Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | EDGAR VALENTE | ||
Descritores: | ABERTURA DE INSTRUÇÃO REQUERIMENTO CORREIO ELETRÓNICO | ||
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Data do Acordão: | 06/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Não é admissível a rejeição do requerimento de abertura de instrução, quando o mesmo foi apresentado através de correio eletrónico simples e não foi junto o original do aludido requerimento no prazo legalmente previsto, sem que o requerente seja previamente notificado para juntar aos autos o original de tal requerimento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório. No Juízo de Instrução Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo n.º 636/22.9PBFAR, no qual, mediante despacho judicial, foi um requerimento apresentado por e-mail considerado inexistente. Inconformada com essa decisão, recorreu a autora de tal requerimento, terminando a motivação do recurso com as seguintes (transcritas) conclusões: “I - Nos termos da lei em vigor, é admissível a remessa de peças processuais aos tribunais em processo crime, através de correio eletrónico, ao abrigo do disposto no art.º 150.º n.º 1 alínea d) e n.º 2 do CPC e na Portaria n.º 624/2004, de 16 de junho e art.º 4.º do CPP. II A remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, carece dos requisitos, constantes do Decreto Lei n.º 290 D/99, de 2 de agosto e da Portaria n.º 624/2004, de 16 de junho nomeadamente: 1. Que a mensagem de correio eletrónico do remetente seja do advogado com poderes para o 2. Que a mensagem de correio eletrónico do remetente contenha a aposição de assinatura eletrónica avançada; 3. Que a mensagem de correio eletrónico do remetente seja cronologicamente certificada por terceira entidade idónea; III A certificação cronológica por uma entidade idoneamente certificada por terceira entidade idónea, foi fornecido até 31 de janeiro de 2021, pelos CTT através da MDDE Marca de Dia Eletróni ca, data em que cessou o serviço e não foi substituído por outro, de acordo com a comunicação remetida aos advogados, pela referida entidade; IV Para dar cumprimento ao disposto na Portaria n.º 624/2004, de 16/06, no Decreto Lei n.º 290 D/99, de 2 de agosto, nomeadamente ao artigo 2.º, alínea u), ao artigo 26.º n.º 2 do Decreto Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, com a última alteração operada pelo DL n.º 73/2014, de 13 de Maio e o artigo 61.º do CPA, que dispõe que as comunicações digitais devem revestir a m esma natureza das tradicionais comunicações em papel, os advogados passaram a pedir recibo de entrega na caixa de email do destinatário, comunicação essa efetuada entre o servidor de correio eletrónico da Ordem dos Advogados e o servidor de correio eletrónico dos Tribunais, que ao que se sabe, são entidades idóneas, a primeira integrada na administração autónoma do Estado e a última integrada na administração direta do Estado; V O requerimento de constituição como assistente, que mereceu o despacho de que ora se recorre, foi remetido, no dia 14 06 2022 pelas 16h:11m , pela mandatária da ofendida para o endereço de correio eletrónico ….ministeriopublico@tribunais.org.pt , cuja confirmação foi emitida por terceira entidade idónea, o servidor de correio eletrónico da Ordem dos Advogados; VI Até ao dia 29 de Junho, 5 dias para além dos 10 (para entrega dos originais), a assistente não havia ainda remetido os originais, tendo todavia a intenção de o fazer, mas foi surpreendida com o despacho de que se recorre, sendo certo que na presente data os originais já se encontram juntos aos autos, cfr. Doc.2. VII Aliando a vastidão e a complexidade normativa respeitante ao tema e a consequente incerteza que dela decorre, a sanção prevista para o não cumprimento da formalidade secundária, consistente na (re)apresentação em juízo, num dado prazo (10 dias), do requerimento já ali entrado, tempestivamente e por meio legalmente admissível, é desproporcionada. VIII Motivo pelo qual, deixar precludir o direito da ofendida se constituir como assistente, para desse modo poder deduzir acusação particular pelo facto de não terem (ainda) sido remetidos à secretaria os originais não pode ser admitido; IX Ao invés o convite à apresentação do requerimento pela via considerada exigível, configura uma medida de adequação do processado, apta a suprir a omissão de uma mera formalidade, sem com isso comprometer o equilíbrio de obrigações e direitos dos intervenientes, com o é pressuposto num processo justo e equitativo. Pugnando, em síntese, pelo seguinte resultado processual: “Pelo exposto (…) deve dar-se provimento ao recurso e por via dele ser o douto despacho recorrido, revogado e substituído por um que aprecie o requerimento de constituição como assistente (cujo original entretanto já se encontra junto aos autos) e o admita.” O recurso foi admitido. Em resposta, o MP em 1.