Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1806/23.8T8PTM.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE AUQUITECTURA
MANDATO
EMPREITADA
LICENCIAMENTO DE OBRAS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – O acordo que tem por objeto a realização por um arquiteto, mediante retribuição, de um projeto de arquitetura destinado a instruir o pedido de licenciamento da construção de um edifício, configura um contrato de prestação de serviços atípico, celebrado no domínio da liberdade contratual;
II – Tratando-se de um contrato inominado de prestação de serviços, são-lhe aplicáveis as regras contidas nas suas próprias cláusulas e as normas gerais dos contratos, bem como, por força do estatuído no artigo 1156.º do CC, as disposições relativas ao mandato, devidamente adaptadas, e ainda, se a semelhança das situações o justificar, as normas relativas ao contrato de empreitada, com as necessárias adaptações;
III – Incumbindo ao réu, por força do contrato celebrado, a elaboração do projeto de arquitetura com vista à respetiva aprovação pela entidade competente, a obrigação assumida configura uma obrigação de resultado, cujo cumprimento importa a aprovação pela entidade competente do projeto elaborado com o respetivo licenciamento camarário, cabendo ao réu a realização das retificações ou aditamentos tidos por necessários à obtenção de tal resultado final;
IV – Assente que o projeto elaborado pelo réu não foi aprovado e o pedido de licenciamento foi indeferido, a obrigação assumida pelo réu não foi cumprida; porém, tal situação não conduz, necessariamente, ao incumprimento definitivo do contrato imputável ao réu;
V – Não decorrendo da factualidade provada qualquer elemento relativo à existência de um prazo para o cumprimento pelo réu da obrigação contratualmente assumida ou à subsequente interpelação para o efeito, não poderá considerar-se o réu constituído em mora, o que afasta a eventual conversão da mora em incumprimento definitivo;
VI – Não tendo sido concedida ao réu a oportunidade de alterar o projeto de arquitetura elaborado, visando obter o pretendido licenciamento da construção da moradia, nem tendo o mesmo recusado o cumprimento do contrato ou manifestado vontade de o não cumprir, inexiste incumprimento definitivo imputável ao réu;
VII – Mostra-se ilícita a resolução contratual operada pelo autor sem fundamento legal, não lhe assistindo o direito a exigir a restituição pelo réu dos montantes que lhe entregou em cumprimento do contrato.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1806/23.8T8PTM.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Local Cível de Portimão


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

(…) intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra (…), pedindo: i) se confirme a resolução do contrato celebrado entre as partes, por incumprimento pelo réu; ii) se condene o réu a restituir ao autor o montante de € 7.333,38, acrescido juros de mora calculados, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alega que solicitou ao réu, que é arquiteto, orçamento visando a obtenção de autorização de construção e permissão de utilização residencial de moradia a construir no imóvel que identifica, na sequência do que acordaram na obtenção pelo réu de tais autorizações, mediante o pagamento pelo autor da quantia global de € 9.778,58, a liquidar em três prestações, nos termos e prazos que indica; mais alega que o pedido de licenciamento apresentado foi indeferido e o réu recusou retificar o projeto de arquitetura que elaborara, exigindo para o efeito o pagamento pelo autor do montante constante de novo orçamento que apresentou, tendo o autor exigido a restituição dos montantes pagos, como tudo melhor consta da petição inicial.
Citado, o réu contestou, defendendo-se por impugnação motivada, sustentando, além do mais, que o projeto de arquitetura foi elaborado de acordo com a vontade do autor e com exceções que poderiam não ser autorizadas, tendo o risco de indeferimento sido aceite pelo proponente; acrescenta que o autor desistiu do processo de licenciamento, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
Por despacho de 16-10-2023, foi fixado o valor à causa e convidado o autor a pronunciar-se sobre determinada matéria invocada na contestação.
O autor apresentou articulado de resposta.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual se decidiu o seguinte:
Em face do exposto e ao abrigo das citadas disposições legais, julgo a presente ação totalmente procedente e, em face disso, condeno o réu, por via da válida resolução do contrato que foi celebrado entre as partes, a restituir ao autor a quantia de € 7.333,38 (sete mil e trezentos e trinta e três euros e trinta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, contados sobre tal montante, desde da citação, à taxa legalmente defendia para os juros civis, até efetivo e integral pagamento.
*
As custas da presente ação ficarão cargo do réu, nos termos do artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Inconformado, o réu interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e prolação de decisão que o absolva do pedido formulado, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«III – Das Conclusões
76. Ao julgar e decidir, da forma como o fez na douta sentença que antecede, o Tribunal a quo, com o devido respeito e em nossa opinião, cometeu erro na análise crítica da prova considerando como não provados factos que deveriam ter sido considerados provados e aplicou de forma errada o Direito ao caso concreto, o que impunha decisão diferente, como de seguida se demonstrará, pois porquanto:
Do erro na análise crítica da prova
76. O Tribunal a quo fixou como não provados factos que, salvo melhor opinião, deveriam ter sido classificados como provados.
77. O Tribunal a quo fixou com facto não provado: “2. Que a não observação pelo réu, no projeto apresentado, das normas urbanísticas em vigor fosse do efetivo conhecimento do autor”.
78. Salvo melhor opinião, e sempre com elevado respeito, o referido facto deve ser assente como provado.
79. A não observação pelo recorrente, no projeto apresentado, das normas urbanísticas em vigor, foi efetivamente do conhecimento do recorrido, desde o início de todo o processo, pelo que deve esse ser assente como provado.
80. Desde logo, encontra-se comprovado esse facto pela prova documental, designadamente no projeto submetido a licenciamento, entre outros, onde sempre constou a menção à exceção:
“É certo que a alínea c) do artigo 18.º do PPE…, prescreve para o piso superior, uma área até 50% da área do designado piso térreo, contudo, é nossa convicção, que em face do perfil topográfico deste lote e da vizinhança já edificada, seja de aplicar o consagrado pela alínea d) do mesmo artigo”.
81. O que sempre foi do conhecimento do recorrido, pois que toda essa documentação lhe foi facultada com antecedência razoável antes de ser submetida à apreciação do município.
82. Aliás, resulta da produção de prova que o recorrido tinha conhecimento, designadamente das declarações de parte do recorrido, conforme passagem da gravação de prova que se indicou na motivação supra.
83. Ora, das afirmações do recorrido, só se pode concluir que o mesmo sempre teve conhecimento do projeto, que esteve sempre ao corrente do projeto durante a sua conceção e de que tinha conhecimento de que se estavam a pedir exceções à norma urbanística em vigor para aquele local.
84. Motivo pelo qual, salvo melhor opinião e sempre com elevado respeito, se entende que deva ser assente como provado o facto: “Que a não observação pelo réu, no projeto apresentado, das normas urbanísticas em vigor fosse do efetivo conhecimento do autor”.
85. O Tribunal a quo fixou, ainda, com facto não provado: “3) Que o autor, em 24.03.2022, tenha decidido não dar continuidade ao procedimento de licenciamento e em 04.06.2022 tenha manifestado o propósito de iniciar um novo projeto”.
