Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | LAURA GOULART MAURÍCIO | ||
Descritores: | PENA DE MULTA PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES PRESCRIÇÃO DA PENA CAUSAS DE INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO CAUSAS DE SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 03/08/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | O pagamento de uma prestação não constitui causa susceptível de interromper o decurso do prazo de prescrição, antes se constituindo apenas e só como causa de suspensão da prescrição, a ser considerada entre a data em que é deferida a pretensão de pagamento da multa em prestações até ao vencimento da primeira prestação não liquidada. Entendimento contrário, além de não decorrer expressamente da letra da lei, não se justifica do ponto de vista da unidade do sistema, para o qual, e no que à pena de multa concerne, está expressamente previsto o regime de suspensão do prazo de prescrição e já não o da sua interrupção. (Sumário da relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Loulé - Juiz 2, no âmbito dos autos com o NUIPC n.º 625/15.0T9LLE, foi, em 25 de novembro de 2021, proferido o seguinte despacho (transcrição): “Por sentença transitada em julgado em 15.09.2017, foi a arguida SOC, Lda. condenada numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. Veio a arguida entender que se mostra ultrapassado o prazo de prescrição da pena. O Ministério Público veio considerar que ainda não ocorreu a prescrição da pena de multa aplicada à arguida. Cumpre apreciar e decidir. * O prazo de prescrição da pena de multa é de 4 anos a contar do trânsito em julgada da sentença condenatória (artigo 122 n.º 1 al.ª d) do Código Penal), pelo que, tendo a sentença condenatória transitado em julgado em 15.09.2017, o prazo normal de prescrição completar-se-ia em 15.09.2021.* Garantem-me os autos que:1) Em 18.07.2017, veio a arguida requerer o pagamento da pena de multa em prestações. 2) Em 10.11.2017, foi deferido o pagamento da pena de multa em prestações. 3) A sociedade arguida efetuou o pagamento de diversas prestações - cfr. designadamente, documentos contabilísticos juntos em 22.09.2021 e 23.03.2021, cota de 14.08.2018 e tramitação subsequente, sendo que o ultimo pagamento foi efetuado em 01.03.2019, tal como resulta do teor de fls. 5 do documento contabilístico junto em 22.09.2021. * No caso em apreço o início do prazo para prescrição da pena de multa iniciou-se em 15.09.2017, data do trânsito em julgado.A arguida veio proceder a diversos pagamentos da pena de multa, tendo o último ocorrido em 01.03.2019. Considera-se assim que ocorreu a interrupção do prazo de prescrição em 01.03.2019, data em que o arguido, pela última vez, procedeu ao pagamento parcial da pena de multa – artigo 126.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal. De acordo com o artigo 126.º, n.º 2 do Código Penal, “depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição”. Não obstante, o n.º 3 do mesmo artigo dispõe que “a prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”. * Terá então de se aferir se entre o prazo da última interrupção e o dia de hoje ocorreu a prescrição, nos termos do disposto no artigo 126.º, n.º 3 do Código Penal. Sendo o prazo de prescrição da pena de multa de 4 anos, o prazo máximo para a prescrição será de 6 anos, ressalvado o tempo de suspensão. Entre 15.09.2017 e 01.03.2019 não decorreu o prazo de 4 anos de prescrição. Assim, em 01.03.2019 começou a correr novamente o prazo de 4 anos – note-se que o artigo 126.º, n.º 3 do Código Penal não tem aqui aplicação uma vez que entre as referidas datas não passou mais de 2 anos. Assim sendo, é nosso entendimento que a prescrição apenas ocorrerá em 01.03.2023, o que se declara. Notifique. No mais, proceda nos termos promovidos pelo Ministério Público na parte final da promoção que antecede. “ * Inconformada com a decisão, a arguida interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:1. A arguida, ora recorrente foi condenada em pena de multa, por decisão transitada em 15-09-2017. 2. Por despacho de 16-11-2017 foi a recorrente autorizada a pagar a multa em vinte prestações mensais e sucessivas de quarenta e cinco euros. 3. A primeira prestação tinha como limite de pagamento o dia 29-11-2017. 4. A arguida não pagou a primeira prestação. 