Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA JOÃO SOUSA E FARO | ||
Descritores: | DEFEITOS COMPRA E VENDA CUMPRIMENTO IMPERFEITO REPARAÇÃO DOS DEFEITOS GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Sumário: I. Se uma máquina vendida e entregue no início do mês de Junho de 2022, volvido cerca de um mês, deixou de funcionar convenientemente é de concluir que padecia de um defeito (no caso de um vício que impedia a realização do fim a que era destinada-art.º 913º do Cód. Civil); II. Ocorrendo um cumprimento imperfeito do contrato de compra e venda por parte da vendedora que se presume culposo (art.º 799º, nº1 do Cód.Civil) estava a mesma adstrita a proceder à reparação da coisa (art.º 914º do Cód. Civil) tendo em conta que a denúncia do defeito foi realizada até 30 dias a partir do momento do conhecimento do defeito e dentro dos 6 meses após a entrega do bem (art.º 916º do Cód. Civil); III. Não podendo a vendedora eximir-se de proceder à reparação do bem com vista à eliminação do defeito de que padecia, não poderá exigir o pagamento do seu custo pois não está a fazer mais do que assegurar por esta via, o cumprimento, isento de vícios, do contrato; IV. Em todo o caso, de acordo com o disposto no art.º 921º do Cód. Civil que versa sobre a “garantia de bom funcionamento”, o vendedor assume o bom funcionamento da coisa vendida durante um certo lapso temporal, também designado por “período de provação” no qual, ocorrendo algum defeito na coisa, este responderá de forma objectiva, isto é, independentemente de culpa sua, procedendo à reparação, quando esta for possível, ou à substituição, se a coisa for fungível. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo: 102083/24.2YIPRT
ACÓRDÃO 1. TECNIVAP demandou, através do procedimento de injunção, HEV – SERIGRAFIA pedindo para lhe pagar a quantia de 8.800,32 euros, sendo o montante de 6.727,37 euros, a título de dívida de capital, a quantia de 1.370,95 euros, a título de juros de mora, contados até à data em que o requerimento inicial foi apresentado ou seja 10-8-2024, a quantia de 600 euros referente a despesas extrajudiciais que teria tido para a cobrança do crédito, e ainda a quantia de 102 euros consistente na taxa de justiça que ela liquidou com a instauração da injunção. No requerimento inicial veio a A. alegar, em síntese, que vendeu à R. materiais consumíveis para uma máquina de impressão que lhe havia vendido, e prestou-lhe serviços. Que a R. não procedeu ao pagamento do preço dos produtos vendidos e dos serviços prestados pela A. descritos nas facturas a que faz menção, com o valor total de 6.727,37 euros. O R. contestou impugnando os factos tal como se encontram alegados pela A, referindo, em síntese que pagou o valor das facturas que titulam o fornecimento de materiais informáticos e que não deve o valor do custo da reparação efectuada a uma máquina adquirida à A. na medida em que a mesma reparação foi efectuada durante o período temporal da garantia. 2. Realizou-se audiência final e foi, subsequentemente, proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se declarar a presente acção parcialmente procedente por provada, consequentemente, decide-se condenar esta R. na parte dos pedidos apresentados pela A. no seu requerimento inicial, consistente no pagamento a esta última: a-) Das contrapartidas constantes das facturas referidas em 9), 10), 11), e 12), pelos fornecimentos de mercadorias realizados pela A. a favor da R., constantes nessas facturas, ou seja das quantias de 22,14 euros, de 532,59 euros, de 670,35 euros, e de 269,99 euros, respectivamente. Contudo, tendo em conta que ficou demonstrado nos presentes autos que a R. procedeu ao pagamento à A. dessas contrapartidas constantes das mencionadas facturas, referidas em 9), 10), 11), e 12), após a instauração da presente acção, o crédito da A. sobre a R. referente às mesmas extinguiu-se e já não existe. b-) Dos juros de mora vencidos desde a data em que a R. foi citada para a presente acção, sobre as contrapartidas das facturas referidas em 9), 10), 11), e 12), calculados à taxa dos juros moratórios para as transacções comerciais ( cfr. artigo 102º, § 3º, do Código Comercial), até às datas em que a R. procedeu ao seu pagamento, ou seja os dias 9-9-2024, 9-9-2024, 20-9-2024, 23-9-2024, exclusive, respectivamente. c-) Das contrapartidas constantes das facturas referidas em 7) 8) e 13), pelos fornecimentos de mercadorias realizados pela A. a favor da R., constantes nessas facturas, ou seja das quantias de 1.752,01 euros, 86,10 euros e 379,46 euros, respectivamente. d-) Dos juros de mora vencidos desde a data em que a R. foi citada para a presente acção, sobre as contrapartidas das facturas referidas em 7), 8) e 13), calculados à taxa dos juros moratórios para as transacções comerciais ( cfr. artigo 102º, § 3º, do Código Comercial), até integral pagamento das facturas. f-) Da quantia de 40 euros, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida em causa nos autos, prevista no artigo 7º, do D/L nº 62/2013. Decide-se ainda declarar improcedente, por não provada, a restante parte da presente acção. Consequentemente, decide-se indeferir todos os restantes pedidos formulados nos autos pela A. contra a R. Consequentemente, absolve-se a R. desta parte dos pedidos formulados pela A.”