86. Salvo melhor opinião, e sempre com elevado respeito, o referido facto deve ser assente como facto provado, porquanto:
87. Pese embora o Tribunal a quo tenha sustentado que “Aquilo que o autor desistiu foi de defender a linha de argumentação do ré,…”.
88. o recorrido decidiu, efetivamente, não dar continuidade àquele procedimento de licenciamento, ou pelo menos com aquele projeto que havia sido idealizado por ele, mas concretizado pelo recorrente.
89. Como é do conhecimento comum, o licenciamento pode prosseguir, após indeferimento, tentando defender o projeto apresentado até final, o que o recorrido deixou de querer, ou reformulando o projeto.
90. Entenda-se que a reformulação do projeto pode passar por pequenas alterações, ou pela reformulação total do projeto, isto é – um novo projeto, do ponto de vista intelectual, artístico e técnico.
91. No caso concreto, não desejando já o recorrido defender o projeto inicialmente apresentado, que contemplava exceções, mas antes adaptar o projeto de forma a ir de encontro à regra, que a os serviços técnico do município de Aljezur clamavam ter de ser cumprida, era necessário elaborar um novo projeto de raiz.
92. E o recorrido estava perfeitamente ciente dessa realidade, tanto que em 09/08/2022 pediu ao recorrente que apresentasse uma nova proposta para a realização desse novo projeto, conforme consta do email que o recorrido dirigiu ao recorrente (documento 22 junto com a contestação), prova que o Tribunal a quo, com o devido respeito, ignorou ao considerar aquele facto não provado.
93. Motivo pelo qual, salvo melhor opinião e sempre com elevado respeito, se entende que deva ser assente como provado o facto: “Que o autor, em 24.03.2022, tenha decidido não dar continuidade ao procedimento de licenciamento e em 04.06.2022 tenha manifestado o propósito de iniciar um novo projeto”.
94. A classificação destes factos como factos provados, em lugar de factos não provados como os classificou o Tribunal a quo, são suscetíveis de alterar a decisão de mérito da causa - pelo que, de acordo com o que supra se expôs - se requer desde já a V. Exas. Venerandos Desembargadores, a sua alteração nos termos do artigo 662.º do CPC.
Do erro na aplicação do Direito ao caso concreto
95. Concluiu o Tribunal a quo, entre outras, que:
No caso em apreço, obrigou-se o réu, na qualidade de arquiteto, a diligenciar pelo licenciamento da construção que o autor pretendia edificar no seu lote.
Uma vez que o artigo 1155.º do C.C. apenas considera modalidades típicas desta espécie de contratual o mandato, o depósito e a empreitada, há que concluir que estamos perante um contrato inominado de prestação de serviço.
Quanto ao regime jurídico aplicável às modalidades de contrato de prestação de serviços que não se acham especialmente regulados na lei, prescreve o artigo 1156.º do Código Civil que lhes são extensivamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, às disposições sobre o mandato (art. 1157.º e ss do Código Civil)…
…Importando ainda realçar que da celebração do contrato de prestação de serviços de arquitetura resulta uma obrigação de resultado e não apenas uma obrigação de meios”.
96. Quanto a nós, salvo o devido respeito, não entendemos da mesma forma, porquanto:
97. O contrato celebrado entre o recorrente e o recorrido, trata-se efetivamente, como tem sido defendido pela doutrina e jurisprudência, de um contrato inominado de prestação de serviços, ao qual lhe são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições do contrato de empreitada e do contrato de prestação de serviços.
98. Se por um lado, neste tipo de contrato, o Arquiteto se compromete a elaborar e apresentar determinado trabalho, portanto de resultado, que contempla estudo e desenvolvimento de um projeto que se enquadra no âmbito de atividade intelectual, artística e técnica, que cai no âmbito de um contrato de empreitada.
99. Por outro, o resultado final desejado: (a aprovação do projeto) – que não se confunda com o resultado do trabalho intelectual, artístico e técnico do Arquiteto – depende da avaliação e aprovação de uma Entidade Administrativa que deferirá ou não as pretensões do projeto, estando aí o trabalho do arquiteto circunscrito à prática de atos tendentes à produção daquela aprovação, o que já cai no âmbito do mandato.
100. Não sendo essas pretensões, já só, pretensões do Arquiteto – que elaborou o projeto de acordo com as boas regras da arte – mas todo um processo que engloba o trabalho intelectual do Arquiteto conjugado com as pretensões do cliente.
101. Estamos, portanto, perante um contrato de prestação de serviços inominado ao qual devem ser aplicadas as normas das disciplinas típicas dos contratos de mandato ou de empreitada que se mostrem adequadas.
102. Ou seja, a que se aplicam as normas tanto de um tipo de contrato como de outro, de forma adaptada a este tipo de contrato.
103. Neste sentido, vai o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-05-2022, processo n.º 74181/17.8YIPRT.P1.S1, disponível em https://juris.stj.pt/, de onde se pode retirar do seu sumário:
I. O contrato pelo qual, mediante retribuição, uma das partes se vincula perante a outra a elaborar projectos, envolvendo arquitectura, engenharia e outras especialidades conexionadas com a construção de edifícios ou outras obras, podendo designar-se como “contrato de arquitecto”, é um contrato de prestação de serviço inominado.
II. A tal contrato podem ser aplicadas, com as necessárias adaptações, as normas das disciplinas típicas dos contratos de mandato ou de empreitada que se mostrem adequadas ao desenvolvimento da relação negocial”.
104. No caso concreto, o recorrente realizou o trabalho com que se comprometeu, designadamente todo projeto de arquitetura, contemplando todas as peças escritas e desenhadas necessárias à submissão do projeto à Câmara Municipal de Aljezur, ou seja: o trabalho de arquiteto que é intelectual, artístico e técnico.
105. Pelo contrato celebrado entre o recorrente e o recorrido, o recorrente estava obrigado a produzir um resultado: a conclusão desse trabalho de arquiteto: intelectual, artístico e técnico, o qual cai no âmbito do contrato de empreitada.
106. O recorrente apresentou esse resultado, designadamente quando apresentou todas as peças desenhadas e escritas do projeto e ainda os termos de responsabilidade, aquando da submissão do projeto ao licenciamento, pelo que nessa parte não houve qualquer incumprimento do recorrente.
Por outro lado,
107. O recorrente, de seguida, desenvolveu todas as diligencias necessárias junto do município de Aljezur no sentido de licenciar o referido projeto.
108. Não obstando a Câmara Municipal ter indeferido o projeto, tal como foi apresentado, o recorrente manifestou todo o interesse em prosseguir a defesa das pretensões do recorrido.
109. Até porque, atendendo às exceções que já tinham sido concedidas aos lotes circundantes, não vislumbrava que as mesmas exceções não fossem concedidas a este licenciamento.
110. Contudo, foi o recorrido que não quis prosseguir com o licenciamento, o que podia ter feito através do recurso hierárquico, que não quis apresentar.
