Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | MEIOS DE VIGILÂNCIA À DISTÂNCIA PROTECÇÃO DE DADOS LOCAL DE TRABALHO FURTO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR DEVER DE LEALDADE | ||
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Data do Acordão: | 09/26/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. Com o Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) e com a lei nacional que o executa – a Lei 58/2019, de 8 de Agosto – deixou de ser necessário pedir autorização ou fazer alguma notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados para se instalar um sistema de videovigilância no local de trabalho. 2. O art. 5.º n.º 2 do RGPD consagrou o princípio da responsabilidade – ou auto-responsabilidade – passando o responsável pelo tratamento dos dados a ter o dever de garantir a observância dos princípios relativos ao tratamento de dados pessoais (licitude, lealdade e transparência; limitação das finalidades; minimização dos dados; exactidão; limitação da conservação; integridade e confidencialidade). 3. A CNPD já não dispõe de competência para autorizar ou licenciar a instalação de um sistema de vigilância à distância no local de trabalho, devendo entender-se que o art. 21.º n.º 1 do Código do Trabalho está tacitamente revogado pelo citado art. 5.º n.º 2 do RGPD. 4. O art. 20.º n.º 2 do Código do Trabalho, ao permitir a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens, engloba no seu escopo a protecção dos bens da empregadora, seja contra actos de terceiros, seja contra actos dos próprios trabalhadores. 5. As imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, podem ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal. 6. Estando em causa um crime de furto praticado por trabalhadores da empregadora, esta pode licitamente utilizar as imagens obtidas através do sistema de videovigilância instalado no seu estabelecimento, para efeitos disciplinares, sem estar obrigada a aguardar pela conclusão do processo criminal. 7. Tanto mais que o art. 329.º n.º 2 do Código do Trabalho obriga o empregador a iniciar o procedimento disciplinar nos 60 dias subsequentes àquele em que teve conhecimento da infracção, sob pena de caducidade. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Santarém, AA impugnou o despedimento na sequência de procedimento disciplinar movido pela empregadora Dia Portugal Supermercados, S.A.. Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, a empregadora apresentou articulado motivador do despedimento. Contestando, a trabalhadora invocou a nulidade do procedimento disciplinar e impugnou a matéria de facto alegada pela empregadora. Mais deduziu pedido reconvencional, pedindo a condenação da Ré no reconhecimento da ilicitude do despedimento e no pagamento de indemnização de antiguidade no valor de € 39.653,15 e por danos morais no valor de € 10.000,00, e ainda outros créditos laborais relativos a férias e respectivo subsídio pelo trabalho prestado em 2022, proporcionais do ano de cessação do contrato e horas de formação não ministrada. Oferecida resposta pela empregadora, realizou-se julgamento com a produção da prova requerida pelas partes, após o que foi proferida sentença, julgando a acção procedente, declarando a ilicitude do despedimento e condenando a Ré no seguinte: · pagar à A. uma indemnização, em substituição da sua reintegração, correspondente a 40 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, no valor de € 31.345,84, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data de citação; · pagar ainda o valor das retribuições não auferidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude, descontadas as importâncias que a A. tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e as retribuições que auferiu no mesmo período no âmbito de contrato de trabalho celebrado com outrem, acrescido de juros à taxa legal, contados desde a data de citação; · e pagar uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data de citação; · absolver a Ré do mais peticionado; e, · fixar à acção o valor de € 60.000,00. Inconformada, a empregadora recorre e conclui: (…) Na resposta, a trabalhadora pugna pela improcedência do recurso. Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer. Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir. Da impugnação da matéria de facto Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, e consignando, desde já, que estão reunidos os pressupostos exigidos pelo art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil para a apreciação da impugnação fáctica (estão especificados os concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, bem como os concretos meios probatórios que, na opinião do Recorrente, impõem decisão diversa, e ainda a decisão que, no seu entender, deve ser proferida acerca das questões de facto impugnadas), proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto. Preliminarmente, consigna-se que se procedeu à audição da prova gravada e à visualização dos registos de vídeo obtidos nas instalações da Recorrente, que instruem o procedimento disciplinar. * Alíneas a) a l) do elenco de factos não provados:Depois de considerar provadas as deslocações da trabalhadora no armazém da Ré, recolhendo diversos produtos que ali estavam guardados – com recurso à visualização dos registos do sistema de videovigilância que está instalado no local – a sentença decidiu declarar não provada a seguinte matéria: a) «A Autora fez seus os bens referidos no facto 59. b) Em todas as suas actuações, a Autora agiu consciente de que lesava os interesses patrimoniais da sua entidade patronal e que o seu património era enriquecido ilegitimamente. c) A Autora aproveitou-se da sua posição e do acesso que lhe é dado aos produtos para furtar a sua entidade empregadora, incumprindo com as mais basilares obrigações de um trabalhador, designadamente a obrigação de não roubar, ou por qualquer forma se apoderar – para si ou para terceiros - dos produtos ou valores que sejam da DIA. d) Não existe qualquer justificação para a presença da Autora nas localizações onde se encontrava a mercadoria, não existia nenhuma ordem de picking ou pedido de loja, nem justificação para que a Autora retirasse