. 3. É desta sentença que recorre a Autora, formulando na sua apelação as seguintes conclusões: PRIMEIRA: Com relevo para o presente recurso, o tribunal de 1.ª Instância deu como provado que: 26- Porque a cabeça de impressão da cor branca continuava sem funcionar, a testemunha AA, substituiu a cabeça de impressão e ainda o DAMPER, e aplicou na máquina um filtro de tinta, à saída da bomba de cor branca. 27- Na sequência da intervenção referida em 26), a impressão da cor branca da máquina referida em 3) voltou a funcionar. SEGUNDA: Em primeiro lugar, atenta a prova produzida em audiência de julgamento, resulta de forma inequívoca que a máquina foi vendida à ré no seu estado novo, com todos os seus componentes integrantes e em pleno funcionamento, sem evidências de qualquer tipo de deficiências. TERCEIRA: Acresce que, não é compatível com o normal do acontecer, e apresentando já a autora uma vasta vivência comercial no âmbito destes negócios, a alienação de máquinas que manifestem a falta de componentes integrantes. Muito mais se estranha, no que à especial situação dos autos se retrata, que a máquina de impressão tenha sido vendida à ré sem o respetivo filtro, muito menos, que a sua ausência tenha permitido um funcionamento integral e pleno da máquina de impressão, dada a importância que desempenha neste tipo de equipamentos. QUARTA: Ora, tal factualidade foi precisamente corroborada pela testemunha da autora BB, diretor comercial. QUINTA: Atenta a prova produzida em audiência de julgamento, resulta de forma inequívoca e concordante que as avarias que ocorreram na máquina de impressão fornecida à autora, quer numa primeira fase, quer num segundo momento, se ficaram dever à falta de limpeza por parte da ré da cabeça de impressão de cor branca e às condições atmosféricas do espaço onde a máquina de impressão se encontrava instalada, que por sua vez que revelaram prejudiciais ao seu bom funcionamento. - cfr. depoimentos das testemunhas AA, BB e CC. SEXTA- Logo, por força destes depoimentos concordantes, quer por parte de testemunhas da recorrente, quer por parte de testemunha da ré, impugna-se a matéria de facto dada como provada nos pontos 26. e 27. dos Factos Provados, devendo passar a constar o seguinte: 26- Porque a cabeça de impressão da cor branca continuava sem funcionar, a testemunha AA, substituiu a cabeça de impressão e ainda o DAMPER, e substitui um filtro de tinta, à saída da bomba de cor branca, de modo a facilitar a libertação de impurezas, devido à obstrução recorrente dos seus orifícios. 27- Na sequência da intervenção referida em 26), a impressão da cor branca da máquina referida em 3) voltou a funcionar. SÉTIMA: Consequentemente, por contraposição, vai expressamente impugnada a decisão proferida a respeito da matéria de facto vertida nos Factos Não Provados sob a alínea K), a qual deverá ser levada à matéria dos Factos Provados, com a seguinte redação: 28. As avarias na máquina referida em 3), que se encontram mencionadas em 17) e 23), tiveram como causa a falta de limpeza pela R. da cabeça de impressão da cor branca que deixou de funcionar, bem como as condições atmosféricas do espaço onde a máquina se encontrava instalada e que se revelaram prejudiciais ao seu bom funcionamento. OITAVA: Veio ainda o tribunal a quo considerar como provado que: 30- A A. enviou à R. a factura referida em 29), esta recebeu-a, e devolveu-a posteriormente. NONA: Da prova produzida nos autos, não resulta demonstrada esta concreta factualidade, a qual se impugna, especificamente na parte em que refere que a R devolveu-a posteriormente. DÉCIMA: Desde logo, em momento algum a ré, na oposição deduzida, alegou que procedeu à devolução da fatura 2022/208 (referida em 29), o que por si só afasta a possibilidade desta concreta factualidade ser dada como provada. DÉCIMA PRIMEIRA: O mesmo foi confirmado em sede de audiência de julgamento, pelos legais representantes da ré, que apenas se limitaram a declarar que após a receção da respetiva fatura, tentaram contactar o diretor comercial da autora de forma a manifestar o seu descontentamento, o qual não lograram obter, sem nunca ter mencionado pela devolução da fatura. – cfr. declarações dos representantes legais da ré DD e EE. DÉCIMA SEGUNDA: Posto isto, vai assim impugnada esta concreta factualidade devendo proceder-se à correção da redação deste concreto ponto de facto dado como provado, passando a constar o seguinte: 30- A A. enviou à R. a factura referida em 29) que a recebeu. DÉCIMA TERCEIRA: Sem prescindir, ultrapassada a questão sobre a impugnação da matéria de facto, e independentemente da decisão que vier a ser proferida pelo venerando tribunal quanto a esta concreta factualidade; resulta dos autos que o único argumento apresentado pela ré como justificativo de não proceder ao pagamento da fatura 2022/808, de 17.08.2022, no valor 3.014,73€, consiste no facto da reparação da máquina (que implicou a prestação de serviços e a venda de componentes) ter sido efetuada durante o período temporal da garantia. DÉCIMA QUARTA: Por um lado não podia o tribunal a quo substituir-se à ré na arguição de motivos justificativos do não pagamento da respetiva fatura e, por outro, não tendo sido não tendo sido tal factualidade dada como provada, impunha-se que tal argumento apresentado pela