Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA CLARA FIGUEIREDO | ||
Descritores: | SAÍDA DE LICENÇA JURISDICIONAL SENTENÇA INVALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 09/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - O vício residual da irregularidade e o regime processual que lhe está associado foi pensado e adequa-se a violações da lei que revistam menor importância e que não ponham em causa a estrutura e a verdadeira essência do ato que inquinam, pelo que qualquer ato decisório, materialmente semelhante à sentença, será sempre nulo se não for fundamentado. II - As decisões que apreciem os requerimentos de concessão de licença de saída jurisdicional não poderão deixar de qualificar-se materialmente como sentenças, tal é a importância do que decidem – podendo afetar direitos fundamentais dos reclusos, como o direito à liberdade condicional progressiva, o princípio da reabilitação e reinserção social e o direito a decisões fundamentadas, com garantia de contraditório e de recurso – encontrando-se, por isso, sujeitas às exigências de fundamentação próprias das sentenças, previstas no artigo 374º, nº 2 do CPP e sendo-lhes aplicáveis as normas processuais reguladoras dos vícios de que as mesmas possam enfermar, designadamente o vício da nulidade por falta ou insuficiência da fundamentação cominado no artigo 379º, nº 1, alínea a) do CPP. III - Tendo convocado para a sua fundamentação factos constantes de outra decisão, sem os reproduzir, o tribunal “a quo” tornou a decisão recorrida ininteligível por não permitir aos seus destinatários, nos quais se inclui este tribunal, tomar conhecimento do seu conteúdo integral. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório. Por decisão proferida em 19.02.2025, nos autos de processo de licença de saída jurisdicional com o n.º 516/12.6TXPRT-S, que correm termos no Juízo de Execução de Penas – J… do Tribunal de Execução de Penas de …, não foi concedida a licença de saída jurisdicional ao arguido AA, identificado nos autos, atualmente preso no Estabelecimento Prisional de …. Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “I. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, decisão que indeferiu o pedido de saída jurisdicional apresentada pelo recluso melhor identificado supra. QUESTÃO PRÉVIA DA LEGITIMMIDADE DO RECORRENTE II. Do artigo 196.º do CEP parece resultar que apenas o MP tem legitimidade para recorrer da decisão que conceda, recuse ou revogue a licença de saída jurisdicional contudo, entendemos s.m.o. que este normativo terá de ser conjugado com o estabelecido, entre outros, no artigo 236, nº 1, alínea b) do CEP. III. Ao condenado é-lhe legalmente facultado o direito a recorrer contra as decisões contra si proferidas – só assim se poderá garantir o direito ao recurso legal e constitucionalmente previsto. IV. Em face da Lei Fundamental, não poderá nunca o arguido recluso ser impedido de recorrer de uma decisão contra si proferida, mormente, a recusa de concessão de saída jurisdicional. V. Pois, tributando o entendimento que apenas o MP poderá recorrer – tal poderá em situações práticas como a dos autos, impedir que a decisão proferida pelo TEP seja incontestável. VI. Para tal, basta que o MP se oponha à concessão da saída jurisdicional – pois, em face de tal posição deixará de ter qualquer interesse em agir como, aliás, resulta dos autos. VII.Com efeito, só assegurando o direito ao recurso ao arguido de todas as decisões que lhe sejam desfavoráveis, incluído as situações previstas no artigo 196.º do CEP é que se mostra salvaguardado o direito ao recurso, legal e constitucionalmente consagrado. VIII. Entendimento contrário, forçosamente irá esbarrar com a Lei Fundamental. IX. Mas, ainda que assim se entenda, desde já e, por mera cautela de patrocínio se deixa invocada a inconstitucionalidade do elenco normativo integrado pelas disposições dos artigos 196.º, 235.º e 238.º do CEP quando interpretados no sentido de não ser permitido ao arguido/recluso recorrer contra decisão que não lhe concedeu a licença de saída jurisdicional, por afrontar diretamente com o vertido na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente com os artigos 2º, 9º, 18º, e 32º n.º 1 e ainda o artigo 13º “Direito a recurso efetivo, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, e artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, aprovado e publicado em Diário da República a 9 março de 1978. DA IRREGULARIDADE – DEFÍCE DE FUNDAMENTAÇÃO X. Dispõe o art. 146.º, n.º 1 do CEPMPL que os atos decisórios do juiz de execução de penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. XI. O dever de fundamentação tem consagração constitucional (art. 205.º) e respaldo legal, nomeadamente no art. 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, impondo-se também ao Juiz do Tribunal de Execução de Penas. XII. Ora, analisada a decisão em mérito, não consegue o Recorrente vislumbrar as razões de facto e de direito subjacentes ao sentido decisório ali trilhado. XIII. Isto posto, impõe-se concluir que a fundamentação da decisão em apreço é insuficiente, não permitindo ao Recorrente percecionar as razões de facto e de direito subjacentes a tal decisão e, portanto, a mesma padece de irregularidade prevista no art. 123.