ª instância concluiu que (transcrição): “(…) Assim, acompanho o entendimento vertido no despacho em crise, posição essa também defendida no Acórdão da Relação de Évora de 08.02.2022 (processo 157/19.7T9RMZ-A.E1, relator Nuno Garcia, disponível em www.dgsi). Nesta conformidade, entendo que a Meritíssima Juiz a quo ajuizou corretamente a situação em apreço. Termos em que, e nos mais que V. Excelências doutamente suprirão, não se deverá dar provimento ao recurso interposto pela requerente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida (…).” O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto “não merece provimento”. Procedeu-se a exame preliminar. Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (1), respondendo a recorrente, defendendo que, atento, nomeadamente o teor do recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 126/2023, de 29.03, que versa sobre situação análoga à dos presentes autos, não podem “restar dúvidas de que o requerimento de constituição de assistente apresentado pela recorrente deveria ter sido admitido, não havendo motivos para a sua não apreciação.” Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa: “O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2014 pronunciou-se no sentido de que «em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no art. 150 n.º 1 al. d) e n.º 2 do CPC e na Portaria n.º 624/2004, de 16/6, aplicáveis por força do disposto no art. 4.º do CPP.». Por sua vez, o art. 3.º, n.º 4 da Portaria n.º 624/2004, de 16 de junho dispõe que «O envio de peças processuais por correio eletrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do art. 6.º do DL n.º 290-D/99, de 2/8, bastando para tal a aposição de assinatura eletrónica avançada.» e o n.º 6 do mesmo normativo assinala que «A expedição da mensagem de correio eletrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da al. u) do art. 2.º do DL n.º 290-D/99, de 2/8, com a redação que lhe foi dada pelo DL n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.». Em complemento, o art. 10.º da aludida portaria sustenta que à apresentação de peças processuais através de correio eletrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia. Nos termos de tudo o exposto devidamente concatenado, firma-se que o envio de peças processuais via correio eletrónico só pode suceder em conformidade com o legalmente definido, ou seja, com aposição de assinatura eletrónica do subscritor, para que se possa garantir que a mesma foi elaborada pelo próprio e que se junta por mandatário judicial seja uma garantia ao mandante, arguido em processo penal. Sucede que o requerimento de constituição de assistente apresentado pelo foi enviado por correio eletrónico, sem assinatura manual ou digital e sem validação cronológica, gozando do valor da telecópia. Decorrido o prazo de 10 dias legalmente concedido, não deram entrada em juízo os originais do requerimento de constituição de assistente e da procuração, cuja cópia simples juntou, e que foram remetidos por correio eletrónico simples, sem qualquer assinatura, digital ou manual, e sem validação cronológica. Ademais, todos os requerimentos apresentados em juízo devem ser assinados e o enviado por correio eletrónico e por correio registado de um requerimento de constituição de assistente desprovido de qualquer assinatura consubstancia uma inexistência jurídica que implica a inaptidão para apreciar. Sopesando as consequências de tal omissão, é de considerar que sendo o requerimento apresentado através de correio eletrónico simples, tal não só não dispensa o requerente de remeter aos autos o respetivo original, como impõe que o faça, no prazo legalmente estabelecido para o efeito cf. artigo 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho e no artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro - neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de