Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1510/22.4T8PTM.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PARECERES
CÂMARA MUNICIPAL
VALOR COMERCIAL
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A emissão de um parecer favorável a um pedido de informação prévia sobre determinada operação urbanística confere ao interessado uma expectativa jurídica de que venha a ser autorizada/licenciada a operação urbanística que foi objeto do PIP, ou seja, o interessado adquire a expectativa de vir a adquirir na sua esfera jurídica um direito de construção no prédio respetivo.
2 – Ainda que esse direito de construção aumente o valor de mercado do prédio, enquanto não houver licenciamento não se pode falar de um real benefício projectado no património dos seus proprietários e de um correlativo e real empobrecimento do património da ré, para efeitos do instituto do enriquecimento sem causa.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1510/22.4T8PTM.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntas: Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Isabel Calheiros

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) e (…), autores na ação declarativa de condenação que moveram contra (…), Lda., (…) e (…), interpuseram recurso da sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Portimão, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou a ação e reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência:
«a) Reconheceu o direito de preferência dos autores em relação à venda à ré (…), Lda., realizada no dia 9 de junho de 2021, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o n.º (…), freguesia de (…) e inscrito na matriz predial rústica no artigo (…);
b) Declarou que os autores devem ocupar a posição de compradores no contrato supra descrito, por força do seu direito de preferência, ficando o prédio acima identificado a pertencer-lhes;
c) Absolveu os réus do pedido restante (direito de preferência sobre a aquisição de 24 de agosto de 2021 do prédio descrito na mesma Conservatória sob o n.º …);
d) Condenou os autores (…) e (…) a pagar à ré (…), Lda. a quantia de cinco mil euros correspondente ao preço por esta pago pela aquisição do prédio descrito em 1), absolvendo-os quanto ao demais peticionado.»

Mediante acórdão proferido na data de 27 de março de 2025, o Tribunal da Relação de Évora julgou a apelação procedente e, em conformidade, revogou a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância na parte em que absolveu os réus dos pedidos relacionados com o prédio rústico sito em Rua (…), freguesia de (…), concelho de Monchique, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) da secção (…) e, em conformidade, reconheceu o direito de preferência dos autores em relação à compra e venda que teve por objeto aquele prédio e o direito dos autores de se substituírem à 1ª ré na posição de compradora que esta ocupa na respetiva escritura de compra e venda, ficando o referido prédio a pertencer-lhes, substituindo-se ainda a 1ª ré no respetivo registo predial.
No recurso de revista interposto pela apelante (…), Lda. esta arguiu a nulidade do referido acórdão por omissão de pronúncia, à luz do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, tendo para tal desiderato alegado que o tribunal de 2ª instância não se pronunciou sobre o pedido reconvencional consistente na condenação dos autores/recorridos no pagamento da quantia de € 10.000,00 a título de preço de aquisição do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…), acrescido do montante de € 110.000,00, a título de enriquecimento sem causa.
Mediante acórdão proferido na data de 10 de julho de 2025, o Tribunal da Relação julgou verificada a nulidade arguida e ordenou que se procedesse à notificação prevista no artigo 665.º, n.º 3, do CPC.
Na sequência de tal notificação, os recorridos (…) e (…) pronunciaram-se no sentido da improcedência da reconvenção na parte em que é alegado o enriquecimento sem causa dos recorridos, absolvendo os autores dos montantes peticionados a título reconvencional, invocando o seguinte:
«1. Refere o artigo 1410.º, n.º 1, do Código Civil que o preferente deve depositar “o
preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação”.
2. Os Recorridos depositaram o preço devido de € 10.000,00 (dez mil euros) em conformidade.
3. Os Recorrentes alegam que o prédio com artigo (…) terá um valor de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) que lhes deve ser pago a título de enriquecimento sem causa.
4. Sucede que o direito de preferência é baseado no preço efetivamente pago (preço devido) e não no valor de uma avaliação feita posteriormente (ou deveria a Recorrente, em caso de vencimento, pagar o montante de € 120.000,00 aos vendedores originais, também partes nestes autos).
5. Se assim não fosse, o direito de preferência perdia por completo a sua essência e utilidade, porquanto qualquer pessoa, na posição da Recorrente (…), Lda., podia “fabricar” um valor que compensasse uma possível perda do imóvel.
6. O que é factual é que a Recorrente realizou todas as diligências após a citação para os presentes autos, incluindo a avaliação que apresentou.