os artigos da bancada de expedição de mercadorias, colocasse no interior do porta-combis e os levasse para as zonas mencionadas, nem para levar os artigos para o exterior do armazém. e) A Autora incumpriu de forma gravosa os procedimentos internos, deixando mercadoria congelada estragar-se. f) Inexiste qualquer justificação para que surjam artigos como desvio de stock no armazém. g) A conduta da Autora está vedada por lei e pelos regulamentos internos da empresa, designadamente do Código de Ética DIA PORTUGAL. h) A Autora agiu de forma voluntária, consciente e dolosa e bem ciente da irregularidade e ilegalidade das suas condutas, não podendo ignorar que com ela iria causar prejuízo à dona e legítima proprietária dos bens. i) A Arguida tinha perfeito conhecimento que, com o seu comportamento, cometeria ilícito disciplinar e um ilícito criminal. j) As condutas retiradas e concertadas levadas a cabo pela Autora denotam um comportamento ilícito e altamente censurável, compatível com a perda total de confiança nos trabalhadores pela DIA. k) As suas condutas, reiteradas, são de tal modo gravosas, em termos de incumprimento de procedimentos e de prejuízos causados, que são suficientes para quebrarem a confiança no trabalho da Autora e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. l) A Autora com os seus comportamentos voluntários, ilícitos e culposos, violou os seguintes fundamentais deveres legais e/ou contratuais a que, por força da lei e do seu contrato de trabalho, se encontravam obrigados: i. O dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, dever a que está adstrito por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, e da al. c) da Cláusula 41º do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável à Arguida; ii. O dever de cumprir as ordens e instruções do empregador e dos superiores hierárquicos em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, previsto na alínea e) do n.º 1, bem como no n.º 2 do artigo 128.º, do Código do Trabalho, sendo que equivalente dever de obediência resulta da alínea d) da Cláusula 41ª do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável à Arguida; iii. O dever de guardar lealdade ao empregador, não podendo o trabalhador praticar qualquer acto que prejudique ou possa prejudicar a entidade patronal, dever a que está adstrito por força do disposto na alínea f) do n.º 1, do artigo 128.º, do Código do Trabalho, sendo que equivalente dever resulta da alínea b) da Cláusula 41ª do Contrato Colectivo de Trabalho aplicável à Arguida.» A sentença argumentou que não teria sido feita prova do cumprimento dos requisitos legais para implementação do sistema de videovigilância no local de trabalho, pelo que as imagens assim captadas não poderiam ser utilizadas como meio de prova dos factos susceptíveis de integrar a justa causa para despedimento. No entanto, a sentença afirmou que, “à cautela, decidiu-se levar à factualidade provada os factos resultantes das imagens extraídas do sistema de videovigilância que o Tribunal visualizou na audiência final, quando, ademais, o comportamento da Autora aí visualizado também foi confirmado por ela”, mas que as mesmas não seriam bastantes para concluir que a A. subtraiu os produtos em causa. A Ré aponta que esta argumentação é incoerente, e não deixa de ter razão. Ou o meio de prova é nulo e dele não podem ser retiradas quaisquer ilações probatórias, ou é válido e será então analisado criticamente com a demais prova produzida, nos termos gerais que resultam do art. 607.º n.º 4 do Código de Processo Civil. De todo o modo, teremos a afirmar que com o Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) – Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento e do Conselho, de 27.04.2016 – e com a lei nacional que o executa – a Lei 58/2019, de 8 de Agosto – deixou de ser necessário pedir autorização ou fazer alguma notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) para se instalar um sistema de videovigilância. Os dados pessoais passaram a ser tratados de acordo com os princípios definidos no art. 5.º n.º 1 do RGPD – princípio da licitude, lealdade e transparência; princípio da limitação das finalidades; princípio da minimização dos dados; princípio da exactidão; princípio da limitação da conservação; e princípio da integridade e confidencialidade – enquadrados pelo princípio da responsabilidade, tal como definido no n.º 2 desse art. 5.º: “O responsável pelo tratamento (dos dados) é responsável pelo cumprimento do disposto no n.º 1 e tem de poder comprová-lo”. Face a este princípio da responsabilidade – ou auto-responsabilidade – passou a ser o responsável pelo tratamento dos dados quem tem o dever de garantir a observância daqueles princípios, podendo ser informado e aconselhado por um encarregado de protecção de dados, com as funções assinaladas no art. 39.º do RGPD. A CNPD já não dispõe de qualquer competência para autorizar ou licenciar a instalação de um sistema de vigilância à distância no local de trabalho, estando as suas atribuições e competências actualmente definidas no art. 57.º do RGPD e no art. 6.º da Lei 58/2019, associadas fundamentalmente a funções de controlo e fiscalização da aplicação do Regulamento. Deve, pois, entender-se que o art. 21.º n.º 1 do Código do Trabalho – que ainda continua a exigir essa autorização prévia, que a CNPD já não pode prestar – está tacitamente revogado pelo citado art. 5.º n.º 2 do RGPD. No entanto, os factos provados demonstram que a Ré, ainda antes da entrada em vigor do RGPD, obteve da CNPD uma autorização, em 15.06.2016, para instalar um sistema de videovigilância, para protecção de pessoas e bens, no seu estabelecimento sito na Estrada da Alfarrobeira, Vialonga – e é efectivamente nos limites desta freguesia do concelho de Vila Franca de Xira que se situa o estabelecimento da Ré, próximo do limite territorial com a freguesia de Alverca do Ribatejo[1], e este facto nem sequer é discutido pelas partes, pelo que a observação que a esse respeito é realizada na sentença recorrida, do local autorizado não ser o da prestação de trabalho, é descabida. O art. 20.º n.