ré, a título de exceção de não pagamento, fosse considerado totalmente improcedente. DÉCIMA QUINTA: Sem prescindir, jamais a ré logrou demonstrar que a reparação foi feita ao abrigo da garantia, uma vez que nem sequer juntou aos autos o contrato de compra e venda da máquina, sendo que só através desse contrato é que a ré poderia lograr demonstrar a exceção perentória de não pagamento por si alegada na oposição. DÉCIMA SEXTA: Não o tendo feito, ou seja, não tendo demonstrado que a reparação foi realizada ao abrigo da garantia, por mera cautela deverá ser levada à matéria dos Factos Não Provados a seguinte factualidade: - a ré não liquidou essa fatura 808, de 17.08.2022, uma vez que se refere a reparação da máquina em garantia, não sendo por isso devido o seu valor . DÉCIMA SÉTIMA: Ainda sem prescindir, resulta demonstrado que a ré recebeu a fatura n.º 808, no valor de 3.014,73€ e contabilizou-a na sua contabilidade, sem nunca ter devolvido a fatura e para além disso, sem ter obtido da autora, anuência para a emissão da nota de crédito. DÉCIMA OITAVA: Ao assim ter procedido, tendo recebido a fatura, contabilizado na sua contabilidade e não a tendo devolvida à autora, a ré criou expectativa séria à autora de que iria proceder ao pagamento da respetiva fatura, tanto que, como por ela reconhecido e admitido no articulado da oposição, nenhuma reclamação fez junto da autora a respeito da sua eventual discordância relativamente ao seu pagamento. DÉCIMA NONA: A ré, agiu, assim, em pleno abuso de direito na modalidade de “venire contra factum propprium”, que se concretiza quando – uma situação de aparência jurídica é criada, em termos tais que suscita a confiança das pessoas de que a posição jurídica contrária não teria sido atuada, por imposição da boa-fé, implicando a demonstração, ainda que mínima, que da inatividade do lesado resultou uma expectativa fundada de que o direito não seria exercido. – sic. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11/11/2024, proferido no processo n.º 513/26.6T8VFR.P1, em que foi relator Manuel Domingos Fernandes, disponível em www.dgsi.pt. VIGÉSSIMA: Por outro lado, a recorrente também considera que o tribunal errou ao não condenar a ré no pagamento dos juros devidos a contar do vencimento de cada uma das faturas. VIGÉSIMA PRIMEIRA: A ré na sua oposição apenas se limitou a impugnar os juros de mora relativos à fatura 808 e 231, por considerar que as obrigações daí decorrentes, não eram devidas, não tendo contestado ou impugnado o vencimento dos juros devidos relativamente às demais faturas que, segunda ela, eram exigidas (tanto que as pagou, após ter sido citada da presente ação). VIGÉSIMA SEGUNDA: Acresce que, dizer que uma fatura tem vencimento numa determinada data, equivale a dizer que a data de pagamento deve ocorrer até essa mesma data, existindo assim uma obrigação com prazo certo. Pelo que, é forçoso concluir-se que sendo a obrigação exigível, findo o prazo de vencimento da fatura, sem que tenha ocorrido a sua liquidação, vencer-se-ão juros de mora em prejuízo do devedor. VIGÉSIMA TERCEIRA: Logo, ao contrário do alegado pelo tribunal a quo, as obrigações constantes das faturas, enquanto documentos de suporte às relações comercias, tratam-se de obrigações de prazo certo, pelo que, não ocorrendo o seu pagamento na data de vencimento, vencer-se-ão juros de mora a favor do credor. VIGÉSIMA QUARTA: Em jeito de conclusão, deverá a sentença recorrida ser revogada, devendo a ré ser condenada a pagar a fatura 2022/808, no valor de 3.014,73€, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data do seu vencimento, à taxa comercial, devendo ainda a ré ser condenada, nos juros de mora vencidos, desde a data de vencimento de cada uma das demais faturas, até ao seu pagamento, à taxa comercial. TERMOS EM QUE, PROCEDENDO A IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA A RESPEITO DA MATÉRIA DE FACTO INVOCADA NO CORPO DESTAS ALEGAÇÕES, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 640º, N.º 1, ALÍNEAS A), B) E C), E N.º 2, ALÍNEA A) E 638º, N.º 7, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, E, EM CONSEQUÊNCIA, A SENTENÇA SER REVOGADA POR OUTRA QUE CONDENE A RÉ NA TOTALIDADE DO PEDIDO FORMULADO PELA AUTORA, DEDUZINDO APENAS OS PAGAMENTOS FEITOS PELA RÉ APÓS INSTRAURAÇÃO DA PRESENTE AÇÃO. SEM PRESCINDIR, SEMPRE O PRESENTE RECURSO DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 609º E 615º, N.º 1, AL. D) DO CÓDIDO DE PROCESSO CIVIL E 805, N.º 2, ALÍNEA A) DO CÓDIGO CIVIL, ASSIM FAZENDO, V/ EXAS, A JÁ ACOSTUMADA JUSTIÇA. 4. Contra-alegou a Ré defendendo a improcedência do recurso. 5. As questões colocadas nas conclusões do recurso da apelante – que delimitam o seu objecto (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, todos do CPC) –são as seguintes: 5.1. Impugnação da matéria de facto: se os factos insertos nos pontos 26, 27 e 30 devem passar a ter a redacção sugerida pela apelante e se o facto inserto na alínea K) deve transitar para o elenco dos factos provados; 5.2.Reapreciação jurídica da causa: Se a Ré deve ser condenada a pagar também à Autora a fatura 2022/808, no valor de 3.014,73€, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data do seu vencimento, à taxa comercial, e, bem assim, os juros de mora vencidos, desde a data de vencimento de cada uma das demais faturas, até ao seu pagamento, à taxa comercial. II. FUNDAMENTAÇÃO 6. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida, assinalando-se a negrito os factos dos quais a apelante dissente: “Tendo em conta a prova produzida nos presentes autos, consideram-se demonstrados os seguintes factos: 1- A A. é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras, às actividades de comércio, importação, e reparação de máquinas e equipamentos industriais, bem como os seus componentes. 2- A R. é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de preparação da impressão e de produtos média. 3- No âmbito da sua actividade comercial, a A. vendeu à R., em 17 de Maio de 2022, uma máquina de impressão, que se encontra identificada na factura junta a fls. 9, pela contrapartida total de 15.867 euros, com IVA incluído. 4- A R. pagou à A. o valor da contrapartida da venda da máquina, referida em 3). 5- A máquina referida em 3) foi entregue pela A. à R. no início do mês de Junho de 2022. 6- No âmbito da sua actividade comercial, a A. forneceu à R., a pedido desta, as mercadorias, designadamente materiais consumíveis para serem aplicados na máquina referida em 3), que se encontram descritas, nomeadamente a quantidade e o tipo, nas seguintes facturas, que foram enviadas à R. e por esta recebidas: 7- Factura nº FTI 2022/231, datada de 31 de Maio de 2022, com a contrapartida total de 1.752,01 euros, com IVA incluído. 8- Factura nº FTI 2022/231, datada de 29 de Junho de 2022, com a contrapartida total de 86,10 euros, com IVA incluído. 9- Factura nº FTI 2022/598, datada de 28 de Junho de 2022, com a contrapartida total de 22,14 euros, com IVA incluído. 10- Factura nº FTI 2022/354, datada de 14 de Julho de 2022, com a contrapartida total de 532,59 euros, com IVA incluído. 11- Factura nº FTI 2022/286, datada de 23 de Junho de 2022, com a contrapartida total de 670,35 euros, com IVA incluído. 12- Factura nº FTI 2022/249, datada de 15 de Junho de 2022, com a contrapartida total de 269,99 euros, com IVA incluído. 13- Factura nº FTI 2022/708, datada de 21 de Julho de 2022, com a contrapartida total de 379,46 euros, com IVA incluído. 14- A R. procedeu ao pagamento das facturas referidas em 9) e 10), no dia 9 de Setembro de 2024, através de transferência bancária. 15- A R. procedeu ao pagamento da factura referida em 11), no dia 20 de Setembro de 2024, através de transferência bancária. 16- A R. procedeu ao pagamento da factura referida em 12), no dia 23 de Setembro de 2024, através de transferência bancária. 17- Passado cerca de um mês após a entrega da máquina referida em 3), nos termos mencionados em 5), a mesma deixou de imprimir a cor branca. 18- Na sequência, a R. comunicou á A. a situação referida em 17), designadamente à testemunha BB. 19- Na sequência, a testemunha AA, funcionário da A., deslocou-se às instalações da R., tentando realizar a reparação da máquina referida em 3), através das seguintes actividades: limpou a cabeça de impressão da cor ( que se encontrava sem funcionar), desentupiu-a, e testou-a. 20- Porque a cabeça de impressão da cor branca continuava sem funcionar, a testemunha AA, substituiu a cabeça de impressão e ainda o DAMPER. 21- Na sequência da intervenção referida em 20), a impressão da cor branca da máquina referida em 3) voltou a funcionar. 22- A A. não cobrou à R. o custo da intervenção referida em 20), comunicando-lhe que a mesma não teria qualquer custo. 23- Passado cerca de um mês após a intervenção referida em 19) e 20), a máquina referida em 3), deixou de imprimir a cor branca. 24- Na sequência, a R. comunicou á A. a situação referida em 23), designadamente à testemunha BB. 25- Na sequência, a testemunha AA, funcionário da A., deslocou-se às instalações da R., tentando realizar a reparação da máquina referida em 3), através das seguintes actividades: limpou a cabeça de impressão da cor ( que se encontrava sem funcionar), desentupiu-a, e testou-a. 26- Porque a cabeça de impressão da cor branca continuava sem funcionar, a testemunha AA, substituiu a cabeça de impressão e ainda o DAMPER, e aplicou na máquina um filtro de tinta, à saída da bomba de cor branca. 27- Na sequência da intervenção referida em 26), a impressão da cor branca da máquina referida em 3) voltou a funcionar. 28- Desde a ocasião referida em 26), a máquina referida em 3), tem funcionado na íntegra e correctamente, não ocorrendo outra situação de avaria em alguma das suas partes. 29- Para a realização da reparação da avaria referida em 26), a A. procedeu à aplicação para o efeito dos materiais, e da mão-de-obra, que se encontram descritos na factura nº FAS 2022/808, datada de 17-8-2022, emitida pela A., cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 12, e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, com os valores de custo igualmente descritos nessa factura, e com a contrapartida total de 3.014,73 euros, com IVA incluído. 