111. Ora, temos que considerar que esta parte da prestação do recorrente se enquadra no âmbito do contrato de mandato.
112. Pois o recorrente não podia, nem pode, garantir um resultado que depende da autorização de uma entidade terceira.
113. O recorrente diligenciou, que era a sua obrigação, na obtenção da licença.
114. O recorrente continuou disponível para continuar a diligenciar no sentido de obter a licença, mas foi o recorrido que já não quis prosseguir.
115. Pelo que também aqui não existiu qualquer incumprimento por parte do recorrente, designadamente no âmbito das normas do mandato aplicáveis ao contrato existente.
116. A douta sentença, sustenta ainda que:
E caso ocorra uma situação de incumprimento definitivo (artigo 801.º, n.º 1, do Código Civil), passa a assistir ao credor o direito de resolução do contrato…
…Importando adicionalmente, concluir igualmente pela verificação de uma situação de incumprimento definitivo, como vem sendo admitido na jurisprudência, quando há uma recusa (expressa ou tácita) do devedor em cumprir…
…Uma vez exercido o direito de resolução (contratual) o mesmo opera a extinção retroativa do contrato (artigo 433.º do Código Civil), devendo assim ser restituído tudo o que tiver sido prestado, nos termos dos artigos 434.º, n.º 1 e 289.º, n.º 1, do CC, aplicável por força do artigo 433.º”.
Ora,
117. Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao considerar que o recorrente incorreu no incumprimento definitivo do contrato, porquanto:
118. O recorrente elaborou e apresentou o projeto - que contempla o seu trabalho intelectual, artístico e técnico – cumprindo nessa parte o que havia sido estabelecido entre as partes no contrato celebrado.
119. O recorrente continuou a diligenciar no sentido de obter a aprovação do projeto, tanto que como ficou demonstrado nos autos o mesmo elaborou ainda o recurso hierárquico, mas que o recorrido já não quis apresentar.
120. Tal recurso hierárquico tinha como intenção provocar a intervenção do Presidente da Câmara na tomada de decisão.
121. É do senso comum que os departamentos técnicos apreciam e dão parecer de acordo com a norma, não se debruçando sobre as exceções que eventualmente possam ser permitidas.
122. Havendo um pedido de exceção, apesar do mesmo estar previsto no normativo legal, o mesmo sempre terá de ter apreciação política para proceder, o que só poderia acontecer através da intervenção do Presidente da Câmara e que poderia alterar completamente o sentido da decisão final sobre o licenciamento em questão.
123. Aliás, tendo havido aprovação da mesma exceção no edificado existente e circundante ao lote do Recorrido, um dos quais iniciado já após a submissão do projeto em questão, só se pode entender que tenha havido apreciação política que as tenha deferido.
124. O recorrente não incumpriu, portanto, o contrato celebrado com o recorrido e mostrou-se disponível para – nessa parte – continuar a exercer o mandato no sentido de obter a aprovação do projeto apresentado.
125. Não tendo havido incumprimento definitivo por parte do recorrente, não assistia ao recorrido o direito de resolver o contrato e, consequentemente, não havia o direito de o recorrido exigir do recorrente a restituição dos valores que lhe havia pago.
126. Aliás, o recorrente nunca recebeu a terceira e última tranche de pagamento, por parte do recorrido, uma vez que a mesma só estava prevista aquando da obtenção do licenciamento.
127. Pela qual o recorrente deveria continuar a diligenciar, tendo o mesmo manifestado sempre tal intenção, mas que o recorrido não quis continuar.
128. Podemos, pois, considerar que essa terceira tranche do pagamento diria respeito efetivamente à parte do contrato a que se aplicam as normas do mandato e que dizem respeito apenas à diligência do recorrente e já não ao pagamento do seu trabalho intelectual, artístico e técnico a que se aplicam as normas da empreitada.
129. Essa terceira tranche seria sempre devida, diga-se, pois não está dependente da apresentação de um resultado.
130. Contudo o recorrente nunca a reclamou e nem o recorrido a pagou.
131. Ao ter julgado da forma que julgou, o Tribunal a quo violou o artigo 607.º, n.º 3 e n.º 4, do CPC.
132. Tendo também aplicado de forma errada o direito ao caso concreto, designadamente as normas do artigo 1154.º do CC (relativo ao contrato de prestação de serviços) e do artigo 1157.º do CC (relativo ao contrato de mandato), quando deveria ter aplicado ao contrato celebrado entre as partes, com as necessárias adaptações, as normas das disciplinas típicas dos contratos de mandato (artigo 1157.º e s.s. do CC) ou de empreitada (artigo 1207.º e s.s. do CC) que se mostrassem adequadas ao desenvolvimento da relação negocial.
133. Aplicou ainda de forma errada o artigo 801.º, n.º 1, do Código Civil, ao considerar que existiu incumprimento definitivo do contrato por parte do recorrente.
134. Aplicou, ainda, incorretamente os artigos: 212.º, 289.º, n.º 1 e 3, 433.º, 434.º, 1269.º, todos do CC e 564.º do CPC.
Em face do que:
135. Devem ser assentes como provados o factos “Que a não observação pelo réu, no projeto apresentado, das normas urbanísticas em vigor fosse do efetivo conhecimento do autor” e ”que o autor, em 24.03.2022, tenha decidido não dar continuidade ao procedimento de licenciamento e em 04.06.2022 tenha manifestado o propósito de iniciar um novo projeto”.
136. Deve ser considerado que o contrato celebrado entre o recorrente e o recorrido, denominado “contrato de arquiteto”, ao qual podem ser aplicadas, com as necessárias adaptações, as normas das disciplinas típicas dos contratos de mandato ou de empreitada que se mostrem adequadas ao desenvolvimento da relação negocial, não foi incumprido pelo recorrente.
137. Deve ser considerado que não assiste ao recorrido o direito de resolução contratual, por motivo imputável ao recorrente, e consequentemente que não assiste àquele o direito de exigir a restituição das quantias que haja pago a este.
Nestes termos, nos melhores e demais do Direito que os Venerandos Desembargadores da Relação de Évora suprirão, deve o presente Recurso obter provimento e, em consequência, ser a douta sentença recorrida substituída por outra que:
a) Assente como provado o facto: “Que a não observação pelo réu, no projeto apresentado, das normas urbanísticas em vigor fosse do efetivo conhecimento do autor”;
b) Assente como provado o facto: ”Que o autor, em 24.03.2022, tenha decidido não dar continuidade ao procedimento de licenciamento e em 04.06.2022 tenha manifestado o propósito de iniciar um novo projeto”;
c) Considere que o contrato celebrado entre o recorrente e o recorrido, denominado “contrato de arquiteto”, ao qual podem ser aplicadas, com as necessárias adaptações, as normas das disciplinas típicas dos contratos de mandato ou de empreitada que se mostrem adequadas ao desenvolvimento da relação negocial, não foi incumprido pelo recorrente;
d) Considere que não assiste ao recorrido o direito de resolução contratual, por motivo imputável ao recorrente, e consequentemente que não assiste àquele o direito de exigir a restituição das quantias que haja pago a este.
