Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
561/21.0T8BJA-E.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES
PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS
CRÉDITO BANCÁRIO
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O crédito reclamado pelo IAPMEI decorrente do direito à devolução do incentivo reembolsável não goza das garantias especiais previstas no n.º 16 do artigo 26.º do Decreto-lei n.º 159/2014, de 27 de outubro.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Credor Reclamante: Banco (…), SA
Recorrido / Credor Reclamante: IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P.

No âmbito do processo de insolvência relativo a (…), Lda., foram apresentadas reclamações de créditos.
O Recorrido IAPMEI reclamou o crédito no montante de € 270.732,73 conforme segue:
- foi celebrado contrato de concessão de incentivos na sequência da candidatura da Insolvente ao Sistema de Incentivos às Empresas – Inovação Empresarial;
- o incentivo total atribuído revestiu a forma de incentivo FEDER reembolsável no montante de € 935.412,51 – cfr. doc. junto com a reclamação de créditos;
- no âmbito desse contrato, a Insolvente tem de devolver a componente do incentivo reembolsável que recebeu, no montante de € 270.732,73;
- o referido crédito é privilegiado por beneficiar das garantias especiais previstas no n.º 16 do artigo 26.º do DL n.º 159/2014, de 27 de outubro.
O Administrador da Insolvência apresentou a lista de créditos reconhecidos, fazendo menção de que o crédito reclamado pelo IAPMEI é privilegiado por beneficiar das garantias especiais previstas no n.º 16 do artigo 26.º do DL n.º 159/2014, de 27 de outubro, e de que o crédito tem fundamento no incumprimento do dever de reposição de apoios financeiros.

II – O Objeto do Recurso
Foi proferida sentença julgando e graduando os créditos reclamados conforme segue:
« Nestes termos, decide-se:
A) Julgar improcedente a impugnação à lista de credores deduzida pela insolvente.
B) Julgar extemporânea a reclamação de créditos apresentada por (…), Lda..
C) Julgar verificados os créditos reclamados e reconhecidos na lista apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, sobre a Insolvente (…), Lda. e a sua respetiva classificação.
D) Considerar o crédito do Fundo de Garantia Salarial pelo montante já pago aos trabalhadores (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), no valor global de € 35.103,24 (trinta e cinco mil, cento e três euros, vinte e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
E) Classificar o crédito reconhecido a “(…) – Comércio de (…), Unipessoal, Lda.” como comum.
F) Determinar que o pagamento dos créditos através do produto da massa insolvente respeite a seguinte ordem:
I. Verba 1 do auto de apreensão de imóveis, datado de 22.07.2021, descrito na Conservatória do Registo Predial de Beja (…) sob o n.º …, e inscrito no artigo matricial urbano n.º (…):
1.º As dívidas da massa insolvente (artigos 51.º, 172.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);
2.º O crédito do Fundo de Garantia Salarial a par dos créditos parciais dos trabalhadores que não foram pagos por ele, dando-se pagamento aos mesmos, rateadamente.
3.º O crédito da Autoridade Tributária relativo a IMI sobre o prédio urbano supra descrito.
4.º O crédito de IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P..
5.º Crédito garantido por hipotecas registadas a favor do Banco (…), S.A, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, às taxas contratualizadas, até ao limite de três anos sobre cada parcela de capital, sendo o montante máximo assegurado pelas garantias, registadas pelas Ap. …, de 2017/07/11 e Ap. …, de 2019/06/11, respetivamente, de € 596.500,00 e € 402.000,00.
6.º Crédito da Segurança Social garantido por hipoteca registada sobre Ap. …, de 2020/12/17, sendo o capital máximo assegurado de € 74.318,25.
7.º Créditos da Autoridade Tributária referentes a IRS, acrescidos de juros, vencidos e vincendos, a par com o crédito da Segurança Social, no montante de € 32.087.62, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até à data da declaração da insolvência;
8.º De forma rateada, os créditos comuns;
9.º Os créditos subordinados.
II. Verba 2 do auto de apreensão de imóveis, datado de 20.05.2022, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana rústica sob o artigo (…), secção (…):
1º As dívidas da massa insolvente (artigos 51.º, 172.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
2º. O crédito do Fundo de Garantia Salarial a par dos créditos parciais dos trabalhadores que não foram pagos por ele, dando-se pagamento aos mesmos, rateadamente.
3º. O crédito de IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P..
4º. Créditos da Autoridade Tributária referentes a IRS, acrescidos de juros, vencidos e vincendos, a par com o crédito da Segurança Social, no montante de € 32.087.62, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até à data da declaração da insolvência;
5º. De forma rateada, os créditos comuns;
6º. Os créditos subordinados.
III. BENS MÓVEIS
1.º As dívidas da massa insolvente (artigos 51.º, 172.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
2.º O crédito do Fundo de Garantia Salarial a par dos créditos parciais dos trabalhadores que não foram pagos por ele, dando-se pagamento aos mesmos, rateadamente.
3.º O crédito de IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P..
4.º Créditos da Autoridade Tributária referentes a IRS, acrescidos de juros, vencidos e vincendos, a par com o crédito da Segurança Social, no montante de € 32.087.62, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até à data da declaração da insolvência;
5.º De forma rateada, os créditos comuns;
6.º Os créditos subordinados.
Custas pela massa insolvente (artigos 303.º e 304.º Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).»