5. Ao não proceder ao pagamento da primeira prestação e, nos termos do nº 5 do artigo 47º do CP, as prestações vincendas, venceram-se. 6. O prazo de prescrição da pena é de quatro anos, atento o disposto na al. d) do nº 2 do artigo 122º do CP. 7. No caso dos autos o prazo de prescrição da pena suspendeu-se entre a prolação do despacho que permite o pagamento da multa em prestações e a data do pagamento da primeira prestação (29-11-2017), já que a arguida não chegou a proceder ao pagamento da primeira prestação. 8. Veio mais tarde a arguida proceder a vários pagamentos de quantia equivalente ao das prestações mensais fixadas pelo Tribunal. 9. O douto despacho posto em causa no presente recurso considera que o prazo de prescrição foi interrompido com os pagamentos que a arguida realizou e que volta a correr em 01-03-2019, data do último pagamento efectuado pela arguida. 10. Ou seja, considera o tribunal a quo que os pagamentos efectuados seriam no âmbito da execução da pena. Execução que teria a virtualidade de interromper o prazo de prescrição. Entendemos que não será assim. 11. O facto de ter, mais tarde, procedido à entrega de montantes coincidentes com as prestações que o tribunal tinha autorizado não constitui início ou parte do cumprimento da pena e como tal não é causa de interrupção do prazo de prescrição da pena. 12. Apesar das prestações estarem vencidas, a condenada tem sempre a possibilidade de, a qualquer momento, proceder ao pagamento total ou parcial para evitar a conversão da pena e, é desta forma, que se deve entender os pagamentos efectuado pela arguida. 13. Assim, deve o despacho sob recurso ser revogado e substituído por decisão que declare prescrita em 30-09-2021, a pena de multa aplicada à arguida. Termos em que deve o presente recurso ser recebido e considerado procedente e, em consequência ser o despacho recorrido revogado e substituído por decisão que declare a pena de multa prescrita em 30-09-201. Fazendo assim V. Exas. a costumada Justiça. * Por despacho de 20 de dezembro de 2021 o recurso foi admitido.* O Ministério Público respondeu ao recurso interposto nos seguintes termos:“O arguido/recorrente veio interpor recurso do douto despacho de 25.11.2021, proferido na sequência dos requerimentos do arguido de 01.10.2021 e de 18.10.2021, no qual foi decidido que ainda não ocorreu a prescrição da pena de multa em que a sociedade arguida foi condenada nos autos. (…) Em síntese, o arguido, ora recorrente entende que os pagamentos parciais efectuados pela sociedade arguida não constituem causas de interrupção da prescrição. Salvo o devido respeito não entendemos que assista razão ao arguido, ora recorrente. Mas vejamos. * Da analise dos autos e com interesse para apreciação da contagem do prazo de prescrição cumpre ter em conta a seguinte factualidade:- A sociedade arguida foi condenada numa pena de 180 dias de multa à taxa diária de €5,00; -A sentença transitou em julgado em 15.09.2017. - A sociedade arguida requereu o pagamento da multa em prestações em 18.07.2017, o que foi autorizado por despacho datado de 10.11.2017. - A sociedade arguida efectuou o pagamento de diversas prestações - cfr. designadamente, documentos contabilísticos juntos em 22.09.2021 e 23.03.2021, cota de 14.08.2018 e tramitação subsequente, sendo que o ultimo pagamento foi efectuado em 01.03.2019, tal como resulta do teor de fls. 5 do documento contabilístico junto em 22.09.2021. * No que toca à prescrição das penas estabelecem os artigos 122.º, 125.º e 126.º do Código Penal:Artigo 122.º Prazos de prescrição das penas 1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes: a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão; b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão; c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão; d) Quatro anos, nos casos restantes. 2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 118.º Artigo 125.º Suspensão da prescrição 1 - A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar; b) Vigorar a declaração de contumácia; c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou d) Perdurar a dilação do pagamento da multa. 2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão. Artigo 126.º Interrupção da prescrição 1 - A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se: a) Com a sua execução; ou b) Com a declaração de contumácia. 2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. 