30- A A. enviou à R. a factura referida em 29), esta recebeu-a, e devolveu-a posteriormente. Por outro lado, o Tribunal considera que não ficaram provados os seguintes factos com relevância para o objecto em causa no presente processo: A) A A. e a R. acordaram que as contrapartidas que constavam das factura referidas em 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13) e 29), seriam pagas nas datas que constariam dessas facturas como sendo as do seu vencimento, ou seja os dias 31-5-2022, 29-6-2022, 28-6-2022, 14-7-2022, 23-6-2022, 15-6-2022, 21-7-2022, e 17-8-2022. B) A A. teve despesas com a cobrança do seu crédito em causa nos presentes autos, designadamente, com os honorários do seu mandatário, com o valor total de 600 euros. C) Na factura referida em 7) constam os seguintes materiais que não foram encomendados pela R. à A.; a) 2 unidades referentes à cor White, e b) uma unidade referente às cores cyan, magenta, yellow e black. D) Em relação à factura referida em 7), a R. apenas encomendou à A. os restantes materiais que se encontram descritos na mesma, com o valor total de 649,40 euros. E) Após receber a factura referida em 7), o legal representante da R., EE, comunicou as situações referidas em C) e D) à testemunha BB, tendo este se comprometido em emitir uma nota de crédito com os valores dos materiais que não tinham sido encomendados pela R., que se encontram referidos em C). F) O material consumível de tinta descrito na factura referida em 8), foi utilizado na íntegra na intervenção referida em 19) e 20). G) Após receber a factura referida em 8), o legal representante da R., EE, comunicou a situação referida em F) à testemunha BB, tendo este se comprometido em emitir uma nota de crédito com o valor da factura referida em 8). H) A R. acordou com a A. que o preço do material consumível DAMPER seria de 7,50 euros, por unidade, e não de 75 euros, como consta da factura referida em 13). I) Após receber a factura referida em 13), o legal representante da R., EE, comunicou a situação referida em H) à testemunha BB, tendo este se comprometido em emitir uma nota de crédito com o valor em excesso dos materiais referidos em H). J) A avaria na máquina mencionada em 3), referida em 20), ocorreu por volta dos dias 17/18 de Junho de 2022. K) As avarias na máquina referida em 3), que se encontram mencionadas em 17) e 23), tiveram como causa a falta de limpeza pela R. da cabeça de impressão da cor branca que deixou de funcionar. 7. Do mérito do recurso 1. Impugnação da matéria de facto Defende a apelante que os factos insertos nos pontos 26 (Porque a cabeça de impressão da cor branca continuava sem funcionar, a testemunha AA, substituiu a cabeça de impressão e ainda o DAMPER, e aplicou na máquina um filtro de tinta, à saída da bomba de cor branca. ) e 27 (Na sequência da intervenção referida em 26), a impressão da cor branca da máquina referida em 3) voltou a funcionar. ) devem passar a ter outra redacção, atenta a prova produzida nos autos que indica. Vejamos se assim é. Para justificar esta decisão, afirmou-se na sentença recorrida o seguinte: Por outro lado, para a prova dos factos referidos nos pontos 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26); 27), levaram-se em consideração as declarações de parte do legal representante da R., EE, e ainda o depoimento da testemunha AA, que trabalha para a A., como técnico de manutenção, e ainda da testemunha CC, na medida em que demonstraram ter conhecimento directo destes factos. Na verdade, resultou desses depoimentos que, passado cerca de 1 mês depois da máquina de impressão ter sido entregue à R., a cabeça de impressão da cor branca deixou de funcionar. Que a R. comunicou a situação à testemunha BB. Que, na sequência, a testemunha AA deslocou-se às instalações da R. para resolver a situação. Que a testemunha AA procedeu então à limpeza da cabeça de impressão, desentupiu-a e testou-a. Como a impressão da cor branca continuava sem funcionar, a testemunha AA substituiu a respectiva cabeça de impressão. Que a impressão da cor branca da máquina voltou então a funcionar após essa intervenção da testemunha AA. Que, passado cerca de 1 mês após aquela primeira intervenção, a cabeça de impressão da cor branca da máquina, deixou outra vez de funcionar. Que a R. comunicou a situação à testemunha BB. Que, na sequência, a testemunha AA deslocou-se às instalações da R. para resolver a situação. Que a testemunha AA procedeu então à limpeza da cabeça de impressão, desentupiu-a e testou-a. Como a impressão da cor branca continuava sem funcionar, a testemunha AA substituiu a respectiva cabeça de impressão e aplicou um filtro. Que a impressão da cor branca da máquina voltou então a funcionar após essa intervenção da testemunha AA. Refira-se que a testemunha BB confirmou que a R., através do seu legal representante, EE, lhe comunicou a ocorrência dessas duas avarias na máquina. Por outro lado, quanto à causa das duas avarias na máquina, a testemunha AA, de um lado, o legal representante da R., EE e a testemunha CC, apresentam perspectivas divergentes e opostas. Na verdade, a testemunha AA sustenta que as avarias na máquina resultaram da falta de manutenção pela R. da cabeça de impressão da cor branca, nomeadamente por não terem limpo a mesma, que levou a que ela deixasse de funcionar. Por sua vez, o legal representante, EE, e a testemunha CC sustentam que a causa da avaria seria a falta de existência do filtro, que foi colocado na 2ª intervenção. Que teriam realizado a manutenção regular da cabeça de impressão da máquina, nomeadamente a sua limpeza. Ponderando as duas divergentes, o Tribunal considera mais credível a versão apresentada pelo legal