º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art.154.º do CEPMPL. DO RECURSO PROPRIAMENTE DITO XIV. O arguido/recluso não se pode conformar com a, aliás douta, decisão proferida que lhe negou o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional. XV. O arguido/recluso se encontra a cumprir penas sucessivas o que, atendendo às condenações aplicadas, o arguido/recluso terá de cumprir uma pena global de 23 anos e 1 mês. XVI. O arguido/recluso encontra-se privado da liberdade desde o dia 26/01/2011. XVII. Assim, atenta a data em que iniciou o cumprimento da pena (26/01/2011) e o número de anos a cumprir (23 anos e 1 mês) temos que o mesmo atingiu o meio da soma das penas em execução ocorreu em 23/5/2022, prevendo-se os 2/3 dessa soma para 28/3/2026, os 5/6 para 2/2/2030 e o termo para 8/12/2033; XVIII. Com efeito, tendo o arguido/recluso apresentado no dia 10/07/2024 pedido de licença de saída jurisdicional – nessa data o arguido/recluso já havia cumprido, pelo menos, metade (1/2) da soma das penas em execução, mostrando-se assim verificado o pressuposto estabelecido na alínea a), nº 2, artigo 79.º do CEP. XIX. Por outro lado, resulta dos autos que o arguido/recluso se encontra a executar a pena em regime aberto; inexiste quanto a este qualquer processo pendente e quanto ao arguido/recluso verifica-se a inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecederem o pedido – mostrando-se, por conseguinte, verificados todos os requisitos de que depende a concessão da licença de saída jurisdicional nos termos do nº 2 do artigo 79.º do CEP. XX. Com efeito, todos os pressupostos de que depende a concessão da licença de saída jurisdicional conforme o requerido pelo arguido, designadamente, os requisitos dos artigos 78.º e 79.º do CEP – se mostram verificados. XXI. Ao nível pessoal o recluso encontra-se perfeitamente inserido na comunidade prisional, encontra-se a trabalhar no Estabelecimento Prisional; não detém qualquer incidência disciplinar nos últimos anos; interiorizou e deu mostras de ter interiorizado o desvalor das suas condutas que o conduziram à situação de reclusão, apresentando-se crítico relativamente ao seu comportamento passado, demonstrando arrependimento pelo mesmo. XXII. Prova disso mesmo é que no pedido de concessão de licença jurisdicional apresentado – tal pedido, contrariamente a outros pedidos – mereceu o voto favorável por unanimidade no sentido da concessão da licença de saída jurisdicional por parte do conselho técnico. XXIII. O que só por si revela o reconhecimento da evolução do arguido/recluso por parte de todos os membros que integram o conselho técnico. XXIV. Daí que se revele pouco compreensível a decisão aqui sindicada. XXV. Pois, reitere-se, que in casu se verificam todos os pressupostos legalmente exigidos para a concessão de licença de saída jurisdicional. XXVI. Ao rejeitar tal concessão, a decisão em mérito enferma de ilegalidade por violação do preceituado nos artigos 78 e 79.º do CEP – impondo-se a sua revogação.” Termina pedindo a revogação da sentença recorrida. * O recurso foi admitido. Na 1.ª instância o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões: “1 – O recluso AA cumpre um somatório de penas de 23 anos e 1 mês de prisão, pela prática dos seguintes crimes: roubo qualificado agravado pelo resultado morte, posse ilegal de arma, tráfico de estupefacientes agravado (praticado em meio prisional) e coacção (juízos condenatórios proferidos nos processos n ºs 1721/09.8…, 42/17.7… e 48/17.6…). 2 – Tendo o mencionado recluso requerido uma licença de saída jurisdicional, esta não lhe foi concedida, sendo certo que a decisão judicial denegatória teve em conta a gravidade dos crimes cometidos e a medida das penas aplicadas e baseou-se no facto do condenado não apresentar adequada interiorização crítica das suas condutas criminosas e suas consequências. 3 – Atentas as circunstâncias dos ilícitos criminais praticados e bem assim a deficitária interiorização crítica manifestada pelo recorrente, tem de concluir-se por uma dúvida séria quanto à expectativa de que este se comporte de modo socialmente responsável e normativo durante o gozo da licença, sendo também a sua concessão incompatível com a defesa da ordem jurídica. 4 – Pelo que não se encontra preenchida a previsão normativa do artigo 78 º n º 1 al.s a) e b) do CEPMPL. 5 – A decisão recorrida assenta num prognóstico fundado numa adequada consideração dos factos ilícitos e seu circunstancialismo e numa correcta valoração do seu significado à luz das regras da experiência comum, tudo perspectivado no âmbito do princípio da livre apreciação da prova. 6 – Bem andou, pois, o Tribunal “a quo” ao não conceder a requerida licença de saída jurisdicional ao recorrente, sendo certo que na decisão recorrida foi feita uma correcta ponderação dos factos e aplicação do direito.” * O Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da verificação da irregularidade da decisão recorrida por insuficiência da fundamentação. * Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta. * Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação. II.I Delimitação do objeto do recurso. Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso. Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida. No presente recurso, atendendo às conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação e considerando as matérias de conhecimento oficioso, são duas as questões a apreciar e a decidir, a saber: - Determinar se a decisão recorrida é nula ou irregular por falta de fundamentação. - Caso não se verifique nenhum dos vícios referidos no ponto anterior, determinar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito em virtude de se encontrarem reunidos os pressupostos legais, formais e materiais, para ser concedida ao recorrente a licença de saída jurisdicional ou se, ao invés, os critérios legais, aplicados à situação do arguido, justificam a sua manutenção. * II.II - A decisão recorrida. É o seguinte o teor da decisão recorrida, proferida nos autos em impresso pré-elaborado, com escolhas múltiplas: “SENTENÇA I. Relatório: O/a recluso(a) pediu a concessão de uma licença de saída jurisdicional, o que foi liminarmente admitido. O Conselho Técnico reuniu e emitiu parecer: X Favorável, por Unanimidade X, Maioria __ (com voto desfavorável de __) Voto de qualidade do(a) Sr.(ª) Director(a) __ (com votos favoráveis de __). __ Desfavorável, por Unanimidade __, Maioria __ (com voto desfavorável de __) Voto de qualidade do(a) Sr.(ª) Director(a) __ (com votos favoráveis de __). O Ministério Público emitiu parecer __ favorável/ X desfavorável. II. Os factos: Da análise do pedido efetuado em Conselho Técnico, bem como dos demais elementos que instruem os presentes autos, considerando ainda os requisitos e critérios gerais previstos no artº 78º da Lei nº 115/2009 de 12/10, deverá ter-se em conta o seguinte: 1º Natureza e gravidade do(s) crime(s) praticado(s): prematura face à gravidade dos __ 2º Duração da pena: crimes e medida da soma das penas_ 3º Eventual perigo para a sociedade do insucesso da aplicação da medida, designadamente ponderando os antecedentes conhecidos da vida do(a) recluso(a) ____ 4º Características do ambiente sócio/familiar de integração do(a) recluso(a) __ existente/ ___ inexistente/ ___ frágil/ ___ inadequado; 5º Necessidade de protecção da vítima; 6º ___ Evolução positiva/negativa da execução da pena ou medida privativa da liberdade, nomeadamente concretizada em: a) __ Prática de factos que conduziram à aplicação de sanção ou sanções disciplinares; b) ____ c) ____ 7º __ Pena/sanção administrativa de expulsão do território nacional, a executar; 8º X_ Desde a última apreciação da situação do recluso que se mantêm os pressupostos que fundamentaram a decisão que então se proferiu; Ausência de consciência crítica como consta da última decisão de l. condicional; 9º ____ * Com efeito, os aspectos atrás assinalados / NÃO PERMITEM concluir: X Por uma fundada expectativa de que o(a) recluso(a) se comporte, em liberdade, de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; X Pela compatibilidade da saída requerida com a defesa da ordem e paz social; X_ Por uma fundada expectativa de que o8a) recluso(a) não se subtraia à execução da pena. III. Decisão Pelo exposto: X_ NÃO CONCEDO a requerida licença de saída jurisdicional. ›› X_ O/a recluso(a) não poderá formular novo pedido de concessão de licença de saída jurisdicional antes de decorridos 4 meses a contar da data em que teve conhecimento da presente decisão. ›› _ O/a recluso(a) poderá formular novo pedido de concessão de licença de saída jurisdicional decorridos ___ meses a contar da notificação da presente decisão. Para o efeito considera-se que ____ * __ CONCEDO (…)” *** II.III - Apreciação do mérito do recurso. A) Da insuficiente fundamentação da decisão recorrida. A questão da amplitude da fundamentação das decisões que concedam ou deneguem as licenças de saída jurisdicional – à semelhança do que sucede com as decisões relativas à liberdade condicional – e da consequência processual da falta ou insuficiência de tal fundamentação, matérias que têm sido objeto de discussão na doutrina e na jurisprudência nacionais, entroncam na também controversa questão da natureza das mencionadas decisões e dos direitos que afetam.1 Como sabemos, as licenças de saída jurisdicional, tal como hoje estão previstas, concedidas por decisão do tribunal de execução de penas, não existiam antes da entrada em vigor da Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, que aprovou o CEPMPL. Antes da vigência deste Código, a execução das penas privativas de liberdade em Portugal era regulada principalmente pelo Código de Processo Penal e por regulamentos administrativos internos do sistema prisional, nomeadamente, o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de agosto) e, mais tarde, o Regulamento Interno dos Estabelecimentos Prisionais, aprovado por portarias e circulares do Ministério da Justiça. Temos assim que antes de 2009 – num modelo mais