E em consequência,
e) Absolva o recorrente da totalidade do pedido.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- da validade da resolução extrajudicial do contrato e respetivas consequências.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1ª instância:
1. O réu exerce profissionalmente a atividade de arquiteto.
2. Por via de acordo que se estabeleceu entre as partes, o réu obrigou-se a diligenciar pela conceção, entre outros projetos (que foram destrinçados no orçamento que foi por si apresentado ao autor e que data de 30.11.2020), do projeto de arquitetura que se destinava a instruir o pedido de licenciamento da construção de uma moradia unifamiliar, com piscina, a erigir no prédio denominado Lote (…), localizado na Urbanização do (…), freguesia e concelho de Aljezur e do qual o proponente é dono.
3. Acordaram as partes que seria devido a título de preço pelos serviços que viessem a ser prestados pelo réu, o valor global de € 9.778,58, a ser liquidado em três prestações:
3.1. vencendo-se a primeira prestação, que correspondia a metade do preço global acordado e se fixava em € 4.889,25, com aceitação do orçamento que o réu apresentou em 30.11.2020;
3.2. já a segunda prestação, correspondente a ¼ do valor do preço ajustado e que se fixava no valor de € 2.444,63, seria devida aquando do terminus do projeto de arquitetura.
3.3. e a terceira prestação, correspondente ao outro quarto do preço, vencer-se-ia, por sua vez, aquando da aprovação do projeto de arquitetura.
4. O autor pagou ao réu em 22.02.2021 a prestação referida em 3.1. e em 28.06.2021, a prestação mencionada 3.3.
5. Em 30.06.2021 foi iniciado pelo autor, com intermediação do réu, junto do Município de Aljezur, o procedimento administrativo tendente à obtenção do licenciamento do projeto de arquitetura que havia sido concebido pelo demandado.
6. O pedido de licenciamento apresentado pelo autor, com a intermediação técnica do réu, comportava um “pedido de exceção” às normas urbanísticas o qual se baseava na realidade volumétrica das edificações vizinhas, o que satisfazia o propósito edificativo do réu.
7. Depois da prolação de um primeiro despacho de aperfeiçoamento datado de 02.08.2021, o Município de Aljezur, através de ofício datado de 09.12.2021, com referência DOPGU/SB/12023, comunicou ao autor a sua intenção de indeferimento da pretensão de licenciamento, concedendo-lhe o prazo de 30 dias para querendo se pronunciar.
8. À comunicação referida em 5) foi anexado o parecer datado de 02.12.2021 do Departamento Técnico de Obras e Urbanismo – Divisão de Obras Particulares e Gestão Urbanística do qual constam os fundamentos que motivavam a intenção de indeferimento que lhe foi comunicada
9. O autor exerceu o direito de audiência prévia, quanto ao projeto de indeferimento, através de exposição datada de 04.01.2022 e nessa datada remetida ao o Município de Aljezur, que foi elaborada pelo réu e subscrita pelo proponente.
10. Através de e-mail datado de 24.03.2022, o autor comunicou ao réu que não pretendia dirigir ao Presidente da Câmara de Aljezur o escrito que este último tinha preparado, por discordar da discriminação negativa aí mencionada e do teor vitimizante de tal escrito.
11. Em 04.05.2022, foi emitido pelo Departamento Técnico de Obras e Urbanismo – Divisão de Obras Particulares e Gestão Urbanística do Município de Aljezur, parecer destinado à apreciação da exposição que havia sido apresentada pelo autor e do qual decorre que o seu pedido de licenciamento, em face da data da sua apresentação, não era abrangido pelas disposições do Dec.-Lei n.º 101-D/2020, de 07 de dezembro, tendo-se reiterando-se, nesse parecer, o teor da informação n.º 16031/2021/FA da DOPGU, e se concluído que a pretensão do proponente não reunia as necessárias condições para ser aprovada.
12. Após ter reunido com o técnico responsável pelo procedimento de licenciamento em 04.05.2022, o autor através de e-mail datado de 04.06.2022, deu conhecimento ao réu das razões que estavam na base da intenção de indeferimento e que lhe tinham sido comunicadas pelo referido técnico em tal reunião, tendo questionado o demandado acerca do prosseguimento do projeto e da necessidade do mesmo ser repensado.
13. Através de ofício datado de 06/06/2022, o Presidente da Câmara Municipal do Município de Aljezur, invocando o cumprimento do despacho datado de 04/06/2022, informou o autor que, com base no teor da informação n.º 6393/2022, datada de 04/05/2022 da Divisão de Obras Particulares e Gestão Urbanística do Município de Aljezur, a sua pretensão de licenciamento havia sido indeferida.
14. O réu, através de e-mails datados de 07.06.2022 e de 13.06.2022 justificou o indeferimento alegando a existência de uma situação de discriminação negativa e ainda a existência de um propósito, por parte do Município, de o afastar do projeto, desresponsabilizando-se pelo impasse existente.
15. Através de e-mail datado de 09 de agosto de 2022, que dirigiu ao réu, o autor manifestou o propósito de consultar um advogado especializado em Direito do Urbanismo, para verificar o fundamento da decisão do Município de Aljezur e solicitou que o réu lhe enviasse a sua nova oferta.
16. Por via de e-mail datado de 12.08.2022, o réu admitiu que a decisão da Câmara Municipal do Município de Aljezur, muito embora fosse uma decisão isolada, estava conforme a lei, a qual estava, contudo, a ser aplicada de forma seletiva, motivo pelo qual o tribunal não os poderia ajudar, tendo remetido ao autor um orçamento datado de 11.08.2022, para um novo projeto e processo de licenciamento para a construção de moradia unifamiliar que implicava o pagamento pelo autor do valor de € 7.333,88, com IVA incluído.
17. Através de e-mail datado de 20.10.2022, o autor, por intermédio do seu advogado, invocando a existência de violação do que fora acordado, sondou o réu acerca da existência de seguro e informou-o de que pretendia a reparação dos prejuízos sofridos, tendo mostrado abertura para a obtenção de uma solução amigável para o presente litígio.
18. Através de e-mail datado de 22.11.2022, que foi novamente expedido por intermédio do seu advogado, e que foi rececionado pelo réu, o autor, invocando a recusa do réu em proceder a necessária retificação do projeto, sem que dai decorressem custos adicionais para si, reclamou do mesmo a restituição do montante pago (no valor de € 7.333,38), acrescido de juros que computou no valor de € 1.173,43.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
1) Que o réu desconhecesse que o pedido de licenciamento da obra desobedecia às normas urbanistas em vigor.
2) Que a não observância pelo réu, no projeto apresentado, das normas urbanísticas em vigor fosse do efetivo conhecimento do autor.
3) Que o autor, em 24.03.2022, tenha decidido não dar continuidade ao procedimento de licenciamento e em 04.06.2022 tenha manifestado o propósito de iniciar um novo projeto.