3 - A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade. De acordo com Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 702 a prescrição da pena funda-se “em que o decurso do tempo tornou a execução da pena sem sentido e, por aí, o facto deixou de carecer de punição”, constituindo um “um pressuposto negativo de toda a condenação e execução”. Verifica-se a desnecessidade da pena como resultado do decurso de determinado período de tempo. Na verdade, decorridos certos períodos temporais que o legislador elege como razoáveis para que a pena, qualquer pena, possa ser executada e que estão previstos no artigo 122º, nº 1 do Código Penal, o Estado como que perde a possibilidade ou a legitimidade de fazer executar a decisão judicial penal condenatória. Mas, à semelhança do que acontece com o procedimento criminal, também o decurso do prazo de prescrição da pena pode ser interrompido ou suspenso. * A jurisprudência tem entendido de forma pacifica, em conformidade com o referido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência 2/2012 de 8.3.2012 publicado no DR de 1.º serie, de 12.04.2012 que o pagamento parcial da pena de multa constitui causa de interrupção da prescrição nos termos do artigo 126.º 1 a) do CP, por o pagamento parcial integrar o conceito de actos de execução, tendo por isso efeito interruptivo da prescrição da pena de multa.Na verdade e sobre o conceito de “execução da pena” estando em causa uma pena de multa para efeitos do disposto no artigo 126.º n.º 1 a) do CP cumpre ter em conta o teor do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência 2/2012 de 8.3.2012 publicado no DR de 1.º serie, de 12.04.2012 onde se pode ler: “Toda a pena criminal, por definição, envolve um sacrifício ou perda para o condenado, sacrifício ou perda que é de ordem patrimonial quando se trate de pena de multa. A execução da pena é a sua efectivação ou materialização; a pena está em execução a partir do momento em que o sacrifício que lhe é co-natural se concretiza na esfera de interesses ou valores do condenado. É desse modo que se cumprem as finalidades visadas com a execução da pena: a recuperação social do condenado e a defesa da sociedade.” (…) “A execução da pena, como se disse, só tem lugar com a sua materialização, com a efectivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento.” (…) “Se, como se disse, só se entra na execução da pena se houver um princípio de cumprimento (A questão que se debate só se coloca se houver pena para cumprir, ou seja, enquanto o cumprimento não for total), são actos de execução e, por isso, com efeito interruptivo da prescrição da pena de multa: a) o cumprimento de parte dos dias de trabalho pelos quais a multa foi substituída, mas não a decisão de substituição; b) o pagamento voluntário ou coercivo de parte da multa aplicada, mas não a notificação para pagamento nem a instauração da execução patrimonial; c) o cumprimento parcial da prisão subsidiária, mas não a decisão de conversão da multa em prisão subsidiária.” (sublinhado nosso). Neste sentido entre outros veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.12.2020, processo 1320/12.7PJPRT-A.P1 e bem assim as jurisprudência e doutrina nele referidos. Pode-se ler em tal acórdão na parte que ora nos interessa: “O instituto da prescrição da pena serve interesses claros: considera-se que não é benéfico fazer perdurar no tempo a possibilidade de execução da pena, alimentando a possibilidade de sobrevir algum ócio e arbitrariedade do Estado acerca do momento específico em que a decide fazer cumprir. Acresce que a censura comunitária se vai esbatendo com o decorrer do tempo, como vão perdendo sentido e oportunidade as exigências de prevenção geral e especial ligadas tanto à perseguição do facto como à execução da sanção. Por isso, a Lei estabelece um prazo gradativo, em função da relevância das penas, durante o qual o Estado é obrigado a desenvolver todos os esforços possíveis com vista à sua execução prática, sob pena de, esgotado o prazo estabelecido, a pena não puder mais ser aplicada. A prescrição é “uma auto limitação do Estado no exercido do jus puniendi e a sua razão de ser está no não exercício, em tempo congruente, do direito de perseguiram o agente de um crime ou de executar uma pena aplicada a quem tenha sido condenado-Ac da RL de 8/03/2017, processo 27/01.5IDLSB.L1.-3, in www.dgsi.pt (c/ voto vencido) Importa, desde logo atentar no significado a atribuir a «execução», para efeito de aplicação ou não do disposto no art. 126, n º 1, al. a)- interrupção da prescrição. Em relação à pena de prisão, o termo «execução» sempre foi entendido como início do cumprimento da pena, com a correspondente privação da liberdade. Já quanto à pena de multa, o termo revelou-se equívoco, tendo sido tratado com um duplo sentido: execução patrimonial e cumprimento da pena. O Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ n.