administrativista e com o papel do juiz de execução das penas muito mais reduzido – não existia uma previsão legal expressa de “licença de saída jurisdicional” decidida por um juiz de execução das penas. As saídas de reclusos do estabelecimento prisional, quando permitidas, eram administrativas, decididas pela direção do estabelecimento prisional (em certos casos com parecer dos serviços) e baseadas em necessidades excecionais, tais como motivos humanitários, saúde, morte de familiares, etc., sem base jurisdicional, sendo que o juiz apenas intervinha noutros momentos da execução das penas. Foi, pois, o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro que introduziu, de forma clara, o modelo jurisdicional de execução das penas, no qual o juiz de execução de penas passou a ter competências próprias, entre essas se incluindo a de conceder licenças de saída jurisdicional, nos termos do então artigo 92.º, atual 79.º do CEPMPL. E, no âmbito da referida alteração do modelo da execução das penas, operaram-se várias mudanças significativas no que diz respeito aos requisitos das decisões a proferir. Assim, para além de se terem criado as decisões de concessão de licença jurisdicional e de se terem passado a denominar de “decisões”, as decisões dos juízes que concedem ou recusam a liberdade condicional2, conforme resulta da epígrafe e do nº 3 do artigo 177º do CEPMPL, o atual n.º 1 do artigo 146.º do mesmo código impõe expressamente que “Os atos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.” 3 Porém, para além de ter criado a figura das licenças de saída jurisdicional, a conceder por decisão de um juiz, de ter deixado de se referir à decisão sobre a liberdade condicional como um despacho e de ter passado a incluir uma norma que reproduz o n.º 5 do artigo 97.º do C.P.P, o CEPMPL nada trouxe verdadeiramente de relevante quanto à matéria que nos ocupa. Assim, pese embora a imposição expressa de fundamentação das referidas decisões, operada pela entrada em vigor de tal código, as questões da amplitude da fundamentação das mesmas e das consequências da sua insuficiência mantém-se, não encontrando consenso na doutrina e na jurisprudência portuguesas, com maior proficiência no que tange às decisões relativas à liberdade condicional. Estamos, porém, em crer que as razões que têm vindo a alinhar-se para qualificar o vício da falta ou insuficiência de fundamentação das decisões do juiz do tribunal de execução de penas valem indistintamente para as decisões relativas à liberdade condicional e para as decisões atinentes às licenças de saída jurisdicional, conquanto ambas poderão afetar direitos fundamentais dos reclusos, como o direito à liberdade condicional progressiva, o princípio da reabilitação e reinserção social – previsto no artigo 40.º do CP – e o direito a decisões fundamentadas, com garantia de contraditório e de recurso. A propósito desta temática, são duas as correntes que têm vindo a delinear-se: - Por um lado, temos o entendimento de que tais decisões, atendendo primacialmente à importância do que estabelecem, são materialmente sentenças, pelo que a falta ou insuficiência da sua fundamentação constitui uma nulidade, nos termos previstos no artigo 379º do CPP.4 - Por outro lado, encontramos o entendimento segundo o qual a falta ou deficiente fundamentação das decisões que apreciam a liberdade condicional ou o requerimento de concessão de licença de saída jurisdicional se subsume à irregularidade regulada no artigo123º do C.P.P.5 Assenta esta posição essencialmente no argumento de que, no que diz respeito às nulidades, o CPP estabelece o princípio da legalidade, nos termos do qual, só serão nulos os atos processuais expressamente cominados na lei com tal vício, sendo que, sempre que assim não suceda, os atos ilegais serão irregulares – é o que estatuem os nºs 1 e 2 do artigo 118º do CPP. De acordo com esta linha argumentativa, sendo taxativa a enumeração das nulidades, as mesmas terão de estar estabelecidas em preceito legal, tal como sucede com as nulidades da sentença especificamente previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 379º do CPP. Ao invés, não sendo as decisões relativas à liberdade condicional ou às licenças de saída jurisdicional sentenças e não se encontrando o vício resultante da falta ou insuficiência da sua fundamentação cominado na lei como nulidade, segundo este entendimento, tal vício deverá, residualmente, qualificar-se como irregularidade. * Não subscrevemos, porém, este último entendimento, afigurando-se-nos que a qualificação como irregularidade do vício de falta ou insuficiência de fundamentação dos atos decisórios formalmente não denominados de sentenças, mas materialmente equiparados às mesmas, se revela desadequada e absolutamente contrária ao espírito dos nossos sistemas processual penal ou de execução de penas que, ancorados nas garantias constitucionais que tutelam o direito de defesa dos arguidos e o direito a um processo justo e equitativo, elegem o dever de fundamentação como estruturante dos atos decisórios. Estamos em crer que o vício residual da irregularidade e o regime