representante EE e pela testemunha CC. Na verdade, não nos parece que seja lógico e compreensível que a cabeça de impressão da máquina avarie e deixe de funcionar passado cerca de um mês depois de ter sido colocada a funcionar, por duas vezes, pelo simples facto de não ter sido efectuada a sua limpeza regular, conforme sustenta a A. Na verdade, a cabeça de impressão não será tão sensível e frágil que avarie passado cerca de um mês se não for limpa com regularidade. Pelo contrário, tendo em conta o tipo de máquina que está em causa e o funcionamento constante e intenso que tem, certamente que as cabeças de impressão serão fortes, resistentes e terão um prazo de durabilidade bastante significativo. Além disso, há que levar em consideração que depois da 2ª intervenção, em que foi colocado um filtro junto há mesma, a cabeça de impressão de cor branca nunca mais avariou, nem deixou de funcionar. Pelo contrário continuou a funcionar até ao presente. Se o problema fosse da falta de limpeza da cabeça de impressão, a mesma teria avariado novamente passado pouco tempo. Deste modo, ter-se-á que concluir que a causa das avarias na cabeça de impressão da cor branca, é aquela que se encontra sustentada nos autos pela R., designadamente a falta da colocação do filtro junto àquela cabeça. Na verdade, o elemento novo ocorrido na segunda intervenção em relação à primeira foi a colocação do filtro. Porque esse filtro não foi colocado na primeira intervenção, ocorreu a segunda avaria na cabeça de impressão. Ora, se após a colocação do filtro junto à cabeça de impressão esta deixou de avariar, logicamente que a causa das avarias não poderá ser outra senão a falta do filtro junto a essa cabeça. Deste modo, não se deram como provados os factos alegados pela A. de que as avarias na máquina teriam resultado da falta de manutenção da mesma, nomeadamente da falta de limpeza da cabeça de impressão da cor branca. Por sua vez, para a prova dos factos referidos no ponto 28), levou-se mais uma vez em consideração o depoimento do legal representante da R., EE e da testemunha CC. Na verdade, os memos vieram informar que, após a segunda intervenção realizada pela testemunha AA, a máquina de impressão continuou a funcionar regularmente e sem problemas, nunca mais tendo avariado.”. Recorreu, portanto, o Tribunal a dados da experiência comum e da normalidade social para desconsiderar a prova da Ré (feita, sobretudo, com o depoimento de um seu funcionário e do seu legal representante) sobre os factos em apreço que rodearam a reparação da máquina. E bem. Ao contrário do que a apelante refere, não é tão inusitado que uma máquina seja defeituosa. Precisamente por a avaria se conexionar com o filtro é que se compreende que a máquina tenha trabalhado inicialmente mas passado apenas cerca de um mês é que tenha começado a dar sinais de cumprir defeituosamente a sua missão. Aliás, se os problemas evidenciados não se relacionassem com o filtro que foi aplicado na reparação não se perceberia porque motivo desde então é que não foram reportadas mais avarias (cfr. facto 28 não impugnado). Para além disso, também não se entende a razão que levou o técnico a colocar um filtro se o mesmo já lá existisse. O que é afirmado no ponto 26 é que o técnico aplicou na máquina um filtro e não que “substituiu” o filtro existente. É que do depoimento da testemunha não se extrai com clareza que tenha trocado o filtro (eu acho que depois troquei-o). Mas depois reconheceu que achou “melhor trocar” sem justificar a sua decisão de o fazer. O certo é foi graças a tal decisão que a avaria ficou resolvida. Por consequência, a aventada hipótese de que a avaria estava, assim, conexionada com a falta de limpeza ou com o espaço em que a máquina está instalada não faz o menor sentido. Em suma: Não há fundamento sério para alterar o decido nos pontos 26 e 27, como não o há, por consequência, para determinar que o facto inserto na alínea K) transite para o elenco dos factos provados. Por último pretende a apelante que o facto inserto no ponto 30 (A A. enviou à R. a factura referida em 29), esta recebeu-a, e devolveu-a posteriormente) passe a ter outra redacção já que considera que não há prova no sentido de que a factura tenha sido devolvida. O Tribunal “a quo” referiu, a este propósito, o seguinte: “Por fim, para a prova do facto referido em 30), levou-se em consideração o depoimento da legal representante da R., DD. Na verdade, veio a mesma confirmar que a R. recebeu a factura em causa, mas que a devolveu porque consideravam que não era devido o valor nela constante”. Decidimos ouvir o depoimento da dita legal representante que foi interrogada pelo Tribunal e que explicou que não cobraram a primeira reparação porque estava na garantia. Mas que a A. já cobrou a segunda. A A. não a pagou porque entendeu que tal reparação ainda estava na garantia. O certo é que não lhe foi perguntado se a factura havia sido devolvida e por isso essa resposta não foi dada. A depoente falou de uma nota de crédito que o Senhor BB ficou de enviar mas ficámos com dúvidas que a nota de crédito se reportasse a esta factura. Ouvimos igualmente o depoimento do outro legal representante, EE, que aludiu ao recebimento da factura em causa mas que também não falou em devolução conquanto tivesse explicado que tentou falar com o senhor BB por a mesma não ser devida mas que ele não lhe atendeu as chamadas. Assim, nada mais resta, face à ausência de prova do que eliminar o segmento do facto onde tal devolução é mencionada. 