Inconformado, o Credor Reclamante Banco (…) apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que gradue o crédito do IAPMEI como crédito comum relativamente a todas as verbas apreendidas ou, pelo menos, a seguir ao crédito do Recorrente no que concerne à verba n.º 1. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«1. O Dec.-Lei n.º 159/2014, no seu artigo 26.º, n.º 16, prevê que gozam de privilégio imobiliário “Os créditos e os respetivos juros de mora, resultantes da não utilização ou da utilização indevida dos apoios concedidos no âmbito dos FEEI”.
2. Contudo, não existem quaisquer elementos nos autos permitam concluir que o crédito do IAPMEI resulta da não utilização ou da utilização indevida dos apoios concedidos no âmbito dos FEEI.
3. O IAPMEI reclamou um crédito no valor de € 270.732,73 e invocou o privilégio creditório, sem alegar qualquer factualidade que permita concluir que o crédito resulta da não utilização ou da utilização indevida dos apoios concedidos.
4. Tratando-se de um facto constitutivo da garantia real, a atribuição do privilégio imobiliário previsto no artigo 26.º, n.º 16, do Dec.-Lei n.º 159/2014, no seu artigo 26.º, n.º 16, pressupõe a alegação e prova por parte do IAPMEI dos factos integradores da previsão legal.
5. Nada tendo sido alegado qualquer facto nesse sentido, não se encontra preenchida a previsão legal que atribui o privilégio creditório.
6. No entanto, não existe qualquer facto nos autos, alegado, notório ou adquirido, que preencha essa previsão legal, pelo que a qualificação como privilegiado se trata de erro manifesto.
7. A ausência de impugnações da lista de credores não dispensa o Tribunal de exercer o controle da respetiva legalidade, nomeadamente no que concerne à qualificação os créditos.
8. O crédito do IAPMEI deve, assim, ser excluído do âmbito do privilégio creditório imobiliário previsto pelo artigo 26.º, n.º 16, do Decreto-lei n.º 159/2014, que, sem suporte factual, foi implicitamente assumido pela decisão recorrida.
9. Em consequência, deve a Sentença de Graduação ser revogada e substituída por outra que gradue o crédito Reclamado pelo IPMAEI como comum relativamente a todas as verbas ou, pelo menos, relativamente à Verba 1, o gradue depois do crédito hipotecário do Banco (…), S.A.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar se o crédito reclamado pelo IAPMEI goza dos privilégios creditórios previstos no n.º 16 do artigo 26.º do DL n.º 159/2014.


III – Fundamentos
A – Dados a considerar: os supra relatados.

B – A Questão do Recurso
Nos termos do disposto no n.º 16 do artigo 26.º do DL n.º 159/2014, de 27 de outubro, os créditos e os respetivos juros de mora, resultantes da não utilização ou da utilização indevida dos apoios concedidos no âmbito dos FEEI, gozam das seguintes garantias especiais:
a) Privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos no n.º 1 do artigo 736.º do Código Civil;
b) Privilégio imobiliário, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil;
c) Hipoteca legal, graduando-se logo após os créditos referidos na alínea a) do artigo 705.º do Código Civil.
O crédito reclamado pelo IAPMEI diz respeito a incentivo financeiro concedido a (…), Lda. na sequência de candidatura por esta apresentada para execução de determinando projeto de investimento no âmbito do Sistema de Incentivos às Empresas – Inovação Empresarial. O incentivo total atribuído revestiu a forma de incentivo FEDER reembolsável no montante de € 935.412,51.
O crédito reclamado e reconhecido consiste na componente do incentivo reembolsável que a Insolvente tinha de devolver, no montante de € 270.732,73.
Está em causa o reembolso do incentivo.
O crédito não resulta, assim, da não utilização ou da utilização indevida dos apoios concedidos no âmbito dos FEEI.
Por conseguinte, o crédito reclamado pelo IAPMEI não goza das garantias especiais previstas no n.º 16 do artigo 26.º do DL n.º 159/2014, de 27 de outubro.

Procedem as conclusões da alegação do presente recurso, impondo-se a revogação da decisão recorrida na parte em que classificou o crédito reclamado pelo IAPMEI como crédito privilegiado e o graduou de forma distinta dos demais credores comuns.

As custas recaem sobre o Recorrido, na vertente custas de parte, relevando o valor do crédito por este reclamado – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida na parte em que classificou o crédito reclamado pelo IAPMEI como crédito privilegiado e o graduou de forma distinta dos demais credores comuns, classificando o referido crédito como comum, determinando o pagamento do mesmo como crédito comum, resultando excluído o item a ele respeitante relativamente a cada uma das verbas.
Custas pelo Recorrido IAPMEI, na vertente custas de parte, relevando o valor do crédito por este reclamado.

Évora, 12 de outubro de 2023
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
(assinatura digital)
Anabela Luna de Carvalho
(assinatura digital)
Mário Canelas Brás
(assinatura digital)