7. Caso o direito de preferência tivesse sido respeitado, seria exercido por € 10.000,00, e não por € 120.000,00.
8. Não faz sentido permitir que, no decorrer de um processo judicial, depois da citação, a Ré, ora Recorrente, possa criar um novo preço, baseado numa avaliação que, por sua vez, se baseou em elementos também criados após a citação.
9. Atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no proc. 3848/18.6T8SNT.L1.S1, de 15-02-2023, em que foi relatora Maria José Mouro: “II – A expressão “preço devido” corresponde ao valor, em dinheiro, a pagar pelo A., preferente, como contrapartida da aquisição do imóvel, sem que sejam incluídas despesas de escrituras e de impostos.”
10. Sendo reconhecido o direito de preferência aos Recorridos e se, como dizem os Recorrentes, estes beneficiarem do alegado incremento que possa existir por via das ações da Recorrente (…),
11. Nada mais é esse facto do que uma consequência direta da atuação em abuso de direito daquela, sendo que as ações levadas a cabo pela Recorrente manifestamente de má-fé, foram feitas com perfeito conhecimento e apenas com o intuito de fazer aumentar o valor do imóvel artificialmente.
12. A este propósito, atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo 681/12.2TBBRG.G1.S1, de 09-07-2015, em que foi Relator Pinto de Almeida: “II - Em sede de enriquecimento sem causa, o enriquecido de boa fé não pode ser prejudicado com a restituição; esta não deve ter lugar se acarretar um prejuízo superior ao enriquecimento patrimonial daquele. III - Assim, as referidas obras, impostas unilateralmente e de má fé, apesar de poderem representar um enriquecimento real e objectivo, não se reflectiram num concreto locupletamento dos réus e daí que estes não devam ser condenados na obrigação de restituir que foi peticionada”.
13. Ora, a Recorrente não tinha intenção alguma de construir no prédio … (nem para habitação do gerente, nem para ninguém), tendo antes adquirido o referido terreno para revenda conforme se encontrava, como se demonstrou, pelo que não existe locupletamento, que é falso e artificialmente criado após a citação com o intuito exclusivo de afastar os Recorridos do terreno, em claro abuso de direito.
14. De igual modo, os Recorridos pretendem manter o fim de cultura no terreno, pelo que nunca iriam ali construir qualquer propriedade para revenda ou outro fim, não existindo assim qualquer enriquecimento.
15. Não existe motivo qualquer para que seja atribuído ao prédio o valor adicional de € 110.000,00.
16. Com efeito, nos termos do artigo 564.º, alínea a), do CPC, a citação fez cessar a boa-fé dos Réus.
17. Atente-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, no processo 1326/18.2T8SLV-B.E1, de 28-02-2019, em que foi relatora Maria João Sousa e Faro:
“Tendo os executados realizado benfeitorias na coisa cuja entrega lhes era peticionada na precedente ação após a citação para a mesma, fizeram-nas necessariamente de má-fé (artigo 564.º, alínea a), do CPC) e por isso não gozam de tal direito de retenção por força do disposto na alínea b) do artigo 756.º do Código Civil que o exclui dos que tenham realizado de má-fé as despesas de que proveio o seu crédito”.
18. Continua o referido Acórdão: “Se foram realizar benfeitorias na coisa cuja entrega lhes era peticionada na precedente ação após a citação para a mesma fizeram-nas necessariamente de má-fé”.
19. Ainda que se entendesse (o que não se faz), que a Recorrente teria direito a algum valor a título de enriquecimento sem causa, nunca seria o valor peticionado, mas antes o valor das despesas com o PIP, requerimentos à Autoridade Tributária e Conservatória do Registo Predial e avaliação.
20. Valores estes nunca peticionados nem provados, porque a Recorrente procura apenas enriquecer à custa de terceiros, no caso, dos Recorridos, não tendo interesse nos terrenos.
21. A Recorrente, ao nada fazer relativamente aos terrenos e, inclusivamente, tratar dos mesmos, como a mesma admitiu, através de ações de limpeza, tendo inscrito a sua vontade de os revender na escritura pública.
22. Gerou nos Autores a expectativa de que não quereria alterar a destinação dos mesmos, sendo que apenas o alegou após ter recebido a citação, sem sequer ter sido capaz de o provar devidamente, o que confirma a sua intenção.
23. O abuso de direito encontra previsão no artigo 334.º do Código Civil, que consigna que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
24. Existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 24.04.2008 proferido no Proc. n.º 2889/2008.6).
25. A atuação em abuso de direito permite a supressão do direito que o respetivo titular pretende fazer valer, e a sua alegação consubstancia uma exceção de natureza perentória cuja procedência determinará a absolvição dos Recorridos do peticionado pela Recorrente (cfr. artigo 576.º, nºs 1 e 3, do CPC).