º 2 do Código do Trabalho permite a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens – ou seja, a protecção dos bens da própria empregadora está também garantida por esta norma, seja contra actos de terceiros, seja contra actos dos próprios trabalhadores, tanto mais que o crime de furto está tipificado no art. 203.º do Código Penal como a subtracção de coisa móvel ou animal alheios, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa. Neste sentido, esta Relação de Évora já decidiu, no seu Acórdão de 09.11.2010, que “a limitação constante do nº 1 do artigo 20º do CT/2003, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida, pois seria estranho que a videovigilância, instalada e utilizada para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender.”[2] O art. 28.º n.ºs 4 e 5 da Lei 58/2019 estipula que as imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal; e que neste caso, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal. Deste modo, estando em causa um crime de furto praticado por trabalhadores da empregadora, esta pode licitamente utilizar as imagens obtidas através do sistema de videovigilância instalado no seu estabelecimento, sem estar obrigada a aguardar pela conclusão do processo criminal, tanto mais que o art. 329.º n.º 2 do Código do Trabalho obriga o empregador a iniciar o procedimento disciplinar nos 60 dias subsequentes àquele em que teve conhecimento da infracção, sob pena de caducidade. Como se afirmou no Acórdão da Relação de Lisboa de 26.09.2018, “a dupla natureza disciplinar e criminal, ainda que alargue o referido prazo prescricional do n.º 1 do art.º 329.º do CT/2009, não implica ou acarreta, necessariamente, idênticas consequências no que concerne aos demais prazos daquela disposição, pois a circunstância de as condutas do trabalhador estarem ou poderem vir a ser investigadas criminalmente não obsta, em regra, a que a entidade empregadora possa fazer a sua investigação e prova interna e completa desses mesmos factos no âmbito do procedimento disciplinar (aqui encarado em termos latos) e, nessa medida e sequência, proceder, objectiva e plenamente, de consciência absolutamente tranquila, ao despedimento com justa causa daquele ou ao seu sancionamento com outra pena, conservatória do vínculo laboral.”[3] Assente, pois, a validade do meio de prova oferecido pela Ré, assente nas imagens recolhidas no seu estabelecimento com recurso ao sistema de videovigilância ali instalado – tanto mais que foram cumpridos os requisitos do art. 31.º da Lei 34/2013, de 16 de Maio, estando o sistema sinalizado através de placas informativas existentes no local, com a menção “Para sua protecção, este local é objecto de videovigilância” – façamos a sua análise crítica, com auxílio da demais prova recolhida nos autos. A sentença recorrida considerou provado – com recurso aos registos de vídeo gravados através do sistema de videovigilância existente no local de trabalho da trabalhadora, visualizados em audiência de julgamento e explicados, em todos os seus momentos, pelas testemunhas DD, director do centro de distribuição que a Ré tem ali instalado, e EE, chefe do departamento de transportes que ali também exerce funções – que na data dos factos a A. exercia as funções de operadora de armazém “A”, competindo-lhe fazer a recepção, armazenagem e expedição de mercadoria, bem como conduzir máquinas, gruas de elevação e empilhadores. No dia 28.12.2022 cumpria o turno da noite e, a partir das 00h32, sucedeu o seguinte: - cerca das 00h32, a A. e o colega BB subiram para um porta-combis – um porta-paletes eléctrico, que apenas permite o transporte de um único trabalhador, que o manobra, sendo que a Ré deu instruções para que nesse equipamento não estivesse mais que um trabalhador, como explicou a testemunha DD; - fazendo-se transportar nesse porta-combis, a A. e o colega recolheram uma arca isotérmica e seguiram em direcção à entrada da câmara frio positivo, e depois para a câmara de frio negativo (temperatura abaixo de zero graus); - nessa câmara, o colega BB desceu, recolheu e colocou na arca isotérmica uma caixa com 10 kg de camarão de calibre 60/80, no valor global de € 104,90; - por seu turno, a A. recolheu e colocou na mesma arca uma caixa de rissóis de leitão forno, no valor global de € 28,40; - deslocaram-se a outro local da mesma câmara de frio negativo, e ali o colega BB recolheu e colocou na arca uma caixa de rissóis de camarão, no valor global de € 47,40; - saíram daquela câmara e seguiram em direcção a uma zona cega, não abrangida pelo sistema de videovigilância, transportando a arca isotérmica contendo a caixa de camarão e as duas de rissóis; - quando saíram dessa zona cega, seguindo no porta-combis, já não levavam a arca; - cerca das 00h51, o colega BB saiu do armazém e deslocou-se a uma viatura estacionada no parque, regressando cerca das 00h57; - cerca das 01h07, a A. também saiu do armazém e seguiu em direcção ao parque de estacionamento, com o seu casaco pendurado na mão, regressando cerca das 01h10, vestindo então o casaco; - cerca das 02h11, o BB voltou a sair do armazém, com mais dois colegas, transportando um saco escuro e seguindo em direcção ao parque de estacionamento de ligeiros, regressando depois já sem esse saco; - de acordo a consulta de movimentos, à A. e ao colega BB não foi atribuída qualquer tarefa de preparação por sistema ou de forma manual de artigos – ou seja, não lhes estava atribuída qualquer tarefa de recolha de produtos, e muito menos na câmara de frio negativo, como explicaram as testemunhas DD e EE. A sentença recorrida entendeu, porém, não dar como provado que a A. se apoderou desses bens – os 10 kg de camarão e as duas caixas de rissóis – argumentando que esta “explicou o contexto e a razão de ter movimentado os produtos em causa das prateleiras e o local onde os depositou para posteriormente serem recolhidos, explicação esta que não foi colocada em causa por qualquer outra prova produzida, mas, pelo contrário, sustentada, pelo menos em parte, pela restante prova testemunhal produzida”, e que “o comportamento assumido pela Autora e que se mostra retratado nas imagens visualizadas não assumem qualquer estranheza ou falta de justificação e que, por isso, do mesmo se possa concluir – como a Ré fez, de forma temerária, diga-se, face