Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ MANUEL BARATA | ||
Descritores: | CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA AVALISTA DIREITO DE PREFERÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 10/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | O avalista não tem direito de preferência no contrato de locação financeira imobiliário. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 364/21.2T8STB-T.E1 Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora Recorrente: (…) * No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Comércio de Setúbal – Juiz 1, no âmbito da insolvência de (…) Medic, S.A. requerida por (…), S.A., foi proferido o seguinte despacho:* O administrador da insolvente veio, em 19.05.2022, alegar o seguinte:-Veio o Exmo. Sr. AI informar os presentes autos que não pretende dar cumprimento aos contratos celebrados com o Banco (…) e com a Caixa (…), SA; -Em consequência, veio o douto Tribunal ordenar a entrega aos credores dos imóveis em causa; -Contudo, o ora decidido não poderá proceder; -O ora requerente é avalista nos contratos celebrados com o Banco (…) e com a Caixa (…), SA; -Pelo que tem o direito de preferência sobre os referidos imóveis; -Direito esse que pretende exercer. Ouvidos os credores, veio a credora Caixa Geral de Depósitos, SA, invocar o seguinte: -A obrigação do avalista não é subsidiária da do avalizado, mas antes materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao lado formal, já que a lei estabelece o princípio de que a obrigação do avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula, salvo por vício de forma; -Por outro lado, tal responsabilidade é solidária, já que o avalista não goza do benefício da excussão prévia, mas responde pelo pagamento da livrança solidariamente com os demais subscritores; -É devida a quantia reclamada a título de capital, fruto da resolução operada por força do incumprimento, bem como o valor devido a título de juros, nos termos dos cálculos elaborados; -A qualidade de avalista não lhe confere qualquer direito de preferência, sendo que não está em causa qualquer ato de venda. E o credor Banco (…), SA veio, em 03.06.2022, invocar o seguinte: -O Banco (…) é proprietário da fração autónoma designada pela letra “R”, correspondente ao primeiro andar, atelier 5, destinado a comércio/serviços, parqueamentos 38, 39, 40, 41 e 42, no piso -3, do prédio urbano, denominado Lote 4, sito na Estrada da (…), freguesia de (…), concelho de Oeiras, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…); -O identificado imóvel foi outrora dado de locação à Insolvente, correspondendo ao objeto do contrato de locação financeira imobiliária n.º (…), oportunamente reclamando e reconhecido; -Entretanto, o Sr. Administrador da Insolvência (AI) declarou expressamente que não pretende cumprir o identificado contrato de leasing; -Até à presente data, o Sr. AI não promoveu a entrega do imóvel ao seu proprietário, o Banco (…), circunstância que é geradora de elevados prejuízos para o Banco (…), que se vê sucessivamente impossibilitado de dispor livremente do bem imóvel sua propriedade; -Têm vindo a ser mantidos contactos entre o Banco (…) e o Sr. AI, no âmbito dos quais o Requerente foi informado que o Sr. AI desconhece o estado do imóvel, nomeadamente se se encontra livre e devoluto, pois não tem (nem nunca teve…) acesso ao mesmo; -Recentemente, o Banco (…) incumbiu uma empresa de prestação de serviços na área da recuperação de ativos – entidade que colabora, com muita regularidade, com o Banco – de se deslocar ao local e aferir o estado do imóvel, concretamente se se encontra livre de pessoas e bens; -No decurso da visita ao local, a referida entidade pôde constatar que o imóvel se encontra ocupado, por uma empresa que lá se encontra a laborar; -Confrontado um ocupante que se intitulou “responsável” da referida empresa, o mesmo promoveu um contacto telefónico com o Sr. (…), alegadamente, o legal representante da entidade que se encontra a ocupar o imóvel propriedade do Banco (…) – tendo, seguidamente, dado possibilidade ao representante da empresa mandatada pelo Banco de participar na referida conversa; -Durante a qual, o Sr. (…) foi perentório ao afirmar que tem conhecimento do que se passa no processo de insolvência e que “voluntariamente não sai”; -Resulta evidente que qualquer diligência que o Sr. AI promova com o intuito de cumprir o ordenado pelo Tribunal, resultará num “confronto” com os ocupantes – que pese embora tenham consciência que a sua posse não é titulada nem lhes está, de qualquer forma, autorizada, persistem na ocupação do imóvel; -Neste contexto, a tomada de posse do imóvel assume-se como uma diligência absolutamente necessária e urgente; -Pelo que, tendo em vista a boa concretização da mesma, o Banco (…) encontra-se disponível, a todo o tempo, para colocar à disposição do Sr. AI os meios necessários para a mudança de fechaduras do imóvel; -Atentas as grandes