º 2/2012, a propósito da interpretação da expressão «execução da pena» contida no art. 126.º, n.º 1, alínea a) do C. Penal, explanando argumentos que valem na interpretação da mesma expressão utilizada no art. 125.º do C. Penal, atribui ao termo “execução” o sentido de começo de cumprimento. Tal como a execução da pena de prisão só se inicia com a privação da liberdade, também não há execução da pena de multa enquanto não houver pagamento voluntário ou coercivo, por conta do valor da multa. «Por outras palavras, a pena entra em execução com o início do seu cumprimento. (…) Essa materialização da pena, ou início do seu cumprimento, exige a prática no processo de determinados atos idóneos a esse fim. Assim, no caso de pena de multa, transitada a decisão que a aplica, o condenado é notificado para proceder ao seu pagamento em 15 dias, exceto se o pagamento houver sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações (artigo 489º do Código de Processo Penal). Não tendo sido requerida a substituição por dias de trabalho, findo o prazo para pagar a multa ou alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efetuado, procede-se à execução patrimonial, que é promovida pelo Ministério Público (artigos 490º, nº 1, e 491º do mesmo código). Estes atos situam-se já na fase da execução da pena de multa, inserindo-se no capítulo I (Da execução da pena de multa) do Título III (Da execução das penas não privativas da liberdade) do Livro X do Código de Processo Penal (Das execuções). Pertencem ao procedimento executivo da pena de multa. Mas não constituem ainda a sua execução; têm-na como fim. A execução da pena, como se disse, só tem lugar com a sua materialização, com a efetivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento. São, pois, atos destinados a fazer executar a pena de multa. Tanto a instauração da execução patrimonial como a notificação do condenado para em certo prazo pagar a multa (ambas com idêntico alcance, nesta matéria). Execução da pena e atos destinados a fazê-la executar são realidades distintas, como até as próprias palavras indicam. Estes são apenas um meio para realizar aquela, não sendo raro que, como aconteceu nos casos sobre que incidiram os acórdãos fundamento e recorrido, o fim visado não seja atingido.» - AUJ n.º2/2012. (…) Para além deste período de suspensão, o prazo de prescrição interrompeu-se, por (…) vezes, ao abrigo do disposto no art. 126.º, n.º 1, al. a) do C.Penal, datas em que o arguido efetuou o pagamento parcial da multa. Como refere o AUJ 2/2012, «são actos de execução e, por isso, com efeito interruptivo da prescrição da pena de multa: a) o cumprimento de parte dos dias de trabalho pelos quais a multa foi substituída, mas não a decisão de substituição; b) o pagamento voluntário ou coercivo de parte da multa aplicada, mas não a notificação para pagamento nem a instauração da execução patrimonial; c) o cumprimento parcial da prisão subsidiária, mas não a decisão de conversão da multa em prisão subsidiária.» Vide Ac da RL de 12/07/2017, processo 325/12.2PDLSB.L1-3, in www.dgsi.pt. E não se diga que o pagamento parcial da multa sendo causa de suspensão da prescrição da pena, já não poderá ser causa interruptiva, pois também a notificação da acusação está expressamente prevista como causa suspensiva e interruptiva da prescrição do procedimento criminal (arts. 120.º, n.º 1, alínea b) e 121.º, n.º 1, alínea b), ambos do C. Penal). Por outro lado, não colhe o argumento de que, a considerar-se que o pagamento parcial da multa interrompe a prescrição da pena de multa, trata-se mais favoravelmente o condenado relapso do que aquele que procedeu ao pagamento parcial da multa, uma vez que a prescrição não está prevista para beneficiar o arguido, encontrando antes fundamento no facto de a execução de uma pena muito tempo depois da sua aplicação não cumprir já as suas finalidades, tanto do ponto de vista da prevenção especial como da prevenção geral. Na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2ªedição atualizada, pág.387, pronuncia-se também no sentido de que com o pagamento parcial da pena de multa se verifica a interrupção da prescrição da pena. Vide ainda Ac da RL de 7/02/2017, processo 25/10.8PTSNT-A.L1-5, in www.dgsi.pt e ainda e Ac RP de 8/03/2017 proferido no proc. 2245/08.6PTAVR, in www.dgsi.pt.” No mesmo sentido, entre outros veja-se ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08.03.2017 e 09.12.2020 e bem assim o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.04.2018. * Da análise dos autos e em conformidade com o supra exposto cumpre referir que o prazo normal de prescrição da pena aplicada é de 4 anos em conformidade com o estabelecido no artigo 122.