ao que as imagens transmitem –, que a Autora subtraiu os produtos em causa. E o facto de os produtos não estarem registados no sistema como produtos preparados e movimentados, por si só, não se mostra bastante para concluir em sentido diverso. Depois, diante o facto de circularem outras pessoas no local de trabalho da Autora, outros funcionários e pessoas estranhas a serviço (conforme declarado pela Autora e não contrariado pela Ré), mostra-se possível que os produtos em causa possam ter sido subtraídos por outra pessoa que a não a Autora.” Pois bem, as nossas conclusões, aliadas à experiência, não nos conduzem pelo mesmo caminho. Para começar, os movimentos da A. na data dos factos, são anormais: não tinha qualquer função de deslocação à câmara de frio negativo para recolher produtos, pois as tarefas de preparação das paletes são executadas durante os turnos do dia e não durante a noite, onde basicamente se carregam as paletes já preparadas e são levadas para os camiões. Depois, a explicação de se ter deslocado à câmara de frio negativo para substituir produto danificado não tem cabimento: não existe qualquer registo de produto danificado (muito menos, de 10 kg de camarão e a quantidade e variedade de rissóis em causa nos autos), e esse produto danificado não pode desaparecer simplesmente, tem de ser apresentado a uma chefia, para esta decidir o que fazer e registar em sistema o destino dado ao produto. E este é o problema, a A. diz que foi à câmara de frio negativo, juntamente com o colega BB (deslocando-se os dois no mesmo porta-combis, violando desde logo as regras de segurança no trabalho que conheciam), para substituir produto danificado. Porém, a ordem de substituição de produto danificado, com necessidade de ir buscar novo produto às câmaras de armazenamento, não surge do nada, alguém tem de dar essa ordem e esta deve estar registada em sistema. Ademais, onde estava o produto danificado e o destino que lhe foi dado, é algo que a A. também não conseguiu explicar. Como explicou a testemunha DD, a análise dos registos obtidos pelo sistema de videovigilância foi realizada porque detectou, desde o início do mês de Dezembro de 2022, “desvios significativos no nosso stock”, em toda a área do armazém, mas também na área do produto congelado. Recorreu então à análise dos registos obtidos pelo sistema de videovigilância, observando deslocações à zona dos congelados “a uma hora em que não era suposto acontecer”, pois “tínhamos pessoas no período nocturno, a ir à câmara de congelado, que não há preparação, ou seja, a preparação termina às 22h30 (…), e retoma depois, novamente, no horário normal que é às 06h30, às vezes poderá começar às cinco da manhã por necessidades operacionais, mas durante estes períodos não havia motivo, pelo menos com o meu conhecimento, sou e era à data o director da operação, não havia conhecimento nem necessidade de haver movimento e preparação dentro da câmara, e então foi a partir daí que surgiu esta análise e esta fita do tempo…” – entre 2m47s e 3m23s do seu depoimento. Esta testemunha também explicou que toda a preparação de mercadoria é registada em sistema informático, e que “neste dia não havia qualquer tipo de justificação nem qualquer tipo de registo ou de pedido para ir ao congelado para buscar a mercadoria que foram buscar. (…) Toda a mercadoria que é preparada é registada no sistema informático e, excepcionalmente, poderá existir às vezes alguma preparação manual, mas mesma essa preparação manual tem de ser com indicação da chefia e tem de ser registada, depois, à posteriori” – entre 17m25s e 18m02s do seu depoimento. Este depoimento, integralmente corroborado pelo prestado pela testemunha EE, em bom rigor não foi contrariado pelas testemunhas FF e GG, esta com as funções de subchefe no turno nocturno na área dos transportes/expedição. Tendo declarado que as tarefas no período nocturno poderiam envolver a necessidade de substituição de danificado, acabaram por reconhecer que o produto danificado não desaparece simplesmente, deve ser devidamente identificado, ter o seu destino decidido pela chefia e registado em sistema. Ademais, como reconheceu a testemunha GG, na altura dos factos a equipa nocturna de cargas, da qual a A. fazia parte, “não teve qualquer indicação nem motivo para preparar qualquer tipo de mercadoria, seca ou fria, nem para refazer qualquer partição que não aparecesse no momento da carga” – entre 21m29s e 21m40s do seu depoimento. Resumindo, a A. e o seu colega BB deslocaram-se à zona do produto congelado, no mesmo porta-combis (o que em si já é uma quebra das regras de segurança no trabalho), sem ter qualquer instrução ou indicação para o fazer. Ali recolheram os 10 kg de camarão e as duas caixas de rissóis, que transportaram para uma zona cega, não observada pelo sistema de videovigilância. Momentos depois saíram, à vez, do armazém e foram até viaturas estacionadas no parque de estacionamento. Ora, o produto em causa não pode ser abandonado em qualquer lado, trata-se de produto congelado e é na câmara de frio negativo, onde a temperatura ronda os 20º negativos, que deve permanecer. Acresce que a explicação dada pela A. para ir buscar esse produto, de que seria para substituição de outro danificado, cai por terra por uma razão muito simples: a A. levou esses produtos para uma zona cega, não coberta pelo sistema de videovigilância, que sabia existir no local (as câmaras não estão ocultas, aliás, estão sinalizadas), e não os colocou na zona de saída do produto congelado (local coberto pelas câmaras), que seria o que aconteceria caso estivesse a substituir produto danificado. A nossa conclusão é, pois, diversa da obtida na sentença recorrida. A A., em conjunto com o seu colega BB, retirou os bens do local onde estes estavam armazenados, sem qualquer justificação para o fazer, e transportou-os para outro local fora do domínio da sua empregadora, assim procedendo à sua apropriação. Procede, pois, a impugnação deduzida pela Ré quanto às alíneas a) a l) do elenco de factos não provados, embora apenas parcialmente – para além de redundâncias que importa evitar, a sentença recorrida inseriu ali conceitos de direito e juízos conclusivos, que devem ser expurgados. Procedendo em parte, pois, a impugnação, declara-se provado ainda o seguinte: 71. A Autora fez seus os bens referidos no facto 59. 