dificuldades que se esperam na concretização da diligência, nomeadamente a elevada resistência por parte dos ocupantes, requer autorização para recurso ao auxílio da força pública, possibilitando ao Sr. AI um apoio acrescido que se prevê absolutamente necessário. A insolvente veio ainda responder, em 20.06.2022, alegando que o seu administrador pretende adquirir o imóvel pertença do Banco (…), SA.. Por fim, veio a credora Caixa Geral de Depósitos, SA, em 07.07.2022 informar o seguinte: -O imóvel propriedade da Caixa Geral de Depósitos, SA e objeto de Contrato de Locação Financeira encontra-se o ocupado pelo Supermercado (…); -Desconhecendo, no entanto, a Credora o valor da renda mensal paga pelo referido Supermercado à Insolvente; -Ora, tais rendas deverão ser apreendidas a favor da Massa Insolvente; -Pelo que deverá ser notificado o Supermercado (…), (…), Zona Industrial, (…), para informar condições do Contrato, juntando cópia do mesmo, e informar do valor de rendas pagas, bem como proceder ao pagamento das rendas à Massa Insolvente; -Mais deverá o referido Supermercado (…) informar as rendas pagas após a declaração de Insolvência, para que a Insolvente proceda à sua restituição à Massa Insolvente; -Mais cumpre referir que a Insolvente beneficiou da adesão às medidas excecionais de apoio e proteção previstas no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de Março – Moratória Legal – suspendendo-se a partir de 30/4/2020 o pagamento à Credora das prestações de capital, juros e demais encargos que se venciam até 30 de setembro de 2020, com capitalização dos juros e outros encargos e prorrogação do prazo do contrato por um período de seis meses; -Entre a Insolvente e a (…), Gestão de (…) e Telecomunicações, SA, foi celebrado Contrato de utilização de espaço tendo em vista a instalação de radiocomunicações “(…)”, desconhecendo, no entanto, a Credora o valor da renda paga pela (…), Gestão de (…) e Telecomunicações, SA, à Insolvente; -Ora, igualmente tais rendas deverão ser apreendidas a favor da Massa Insolvente, pelo que deverá ser notificada a (…), Gestão de (…) e Telecomunicações, SA para informar condições do Contrato, juntando cópia do mesmo, e informar do valor de rendas pagas, bem como proceder ao pagamento das rendas à Massa Insolvente; -Mais deverá a (…), Gestão de (…) e Telecomunicações, SA informar as rendas pagas após a declaração de Insolvência, para que a Insolvente proceda à sua restituição à Massa Insolvente; -Mantendo-se a informação já antes reportada quanto ao facto de a Credora ainda não estar na posse do imóvel, requer a notificação do Exmo. Senhor Administrador de Insolvência para designar data para a entrega do bem à Caixa Geral de Depósitos, SA. Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão ao administrador da insolvente e à insolvente. De acordo com o disposto no artigo 108.º do CIRE, compete ao Sr. AI decidir pelo cumprimento, ou não, dos contratos de locação financeira em curso. Caso entenda não cumprir com os contratos, deverá informar o locador e proceder à entrega dos bens (no caso concreto, de dois imóveis). O Sr. AI já informou que não pretende cumprir com os contratos, pelo que os imóveis não serão aprendidos e vendidos nos autos e por isso não interessa apreciar qualquer direito de preferência ou vontade de o administrador da insolvente em os adquirir (se pretender fazê-lo terá de contactar diretamente a locadora. O que falta fazer, e terá de ser feito, é proceder à entrega dos imóveis às locadoras, devendo o Sr. AI providenciar pelas mesmas. Assim, notifique o Sr. AI para, em 20 dias, proceder à entrega dos imóveis às locadoras. Caso essa entrega encontre oposição por parte dos ocupantes, deverá informar desse facto nos autos, de modo a que se possa decidir pela requisição do auxílio da força pública. Caso os imóveis estejam ocupados por empresas que paguem uma contraprestação financeira, deve essa informação chegar aos autos e a mesma ser paga a favor da massa insolvente. * Não se conformando com o decidido, (…), avalista nos contratos de leasing imobiliário apelou, formulando as seguintes conclusões que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:i. O ora recorrente não concorda com o decidido pelo douto Tribunal. ii. Veio Exmo. Sr. AI informar os presentes autos que não pretendia dar cumprimento aos contratos celebrados com o Banco (…) e com a Caixa (…), SA e, assim, o veio o Tribunal ordenar a entrega aos credores dos imóveis em causa. iii. O ora recorrente é avalista nos contratos celebrados com o Banco (…) e com a Caixa (...), S.A. pelo que tem o direito de preferência sobre os referidos imóveis, direito esse que manifestou pretender exercer (artigo 416.º, n.º 1, do CC, ex vi do n.º 2 do artigo 116.