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O recorrente põe em causa a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida, impugnando os factos considerados não provados sob os pontos 2 e 3 de 2.1.2. e defendendo que sejam julgados provados.
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
No caso presente, cumpre reapreciar a decisão proferida pela 1ª instância, no que respeita aos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente, com vista a apurar se, face à prova produzida, devem ser aditados à factualidade julgada provada.
Os factos impugnados pelo apelante, julgados não provados, têm a redação seguinte:
2) Que a não observância pelo réu, no projeto apresentado, das normas urbanísticas em vigor fosse do efetivo conhecimento do autor.
3) Que o autor, em 24.03.2022, tenha decidido não dar continuidade ao procedimento de licenciamento e em 04.06.2022 tenha manifestado o propósito de iniciar um novo projeto.
Com relevo para a reapreciação da decisão relativa à factualidade impugnada pelo apelante, extrai-se da fundamentação constante da sentença recorrida o seguinte:
Para comprovação da factualidade que foi dada como provada o tribunal teve especialmente em consideração a prova documental que se encontra junta aos autos (e que se identifica com comunicações que as partes trocaram entre si, com documentos que foram apresentados pelas partes junto do Município de Aljezur e com os documentos que foram emitidos por esta edilidade.
Sendo certo, que as declarações de parte do réu apenas assumiram relevo na parte em que esclareceu que o projeto que tinha sido por si elaborado apresentava um regime de exceção que se baseava na tipologia da construção circundante e que não respeitava o regulamento da urbanização na medida em que o primeiro andar do edifício não equivaleria a 50% da área do rés do chão do edifício. No mais, o autor limitou-se, a emitir pronúncia quanto ao teor da prova documental, asseverando, mas sem qualquer suporte no teor literal de tal prova, que no período que mediou entre o exercício do direito de audição e a prolação da decisão de indeferimento, o autor passou a pretender um novo projeto, pretensão essa que alicerça no facto do proponente se ter recusado, através e-mail datado de 24.03.2022, a se dirigir diretamente ao Presidente da Câmara Municipal e no mero questionamento que o proponente igualmente verteu no e-mail datado de 04.06.2022.
Também o autor se pronunciou quanto aos tramites do procedimento de licenciamento tendo por base o teor da prova documental, e embora estivesse equivocado quanto ao número de projetos apresentados, admitiu que conhecia o projeto que foi inicialmente elaborado e que estava conforme com a sua vontade, dando, contudo, a entender que apenas se apercebeu da não observância das normas urbanísticas quando contactou com o arquiteto do Município. Tendo asseverando que o indeferimento foi uma surpresa para si, o que não deixa de ser compatível com o seu comportamento extra-processual, e até com o propósito de recorrer à via judicial para sindicar judicialmente tal questão. Tendo ainda explicitado que considerava injusto o pedido de pagamento de novos honorários que lhe foi proposto pelo réu, pois que para ele estava apenas sem causa a mera continuidade do processo ou a sua retificação.
(…)
No que respeita aos factos dados como não provados os mesmos foram assim valorados por não ter sido produzida qualquer prova que os suportasse. Pois o réu terá submetido à apreciação do Município de um projeto que sabia ser ilegal, o que o mesmo admitiu através de e-mail datado de 12.08.2022. E muito embora o autor pretendesse ao volume de construção constante do projeto, não se pode considerar que o mesmo tenha encomendado a elaboração de um projeto que sabia ser ilegal, para simplesmente testar a possibilidade da sua aprovação. O autor terá confiado na viabilidade do projeto, crença essa que foi apenas abalada com os esclarecimentos que obteve na reunião que teve com técnico do Município.
Sendo certo, que a desistência do procedimento de licenciamento e o propósito do autor iniciar um novo projeto, não tem qualquer sustentação no teor da prova documental para a qual o réu remete, sendo infirmada pela prova documental e ainda pelas declarações de parte do autor.
Discordando deste entendimento, o apelante sustenta que as declarações prestadas pelo autor e o documento junto aos autos com a contestação como doc. 8 impõem se considere provado o facto constante do ponto 2 de 2.1.2., bem como que o documento junto aos autos com a contestação como doc. 22, por seu turno, impõe se considere provado o facto constante do ponto 3 de 2.1.2..
Vejamos se lhe assiste razão.
Procedeu-se à reapreciação dos meios de prova indicados pelo apelante, de forma conjugada e de acordo com as regras de experiência comum, retirando dos factos conhecidos as necessárias ilações, cumprindo averiguar se tais elementos probatórios impõem decisão diversa da proferida quanto ao dois pontos de facto impugnados.
Encontra-se assente, conforme ponto 5 de 2.1.1., que «Em 30.06.2021 foi iniciado pelo autor, com intermediação do réu, junto do Município de Aljezur, o procedimento administrativo tendente à obtenção do licenciamento do projeto de arquitetura que havia sido concebido pelo demandado»; mais se provou, conforme ponto 6 de 2.1.1., que «O pedido de licenciamento apresentado pelo autor, com a intermediação técnica do réu, comportava um “pedido de exceção” às normas urbanísticas o qual se baseava na realidade volumétrica das edificações vizinhas, o que satisfazia o propósito edificativo do réu».
Reapreciadas as declarações prestadas pelo autor, verifica-se que delas não decorre que o mesmo tivesse conhecimento, aquando da apresentação do pedido licenciamento, de que o projeto de arquitetura elaborado pelo réu não respeitava as normas urbanísticas em vigor, antes se extraindo de tal meio de prova que só tomou conhecimento de tal desconformidade na reunião a que alude o ponto 12, com o técnico municipal responsável pelo procedimento de licenciamento.
Quanto ao documento junto aos autos com a contestação como doc. 8, verifica-se que consiste no projeto de arquitetura a que se reportam os citados pontos 5 e 6, sendo que não decorre da prova produzida que o autor fosse detentor de conhecimentos técnicos que lhe permitissem analisar tal projeto e tomar conhecimento preciso do respetivo teor, designadamente no que respeita à não observância das normas urbanísticas em vigor e à invocação de eventual regime de exceção; acresce que o aludido documento se encontra redigido em língua portuguesa, sendo que as comunicações escritas trocadas entre as partes foram sempre redigidas em francês, língua utilizada para a prestação pelo autor, assistido por tradutor, de declarações na audiência final, mediante a invocação do desconhecimento da língua portuguesa, elementos que não permitem considerar provável que o autor tenha tomado conhecimento dos elementos em apreciação em resultado da comunicação do invocado doc. 8.
Improcede, assim, a impugnação deduzida pelo apelante ao ponto 2 de 2.1.2..
No que respeita a facto julgado não provado sob o ponto 3 de 2.1.2. – com a redação: 3) Que o autor, em 24.03.2022, tenha decidido não dar continuidade ao procedimento de licenciamento e em 04.06.2022 tenha manifestado o propósito de iniciar um novo projeto –, a reapreciação da decisão proferida importa sejam tidos em conta os factos relativos às comunicações dirigidas pelo autor ao réu nas datas a que alude o ponto 3 de 2.1.2., julgados provados sob os pontos 10 e 12 de 2.1.1., com a redação seguinte:
10. Através de e-mail datado de 24.03.2022, o autor comunicou ao réu que não pretendia dirigir ao Presidente da Câmara de Aljezur o escrito que este último tinha preparado, por discordar da discriminação negativa aí mencionada e do teor vitimizante de tal escrito.