72. Em todas as suas actuações, a Autora agiu consciente de que lesava os interesses patrimoniais da sua entidade patronal e que o seu património era enriquecido ilegitimamente. 73. A Autora aproveitou-se da sua posição e do acesso que lhe é dado aos produtos para os subtrair à sua entidade empregadora. 74. Não existe qualquer justificação para a presença da Autora nas localizações onde se encontrava a mercadoria, não existia nenhuma ordem de picking ou pedido de loja, nem justificação para que a Autora retirasse os artigos, os colocasse no interior do porta-combis e os levasse para as zonas mencionadas, nem para o exterior do armazém. * Pontos 65 e 68 – congruência fáctica:Na reapreciação da matéria de facto, o Tribunal da Relação deve lançar mão de todos os meios probatórios à sua disposição e usar de presunções judiciais para obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, não incorrendo em excesso de pronúncia se, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retirar dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso. Neste sentido se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2015, acompanhado pelo de 28.09.2022, onde se afirma que a Relação “deparando-se com contradições factuais produzidas pelas alterações por si introduzidas, tem que fazer prevalecer o que irradia da sua reapreciação/convicção e alterar os pontos da matéria de facto (cuja reapreciação não foi requerida) que retratem tais contradições factuais.”[4] A sentença declarou ainda provado, nos pontos 65 e 68, que “a Autora sempre foi uma funcionária exemplar, sempre respeitou e guardou lealdade à sua entidade patronal, sempre cumpriu ordens e instruções da entidade patronal e dos seus superiores hierárquicos, tratando os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionavam com a Ré, com urbanidade e probidade, comparecendo ao serviço com assiduidade e pontualidade” e ainda que “a Autora é uma pessoa honesta, séria e honrada.” Sem pretender efectuar juízos sobre a conduta geral da A., certo é que não se pode afirmar que a A. sempre foi uma funcionária exemplar, sempre respeitou e guardou lealdade à sua entidade patronal, sempre cumpriu ordens e instruções da entidade patronal e dos seus superiores hierárquicos, ou que sempre se pautou pelos padrões de conduta geralmente associados à honestidade, seriedade e honradez, que envolvem, necessariamente, o respeito pelo património alheio. A conduta da A. na data dos factos, apoderando-se de forma consciente de bens pertencentes à sua empregadora, são incompatíveis com este tipo de juízos ou valores, motivo pelo qual não devem ser dados como provados. Assim, decide-se: · alterar o ponto 65 dos factos provados, que ficará apenas com a seguinte redacção: “A Autora tratava os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionavam com a Ré, com urbanidade e probidade, comparecendo ao serviço com assiduidade e pontualidade”; · eliminar o ponto 68. * Aditamento de novos factos:Pretende a Ré, ainda, que se adite a seguinte matéria: i) “Em conjunto com a Recorrida foram despedidos toda a equipa da noite”. ii) “Nesse grupo de colegas encontrava-se BB e CC, justamente os colegas da Recorrida referidos na matéria de facto dada como assente”; iii) “O BB e o CC não impugnaram o despedimento”. Sem prejuízo de não se vislumbrar qual a utilidade desta matéria para a decisão dos autos, pois aqui aprecia-se o comportamento disciplinar da A. e não de outros trabalhadores – e certo é que está proibida a prática no processo de actos inúteis (art. 130.º do Código de Processo Civil) – também diremos que se trata de matéria não alegada nos articulados, não cabendo à Relação aditar factos não alegados e que a primeira instância não logrou apreciar. Como tal, esta parte da impugnação não procede. * Em resumo, a impugnação fáctica procede nos seguintes termos:- aditam-se aos factos provados os pontos n.ºs 71, 72, 73 e 74, com a redacção supra exposta; - altera-se a redacção do ponto 65 dos factos provados, com a redacção também supra exposta; - elimina-se o ponto 68 dos factos provados; - no demais, a impugnação não procede. Face a esta decisão, a matéria de facto provada fixa-se como segue: 1. A Ré é uma sociedade comercial cujo objecto consiste na exploração de supermercados, quer através de exploração, quer pelo fornecimento de bens e serviços em regime de franchising, possuindo actualmente apenas uma insígnia afecta aos seus supermercados: “Minipreço”; 2. Realizando, assim, o seu objecto através da exploração de inúmeras lojas, actualmente, 224 lojas na zona norte (que inclui a grande região do Porto), 256 lojas na zona centro (que inclui a grande região de Lisboa) e 28 lojas no sul (concentradas na sua maioria no Algarve e no Alentejo). 3. A Ré dedica-se à venda a retalho maioritariamente de produtos de primeira necessidade como alimentos, produtos de higiene e de limpeza. 4. Com excepção de algumas lojas apelidadas de “Family”, os estabelecimentos são caracterizados por terem uma área comercial reduzida e situada em zonas urbanizadas e de acesso pedonal fácil por parte dos consumidores. 5. A Autora foi contratada pela Ré no dia 03/06/2002 para exercer as funções de “operadora de armazém B”. 6. A Autora foi progredindo dentro da empresa da Ré até que, em 03/06/2004, passou a exercer funções de “operadora de armazém A”. 7. As funções de operadora de armazém são as previstas no CTT aplicável (CTT entre APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, a FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritório e Serviços e Outros), que, em termos sumários, implicam fazer a recepção, armazenagem e expedição de mercadoria, bem como conduzir máquinas, gruas de elevação e empilhadores. 8. À data dos factos, a Autora exercia as suas funções de “operadora de armazém A”, no Armazém de Alverca da Dia, sito na Estrada da Alfarrobeira 24, em Alverca do Ribatejo, auferindo o salário base mensal ilíquido de € 830,00, ao qual acrescia uma importância média mensal de € 90,00 a título de prémio por objectivos e um seguro de saúde no valor médio mensal de € 1,88, valor este que era descontado mensalmente no seu vencimento. 