processual que lhe está associado foi pensado e se adequa a violações da lei que revistam menor importância e que não ponham em causa a estrutura e a verdadeira essência do ato que inquinam. Pensamos, aliás, que o que vimos de dizer se extrai, com meridiana facilidade, da leitura atenta e concatenada dos preceitos reguladores das nulidades, das irregularidades e dos vícios das sentenças – que encontramos nos artigos 118º a 123º e 379º do CPP – devidamente enformada pelo disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República, nos termos do qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”. Parece-nos que o elenco das nulidades constante dos artigos 119º e 120º do CPP – e, bem assim, a previsão dos restantes atos violadores de normas legais, que, por se não incluírem em tal elenco, serão irregulares, nos termos estabelecidos pelo artigo 118º nºs 1 e 2 do CPP – se encontra pensado para atos de natureza procedimental. Entre as nulidades previstas no referido elenco nenhum ato descortinamos que assuma natureza de ato decisório sujeito ao elementar dever de fundamentação. Quanto a estes, no artigo 379º, nº 1, al. a) do CPP, a lei comina com a nulidade a falta ou a insuficiência de fundamentação no que diz respeito às sentenças, nada dizendo no que diz respeito à cominação de idêntico vício nos demais atos decisórios. Mas não o terá feito, parece-nos, visando integrar residualmente os restantes atos decisórios não fundamentados na categoria dos atos irregulares sanáveis com o mero decurso do prazo de 3 dias previsto no nº 1 do artigo 123º do CPP, mas antes por ter assumido que qualquer ato decisório, materialmente semelhante à sentença, será sempre nulo se não for fundamentado. Outra solução não se coaduna, a nosso ver, com a interpretação sistemática e teleológica das citadas normas processuais penais, que, como aplicadores do direito, se nos impõe realizar. Na linha do que vem sendo defendido pela primeira das duas posições acima expostas, estamos convictos que as decisões que concedam, deneguem ou revoguem quer a liberdade condicional, quer a licença para saída jurisdicional, não poderão deixar de qualificar-se materialmente como sentenças, tal é a importância do que decidem, encontrando-se, por isso, sujeitas às exigências de fundamentação próprias das sentenças e sendo-lhes, naturalmente, aplicáveis as normas processuais reguladoras dos vícios de que as mesmas possam enfermar. Não colhe a nosso ver o argumento de que as decisões em causa não poderão equipara-se materialmente às sentenças porque não conhecem, a final, do objeto do processo. Note-se que até a esse nível encontramos similitude destes atos decisórios com as sentenças, conquanto quer as decisões que apreciam a liberdade condicional, quer as que apreciam os requerimentos para concessão de saída jurisdicional, conhecem igualmente do objeto do processo organizado para o efeito, concreta e especificamente previsto no CEPMPL6, com fases, formalidades e competências próprias atribuídas aos vários intervenientes processuais, e que culminará na prolação da decisão final do juiz de execução de penas sobre a manutenção ou não da reclusão do condenado – até à liberdade definitiva, no caso da liberdade condicional; ou por um determinado período, no caso da licença de saída jurisdicional – sustentada numa valoração das provas subjacentes à decisão sobre a matéria de facto carreada para tal processo. Poderá tal decisão bastar-se com uma fundamentação menos exigente do que a que se encontra prevista no artigo 374º, nº 2, do C.P.P. para as sentenças? Pensamos que não. E não nos impressiona a argumentação que se arrima na literalidade das normas acima referenciadas para defender que a falta de qualificação formal destes atos como sentenças impede que se lhes estenda o respetivo regime relativo às exigências de fundamentação. Nem o argumento que convoca a norma especial do CEPMPL, constante do seu artigo 192º nº 1, que estatui que a decisão em causa é oral e ditada para a ata, sendo certo que de tal norma apenas poderemos retirar que estamos em presença de uma decisão simplificada na forma e no conteúdo7, mas nem por isso subtraída às exigências mínimas de fundamentação. Mais relevante se nos afigura o argumento que, estribado na interpretação sistemática e teleológica das mencionadas normas, aponta para a equiparação material destes atos decisórios às sentenças, com a consequente aplicação do regime relativo às exigências da sua fundamentação – previsto no artigo 374º, nº 2, do C.P.P. – e às consequências decorrentes da falta ou insuficiência da mesma – previstas no artigo 379 º do C.P.P. Não esqueçamos, ademais, que só o tipo de fundamentação previsto no artigo 374º, nº 2 do CPP permitirá assegurar o direito ao recurso constitucionalmente previsto, uma vez que só as decisões devidamente fundamentadas serão sindicáveis pela via recursiva8. Somos pois a concluir que deverão estender-se à decisão de apreciação do requerimento de concessão de licença de saída jurisdicional as exigências de fundamentação da sentença previstas no artigo 374º, nº 2 do CPP, o que determinará que igualmente se lhe estendam as consequências da violação de tais exigências, constantes do artigo 379º do mesmo diploma, que sanciona com a nulidade a omissão das menções referidas no nº 2 daquele preceito legal. Assim, sob pena de nulidade, legalmente prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, as decisões sobre licença de saída jurisdicional devem conter a “enumeração dos factos provados e não provados, bem como (…) uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” , conforme preceitua o n.