26. Pelo exposto, e sem prejuízo do já exposto em sede de Réplica e resposta a exceções no devido tempo, deve, assim, ser julgada improcedente a Reconvenção na parte em que alegam os Recorrentes enriquecimento sem causa dos Recorridos.»

Cumpre, pois, suprir a nulidade de omissão de pronúncia arguida pela apelante (…), Lda., conhecendo do pedido reconvencional deduzido pela ré (…), Lda., o qual consiste no seguinte: em caso de procedência dos pedidos dos autores, que sejam estes condenados a pagar àquela ré a quantia de € 15.000,00 a título de preço de aquisição dos dois prédios melhor identificados nos autos, bem como no pagamento do montante de € 110.000,00 a título de enriquecimento sem causa.
O tribunal de 1ª instância reconheceu o direito de preferência dos autores em relação à venda, à (…), Lda., realizada no dia 9 de junho de 2021, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o n.º (…) e condenou os autores a pagar àquela a quantia de cinco mil euros (€ 5.000,00) correspondente ao preço por esta pago pela aquisição do dito prédio, segmento decisório que não foi objeto de impugnação perante a segunda instância. Destarte, o que ora está em causa é tão só o segmento do pedido reconvencional relacionado com o preço pago pela (…), Lda. pela aquisição do prédio rústico sito em Rua (…), freguesia de (…), concelho de Monchique, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) da Secção (…) e com o alegado enriquecimento sem causa gerado pela alegada valorização do prédio acima referido em virtude de diligências efetuadas pela recorrente, uma vez que no acórdão recorrido foi reconhecido o direito de preferência dos autores/apelantes em relação à compra e venda que teve por objeto o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da Secção (…) e, em conformidade, o reconhecimento do direito de se substituírem à 1ª ré na posição de compradora que esta ocupa na respetiva escritura de compra e venda, ficando o referido prédio a pertencer-lhes, substituindo-se ainda a 1ª ré no respetivo registo predial.
Apreciando.
A recorrente (…), Lda. sustenta que os autores devem ser condenados a pagarem-lhe o preço que ela pagou pela aquisição do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (…) e, ainda, o montante de € 110.000,00 correspondente à diferença entre o preço pago pelo referido imóvel e o seu atual valor de mercado, a saber, € 120.000,00, valorização que se deveu, diz, por ele ter diligenciado, posteriormente à alienação do imóvel, pela obtenção, e com sucesso, do deferimento do PIP (pedido de informação prévia) relativamente àquele prédio.
Quanto à questão da condenação dos autores/reconvindos no pagamento à (…) do “preço” por ela suportado com a aquisição do referido prédio, desde já adiantamos que o mesmo deve proceder. O direito de preferência dos autores – que foi reconhecido por este tribunal de segunda instância relativamente à venda que teve por objeto o prédio descrito na Conservatória do Registo predial de Monchique sob o n.º (…) – é o direito de aqueles se substituírem ao terceiro adquirente na posição que este ocupa no contrato celebrado com o(s) obrigado(s) à preferência, tudo se passando, juridicamente, após a substituição e pelo que respeita à titularidade do direito transmitido, como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente.
O reconhecimento do direito de preferência dos autores no contrato de compra e venda que teve por objeto o prédio supra identificado – direito de preferência legal que se mostra previsto no artigo 1380.º do Código Civil – significa que os autores têm o direito de adquirir aquele bem com afastamento do outro adquirente (no caso a …, Lda.), e nas mesmas condições acordadas com este (tanto por tanto), tendo aqueles, portanto, de entregar ao terceiro adquirente o preço por ele satisfeito, o qual têm de depositar no prazo de 15 dias seguintes à propositura da ação (artigo 1410.º, n.º 1, do Código Civil).
Assim sendo, devem os autores/reconvindos/apelantes ser condenados no pagamento à (…), Lda. do montante de € 10.000,00, a título de preço por aquela pago pela aquisição do imóvel supra identificado aos obrigados à preferência, montante que se mostra depositado nos autos.
Procede, pois, nesta parte o pedido reconvencional da (…), Lda..