º do CC). iv. O direito de preferência é um direito real que confere ao titular o direito de prevalência e sequela sobre o objeto preferido, tudo se passando, quando feito valer judicialmente, como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente. v. O decidido pelo douto Tribunal viola o direito de preferência do ora recorrente bem como denega a aplicação da justiça. vi. Pelo que deverá ser o douto despacho revogado e, em consequência, não haver qualquer entrega imóveis apreendidos nos presentes autos por parte do Exmo. Administrador de Insolvência sob pena de se incorrer num ato prejudicial que necessariamente terá de ser declarado nulo. vii. Trata-se igualmente de uma obrigação solidária entre a insolvente, subscritora originaria do mútuo e o ora recorrente (fiador). viii. Pelo que, também aqui não podem os imóveis serem entregues às locadoras sem o cumprimento de interpelação ao ora recorrente, avalista e obrigado solidário. ix. O Tribunal conheceu do objeto dos contratos de locação financeira imobiliária, ao reconhecer os créditos da Caixa (…), SA e Banco (…), SA, tendo reconhecido os créditos e o respetivo objeto, o qual é comum ao ora recorrente e avalista. Termos em que com os mais de Direito doutamente supridos por V.ª Ex.ª se deverá considerar procedente por provado o presente RECURSO revogando-se a decisão ora em crise, tudo conforme melhor proclama a douta e costumada JUSTIÇA! * Foram dispensados os vistos.* A questão que importa decidir é a de saber se o avalista beneficia de direito de preferência em contrato de locação financeira que tenha por objeto um imóvel (leasing imobiliário).* A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório inicial.*** Conhecendo.A insolvente celebrou dois contratos de locação financeira, o primeiro com a Caixa (…), S.A. e o segundo com o Banco (…), S.A., tendo por objeto dois imóveis distintos. O artigo 1.º do Dec.-Lei 149/95, 24-06 e sucessivas alterações, dispõe que Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados. Característica deste contrato é o facto de a propriedade do bem móvel ou imóvel pertencer ao locador. Só com o pagamento da última renda, o locatário pode transferir a propriedade do imóvel para a sua esfera jurídica a título de proprietário. Caso o locatário não exerça a faculdade de adquirir o imóvel findo o contrato, o locador pode dispõe do bem, nomeadamente vendendo-o ou dando-o em locação financeira ao anterior locatário ou a terceiro. Por outro lado, o locatário está sujeito a várias obrigações descritas no artigo 10.º, figurando entre eles o de Restituir o bem locado, findo o contrato, em bom estado, salvo as deteriorações inerentes a uma utilização normal, quando não opte pela sua aquisição (alínea k). Assim sendo, o direito de adquirir o bem locado apenas surge na esfera jurídica do locatário no momento em que, findo o contrato, pague a última renda. Ora, no caso dos autos, o administrador da insolvência, antes de findos os contratos, declarou não pretender adquirir os imóveis pelo que optou pela recusa do seu cumprimento, nos termos preconizados pelo artigo 102.º/3, do CIRE. Assim sendo, as relações entre a insolvente e as locadoras nunca extravasaram as relações meramente obrigacionais, nunca atingindo a fase real, ou seja, a fase em que se procederia à transferência da propriedade da locadora para a locatária. Aqui chegados cumpre analisar a qualidade do recorrente como avalista e se esta qualidade lhe confere o direito de preferência que se arroga. O direito de preferência pode ter origem legal ou convencional, estando esta modalidade prevista no artigo 414.º do CC e a legal dispersa na ordem jurídica. Ao invocar o artigo 416.º o recorrente faz apelo à preferência convencional, estipulando este inciso legal que “Querendo vender a coisa que é objeto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respetivo contrato.” Ora, daqui se infere que o recorrente parte do pressuposto que nas relações entre a insolvente, representada pelo administrado de insolvência, e as entidades financeiras, se estabeleceram relações de compra e venda, figurando as financeiras como vendedoras dos imóveis e a insolvente como compradora. Contudo, como resulta do recorte do contrato de locação financeira acima efetuado, não estamos em presença de qualquer contrato de compra e venda, uma vez que as locações não atingiram ainda essa fase, por opção da insolvente. Assim sendo, não se constituiu na esfera jurídica do recorrente qualquer direito de preferência relativamente a contratos de compra e venda inexistentes. A posição jurídica do recorrente e os seus interesses patrimoniais podem ser facilmente contemplados se pugnar pela cessão da posição contratual nos contratos de locação financeira em causa, bastando para isso que obtenha o acordo das locadoras (artigos 11.º do Decreto-Lei n.º 149/95 e 424.º do Código Civil). O que significa a improcedência da apelação e a confirmação do decidido. *** Sumário: (…)*** DECISÃO.Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a decisão recorrida. Custas pelo recorrente – artigo 527.º do CPC. Notifique. *** Évora, 13-10-2022José Manuel Barata (relator) Cristina Dá Mesquita Emília Ramos Costa |