º n.º 1, alínea d) do Código Penal, o qual se iniciou com o trânsito em julgado da sentença.Da análise dos autos verifica-se a existência de causas de suspensão (artigo 125.º n.º 1 alínea d) do Código Penal) e de interrupção da prescrição (artigo 126.º n.º 1 alínea a) do Código Penal). Sem prejuízo da existência de causa de suspensão, o certo é que com os pagamentos parciais efectuados pela sociedade arguida por conta da pena de multa ocorreu causa de interrupção de prescrição. Após cada causa de interrupção, diga-se pagamento e em conformidade com o artigo 126.º 2 do CPP começou a correr novo prazo de prescrição de 4 anos, sem prejuízo do prazo máximo previsto no artigo 126.º 3 do CP. Verificando-se que o ultimo pagamento parcial foi efectuado em 01.03.2019, em tal data ocorreu causa de interrupção da prescrição, tendo começado a correr novo prazo de prescrição de 4 anos, que ainda não foi atingido, sendo que também ainda não decorreu o prazo máximo a que alude o artigo 126.º 3 do CP. Face ao exposto e tal como decidido no douto despacho proferido e ora em recurso a pena em que a sociedade arguida foi condenada ainda não se encontra prescrita. * Face ao exposto, não nos merece, qualquer crítica o douto despacho recorrido.”* No Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer nos seguintes termos:“Nada obsta ao conhecimento do recurso, interposto tempestivamente por quem tem legitimidade e interesse em agir, sendo de manter o regime e efeito que lhe foi atribuído. É entendimento pacífico da nossa jurisprudência que o objecto e o âmbito do recurso se afere e delimita pelas conclusões da respectiva motivação, reportando-se às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, isto é, as concretas controvérsias centrais a dirimir, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso (entre outros, Acs. do STJ de 17-9-97, Col. Jur., Acs. STJ, V, 3, 173 e de 1-11-01, Proc. n.º 3408/00 - 5.ª secção). I – A arguida SOC interpôs recurso do douto despacho proferido a 27-11-2021 pelo Juízo Local Criminal de Loulé – Juiz 2 que considerou ainda não ter ocorrido a prescrição da pena de multa aplicada à arguida. A arguida havia sido condenada numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 por sentença transitada em julgado em 15.09.2017, e alega conforme decorre da sua motivação, que os pagamentos parciais efectuados não constituem causas de interrupção da prescrição. O Ministério Público respondeu ao recurso defendendo a manutenção do O Ministério Público respondeu ao recurso defendendo a manutenção do requerido. requerido. II – Embora sem formulação de conclusões, a Magistrada do Ministério Público, na sua fundada e esclarecida peça processual, analisa correctamente as questões suscitadas no recurso, rebate convincentemente as motivações do recorrente e defende assertiva e justificadamente o decidido no douto despacho, pelo que nos louvamos na respectiva argumentação e dispensamos de outros comentários por manifesta desnecessidade. III – Acresce ainda que o douto despacho recorrido, com o qual também se concorda inteiramente, mostra-se devidamente ponderado e fundamentado, sem quaisquer erros ou contradições, não padecendo de quaisquer vícios ou violação de quaisquer preceitos legais, não se vislumbrando também a existência de qualquer factualidade ou elemento que possa, ainda que de forma ténue, apontar para a sua revogação. Nesta conformidade somos de parecer que o recurso interposto pelo arguido deve ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente o despacho recorrido.” * Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, não foi apresentada resposta ao Parecer.* Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência.* Cumpre decidirFundamentação Delimitação do objeto do recurso O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr.Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP). No caso sub judice a questão suscitada pela recorrente e que, ora, cumpre apreciar, traduz-se em saber se a decisão recorrida deve ser substituída por outra que declare prescrita a pena de multa. * ApreciandoSustenta a arguida que o Tribunal a quo, por entender que o pagamento de uma prestação suspende e interrompe o prazo da prescrição da pena, decidiu erradamente ao não considerar prescrita a pena de multa. Vejamos “ (…) O instituto da prescrição da pena serve interesses claros: considera-se que não é benéfico fazer perdurar no tempo a possibilidade de execução da pena, alimentando a possibilidade de sobrevir algum ócio e arbitrariedade do Estado acerca do momento específico em que a decide fazer cumprir. Acresce que a censura comunitária se vai esbatendo com o decorrer do tempo, como vão perdendo sentido e oportunidade as exigências de prevenção geral e especial ligadas tanto à perseguição do facto como à execução da sanção. Por isso, a Lei estabelece um prazo gradativo, em função da relevância das penas, durante o qual o Estado é obrigado a desenvolver todos os esforços possíveis com vista à sua execução prática, sob pena de, esgotado o prazo estabelecido, a pena não puder mais ser aplicada (….).” (cfr Ac..TRP, de 20-05-2009, acessível em www.dgsi.pt). Compulsados os autos, constata-se que: - Por sentença transitada em julgado em 15.09.2017, foi a arguida SOC condenada numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. - Em 18.07.2017, veio a arguida requerer o pagamento da pena de multa em prestações. - Em 10.11.2017, foi deferido o pagamento da pena de multa em prestações. - A primeira prestação tinha como limite de pagamento o dia 29-11-2017. - A sociedade arguida não pagou a primeira prestação. - A sociedade arguida efetuou o pagamento de diversas prestações - cfr. designadamente, documentos contabilísticos juntos em 22.09.2021 e 23.03.2021, cota de 14.08.2018 e tramitação subsequente, sendo que o ultimo pagamento foi efetuado em 01.03.2019, tal como resulta do teor de fls. 5 do documento contabilístico junto em 22.09.2021. Ora, dispõe o artigo 122º do Código Penal, que: 1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes: a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão; b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão; c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão; d) Quatro anos, nos casos restantes. 2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena. 3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 118º. A lei penal estabelece causas de suspensão do prazo de prescrição no artigo 125º: 1 - A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar; b) Vigorar a declaração de contumácia; c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou d) Perdurar a dilação do pagamento da multa. 2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão. Além de causas de suspensão são ainda fixadas causas de interrupção da contagem do prazo de prescrição, causas essas que constam do artigo 126º do Código Penal: 1 - A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se: a) Com a sua execução; ou b) Com a declaração de contumácia. 2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. 3 - A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade. De harmonia com o disposto no artigo 125.º, n.º 1, alínea d), e nº 2, do Código Penal, a prescrição da pena suspende-se durante o tempo em que perdurar a dilação do pagamento da multa e volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão. Quanto ao prazo do pagamento da multa rege o artigo 489.º, nº 2, do Código Processo Penal, onde se estabelece que a multa deve ser paga no prazo de 15 dias, subsequentes à notificação para esse efeito. Por decisão judicial pode ser concedida uma prorrogação no pagamento até ao limite de um ano e bem assim pode o tribunal consentir no pagamento em prestações desde que a última não atinja 2 anos após a data do trânsito em julgado, ao abrigo do preceituado no artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal. Ora, a dilação do pagamento a que se reporta o artigo 125.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, consiste no alargamento do prazo inicial até 1 ano e no deferimento do pagamento em prestações até ao máximo indicado, isto é, até 2 anos depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Porém, não cabe no conceito de dilação do pagamento da multa o prazo inicial previsto na lei para o pagamento voluntário da multa, isto é, o prazo indicado no artigo 489.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, posto que não existe qualquer prorrogação, mas antes se trata do prazo normal fixado na lei para o pagamento da multa. Ademais não pode olvidar-se que o prazo da prescrição, como se disse, se inicia com o trânsito em julgado da decisão e não com o termo do prazo legal para pagamento voluntário da multa. (cfr. neste sentido o Acórdão da Relação de Évora de 15-10-2013, acessível em www.dgsi.pt). Depois, a dilação determinada pela autorização do pagamento em prestações não corresponde ao período temporal que intercede desde a prolação do respetivo despacho até ao termo fixado para pagamento das prestações, pois que o não pagamento de uma prestação implica o vencimento automático das restantes, ou seja, são imediatamente devidas todas as subsequentes prestações quando é omitido o pagamento de uma. Trata-se de um vencimento determinado ope legis, isto é, não está dependente de despacho judicial que o declare, posto que não exige qualquer ponderação das circunstâncias do não pagamento, mas antes decorre da lei, nos termos do artigo 47.