º 2 do artigo 374.º do C.P.P. E parece-nos que assim também entendeu o tribunal recorrido, pois que optou por estruturar a decisão agora sindicada precisamente nos moldes previstos no artigo 374º do CPP para as sentenças, fazendo da mesma constar um relatório, factos assentes, fundamentação de direito e decisão. Porém, pese embora tenha conferido à decisão sindicada a estrutura de uma sentença – que, aliás, denominou como tal – a juiz “a quo” não cumpriu minimamente as exigências legalmente previstas para tais atos decisórios no que tange à sua fundamentação, pois que, ao invés de discriminar nos factos provados todos aqueles que assim considerou, optou pela utilização de uma minuta pré-elaborada, que contém indicação dos pontos a ter em conta na decisão, não tendo sequer cuidado aí inserir, nos locais a tal destinados, os factos relevantes no caso concreto. Com efeito, na referida minuta, apenas se manuscreveu, nos pontos indicados como sendo destinados à natureza e gravidade dos crimes e à duração das penas – pontos 1.º e 2.º – o seguinte: “prematura face à gravidade dos crimes e medida da soma das penas”. A final, nos pontos 8.º e 9.º, termina-se com a remissão para outra decisão, com a utilização da seguinte fórmula: “Desde a última apreciação da situação do recluso que se mantêm os pressupostos que fundamentaram a decisão que então se proferiu; ausência de consciência crítica como consta da última decisão de liberdade condicional.” E nada mais se escreveu quanto à situação do recluso, pelo que relativamente ao acervo factológico relevante e tido por assente na decisão recorrida, absolutamente nada se extrai. E nada se extrai porquanto nenhum facto se consignou, quer porque se omitiram de todo, quer porque, relativamente a parte da factualidade com relevo para a decisão, se optou por se remeter para uma anterior decisão proferida nos autos, que não é do conhecimento deste tribunal. Ora, e sempre ressalvado o devido respeito, não podemos deixar de considerar inaceitável a fórmula adotada, por absolutamente desrespeitadora das mais elementares regras da clareza, da segurança jurídica e do dever de fundamentação dos atos decisórios a que acima nos reportámos. Como está bom de ver, ao não incluir no elenco dos factos provados qualquer facto material, não permite o tribunal recorrido que tomemos conhecimento da fundamentação que sustentou o ato decisório. Por outro lado, ao convocar para a sua fundamentação factos constantes de outra decisão, sem os reproduzir, o tribunal “a quo” tornou a decisão recorrida ininteligível por não permitir aos seus destinatários, nos quais se inclui este tribunal, tomar conhecimento do seu conteúdo integral.9 Temos por bom o entendimento segundo o qual a concreta enumeração dos factos provados e não provados, não se satisfaz com forma facilitista adotada pelo Tribunal “a quo”, consubstanciada na remissão para uma decisão anterior que, ademais, não identifica. Enumerar significa descrever, ou seja, indicar precisamente os factos, por forma a que a decisão se baste a ela própria sem tornar necessária a consulta de outras peças para a sua compreensão. Quanto ao mais – porque para tanto foram apostas as respetivas cruzes, nos locais próprios, no denominado relatório e na parte subsuntiva da sentença – sabemos apenas: - Que o Conselho Técnico decidiu, por unanimidade, emitir parecer favorável à concessão da licença; - Que o Ministério Público se pronunciou em sentido contrário, tendo emitido parecer desfavorável; - Que, no entendimento da julgadora, “os aspetos atrás assinalados não permitem concluir: - Por uma fundada expectativa de que o recluso se comporte, em liberdade, de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; - Pela compatibilidade da saída requerida com a defesa da ordem e paz social; Por uma fundada expectativa de que o recluso não se subtraia à execução da pena.” *** A fundamentação da decisão deverá permitir ao Tribunal de recurso uma avaliação cabal e segura das razões subjacentes à mesma e do processo lógico, racional e dedutivo que lhe serviu de suporte. Só com o conhecimento de todos os factos relevantes poderá o tribunal superior proceder à fiscalização da atividade decisória, na concretização do direito do arguido ao recurso constitucionalmente consagrado e expressamente incluído nas garantias de defesa previstas no artigo 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Ora tal exigência legal de enumeração dos factos que suportaram a decisão de não concessão da licença de saída jurisdicional ao recorrente, prevista no artigo 374º, nº 2 do CPP, não foi cumprida na decisão recorrida, pelo que resta concluir que a mesma padece do vício de nulidade previsto no artigo 379.