Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1318/24.2YSTR.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
TACÓGRAFO
NÃO APRESENTAÇÃO DOS REGISTOS DOS ÚLTIMOS 28 DIAS DE TRABALHO
TRABALHADOR INDEPENDENTE
Data do Acordão: 12/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL - CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: SOCIAL
Sumário: Sumário elaborado pela relatora:
I. A não apresentação das folhas de registo de tacógrafo do dia em curso e dos 28 dias anteriores, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização, constitui contraordenação muito grave, nos termos previstos pelo artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto, conjugado com o artigo 36.º, n.º 1, do Regulamento (UE) 165/2014, de 4 de fevereiro.

II. É a obrigação de apresentação que constitui o dever imposto pela norma.

III. Não sendo apresentadas todas ou alguma(s) das aludidas folhas de registo, deve o condutor apresentar um documento comprovativo que justifique a ausência das folhas de registo em relação aos dias em falta, pois só por esta via, o agente encarregado da fiscalização pode concluir que todas as folhas existentes com referência ao período temporal imposto pela norma, lhe foram apresentadas ou não e, nesta última situação, autuar o agente infrator.

IV. Mesmo que o condutor seja um trabalhador independente contratado em regime de prestação de serviços, é a empresa contratante quem responde pela infração, nos termos previstos pelo artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, se não conseguir demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor cumprisse o Regulamento Comunitário, conforme prevê o n.º 2 do artigo.

Decisão Texto Integral: P. 1318/24.2YSTR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1


I. Relatório


1. Weekendtresure - Viagens e Turismo Lda. impugnou judicialmente a decisão da Autoridade Para As Condições de Trabalho (doravante designada por ACT), que lhe aplicou a coima única de € 3.570,00, pela prática, a título negligente, de duas contraordenações previstas e punidas nos termos:


- do artigo 36.º, n.º 1, do Regulamento UE n.º 165/2014 de 4 de fevereiro, e artigos 13.º, n.ºs 1 e 2, 14.º e 25.º, n.º 1, alínea b), todos da Lei n.º 27/2010 de 30 de agosto, à qual foi aplicada a coima parcelar de € 2.750,00;


- do artigo 8.º do Regulamento CE n.º 561/2006 de 3 de junho, e artigo 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 27/2010, à qual foi aplicada a coima parcelar de €820,00.


2. A 1.ª instância julgou improcedente a impugnação e confirmou a decisão administrativa.


3. A impugnante recorreu, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:


«1. A Recorrente foi condenada por alegadas infrações praticadas por um motorista que lhe prestou serviços de forma pontual, nos dias 19 e 20 de agosto de 2023, na qualidade de prestador de serviços independente.


2. O Condutor não tinha relação de subordinação jurídica com a Recorrente, encontrando-se abrangido por um contrato de prestação de serviços autónomo.


3. O veículo utilizado encontrava-se equipado com tacógrafo digital, sendo da responsabilidade do condutor a correta utilização do equipamento, incluindo a introdução do cartão e registo das atividades.


4. Os dados dos 28 dias anteriores á prestação do serviço encontram-se armazenadas no cartão do condutor, são da responsabilidade individual do condutor, não são acessíveis à entidade contratante pontual, conforme resulta do Regulamento (EU) n.º 165/2014 de 04.02.


5. A emissão da declaração de atividade relativamente a períodos não contratualizados com a Recorrente não só é juridicamente inexigível, como poderia constituir a prática de falsas declarações.


6. A Recorrente organizou o serviço prestado pelo motorista de acordo com a legislação aplicável, conforme provado por prova testemunhal e documental, incluindo mapa de serviços e instruções escritas.


7. A responsabilidade contraordenacional, por força do princípio da culpa, exige a verificação de dolo ou negligência, o que não se verifica nos presentes autos.


8. A jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a reconhecer que a responsabilidade das empresas no domínio contraordenacional não é objetiva, podendo ser excluída quando estas adotam medidas diligentes e razoáveis no planeamento dos serviços prestados.


9. A sentença recorrida não valorou adequadamente os elementos de prova constantes dos autos, tendo incorrido em erro de julgamento de facto e de direito.


10. deve assim, ser revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que julgue procedente a impugnação judicial apresentada, com a consequente absolvição da Recorrente.»


4. A 1.ª instância admitiu o recurso apenas quanto à contraordenação sancionada com a coima parcelar de € 2.750,00.


5. O Ministério Público respondeu, propugnando pela improcedência do recurso.


6. O processo subiu ao Tribunal da Relação e a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, entendendo que o recurso não merece provimento.


7. A recorrente não respondeu.


8. Colhidos os vistos legais, cumpre, em conferência, apreciar e decidir.


*


II. Objeto do recurso


É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.


Em função destas premissas, as questões suscitadas são as seguintes:


1. Erro na valoração da prova e na consequente decisão da matéria de facto.


2. Não cometimento do ilícito contraordenacional.


*


III. Matéria de Facto


A 1.ª instância deu como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do recurso:


A) No dia 19/08/2023, pelas 11h38m, na A1 km 84,500, Área de Serviço de Santarém, sentido Norte/Sul, comarca de Santarém, circulava a viatura de matrícula ..-UG-.., conduzida por AA, trabalhador independente que efetuava um serviço para a recorrente.


B) O condutor não tinha em seu poder os registos do tacógrafo dos últimos 28 dias, estando em falta em falta as folhas referentes aos dias 21, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30 de julho e dias 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17 de agosto.


C) O condutor também não tinha em seu poder documento justificativo da falta destes registos.


D) A recorrente não procedeu com a diligência devida porquanto, não se certificou que o condutor se fazia acompanhar dos registos tacográficos respeitantes aos 28 dias anteriores ou de justificação para a ausência de tais registos.