5.2. Reapreciação jurídica da causa 5.2.1 Entende a apelante que a Ré deve ser, também, condenada a pagar-lhe a factura 2022/808, no valor de 3.014,73€, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data do seu vencimento, à taxa comercial porque a avaria que a máquina apresentava se devia à falta de limpeza da cabeça da impressão de cor branca e das adversas condições do espaço em que a mesma se encontrava instalada. Não o logrou provar, como era seu ónus (art.º 342º, nº2 do Cód. Civil). A constatação de que a máquina vendida pela Autora à Ré em 17.5.2022, e entregue no início do mês de Junho de 2022, padecia de um defeito (no caso de um vício que impedia a realização do fim a que era destinada-art.º 913º do Cód. Civil) era inevitável : passado cerca de um mês após a entrega da máquina a mesma deixou de imprimir a cor branca. E perante tal cumprimento imperfeito do contrato de compra e venda por parte da apelante, que se presume culposo (art.º 799º, nº1 do Cód.Civil) estava a mesma adstrita a proceder à reparação da coisa (art.º 914º do Cód. Civil). A lei impõe que a denúncia do defeito, tratando-se de um bem móvel, seja realizada até 30 dias a partir do momento do conhecimento do defeito mas dentro dos 6 meses após a entrega do bem (art.º 916º do Cód. Civil). Ora, daqui, também, decorre que nos seis meses após essa entrega, o vendedor, no caso a Autora, não podia eximir-se de proceder à reparação do bem defeituoso com vista à eliminação do defeito de que padecia. Evidentemente que ao proceder (finalmente1) à reparação da coisa, como no caso sucedeu, o vendedor não poderá exigir o pagamento do seu custo pois não está a fazer mais do que assegurar por esta via, o cumprimento, isento de vícios, do contrato. Refere igualmente a Autora/apelante que o “único argumento” apresentado pela Ré/apelada como justificativo de não proceder ao pagamento da factura em causa consiste no facto de a reparação ter sido feita no período de garantia referindo não se ter provado que a avaria tivesse ocorrido nesse período! Não tem, também, razão nesta sua afirmação. De acordo com o disposto no art.º 921º do Cód. Civil que versa sobre a “garantia de bom funcionamento”, o vendedor assume o bom funcionamento da coisa vendida durante um certo lapso temporal, também designado por “período de provação2” no qual, ocorrendo algum defeito na coisa, este responderá de forma objectiva, isto é, independentemente de culpa sua, procedendo à reparação, quando esta for possível, ou à substituição, se a coisa for fungível. “Vale isto por dizer que o vendedor assegura por certo período um determinado resultado, a manutenção em bom estado ou o bom funcionamento por causa inerente à coisa , sendo responsável por todas as anomalias, avarias, falta ou deficiente funcionamento por causa inerente à coisa e dentro do uso normal da mesma. (…) Naturalmente, o vendedor não fica indefinidamente responsável pela manutenção em bom estado e bom funcionamento da coisa; apenas garante a duração do bom funcionamento ( da máquina, instrumentos e aparelhos e outros objectos similares) por tempo determinado. Este elemento é, aliás, essencial e caracterizante do instituto, revelando a praxis ser normal a sua determinação temporal em cláusula contratual. Mas se essa estipulação, expressa ou tácita faltar, nem por isso a garantia de bom funcionamento deixa de ter efeito, fixando a lei a sua duração em seis meses – prazo hoje em dia curto – após a entrega da coisa , se os usos não estabelecerem prazo maior ( art.º 921º, nº2 do Cód. Civil).”3 Perante isto, fácil é concluir que o prazo de garantia da máquina em apreço era, pelo menos, de seis meses a contar da entrega, período dentro do qual o seu mau funcionamento se verificou. O que significa que, também, por esta via estava a Autora adstrita a reparar o defeito da máquina sem qualquer dispêndio para a Ré e, por isso, não tinha justificação para lhe ter facturado a quantia de 3.014,73€, Por último, resta-nos salientar que perante esta constatação, nenhuma consequência há que retirar do facto de não se ter afinal provado que a Ré não havia devolvido esta factura, ao contrário do que a apelante pretende (socorrendo-se do instituto do abuso de direito). Não nos podemos olvidar que inexiste “uma proibição genérica de contradição “4apenas se rejeitando o comportamento contraditório em “ultima ratio”. O “venire” como comportamento típico abusivo passível de ser sancionado à luz do disposto no art.