9. A Autora não tinha antecedentes disciplinares. 10. No dia 06/01/2023, quando surgiram os primeiros indícios de ilícitos disciplinares, a Ré suspendeu preventivamente a Autora do exercício das suas funções sem perda de retribuição, verbalmente, uma vez que a Autora se recusou a receber a carta redigida pela Ré para o efeito. 11. Através de auto de ocorrência datado de 13/01/2023 a directora de recursos humanos da Ré e superiora hierárquica da Autora com competência disciplinar, foi informada pelo chefe de departamento dos Transportes de Alverca, da existência de indícios de ilícitos disciplinares, sugerindo a instauração de processo disciplinar aos colaboradores envolvidos, entre os quais, a aqui Autora. 12. Por carta datada de 01/02/2023, enviada no dia 02/02/2023 por correio registado com aviso de recepção para a morada da Autora, juntamente com cópia da nota de culpa, a Ré comunicou à Autora que tinha sido elaborada a referida nota de culpa com vista ao seu despedimento com justa causa sem direito a compensação ou indemnização. 13. Na referida carta, a Ré informou ainda a Autora da possibilidade de consulta do processo no Centro de Distribuição de Alverca ou através de correio electrónico para o endereço aí indicado. 14. Bem assim que, perante as suspeitas de furto que caíam sobe a Autora, da decisão da Ré em mantê-la suspensa até ao termo do processo disciplinar sem perda de remuneração. 15. E, por fim, que a Autora dispunha de 10 dias para deduzir, por escrito, os elementos que considerasse relevante para o esclarecimento da verdade e para apresentar as testemunhas e demais elementos de prova. 16. A Autora recebeu a referida carta acompanhada da nota de culpa no dia 06/02/2023. 17. No dia 08/02/2023, a mandatária forense da Autora compareceu no Armazém de Alverca e consultou o processo disciplinar. 18. A Autora, através do seu mandatário forense, enviou para a Ré a sua Resposta à Nota de Culpa, o que fez através de carta registada datada de 16/02/2023 e através de e-mail datado de 17/02/2023. 19. A inquirição da testemunha indicada pela Autora realizou-se no dia 24/02/2023. 20. A Comissão de Trabalhadores Dia emitiu parecer relativo ao processo disciplinar instaurado à Autora, datado de 08/03/2023, nos seguintes termos: «[...] Se comprovadamente a colega infringiu regras que se possam concluir ter havido abuso de confiança, a CT mantém a sua posição face a situações anteriormente referenciadas. Face ao apurado à trabalhadora AA deverá de ser aplicada uma sanção justa face à gravidade do seu comportamento. [...]» (sic). 21. Por carta datada de 10/03/2023, registada com aviso de recepção, enviada pela Ré para a morada da Autora, acompanhada com cópia do relatório final, Ré comunicou à Autora a decisão de aplicar a sanção disciplinar de despedimento com justa causa sem direito a compensação ou indemnização. 22. A referida decisão foi comunicada à Comissão de Trabalhadores através de e-mail datado de 14/03/2023, data a partir da qual o despedimento produziu efeitos. 23. No dia 28/12/2022, cerca das 00h32 (relógio CCTV), a Autora e o colega BB encontravam-se ao serviço no armazém da Ré de Alverca, sito na Estrada da Alfarrobeira 24, em Alverca do Ribatejo. 24. A Autora e referido colega subiram para um porta combis e seguiram caminho. (cerca das 00:32). 25. A Autora e o colega recolheram uma arca isotérmica num porta combis e seguiram em direcção à entrada da câmara Frio positivo. (cerca das 00:33). 26. Seguiram em direcção à entrada da câmara Frio negativo e entraram na câmara. (cerca das 00:33). 27. Entraram para a câmara Frio negativo (temperatura abaixo de zero graus) e no porta combis a arca isotérmica estava vazia. (cerca das 00:33). 28. O colega BB saiu da máquina e dirigiu-se a uma localização após a curva que dá acesso ao corredor 042, que é a localização de picking 42-109-01. (cerca das 00:33). 29. Nesta localização, encontrava-se o produto com o código 215839 (CAMARÃO 60/80 BRASM /KG). 30. O colega BB saiu da máquina e dirigiu-se ao início do corredor 044 sentido ascendente. (cerca das 00:34). 31. A Autora saiu da máquina e dirigiu-se à localização 44-066-01 e retirou 1 caixa que colocou dentro da arca. (cerca das 00:34). 32. Nesta localização encontrava-se o produto com o código 275590 (RISS LEITÃO FORNO DELI 390G). 33. A Autora e o colega avançaram com o porta combis para o meio do corredor. (cerca das 00:34). 34. Pararam o equipamento junto da localização 44-141-01. (cerca das 00:35). 35. Nesta localização, encontrava-se o artigo 125859 (RISSOL CAMARÃO SOLAR UNID.). 36. A Autora subiu para a máquina, o colega contornou e colocou uma caixa dentro da arca. (cerca das 00:35). 37. Ambos saíram da câmara em direcção à recepção de frio. (cerca das 00:35). 38. A Autora e o colega passaram junto ao gabinete do frio com uma arca isotérmica em direcção à zona cega transportaram as três caixas dentro da arca. (cerca das 00:36). 39. A Autora deslocou-se da recepção de TT para a recepção de frio e seguiu o seu caminho sem paragens, no porta combis, de seguida, já sem a arca. (cerca das 00:37). 40. A Autora e o colega deslocaram-se da recepção de frio no porta combis sem a arca. (cerca das 00:38). 41. A Autora e o colega seguiram em direcção à saída da câmara Frio positivo. (cerca das 00:39). 42. Passaram junto à zona das arcas isotérmicas. (cerca das 00:39) e chegaram à bancada da expedição. (cerca das 00:40). 43. O colega saiu do local num porta combis. (cerca das 00:46), entrou na câmara FV. (cerca das 00:47), saiu da câmara FV em direcção à recepção TT. (cerca das 00:47), saiu da recepção TT em direcção à recepção do frio (cerca das 00:47), voltou atrás e entrou no gabinete do frio pela porta da recepção TT (cerca das 00:48), passou para o gabinete do frio (cerca das 00:48), saiu do gabinete do frio e deslocou-se no porta combis. (cerca das 00:49), saiu da recepção TT em direcção à câmara FV. (cerca das 00:49), atravessou a camara FV (cerca das 00:50), saiu da câmara da FV e seguiu para o seco. (cerca das 00:50), seguiu pelo corredor 108 em direcção ao bombeado (cerca das 00:50), desceu as escadas junto ao bombeado em direcção à zona das viaturas (cerca das 00:51). 