12. Após ter reunido com o técnico responsável pelo procedimento de licenciamento em 04.05.2022, o autor através de e-mail datado de 04.06.2022, deu conhecimento ao réu das razões que estavam na base da intenção de indeferimento e que lhe tinham sido comunicadas pelo referido técnico em tal reunião, tendo questionado o demandado acerca do prosseguimento do projeto e da necessidade do mesmo ser repensado.
Foi reapreciado o documento junto aos autos com a contestação como doc. 22, conforme requerido pelo apelante, verificando-se que se trata da comunicação a que alude o ponto 15 de 2.1.1., o qual tem a redação seguinte: «15. Através de e-mail datado de 09 de agosto de 2022, que dirigiu ao réu, o autor manifestou o propósito de consultar um advogado especializado em Direito do Urbanismo, para verificar o fundamento da decisão do Município de Aljezur e solicitou que o réu lhe enviasse a sua nova oferta».
Analisando o documento em apreciação, datado de 09-08-2022, a que respeita o ponto 15 de 2.1.1., não se vislumbra que imponha se considere assente o ponto 3 de 2.1.2., relativo a uma suposta decisão tomada pelo autor em 24-03-2022, data a que alude a comunicação mencionada no ponto 10 de 2.1.1., nem a manifestação em 04-06-2022, data a que alude a comunicação mencionada no ponto 10 de 2.1.1., do propósito de iniciar novo projeto.
Em conclusão, improcede totalmente a impugnação da decisão de facto deduzida pelo apelante.

2.2.2. Validade da resolução extrajudicial do contrato e respetivas consequências
Está em causa, nos presentes autos, uma relação jurídica estabelecida entre as partes – que acordaram na conceção pelo réu, mediante o pagamento fracionado de determinado montante pelo autor, de projeto de arquitetura destinado a instruir um pedido de licenciamento visando a construção de uma moradia com piscina, a erigir num lote de terreno pertencente ao autor –, qualificada na decisão recorrida como contrato inominado de prestação de serviços, o que não vem questionado no presente recurso, encontrando-se as partes de acordo a este respeito.
Através da presente ação, sustentando que o projeto de arquitetura elaborado pelo réu não foi aprovado pela Câmara Municipal e que tal conduziu ao indeferimento do pedido de licenciamento apresentado, bem como que o réu recusou proceder à retificação do projeto de forma a criar as condições necessárias à respetiva aprovação, exigindo o pagamento de montante que indicou visando a elaboração de novo projeto e subsequente processo de licenciamento, o autor, invocando o incumprimento definitivo do contrato imputável ao réu como fundamento da resolução contratual que sustenta ter operado extrajudicialmente, pretende obter a condenação do apelante a restitui-lhe a quantia de € 7333,38, correspondente à parte da retribuição paga, acrescida juros de mora calculados, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
A 1ª instância considerou que o contrato foi validamente resolvido pelo autor por incumprimento definitivo imputável à contraparte e, na procedência da ação, condenou o réu a restituir a quantia de € 7.333,38, correspondente à parte da retribuição paga, acrescida de juros de mora calculados, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Discordando deste entendimento, o apelante põe em causa a validade da resolução contratual operada pelo autor, sustentando a não verificação do fundamento invocado para o efeito, isto é, o incumprimento definitivo do contrato.
Defende o recorrente que realizou o trabalho que se comprometeu a efetuar, acrescentando que, na sequência do indeferimento do projeto que elaborou, pretendeu continuar a diligenciar no sentido da obtenção do licenciamento, designadamente através da apresentação de recurso hierárquico da decisão camarária, o que foi recusado pelo autor, que rejeitou impugnar a decisão nos termos defendidos pelo apelante no recurso hierárquico que elaborou; negando o incumprimento definitivo do contrato, o apelante sustenta que não assistia ao autor o direito à resolução do contrato, bem a exigir a restituição do montante pago, pugnando pela improcedência das pretensões deduzidas.
Face ao objeto da apelação, cumpre averiguar da validade da resolução extrajudicial do contrato invocada pelo autor.
O acordo celebrado entre autor e réu, tendo por objeto a realização por um arquiteto, mediante o pagamento de retribuição, de um projeto de arquitetura destinado a instruir o pedido de licenciamento da construção de um edifício, configura um contrato de prestação de serviços, conforme noção constante do artigo 1154.º do Código Civil, porém atípico, celebrado no domínio da liberdade contratual estatuída no artigo 405.º, n.º 1, daquele Código.
Tratando-se de um contrato inominado de prestação de serviços, são-lhe aplicáveis as regras contidas nas suas próprias cláusulas e as normas gerais dos contratos, bem como, por força do estatuído no artigo 1156.º do CC, as disposições relativas ao mandato, devidamente adaptadas, e ainda, se a semelhança das situações o justificar, as normas relativas ao contrato de empreitada, com as necessárias adaptações.
Consiste a resolução numa forma de cessação do contrato operada por um dos contraentes e baseada num facto posterior à respetiva celebração[1], a qual, em regra, destrói retroativamente o vínculo estabelecido, salvo se tal retroatividade contrariar a vontade das partes, conforme estatui o artigo 434.º, n.º 1, do Código Civil.
Nos termos do disposto no artigo 432.º, n.º 1, do citado Código, a resolução do contrato só é permitida se fundada na lei ou em convenção. Daqui resulta que esta forma de cessação do contrato corresponde ao exercício de um direito potestativo vinculado, dado que só é admitida se fundada em cláusula resolutiva estatuída pelos contraentes ou em fundamento legal que a justifique.
Não tendo as partes estabelecido qualquer cláusula resolutiva no contrato que outorgaram e invocando o autor, como fundamento de resolução, o incumprimento definitivo do contrato pelo réu, cumpre averiguar se lhe assiste o direito que invocou.
Encontrando-se assente que o objeto do contrato de prestação de serviços outorgado entre as partes consiste na realização pelo réu, no exercício da sua atividade profissional de arquiteto, de um projeto de arquitetura destinado a instruir um pedido de licenciamento visando a construção de uma moradia com piscina, a erigir num lote de terreno pertencente ao autor, incumbe ao réu, por força do contrato celebrado, a elaboração do projeto de arquitetura com vista à respetiva aprovação pela entidade competente para o efeito.
A obrigação assumida pelo réu configura, não uma obrigação de meios, mas uma obrigação de resultado, conforme acertadamente considerou a 1ª instância, pelo que o respetivo cumprimento importa a aprovação pela entidade competente do projeto elaborado com o respetivo licenciamento camarário, cabendo ao réu a realização das retificações ou aditamentos tidos por necessários à obtenção de tal resultado final.