dezembro de 2016, relator Cid Geraldo, disponível em www.dgsi.pt. Como se explicitou, a obrigatoriedade de apresentação do original do requerimento decorre diretamente da Lei - cf. artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro, não se impondo a realização, para este efeito, de qualquer convite - neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13 de abril de 2021, relatora Maria Fernanda Palma, disponível em www.dgsi.pt. Compreende-se, igualmente, que não está junta aos autos a procuração outorgada, mas apenas a cópia da mesma, sem o posterior envio do original. Nesta conformidade, resta consignar que o requerimento em referência deu entrada em juízo por um meio legalmente inadmissível - cf. artigo 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho e artigo 4.º do Decreto-lei 28/92, de 27 de fevereiro - e, não tendo sido junto os respetivos originais, aquele só de per si não apresenta aptidão para gerar quaisquer consequências jurídicas, sendo juridicamente inexistente, motivo pelo qual nada há a apreciar.“ 2 - Fundamentação. A. Delimitação do objecto do recurso. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso. Importa, no presente recurso, responder a uma única questão, que se traduz na obrigatoriedade ou não por parte do tribunal de formular convite para a junção do original de um requerimento para constituição de assistente que foi remetido apenas por e-mail. B. Decidindo. A resposta à questão suscitada nos presentes autos tem sido absolutamente divergente neste Tribunal da Relação de Évora - TRE), como, entre outros, se refere (com identificação nominal de quem defende cada uma das posições) no Acórdão deste mesmo tribunal n.º 420/21.7PBELV-A.E1, de 24.01.2023, disponível em www.dgsi.pt. Assim, não sendo, ao que sabemos, minimamente controvertido que a lei, inequivocamente, determina a obrigação da junção, no prazo de 10 dias (2), do original da peça processual enviada para o processo por e-mail, há quem entenda (i) que a omissão de tal ónus implica a perda do direito de praticar o acto e, em sentido diametralmente oposto, há quem defenda (ii) que não existe, de imediato, tal preclusão, impondo o princípio da proporcionalidade ao tribunal o dever de endereçar um convite ao requerente para apresentar o mencionado original. O aqui relator subscreveu acórdãos defendendo a 1.ª posição. No entanto, apesar de inexistir, por ora, Acórdão (do STJ) Uniformizador de Jurisprudência, a verdade é que, relativamente a situação que consideramos análoga à dos autos (3), se pronunciou, como refere a recorrente, o Tribunal Constitucional (TC). Deste modo, pode ler-se no Acórdão do TC n.º 126/2023, de 29.03 (4): “Como se escreveu nesse primeiro aresto [Acórdão 174/2020] “o juízo de proporcionalidade a emitir neste domínio não pode deixar de tomar em consideração três vetores essenciais: (i) a justificação da exigência processual em causa; (ii) a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e (iii) a gravidade das con-sequências ligadas ao incumprimento do ónus”, sendo certo que nos dois acórdãos citados [o acima mencionado e o Acórdão 268/2020] se lançou mão, para a formulação desse juízo, também das garantias de defesa conferidas constitucionalmente aos arguidos, mas que aqui não relevam, uma vez que não está em causa, ao contrário do que sucedia nesses dois outros processos, um ato processual praticado por um arguido, mas antes por um assistente (embora sem que tal seja suficiente para afastar a conclusão a que se chegará a final. Se se compreende perfeitamente, por razões de segurança jurídica e de fidedignidade e genuinidade do próprio ato, a existência de formalidades específicas para a prática de atos processuais em processos criminais (mas sendo certo também que estas exigências ficarão perfeitamente acauteladas se houver a junção, mesmo que na sequência de notificação para o efeito, do original do requerimento em apreço), a verdade é que não se afigura que resulte evidente e patente da legislação processual penal (bastando compulsar, para o efeito, as referências ao percurso interpretativo muito tortuoso e nada linear necessário para o efeito no primeiro aresto citado) que não fosse admissível a prática de atos processuais pela forma como foi praticado este ato concreto pela recorrente ou que a mesma tivesse agido de uma forma grosseiramente