º, n.º 5, do Código Penal. Assim, a partir do momento em que o arguido deixe de pagar uma das prestações dentro do prazo que lhe foi concedido, cessa a dilação para pagamento da multa e, por isso, a causa de suspensão, retomando-se a contagem do prazo de prescrição. Donde resulta que, no caso concreto, em face da omissão do pagamento da primeira prestação fixada, logo se venceram as restantes, terminando imediatamente a dilação do pagamento. Deste modo, na situação dos autos, verifica-se ter ocorrido causa de suspensão da prescrição em razão da dilação do pagamento da multa, correspondente ao período de tempo que mediou entre o despacho que deferiu tal pagamento em prestações e a data do vencimento da primeira prestação não liquidada, já que o vencimento das restantes prestações ocorre “ope legis”, por força do estatuído no art. 47º nº 5 do Código Penal, sendo por isso independente de despacho que o declare. Por seu turno, o art. 126º rege quanto à interrupção da prescrição da pena e dispõe que esta tem lugar com a sua execução e com a declaração de contumácia, sendo que depois de cada interrupção, começa a correr novo prazo de prescrição. O nº 3 do mesmo artigo estatui finalmente que “a prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade”. E, no caso em análise, ao contrário do decidido no despacho recorrido, entendemos não se ter verificado qualquer causa de interrupção da prescrição. Com efeito, no que tange à pena de multa, e às causas que contendem com o decurso do seu prazo prescricional, apenas se acha prevista a suspensão da prescrição, elencada na al. d) do art. 125º acima transcrita, ou seja, enquanto perdurar a dilação do pagamento da multa. Tal dilação do pagamento da multa corresponde aos casos em que ao condenado é deferido o seu cumprimento em prestações, ou quando o prazo para o seu pagamento é deferido por período não superior a um ano, tal como previsto no art. 47º nº 3 do Código Penal. E esse mesmo prazo, nos casos em que é deferido ao condenado o pagamento da pena de multa em prestações, conta-se desde a data do despacho em que o mesmo é autorizado até ao momento em que se vence a primeira prestação não liquidada, já que o vencimento das prestações, como já se disse, dá-se “ope legis”, conforme resulta do estatuído no nº 5 do citado art. 47º. Ou seja, o pagamento de uma prestação não constitui causa susceptível de interromper o decurso do prazo de prescrição, antes se constituindo apenas e só como causa de suspensão da prescrição, a ser considerada nos termos já acima enunciados, isto é, entre a data em que é deferida tal pretensão até ao vencimento da primeira prestação não liquidada (cfr. neste sentido, Ac. da RP de 20/5/2009, disponível em www.dgsi.pt). Entendimento contrário, na nossa ótica, além de não decorrer expressamente da letra da lei, não se justifica do ponto de vista da unidade do sistema, para o qual, e no que à pena de multa concerne, está expressamente previsto o regime de suspensão do prazo de prescrição e já não o da sua interrupção. Assim, e compulsados os autos verifica-se que à exceção da suspensão do prazo de prescrição que se relaciona com a dilação que decorreu entre o despacho que autorizou o pagamento da pena de multa em prestações (em 10-11-2017) até ao vencimento da primeira prestação não liquidada (que ocorreu em 29-11-2017) e a que supra se aludiu, nenhuma outra causa de suspensão ou causa de interrupção do decurso do prazo prescricional ocorreu nos presentes autos, pelo que o prazo de prescrição, prazo de 4 (quatro) anos, iniciado em 10-11-2017 e descontado o período de suspensão vindo de referir, já decorreu integralmente. Donde resulta a procedência do recurso. * DecisãoPelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revogar o despacho recorrido e declarar extinta, por prescrição, a pena de multa imposta nestes autos à arguida/recorrente. Sem custas. * Elaborado e revisto pela primeira signatáriaÉvora, 8 de março de 2022 Laura Goulart Maurício Maria Filomena Soares |