Em situação análoga, considerou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 29-11-2011 (relator: Sousa Leite), proferido na revista n.º 5877/04.8TVLSB.L1.S1 - 6.ª Secção e publicado em www.dgsi.pt, o seguinte: I - A obra realizada por um arquitecto, materializada na elaboração de um projecto edificativo ou urbanístico, configura o resultado de uma actividade intelectual, exercida através da aplicação no mesmo dos seus conhecimentos técnicos e da sua maior, ou menor, actividade criativa e inovadora, pelo que, sob o ponto de vista jurídico, o contrato que tenha por objecto a realização de tal actividade tipifica-se como um contrato de prestação de serviço (artigo 1154.º do CC); II - Consubstanciando-se o objecto do referido contrato de prestação de serviço na realização de uma actividade profissional com a apontada natureza, o seu cumprimento apenas pode ter lugar com a aprovação, pela entidade camarária para tal competente, do produto acabado resultante do exercício da referida actividade, o qual se traduz no projecto edificativo elaborado, aprovação essa que demanda, para a sua cabal e adequada efectivação, que impenda sobre o respectivo projectista a correcção das anomalias suscitadas pelos vários departamentos municipais que, como pressuposto necessário para a sua aprovação, hajam de pronunciar-se sobre os projectos apresentados; III - A obrigação decorrente da celebração do referido contrato traduz-se, não numa obrigação de meios, mas sim numa obrigação de resultado; (…).
No caso presente, em que o projeto elaborado pelo réu não foi aprovado e o pedido de licenciamento foi indeferido pela Câmara Municipal, dúvidas não há de que a obrigação assumida pelo réu não foi cumprida; porém, tal situação não conduz, necessariamente, ao incumprimento definitivo do contrato imputável ao réu.
Sob a epígrafe Momento da constituição em mora, dispõe o artigo 805.º, no n.º 1, do Código Civil que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir; acrescenta o n.º 2 do preceito que há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação, nas situações previstas nas suas várias alíneas, a saber: a) se a obrigação tiver prazo certo; b) se a obrigações provier de facto ilícito; c) se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
Em anotação ao preceito, explica Ana Prata (Código Civil: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 1008) o seguinte: “Sendo a obrigação pura, isto é, sem termo convencional, legal ou judicial, o seu vencimento depende da interpelação do credor ao devedor (ou pelo representante do credor ao representante do devedor)”. Acrescenta a autora (loc. cit.): “Se o credor optar pela interpelação não judicial, esta consiste numa declaração recetícia cujos efeitos se produzem nos termos gerais do artigo 224.º; o efeito da interpelação é o vencimento da obrigação”.
A mora converte-se em incumprimento definitivo nas hipóteses previstas no artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil, a saber: i) se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação; ii) ou se esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.
Afirma Mário Júlio de Almeida Costa (Direito das Obrigações, 12.ª edição revista e atualizada, 2ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 1051) o seguinte: “É evidente que a pura «mora solvendi» não extingue a obrigação, continuando o devedor adstrito a satisfazer a prestação respectiva. Nem o credor, por via de regra, pode resolver o contrato que esteja na base da obrigação, enquanto o atraso do devedor não se equipare a incumprimento definitivo. Apenas lhe cabe a faculdade de estabelecer um prazo suplementar razoável, mas peremptório, para a realização da prestação (artigo 808.º, n.º 1), pois não se compreenderia que a mora se mantivesse por tempo indefinido”.
No caso presente, em que não decorre da factualidade provada qualquer elemento relativo à existência de um prazo para o cumprimento pelo réu da obrigação contratualmente assumida ou à subsequente interpelação para o efeito, não poderá considerar-se o réu constituído em mora, o que afasta a eventual conversão da mora em incumprimento definitivo.
A 1ª instância considerou verificado o incumprimento definitivo pelo réu com fundamento no seguinte:
(…) claramente que o réu não cumpriu a obrigação que assumiu, pois que não obteve o resultado a que se obrigou – e que seria a aprovação do projeto arquitetura que elaborou.
Sendo certo, que para obtenção de tal resultado, passou a exigir do autor o pagamento de novos honorários, de valor equivalente aos honorários já anteriormente estipulados e parcialmente pagos, na medida em que considerava ser necessária a elaboração de um novo projeto.
Contudo, essa necessidade de elaboração de um novo projeto é imputável ao próprio réu, dado que não resulta da matéria de facto dada como provada que o autor tivesse, por ato voluntarioso desistido, do projeto de licenciamento que inicialmente havia apresentado.
Aquilo de que o autor desistiu foi de defender a linha de argumentação do réu, a qual era ilegal como o próprio demandado reconheceu através de comunicação /e-mail que dirigiu ao autor em 12.08.2022 – cfr. ponto 16 dos factos provados.
Num contexto em que o réu não obteve o resultado contratado e se recusou a fazer as retificações ao projeto que seriam necessárias para obter o seu licenciamento, passado a exigir a celebração de um novo contrato de prestação de serviços de arquitetura, o mesmo incumpriu, com tal conduta, definitivamente o único contrato que havia celebrado com o autor.
Pois que a exigência de celebração de um novo contrato é plenamente indiciadora da indisponibilidade do réu para cumprir o que fora inicialmente acordado, permitindo, assim, concluir pela existência de uma situação de incumprimento definitivo.
E assim sendo, passou a assistir ao autor o direito de resolver o contrato (artº 801.º, n.º 1, do Código Civil), direito esse que o mesmo implicitamente exerceu quando passou a exigir ao réu a restituição do montante que lhe pagou a título de honorários.
(…)
Porém, analisando a factualidade julgada provada, não se vislumbra que dela decorra a mencionada recusa do réu no cumprimento da obrigação a que se vinculou.