negligente ao praticar o ato em causa deste modo. Por seu lado, continuando a seguir o primeiro acórdão mencionado, e como sucedeu igualmente in casu, “a sanção do não recebimento do recurso é determinada, de uma forma inovatória e surpreendente, sem que seja dada aos recorrentes uma específica oportunidade para cumprir o ónus em causa”, não se vendo que a prolação, previamente, de um despacho a convidar as partes a cumprir essa obrigação, acabe por acarretar uma dilação assinalável na tramitação processual ou qualquer entorse intolerável na mesma, uma vez que se limita a conferir um prazo (necessariamente) curto para o efeito. De resto, refira-se que não se trata de conceder um novo prazo para a prática de um ato processual omitido ou para o aperfeiçoamento material de um ato processual deficiente ou inepto, mas antes, ao invés, o conceder um prazo para a prática, agora formalmente adequada, de um ato processual praticado de forma processualmente não admissível (não servindo, assim, para alterar substancialmente esse ato, mas antes somente para permitir o aproveitamento e a consideração formal desse ato, que se mantém totalmente inalterado no seu conteúdo), sendo certo que se trata de um ato processual cuja não consideração tem um efeito particularmente grave para o seu autor, levando, conforme os casos, ao terminar do processo. (…) Desta forma, no equilíbrio dialético (sempre difícil) entre a celeridade e eficácia processual (que correspondem igualmente a interesses constitucionalmente tutelados) e o direito das partes a um processo equitativo, considera-se que o rejeitar, sem mais e unicamente por motivos formais, este tipo de requerimentos corresponde a uma solução desproporcionada e que viola injustificadamente o direito de acesso aos tribunais, concluindo-se, assim e na esteira dos dois acórdãos supra referenciados (mutatis mutandis), pela inconstitucionalidade da interpretação normativa em questão.” Tendo ali sido decidido: “Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa efetuada na decisão recorrida do artigo 287º, n.º 3, do Código de Processo Penal, no sentido de ser admissível a rejeição do requerimento de abertura de instrução, quando o mesmo foi apresentado através de correio eletrónico simples e não foi junto o original do aludido requerimento no prazo legalmente previsto, sem que o requerente seja previamente notificado para vir juntar o original desse requerimento”. Independentemente das posições tomadas anteriormente pelos membros deste tribunal, entende-se que, em face do teor de tal aresto do TC, não se justifica qualquer posição de obstinação jurisprudencial, sendo certo que, em face do necessário (e, por vezes, difícil) equilíbrio dos valores que ali se enunciam (celeridade por um lado e eficácia processual por outro), importa não sacrificar nenhum deles de forma irremediável, de forma a assegurar uma tutela jurisdicional efectiva dos intervenientes processuais. Assim, considerando que a celeridade é apenas afectada em parcela relativamente diminuta e que aquela tutela pode ser efectivamente assegurada, opta-se pela solução de entender como interpretação conforme à Constituição que deve ser notificado o requerente de constituição de assistente para apresentar, em 10 dias, o original do requerimento que anteriormente apenas enviou por e-mail. O recurso é, consequentemente, procedente. 3 - Dispositivo. Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por despacho que ordene a notificação da requerente (ora recorrente) para, em 10 dias, juntar aos autos o original do requerimento anteriormente enviado por e-mail. Sem custas. (Processado em computador e revisto pelo relator
....................................................................................................... 1 Diploma a que pertencerão as referências normativas ulteriores, sem indicação diversa. 2 Cfr. art.º 10.º da Portaria 624/2004, 16.06, que remete para o DL 28/92, de 27.02 (concretamente o art.º 4.º, n.º 3, sendo que o prazo aí inicialmente previsto – de 7 dias – passou a ser de 10 dias, por força do disposto no art.º 6.º, n.º 1, alínea b) do DL 329-A/95, de 12.12) 3 No presentes autos está, como vimos, em causa um requerimento para constituição de assistente e no acórdão que se referirá estava em causa um requerimento de abertura da instrução. 4 Disponível no respectivo sítio institucional. |