(…).


*


IV. Enquadramento jurídico


No recurso apresentado, é alegado que o tribunal a quo não valorou adequadamente os elementos de prova constantes dos autos e que, em consequência, incorreu em erro de julgamento de facto.


Todavia, nos termos previstos pelo artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, pelo que se mostra vedada a este tribunal a reapreciação da prova produzida nos autos.


A única intervenção possível do Tribunal da Relação, no âmbito da matéria de facto, é a que resulta do preceituado no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que é de conhecimento oficioso.


No caso concreto, porém, não se verifica nenhuma das situações previstas na referida norma, especialmente o erro notório na apreciação da prova, que teria, sempre, de resultar evidente do texto da decisão recorrida, sem recurso a quaisquer outros elementos externos.


Deste modo, soçobra a primeira questão suscitada no recurso.


Apreciemos, de seguida, se o tribunal a quo errou ao decidir pelo cometimento do ilícito contraordenacional.


Dispõe o artigo 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento e do Conselho:


«Registos que devem acompanhar o condutor


1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:


i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;


ii) O cartão de condutor, se o possuir; e


iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006.


2. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:


i) O seu cartão de condutor;


ii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006;


iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico.


3. Os agentes autorizados de controlo podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados, impressos ou descarregados registados pelo tacógrafo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de quaisquer disposições, como as do artigo 29.º, n.º 2, e do artigo 37.º, n.º 2, do presente regulamento».


Resulta desta norma que o condutor que conduza veículo equipado com tacógrafo deve apresentar, quando os agentes de controlo o solicitem, as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores (dias de calendário, subentenda-se).


A não apresentação das folhas de registo, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização, constitui contraordenação muito grave, nos termos previstos pelo artigo 25.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto.


De modo reiterado, esta Secção Social vem considerando, unanimemente, que o artigo 36.º do Regulamento (UE) n.º 165/2014, pretende, essencialmente, assegurar a imediata apresentação aos agentes do controlo das folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores.2


Nos termos legais, é a obrigação de apresentação que constitui o dever imposto pela norma.


Não sendo apresentadas todas ou alguma(s) das aludidas folhas de registo, deve o condutor apresentar um documento comprovativo que justifique a ausência das folhas de registo em relação aos dias em falta, pois só por esta via, o agente encarregado da fiscalização pode concluir que todas as folhas existentes com referência ao período temporal imposto pela norma, lhe foram apresentadas ou não e, nesta última situação, autuar o agente infrator.3


No caso dos autos, resultou provado que no âmbito de uma ação de fiscalização rodoviária, realizada em 19-08-2023, o condutor não apresentou ao agente fiscalizador os registos de tacógrafo dos dias 21, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30 de julho e dias 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17 de agosto, nem apresentou qualquer documento justificativo, declaração ou outro documento de atividade, que permitisse justificar as ausências de tais registos.


Assim sendo, os factos provados levam-nos a concluir pelo preenchimento do elemento objetivo do ilícito, uma vez que o condutor não apresentou ao agente encarregado da fiscalização, as folhas de registo dos 28 dias anteriores, nem apresentou documento que justificasse a omissão.


Avancemos agora para a apreciação do elemento subjetivo do ilícito.


O artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, veio dispor que “1. A empresa é responsável por qualquer infração cometida pelo condutor”, sem prejuízo da possibilidade da exclusão dessa responsabilidade no caso do n.º 2 desse preceito, de harmonia com o qual “2. A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, (…), e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006 (…)”, caso este em que essa responsabilidade é do condutor, como se diz no seu n.º 3, nos termos do qual “3. O condutor é responsável pela infração na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.”.


Ora, o que a lei prescreve é que a empresa é quem responde pela infração cometida pelo condutor (independentemente deste ser trabalhador subordinado ou prestador de serviços4), salvo se conseguir demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor cumprisse o Regulamento Comunitário, conforme prevê o n.º 2 do artigo, o que, no caso concreto, a empresa não logrou demonstrar.


Logo, mostra-se preenchido o elemento subjetivo do ilícito contraordenacional, sob a forma de negligência por a empresa não ter agido com o dever de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.


Destarte, a factualidade provada é suficiente para concluir pela imputação (objetiva e subjetiva) do ilícito contraordenacional à recorrente.


Nesta sequência, e considerando que não vem posto em causa o concreto montante da coima, resta-nos concluir pela improcedência do recurso e, por consequência, pela manutenção da decisão recorrida.


Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.


*


V. Decisão


Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a decisão recorrida.


Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.


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Évora, 10 de dezembro de 2025


Paula do Paço


Mário Branco Coelho


Luís Jardim

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1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.º Adjunto: Luís Jardim↩︎

2. A título de exemplo, referem-se os Acórdãos de 14-09-2023 (P. 426/23.1T8PTM.E1), de 11-05-2023 (P. 1351/22.9T8TMR.E1) e de 27-06-2019 (P. 2276/18.8T8EVR.E1), consultáveis em www.dgsi.pt.↩︎

3. Neste sentido, v.g. Acórdão da Relação do Porto de 05-12-2011 (P. 68/11.4TTVCT.P1); Acórdão da Relação de Guimarães de 20-10-2016 (P.1154/15.7T8BCL.G1); Acórdão da Relação de Lisboa de 16-03-2016 (P. 196/15.7T8BRR.L1.4), publicados em www.dgsi.pt.↩︎

4. Cf. Acórdão da relação do Porto de 06-02-2023 (P. 249/21.2Y3VNG.P1), acessível em www.dgsi.pt.↩︎