Com relevo para a apreciação desta questão, encontra assente o seguinte:
- em 30.06.2021 foi iniciado pelo autor, com intermediação do réu, junto do Município de Aljezur, o procedimento administrativo tendente à obtenção do licenciamento do projeto de arquitetura que havia sido concebido pelo apelante;
- o pedido de licenciamento apresentado comportava um “pedido de exceção” às normas urbanísticas, baseado na realidade volumétrica das edificações vizinhas, o que satisfazia o propósito edificativo do réu;
- depois da prolação de um primeiro despacho de aperfeiçoamento datado de 02.08.2021, o Município de Aljezur, através de ofício datado de 09.12.2021, comunicou ao autor a sua intenção de indeferimento da pretensão de licenciamento, enviando-lhe parecer do Departamento Técnico de Obras e Urbanismo – Divisão de Obras Particulares e Gestão Urbanística do qual constam os fundamentos que motivavam a intenção de indeferimento que lhe foi comunicada e concedendo-lhe o prazo de 30 dias para querendo se pronunciar;
- o autor exerceu o direito de audiência prévia, quanto ao projeto de indeferimento, através de exposição datada de 04.01.2022 e nessa datada remetida ao o Município de Aljezur, que foi elaborada pelo réu e subscrita pelo proponente;
- através de e-mail datado de 24.03.2022, o autor comunicou ao réu que não pretendia dirigir ao Presidente da Câmara de Aljezur o escrito que este último tinha preparado, por discordar do respetivo teor;
- em 04.05.2022, foi emitido pelo Departamento Técnico de Obras e Urbanismo – Divisão de Obras Particulares e Gestão Urbanística do Município de Aljezur, parecer destinado à apreciação da exposição apresentada pelo autor, concluindo que a pretensão do proponente não reunia as necessárias condições para ser aprovada;
- após ter reunido com o técnico responsável pelo procedimento de licenciamento em 04.05.2022, o autor através de e-mail datado de 04.06.2022, deu conhecimento ao réu das razões que estavam na base da intenção de indeferimento e que lhe tinham sido comunicadas pelo referido técnico em tal reunião, tendo questionado o apelante acerca do prosseguimento do projeto e da necessidade do mesmo ser repensado;
- através de ofício datado de 06/06/2022, o Presidente da Câmara Municipal do Município de Aljezur informou o autor que, com base no teor da informação datada de 04/05/2022 da Divisão de Obras Particulares e Gestão Urbanística do Município de Aljezur, a sua pretensão de licenciamento havia sido indeferida;
- o réu, através de e-mails datados de 07.06.2022 e de 13.06.2022 justificou o indeferimento alegando a existência de uma situação de discriminação negativa e ainda a existência de um propósito, por parte do Município, de o afastar do projeto, desresponsabilizando-se pelo impasse existente;
- através de e-mail datado de 09 de agosto de 2022, que dirigiu ao réu, o autor manifestou o propósito de consultar um advogado especializado em Direito do Urbanismo, para verificar o fundamento da decisão do Município de Aljezur e solicitou que o réu lhe enviasse a sua nova oferta;
- por via de e-mail datado de 12.08.2022, o réu admitiu que a decisão da Câmara Municipal do Município de Aljezur, muito embora fosse uma decisão isolada, estava conforme a lei, a qual estava, contudo, a ser aplicada de forma seletiva, motivo pelo qual o tribunal não os poderia ajudar, tendo remetido ao autor um orçamento datado de 11.08.2022, para um novo projeto e processo de licenciamento para a construção de moradia unifamiliar que implicava o pagamento pelo autor do valor de € 7.333,88, com IVA incluído.
- através de e-mail datado de 20.10.2022, o autor, por intermédio do seu advogado, invocando a existência de violação do que fora acordado, sondou o réu acerca da existência de seguro e informou-o de que pretendia a reparação dos prejuízos sofridos, tendo mostrado abertura para a obtenção de uma solução amigável para o presente litígio;
- através de e-mail datado de 22.11.2022, que foi novamente expedido por intermédio do seu advogado, e que foi rececionado pelo réu, o autor, invocando a recusa do réu em proceder a necessária retificação do projeto, sem que dai decorressem custos adicionais para si, reclamou do mesmo a restituição do montante pago (no valor de € 7.333,38), acrescido de juros que computou no valor de € 1.173,43.
Extrai-se destes elementos que, na sequência da comunicação do indeferimento do pedido de licenciamento e das justificações apresentadas ao autor pelo réu através de emails de 07.06.2022 e 13.06.2022, o apelado, através de email 09.08.2022 que dirigiu ao apelante, manifestou o propósito de consultar um advogado especializado em Direito do Urbanismo, para verificar o fundamento da decisão do Município de Aljezur e solicitou ao réu que lhe enviasse a sua nova oferta.
Ora, é na sequência desta solicitação do autor que o réu, através de email datado de 12.08.2022, lhe apresentou um novo orçamento, visando um novo projeto e subsequente processo de licenciamento para a construção de moradia unifamiliar, o qual implicava o pagamento do valor de € 7.333,88, com IVA incluído.
A apresentação deste orçamento, visando a elaboração de novo projeto de arquitetura e subsequente processo de licenciamento, tendo ocorrido na sequência de solicitação nesse sentido efetuada pelo próprio autor, não pode ser entendida como recusa pelo réu do cumprimento do contrato entre ambos celebrado.
Analisada a factualidade julgada provada, não se vislumbra que tenha sido dada ao réu a oportunidade de alterar o projeto de arquitetura elaborado, visando obter o pretendido licenciamento da construção da moradia, nem que o mesmo tenha recusado o cumprimento do contrato ou, por outra forma, manifestado vontade de o não cumprir.
O autor, além de ter recusado, por não concordar com o respetivo teor, dirigir ao Presidente da Câmara o escrito que o apelante preparou visando impugnar decisão camarária, não interpelou o réu no sentido de diligenciar pela resolução dos problemas detetados no projeto elaborado, alterando-o, se necessário, com vista a viabilizar a aprovação camarária, tendo optado por lhe solicitar o envio de nova proposta contratual.
Dúvidas não há de que assistia ao réu a obrigação de realizar as retificações ou aditamentos tidos por necessários à aprovação pela entidade competente do projeto elaborado, com o respetivo licenciamento camarário; porém, a atuação do autor, ao solicitar ao réu o envio da sua nova oferta e, perante o envio de novo orçamento, fazer extinguir o anterior vínculo contratual, solicitando a devolução dos montantes pagos a título de retribuição, inviabilizou o cumprimento por parte do réu do contrato de prestação de serviços entre ambos celebrado.
Tendo-se concluído que não ocorreu o incumprimento definitivo do contrato por parte do réu, verifica-se que não assistia ao autor o direito à resolução do contrato com fundamento em tal incumprimento definitivo imputável ao réu.
Conforme supra se expõe, são aplicáveis ao contrato inominado de prestação de serviços em apreciação, com as necessárias adaptações, as disposições relativas ao mandato.
O artigo 1170.º do CC estabelece, no n.º 1, a livre revogabilidade do mandato, acrescentando o n.º 2 do preceito que, se o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.
Ora, decorre da análise efetuada que, no caso presente, não ocorreu justa causa, não se verificando o fundamento invocado para a resolução do contrato celebrado com o réu, tendo o autor feito cessar o vínculo contratual sem fundamento legal, o que impede se considere lícita a resolução operada.
Mostrando-se ilícita a resolução contratual, não assiste ao autor o direito a exigir a restituição pelo réu dos montantes que lhe entregou em cumprimento do contrato, o que conduz à improcedência das pretensões deduzidas na presente ação.
Nesta conformidade, na procedência da apelação, cumpre revogar a decisão recorrida e absolver o apelante dos pedidos formulados pelo apelado.

Em conclusão: (…)

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se decide:
a) na improcedência da ação, absolver o réu/apelante dos pedidos formulados pelo autor/apelado;
b) revogar, em conformidade, a decisão recorrida.

Custas pelo autor/apelado.
Notifique.
Évora, 02-10-2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (Relatora)
Maria Domingas Simões (1ª Adjunta)
Cristina Dá Mesquita (2ª Adjunta)


_________________________________________________
[1] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. II, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra, Almedina, 1990, pág. 265.