44. Uma viatura foi desbloqueada por piscar de luzes (cerca das 00:52); verificou-se um novo piscar de luzes, dando indicação de uma viatura (não identificada) fechar (cerca das 00:53). 45. O colega BB subiu as escadas junto ao bombeado e entrou pelo bombeado (cerca das 00:57), saiu do bombeado, onde tinha deixado o porta combis antes de ir ao carro vestir as calças de frio, seguiu em direcção à zona da expedição (cerca das 00:58), com farda de frio completa, chegou à bancada da expedição (cerca das 00:58), seguiu viagem em direcção à zona da fruta (cerca das 00:59), entrou na câmara FV vindo do seco (cerca das 01:00), veio em direcção ao colega CC às calhas da fruta e gesticulando e passando informação concretamente não apuradas por não serem audíveis. (cerca das 01:01), seguiu para a câmara Frio positivo. (cerca das 01:02), trouxe consigo quatro arcas de mercadoria. (cerca das 01:03). 46. A Autora e o colega BB seguiram nos seus porta combis em direcção à recepção F+ (cerca das 01:04). 47. A Autora passou junto do gabinete do frio vinda da recepção do frio num porta combis sem formatos (cerca das 01:05), seguindo atrás o colega BB num porta combis com arcas isotérmicas (cerca das 01:05). 48. A Autora que saiu da recepção do frio em direcção ao corredor 034 pela lona junto ao gabinete do frio com a máquina sem formatos (cerca das 01:06). 49. O colega seguiu em direcção à recepção TT com as mesmas arcas com que tinha chegado (cerca das 01:06). 50. A Autora saiu da câmara F+ em direcção ao seco (cerca das 01:06) e, em simultâneo, o colega seguiu caminho vindo da direcção da câmara FV (cerca das 01:06). 51. A Autora seguiu na direcção da zona de picagem de ponto não tendo parado na expedição (cerca das 01:07), desceu as escadas junto ao bombeado (cerca das 01:08), passou em direcção ao parque de viaturas com o seu casaco pendurado na mão (cerca das 01:08). 52. Uma viatura foi desbloqueada por piscar de luzes (cerca das 01:08); verificou-se novamente um piscar de luzes novamente, dando indicação de viatura fechar (cerca das 01:09). 53. A Autora passou em direcção às escadas de acesso ao bombeado e vestiu o casaco. (cerca das 01:10), subiu as escadas junto ao bombeado e entrou pelo bombeado. (cerca das 01:10), passou com o porta combis da zona de bombeado em direcção à bancada de expedição. (cerca das 01:11), seguiu na direcção da bancada da expedição e continuou nessa zona a trabalhar (cerca das 01:11). 54. O colega BB chegou da recepção frio e seguiu num porta combis com 1 combi e 2 arcas (cerca das 01:43), arrancou com o porta combis e os mesmos formatos carregados mas vem sem o casaco vestido, que seguia pendurado na máquina (cerca das 01:45), passou pela recepção da FV e entrou na camara FV. (cerca das 01:45), atravessou a camara da fruta em direcção ao seco (cerca das 01:45), saiu em direcção à expedição (cerca das 01:45), passou e deixou os formatos junto do Cais 7 e 8 (cerca das 01:46), passou em direcção ao gabinete de expedição (cerca das 01:46), entrou no gabinete de expedição e deixou o casaco no porta combis. (cerca das 01:47), seguiu em direcção à zona de picagem de ponto. (cerca das 01:48), chegou junto do portão do cais 1, retirou um stacker (um porta combis mais pequena que transporta apenas 1 palete) que está à carga, colocando o porta combis a carregar e foi ao cais 3 buscar outro porta combis e seguiu em direcção à zona de expedição. (cerca das 01:48), chegou junto do porta combis que tinha deixado a carregar à 01H47 (hora CCTV) na companhia de dois colegas (cerca das 02:11), tendo um deles aberto o portão e o BB vestiu o casaco que estava no porta combis, retirou um saco escuro e saiu na companhia dos colegas (cerca das 02:11), em direcção ao parque de estacionamento de ligeiros. (cerca das 02:11). 55. Os referidos três trabalhadores subiram a rampa em direcção ao portão do cais 1, onde ficam no exterior a conversar. (cerca das 02:23), tendo um deles entrado e ido ao WC. (cerca das 02:50). 56. Cerca de dez 10 segundos depois, o BB e o CC entram e fecham o portão do cais 1. (cerca das 02:50). BB não trazia qualquer saco. (cerca das 02:50). 57. De acordo com a “consulta de movimentos”, aos referidos trabalhadores não foi atribuída qualquer tarefa de preparação por sistema ou de forma manual de artigos. 58. A Ré tem um Código de Ética da DIA PORTUGAL, de acordo com o qual: - Na DIA todos cumprimos as normas, tanto as externas (leis e regulamentos), como as internas, plasmadas nas nossas políticas e procedimentos, e devemos, em todas as circunstâncias, cumprir com as normas aplicadas à nossa actividade profissional. - Somos pessoas rigorosas, profissionais e leais à empresa. Fazemos o melhor uso dos activos e recursos que a DIA coloca à nossa disposição, tendo sempre presente que a sua utilização se limita a actividades estritamente profissionais”. - Protegemos os nossos Activos e utilizamos os nossos recursos apenas para fins puramente profissionais e em benefício da nossa Empresa. A nossa obrigação de proteger o Grupo DIA inclui a moeda ou o numerário, a mercadoria que vendemos ou os recursos que a Empresa nos disponibiliza. 59. O valor dos bens referidos em 29., 32. e 35. era de 180,70€, concretamente: - 1 caixa do produto 215839 (CAMARÃO 60/80 BRASM /KG) (1cx = 10 Kg), (PVP Kg = 10,49€) - valor total da caixa = 104,90€; - 1 caixa do produto 275590 (RISS LEITÃO FORNO DELI 390G) (1cx = 8 Unidades), (PVP Unidade = 3,55€), - valor total da caixa = 28,40€; - 1 caixa do produto 125859 (RISSOL CAMARÃO SOLAR UNID) (1cx = 60 Unidades), (PVP Unidade = 0,79€), - valor total da caixa = 47,40€. 60. No dia 01/02/2023, por conta dos referidos factos, foi apresentada queixa-crime contra a Autora junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, correndo a mesma junto do respectivo Departamento de Investigação e Acção Penal. 