º n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal. A declaração de nulidade da decisão prejudica, obviamente, a apreciação das demais questões suscitadas no presente recurso. *** Nesta conformidade, concluímos que que a decisão recorrida omite a necessária fundamentação, sendo, pois, uma decisão ferida de nulidade, pelo que o recurso deverá proceder nesta parte. *** III- Dispositivo. Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, em julgar nula a decisão recorrida, determinado a remessa dos autos ao tribunal recorrido para que tal decisão seja substituída por outra que não padeça do apontado vício de fundamentação. Sem custas (Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários) Évora, 16 de setembro de 2025 Maria Clara Figueiredo Mafalda Sequinho dos Santos (com declaração de voto) Manuel Ramos Soares (com declaração de voto)
Declaração de voto «Votei favoravelmente o acórdão por concordar com a solução a que se chegou, da invalidade da sentença por falta de fundamentação, pese embora não me rever inteiramente no caminho interpretativo acolhido, contrário àquele seguido no acórdão proferido em 9abr2025 no apenso Q, do qual fui relator. Considero que o dever de fundamentação dos atos decisórios do TEP está especialmente regulado no artigo 146º nº 1 do CEPMPL, não lhe sendo, por isso, aplicável a norma do artigo 374º nº 2 do CPP, com o mesmo grau de exigência da sentença do processo penal comum.» Manuel Soares * Declaração de voto «Voto o sentido da decisão, mas não subscrevo a fundamentação quanto às consequências da insuficiência/falta de fundamentação da decisão que aprecia o pedido de licença de saída jurisdicional. No entender que se me afigura adequado e que já deixei expresso em acórdão anteriormente relatado, o CEPMPL não só não qualifica de sentença a decisão em causa, como não exige fundamentação tão exaustiva como a prevista no art. 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. As exigências de fundamentação têm, em meu entender, coincidência com as previstas no art. 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, para os atos decisórios que não sejam sentenças. Dispensando o CEPMPL as exigências de fundamentação que o Código de Processo Penal determina para a sentença, não está obviamente a decisão que aprecia o pedido de licença jurisdicional dispensada de evidenciar um juízo autónomo, crítico, valorativo, no sentido de esclarecer convenientemente as razões pelas quais entende que tal medida de flexibilização da pena não pode ser concedida. Admitindo-se uma fundamentação mais concisa, a mesma não pode estar ao nível da quase inexistência, bastando-se com um juízo meramente conclusivo, como é o caso, pelo que se impõe concluir que a fundamentação da decisão em apreço é insuficiente, não permite exercer a referida função de controlo pelo Tribunal de recurso e, portanto, padece de irregularidade prevista no art. 123.º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art.154.º do CEPMPL, impondo-se o seu conhecimento oficioso.» Mafalda Sequinho dos Santos
Sumário I - O vício residual da irregularidade e o regime processual que lhe está associado foi pensado e adequa-se a violações da lei que revistam menor importância e que não ponham em causa a estrutura e a verdadeira essência do ato que inquinam, pelo que qualquer ato decisório, materialmente semelhante à sentença, será sempre nulo se não for fundamentado. II - As decisões que apreciem os requerimentos de concessão de licença de saída jurisdicional não poderão deixar de qualificar-se materialmente como sentenças, tal é a importância do que decidem – podendo afetar direitos fundamentais dos reclusos, como o direito à liberdade condicional progressiva, o princípio da reabilitação e reinserção social e o direito a decisões fundamentadas, com garantia de contraditório e de recurso – encontrando-se, por isso, sujeitas às exigências de fundamentação próprias das sentenças, previstas no artigo 374º, nº 2 do CPP e sendo-lhes aplicáveis as normas processuais reguladoras dos vícios de que as mesmas possam enfermar, designadamente o vício da nulidade por falta ou insuficiência da fundamentação cominado no artigo 379º, nº 1, alínea a) do CPP. III - Tendo convocado para a sua fundamentação factos constantes de outra decisão, sem os reproduzir, o tribunal “a quo” tornou a decisão recorrida ininteligível por não permitir aos seus destinatários, nos quais se inclui este tribunal, tomar conhecimento do seu conteúdo integral.