*
No que respeita ao pedido de condenação dos autores no pagamento do montante de € 110.000,00, a título de enriquecimento sem causa, a ré e apelante (…), Lda. alegou na sua contestação o seguinte:
a) Por via do deferimento do PIP e da criação da parcela urbana, o prédio descrito na Conservatória do Registo predial de Monchique sob o n.º (…) deixou de ser classificado como rústico para passar a ser misto;
b) O deferimento do PIP incrementou o valor de mercado do prédio em causa;
c) De acordo com uma avaliação efetuada a pedido da 1ª ré, por perito avaliador, a agora parcela rústica, com 8.780 m2, possui um valor venal de € 17.000,00 e a parcela urbana (2.500 m2) possuiu um valor de € 103.000,00;
d) A obtenção, ulterior à aquisição, do deferimento do PIP aumentou o valor de mercado do prédio n.º (…), de € 10.000,00 para € 120.000,00, o que sucedeu na sequência das diligências desenvolvidas pela Ré (…) junto da Câmara de Monchique, onde instruiu o procedimento administrativo próprio para alcançar aquele desiderato.
O enriquecimento sem causa é um evento, um facto, que se verifica quando o património de alguém é aumentado, sem causa, pelo correlativo empobrecimento do património de outrem.
Do enriquecimento sem causa deriva o direito de restituição para o dono do património empobrecido com a correlativa obrigação de restituir por banda do dono do património enriquecido.
O instituto do enriquecimento sem causa mostra-se contemplado no artigo 473.º do Código Civil, onde se estatui o seguinte:
«1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou».
Enquanto fonte de obrigação, o enriquecimento sem causa pressupõe, nos termos do normativo supra citado, a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
i. Que alguém tenha obtido um enriquecimento, isto é, que o património de uma pessoa se haja valorizado (a valorização pode consistir no aumento do ativo ou na diminuição do passivo) ou deixado de se desvalorizar (isto é, faz-se uma economia ou poupança, evitando-se uma despesas que de outro modo se realizaria), traduzindo-se o enriquecimento na diferença, para mais, entre o valor que o património apresenta e o que apresentaria se não ocorrera determinado facto.
Note-se que «o enriquecimento supõe que o benefício se projetou no património, influiu no seu conteúdo, o tornou mais valioso ou impediu que passasse a ser menos, originando um ganho ou a desnecessidade de um dispêndio. Se alguém tem um benefício, mesmo suscetível de expressão pecuniária, mas esse benefício não se reflete ou consolida no seu património, no sentido de uma real valorização ou de uma real não desvalorização, não há enriquecimento» [1].
ii. Que esse enriquecimento seja obtido à custa de outrem, à custa de quem requer a restituição. Isto é, à vantagem patrimonial alcançada por um deles corresponderá o empobrecimento do outro; a correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro[2].
iii. Que o enriquecimento não tenha causa justificativa, o que ocorre quando o direito o não aprova ou consente porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial[3]; aponta Galvão Telles que «a noção de causa do enriquecimento é muito controvertida e difícil de definir. Parece que tudo se reconduz à interpretação da lei, à determinação da vontade legislativa, isto é, saber se a ordem jurídica considera ou não justificado o enriquecimento e, portanto, se acha ou não legítimo que o beneficiado o conserve. O enriquecimento tem ou não causa justificativa, consoante, segundo os princípios legais, há ou não razão de ser para ele. Cumpre ver em cada hipótese, no âmbito do instituto jurídico aplicável, se o enriquecimento corresponde à vontade profunda da lei. (…)»[4].
No caso concreto, o alegado enriquecimento dos autores consistirá numa valorização (aumento do valor de mercado) do prédio acima referido que, segundo a apelante, decorre da existência de um parecer favorável da Câmara de Monchique ao PIP (pedido de informação prévia) que foi por ela apresentado. Ou seja, de um parecer favorável da Câmara Municipal de Monchique a um (eventual e futuro) pedido de licenciamento de construção de uma moradia unifamiliar, com a área de 235 m2, na parcela urbana do referido prédio.
Nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do D/L n.º 555/99, de 16 de dezembro, diploma que aprovou o regime jurídico da urbanização e edificação, qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística ou conjunto de operações urbanísticas diretamente relacionadas, bem como sobre os respetivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas, servidões administrativas restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.
E de acordo com o disposto no artigo 17.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, a informação prévia favorável vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento e no controlo sucessivo de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia.
Resulta daqueles dois normativos legais que a emissão de um parecer favorável a um pedido de informação prévia sobre determinada operação urbanística confere ao interessado uma expectativa jurídica de que venha a ser autorizada/licenciada a operação urbanística que foi objeto do PIP, ou dito de outra forma, a emissão de um parecer favorável a um PIP confere ao interessado a expectativa de vir a adquirir na sua esfera jurídica um direito de construção no prédio respetivo (no caso concreto o direito de construção de uma moradia unifamiliar com a área total de 2500 m2 e implantação de 235 m2).