º 334º do Cód. Civil só releva em circunstâncias especiais. Para a doutrina da confiança o venire seria proibido quando viesse defrontar inadmissivelmente uma situação de confiança legítima gerada pelo factum proprium. “Na verdade, o princípio da confiança surge como uma mediação entre a boa fé e o caso concreto. Ele exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas. Várias razões depõem nesse sentido. Em termos antropológicos e sociológicos, podemos dizer que, desde a sedentarização, a espécie humana organiza-se na base de relacionamentos estáveis, a respeitar. No campo ético, cada um deve ser coerente, não mudando arbitrariamente de condutas, com isso prejudicando o seu semelhante. Juridicamente, a tutela da confiança acaba por desaguar no grande oceano do princípio da igualdade e da necessidade de harmonia, daí resultante: tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da diferença. Ora, a pessoa que confie, legitimamente, num certo estado de coisas não pode ser tratada como se não tivesse confiado: seria tratar o diferente de modo igual. (…) A tutela da confiança, embora convincente, só pode operar, na falta de preceitos jurídicos, quando se mostrem reunidos especiais pressupostos. De outro modo, poderíamos transformar a sociedade num colete de forças, que prejudicasse as iniciativas individuais necessárias para dar corpo à liberdade e para possibilitar a inovação e o progresso. “.5 (sublinhado nosso). Ora, a mera circunstância de não se ter provado que a Ré havia devolvido a factura em causa – o que como sabe não significa que não a tenha devolvido - relativamente a uma quantia que não era devida não é, nem pode ser, idónea a criar qualquer convicção na Autora de que a Ré não iria rejeitar o seu pagamento. 5.2.2. Por último pretende a apelante que lhe sejam concedidos os juros de mora vencidos, desde a data de vencimento de cada uma das demais facturas, até ao seu pagamento, à taxa comercial e não a partir da data da citação da Ré. Vejamos se lhe assiste razão. É aplicável ao caso o regime do D.L. n.º 62/2013, de 10 de Maio que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais. Efectivamente, não há quaisquer dúvidas que estamos em presença de uma transacção comercial, entendida esta como uma transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bem ou serviços contra remuneração ( art.º 3º, alínea b)). Dispõe o art.º 4.º sob a epígrafe Transacções entre empresas”: 1. Os juros aplicáveis aos atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas são os estabelecidos no Código Comercial ou os convencionados entre as partes nos termos legalmente admitidos. 2 - Em caso de atraso de pagamento, o credor tem direito a juros de mora, sem necessidade de interpelação, a contar do dia subsequente à data de vencimento, ou do termo do prazo de pagamento, estipulados no contrato. 3 - Sempre que do contrato não conste a data ou o prazo de vencimento, são devidos juros de mora após o termo de cada um dos seguintes prazos, os quais se vencem automaticamente sem necessidade de interpelação: a) 30 dias a contar da data em que o devedor tiver recebido a fatura; b) 30 dias após a data de receção efetiva dos bens ou da prestação dos serviços quando a data de receção da fatura seja incerta; c) 30 dias após a data de receção efetiva dos bens ou da prestação dos serviços, quando o devedor receba a fatura antes do fornecimento dos bens ou da prestação dos serviços; d) 30 dias após a data de aceitação ou verificação, quando esteja previsto, na lei ou no contrato, um processo mediante o qual deva ser determinada a conformidade dos bens ou serviços e o devedor receba a fatura em data anterior ou na data de aceitação ou verificação. 4 - Caso esteja previsto um processo de aceitação ou de verificação para determinar a conformidade dos bens ou do serviço, a duração desse processo não pode exceder 30 dias a contar da data de receção dos bens ou da prestação dos serviços, salvo disposição expressa em contrário no contrato e desde que tal não constitua um abuso manifesto face ao credor na aceção do n.º 2 do artigo 8.º, sem prejuízo do disposto em legislação própria sobre transações de bens alimentares. 5 - O prazo de pagamento não pode exceder 60 dias, salvo disposição expressa em contrário no contrato, desde que tal disposição não seja nula nos termos do artigo 8.º.”. A Ré admitiu ter recebido as facturas em causa e apenas rejeita o pagamento de juros relativamente às facturas 231 e 808. Por conseguinte, de acordo com o disposto no citado normativo, e tendo em conta que se desconhece a data da recepção das facturas, ter-se-á de computar os juros de mora a partir do 30º dia a contar da data de emissão das facturas que é seguramente posterior à data da recepção efectiva dos bens ou da prestação dos serviços ( já que de acordo com art.º 36º código do IVA, a fatura deve ser emitida até ao 5º dia útil após a ocorrência do facto gerador do imposto, que é a data da entrega dos bens ou da prestação do serviço). III. DECISÃO Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência: a. Altera-se as alíneas b) e c) do dispositivo da sentença na parte em que se computam os juros de mora desde a citação, passando a ser computados a partir do 30º dia a contar da data de emissão das facturas; b. Mantém-se o demais aí decidido. Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento. Évora, 10 de Julho de 2025 Maria João Sousa e Faro (relatora) Manuel Bargado Sónia Moura
_________________________________________ 1. É preciso notar que a primeira “reparação” foi ineficaz para cumprir tal desiderato.↩︎ 2. Assim, CALVÃO DA SILVA, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, p. 62.↩︎ 3. Idem, ob.cit.pag.63.↩︎ 4. Menezes Cordeiro in “Da Boa Fé no Direito Civil”, Almedina, pág. 750.↩︎ 5. António Menezes Cordeiro - Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas in www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=45582&ida=%2045614 |