.............................................................................................................. 1 Tivemos já ocasião de apreciar questão semelhante relativamente à validade de uma decisão de negação da liberdade condicional no acórdão desta Relação, que relatámos, datado de 27.09.2022 e proferido no processo nº 1969/12.8TXLSB-N.E1, disponível em www.dgsi.pt , cuja fundamentação aqui reproduziremos, com as devidas adaptações à situação dos autos, conquanto se nos afigura que as razões aí consignadas para fundamentar o vício assacado à deficiente fundamentação da referida decisão se adequam totalmente à situação dos autos, atendendo à similitude das decisões objeto de apreciação, desde logo no que tange à importância dos direitos que afetam. 2 Anteriormente denominadas de “despachos”, conforme resultava dos artigos 485.º, n.ºs 3 e 4 e 486.º, nº 4, ambos do CPP, entretanto revogados pelo artigo 8.º, n.º 2, alínea a) da referida Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro. Porém, não obstante a denominação formal que lhes estava atribuída, por aplicação analógica, sustentada no artigo 4.º do CPP, tais decisões deveriam sempre respeitar os requisitos previstos para as sentenças, pelo que a sua legalidade se encontrava dependente da inclusão de adequada fundamentação, que espelhasse uma ponderação particularizada e cuidada do caso em análise, com respeito das exigências materialmente previstas no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa, de 01.10.2009, relatado pela Desembargadora Fátima Mata-Mouros e o acórdão da Relação de Évora, de 15.12.2009, que teve como relatora a Desembargadora Ana Luísa Bacelar Cruz, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) e que permitisse a sua sindicância em sede de recurso (a possibilidade de recurso destes despachos foi expressamente consagrada no CPP na reforma operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, na sequência da inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional no acórdão do n.º 638/2006 de 21 de novembro de 2006, jurisprudência que já vinha encontrando vários defensores na doutrina, que reclamavam a consagração legal do direito dos reclusos ao recurso de tais decisões). 3 Norma que reproduz o n.º 5 do artigo 97.º do C.P.P. 4 Neste sentido decidiram, entre outros, tendo por objeto a apreciação da validade de uma decisão relativa à liberdade condicional, o acórdão da Relação de Lisboa de 26.03.2019, proferido no processo nº 507/14.2TXLSB-E.L1-5, relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves e o acórdão desta Relação, acima indicado, que relatámos, datado de 27.09.2022, proferido no processo nº 1969/12.8TXLSB-N.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt 5 Neste sentido decidiram, entre outros, tendo por objeto a apreciação da validade de uma decisão relativa à liberdade condicional, os acórdãos da Relação do Porto de 03.10.2012, relatado pelo Desembargador Coelho Vieira e da Relação de Coimbra, de 17.12.2020, relatado pela Desembargadora Olga Maurício, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, mas tendo por objeto a apreciação da validade de uma decisão de denegação de licença de saída jurisdicional, decidiram, entre outros, os acórdãos da RP, de 21.06.2023, relatado pelo Desembargador Pedro M. Menezes, e de 02.07.2025, relatado pelo Desembargador William Themudo Gilman, da RL, de 02.02.2024, relatado pela Desembargadora Sandra Ferreira e da RE, de 09.04.2025, relatado pelo Desembargador Manuel Soares (neste se tendo optado por qualificar a decisão de concessão de licença de saída jurisdicional como sentença sem que, porém, se tenha decidido aplicar ao vício de deficiência na sua fundamentação o regime próprio de tal vício previsto para as sentenças), também disponíveis em www.dgsi.pt. 6 O artigo 115º do CEPMPL prevê, no seu nº 1, entre as formas de processo, as de liberdade condicional e de licença de saída jurisdicional, encontrando-se o processo relativo à saída jurisdicional regulado no Capítulo VI do Título IV, concretamente nos artigos 189º a 196º. 7 Tal como, aliás, sucede com as sentenças proferidas nos processos sumário e abreviado, nos termos dos artigos 389º-A e 391º-F do CPP. 8 Direito ao recurso concretamente assegurado, quanto à decisão aqui em análise, não só ao Ministério Público, mas também ao recluso, pela dimensão normativa extraída dos artigos 196º e 235º do CEPMPL legitimada pelo Tribunal Constitucional nos acórdãos nºs 764/2022, 652/2023, 598/2024, 708/2024, 259/2025 e também no acórdão proferido nos presentes autos, datado de 16.05.2025, que sustentou a admissão do recurso que temos em apreciação. Tais acórdãos julgaram inconstitucional a norma extraída dos artigos 196.º, n.ºs 1 e 2 e 235.º, n.º 1, ambos do CEPMPL, no sentido da irrecorribilidade da decisão pelo recluso, tendo esta posição sido recentemente acolhida pelo Plenário do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 202/2025, em que se decidiu “julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 196.º, nºs 1 e 2, e 235.º, n.º 1, ambos do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, interpretados no sentido da irrecorribilidade da decisão que não conceda a licença de saída jurisdicional, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º. 1 e 4 da Constituição.” 9 No mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 07.12.2016, proferido no processo nº 388/14-6GBSXL-L1e relatado pela Desembargadora Filipa Costa Lourenço e da Relação de Évora de 13.09.2022, proferido no processo nº 631.19.5TXEVR-1. E1, relatado pela Desembargadora Maria Margarida Bacelar. |