Mas uma expectativa jurídica constitui uma situação jurídica ativa diferente do direito subjetivo, implicando uma posição jurídica instrumental em relação à consolidação ou efetivação desse direito[5].
No caso em apreço os proprietários do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o n.º (…) têm uma expectativa jurídica (atento o disposto no artigo 17.º, n.º 1, do D/L n.º 555/99, de 16 de dezembro) de virem a adquirir o direito de construção de uma moradia unifamiliar – com a área de construção e área de implantação supra referidas – na parcela urbana do seu prédio. Mas esse direito de construção não integrou ainda a respetiva esfera jurídica. E é esse direito de construção (que implica um licenciamento da obra pela Câmara) que aumenta o valor de mercado do prédio. Aliás, consta do relatório de avaliação a que alude o ponto de facto provado n.º 44 – e no qual a ré (…), Lda. funda o aumento do valor de mercado do imóvel para o montante de € 120.000,00 – que «para a determinação do valor atribuído ao imóvel referente à parcela urbana, o perito considerou o previsto no PDM de Monchique e que será possível construir uma moradia com o valor comercial de € 520.000,00».
Ora, não tendo sido alegado e provado que o licenciamento da operação urbanística já ocorreu, o qual é o verdadeiro benefício determinante da valorização do prédio e, consequentemente, do património dos respetivos proprietários – na medida em que é o licenciamento que confere efetivamente um direito de construção na parcela urbana do prédio (e não o parecer favorável do PIP) – não se pode afirmar que exista já um real benefício projetado no património dos autores e um correlativo e real empobrecimento do património da ré (…), Lda.. O que basta para julgar improcedente o pedido reconvencional no que respeita ao pedido de condenação dos autores/recorridos no pagamento à ré/recorrente do montante de € 110.000,00.

Sumário: (…)

III.
DECISÃO:
Em face do exposto, acordam julgar procedente o pedido reconvencional apenas na parte relativa ao pedido de condenação dos autores/apelantes no pagamento do valor de dez mil euros (€ 10.000,00] a título de preço por aquela pago aos obrigados à preferência por via da alienação (venda) do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o n.º (…). Consequentemente, o dispositivo do acórdão proferido na data de 27 de março de 2025 passará a ter o seguinte teor:
«Em face do exposto, acordam julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu os réus dos pedidos relacionados com o prédio rústico sito em Rua (…), freguesa de (…), concelho de Monchique, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob o n.º (…) e, em conformidade:
1 – Reconhecem o direito de preferência dos autores (…) e (…) em relação à compra e venda que teve por objeto aquele prédio e, consequentemente, o reconhecimento aos autores do direito de se substituírem à 1ª Ré (…), Lda. na posição de compradora que esta ocupa na respetiva escritura de compra e venda, ficando o referido prédio a pertencer-lhes, substituindo-se ainda a 1ª Ré no respetivo registo predial;
2 – Condenam os autores/apelantes (…) e (…) no pagamento à 1ª Ré (…), Lda. do valor de dez mil euros (€ 10.000,00), a título de preço pago pela segunda pela aquisição aos Réus (…) e (…), do prédio supra referido, valor que se encontra já depositado nos autos.
As custas na presente instância de recurso são da responsabilidade da apelada (…), Lda. porque vencida, sendo que a esse título é apenas devido o pagamento de custas de parte porquanto aquela procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela resposta às alegações de recurso».

Notifique.
DN.
Évora, 2 de outubro de 2025
Cristina Dá Mesquita
Isabel de Matos Peixoto Imaginário (com voto de vencida relativamente ao ponto 1 do segmento decisório do acórdão proferido em 27 de março de 2025)
Maria Isabel Calheiros


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[1] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5.ª Edição, Coimbra Editora, Lda., págs. 157-158.
[2] Acórdão do Tribunal Relação do Porto de 22-01-2013, proc. n.º 192/04.0TBMCN.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[3] Acórdão do Tribunal Relação do Porto de 22-01-2013, proc. n.º 192/04.0TBMCN.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[4] Direito das Obrigações, 5.ª Edição, Coimbra Editora, Lda., pág. 161.
[5] Acórdão do Tribunal Relação de Lisboa de 08-03-2012, proc. n.º 5220/09.0TVLSB.L1-2, consultável em www.dgsi.pt.