora pedia a condenação da Ré no pagamento de “(…) multa condigna (…), não devendo ser inferior a € 1.000,00 e numa indemnização nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do 543.º do C.P.C., com reembolso das despesas a que a má fé da Ré obrigou a Autora a suportar, como sejam as respetivas taxas, preparos para despesas inerentes e decorrentes deste processo, incluindo os honorários do mandatário e no reembolso dessas despesas e restantes prejuízos sofridos pela Autora como consequência direta ou indireta da má fé, cujo o valor está estimado em, pelo menos, € 2.000,00”. Na decisão final, o Tribunal julgou procedente o pedido de condenação por litigância de má-fé formulado pela Autora e, consequentemente, condenou a Ré no pagamento de multa que fixou em 2 UC e, em ordem à fixação da indemnização requerida, determinou a notificação das partes para se pronunciarem, no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 543.º, n.ºs 1, alínea a), 2 e 3, do CPC. Portanto, por um lado, a Recorrida não tem razão quando diz que o Tribunal não decidiu sobre o fundamento do abuso de direito processual da Ré. Decidiu e, nessa medida, condenou-a em multa como litigante de má-fé, ainda que de valor inferior àquele que era pedido ou sugerido pela Autora. Nesse segmento da multa, ainda que se considerasse que a Autora tinha legitimidade para impugnar a decisão, devia fazê-lo, como se disse, autonomamente, e não através do mecanismo da ampliação do objeto do recurso. Por outro, quanto à questão da indemnização pela litigância de má fé, ainda não foi – ao que sabemos – proferida decisão sobre a sua fixação. É, assim, prematuro tomar posição sobre essa questão. Por último, cumpre referir que, se o que a Autora pretende com a requerida “ampliação do objeto do recurso” é, afinal, a condenação da requerida como litigante de má-fé no âmbito da instância de recurso pelas razões expostas nas conclusões F) a L), trata-se de pedido que não procede. E não procede por dois motivos. Em primeiro lugar porque, tendo a presente ação sido instaurada em 16.02.2022, vemos com dificuldade que a Ré tivesse atuado deliberadamente no sentido de prolongar a pendência do processo até dezembro de 2025 no sentido de, como afirma a Autora instrumentalizar “o processo para “ganhar tempo”, até 30.12.2025 para pressionar a Recorrida a lhe pagar uma avultada quantia em dinheiro, para desocupar a casa sub judice porque bem sabe que a Recorrida tem de desocupar a casa, até ao dia 30.12.2025 para receber o montante de três milhões de euros (€ 3.000.000,00)”. Depois porque da improcedência do recurso não resulta, sem mais, uma atuação abusiva, bastando para tanto levar em conta que as pretensões formuladas pela Recorrida no âmbito do recurso não foram, também elas, acolhidas por este Tribunal. E, por isso, improcede o pedido de condenação da Recorrente como litigante de má fé. IV. DECISÃO. Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em: - julgar improcedente o recurso interposto pela Ré e, em consequência, - manter a decisão recorrida nos seus precisos termos; - considerar prejudicada a apreciação do pedido de ampliação do objeto do recurso; - julgar improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má fé. * As custas do recurso serão suportadas pela Ré.* Notifique.* Évora, 30.10.2025Miguel Teixeira Maria Emília Melo e Castro Isabel de Matos Peixoto Imaginário |