61. No dia 15/06/2016, a Comissão Nacional de Protecção de Dados autorizou Dia Portugal Supermercados, Sociedade Unipessoal, Lda. ao tratamento de dados pessoais no âmbito de videovigilância, com a finalidade de protecção de pessoas e bens, a realizar no seu estabelecimento com a designação de Mini Preço localizado na Estrada de Alfarrobeira, 2615-501 Vialonga, e com o seguinte limite, entre outros: “não podem as câmaras incidir regularmente para os trabalhadores durante a actividade laboral, nem as imagens podem ser utilizadas para controlo da actividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade, seja para efeitos de responsabilização disciplinar”; e “As imagens só podem ser transmitidas nos termos da lei processual penal”. 62. A Ré sabia que os seus trabalhadores, entre os quais a aqui Autora, deslocavam-se, durante os turnos, ao exterior das instalações, a fim de recolherem ou deixarem nas suas viaturas os sacos/mochilas contendo as lancheiras que utilizam para transportar as refeições que consumiam no refeitório existente. 63. É usual, aquando da utilização dos “porta-combi”, ocorrer a queda de alguma mercadoria, dispondo a Autora de autorização para se deslocar aos corredores com vista a recolher os produtos “caídos” e colocar os produtos danificados dentro de um “combi vazio”, a fim da equipa de recuperação verificar se os mesmos (bens caídos), estavam em condições de serem colocados no “Picking” e, se o produto não estivesse em condições, o mesmo teria de ser colocado no “Bombeado”, de forma a ser distribuído, novamente, para o recuperador e voltar para o “Picking” ou então ser entregue para Doação. 64. Era usual a presença de motoristas das viaturas que estacionavam no Cais das instalações da Ré, a percorrerem os corredores do interior do Armazém da Ré sito em Alverca, bem como a utilizarem “Porta-Combi” para irem buscar caixas no armazém. 65. A Autora tratava os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionavam com a Ré, com urbanidade e probidade, comparecendo ao serviço com assiduidade e pontualidade. 66. A decisão da Ré causou na Autora um profundo desgosto, sofrimento e uma sensação de grande injustiça e revolta por ter sido alvo de um procedimento disciplinar e por ter sido despedida. 67. Os juízos e factos imputados à Autora, que levantam suspeitas sobre a sua idoneidade moral, afectaram a sua consideração social junto dos colegas de trabalho e amigos, que tiveram conhecimento do teor do procedimento disciplinar e do despedimento da Autora, ofendendo o seu bom nome, honra e reputação. 68. (eliminado). 69. À data do despedimento, a Autora recebia a remuneração mensal de € 830,00, acrescida de um prémio por objectivos no valor médio mensal de € 90,00, além de um seguro de saúde, no valor mensal de € 1,88. 70. A Ré pagou à Autora, referente ao mês de Março de 2023 e considerando o termo do contrato de trabalho no dia 14/03/2023, entre outras, as seguintes quantias: - € 917,67, a título de subsídio de férias; - € 959,38, a título de 23 dias férias não gozadas; - € 166,00, a título de proporcionais de subsídio de Natal; - € 189,91, a título de proporcionais de subsídio de férias; - € 166,00, a título de proporcionais de férias não gozadas; - € 526,74, a título de compensação pela formação não ministrada; - € 66,00, a título de cartão ticket restaurante. 71. A Autora fez seus os bens referidos no facto 59. 72. Em todas as suas actuações, a Autora agiu consciente de que lesava os interesses patrimoniais da sua entidade patronal e que o seu património era enriquecido ilegitimamente. 73. A Autora aproveitou-se da sua posição e do acesso que lhe é dado aos produtos para os subtrair à sua entidade empregadora. 74. Não existe qualquer justificação para a presença da Autora nas localizações onde se encontrava a mercadoria, não existia nenhuma ordem de picking ou pedido de loja, nem justificação para que a Autora retirasse os artigos, os colocasse no interior do porta-combis e os levasse para as zonas mencionadas, nem para o exterior do armazém. APLICANDO O DIREITO Da justa causa de despedimento Como temos escrito repetidas vezes – a título meramente exemplificativo, mencionam-se os Acórdãos de 05.12.2019 (Proc. 2458/18.2T8EVR.E1) e de 11.02.2021 (Proc. 1516/19.0T8BJA.E1)[5] – o despedimento com justa causa por falta disciplinar do trabalhador apenas pode ser decretado se ocorrer absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo representaria uma exigência desproporcionada e injusta, tornando inadequadas as demais sanções conservadoras do vínculo laboral. A gravidade do comportamento culposo do trabalhador deve ser aferida com base em critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal. O art. 351.º n.º 3 do Código do Trabalho impõe que se atenda, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes. Note-se que a exigência da gravidade da infracção decorre do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, consagrado no art. 330.º n.º 1 do Código do Trabalho: “sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infracção grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral.”[6] Há também a referir que compete à empregadora efectuar a prova da justa causa do despedimento, pois sendo este “um acto necessariamente vinculado, que só é permitido quando se verificarem as razões justificativas que a lei prevê, caberá sempre ao seu autor demonstrar a ocorrência dos factos e fundamentos que invocou para motivar a cessação do contrato de trabalho.”[7] Resulta dos autos que, na madrugada de 28.12.2022, a trabalhadora apoderou-se de produtos pertencentes à sua empregadora, no valor global de € 180,70, sabendo que estes não lhe pertenciam e que assim lesava os interesses patrimoniais dela, empregadora. Tais factos, para além de uma flagrante violação dos deveres inscritos nas als. c), e) e f) do n.º 1 do art. 128.º do Código do Trabalho, revelam uma inaceitável violação do dever de lealdade à respectiva entidade patronal. Face a uma estrutura como aquela que a empregadora possui, em que os seus trabalhadores lidam com produtos guardados em armazém, que devem ser colocados nos veículos que os vão transportar até às lojas, é essencial para a mesma deter uma mão-de-obra onde possa depositar a mais absoluta confiança, de modo que lhe seja possível realizar o seu escopo económico. Numa estrutura deste tipo, a honestidade é um valor absoluto e indiscutível. Sob pena de anarquia e quebra do poder de direcção da entidade patronal, comportamentos como os adoptados pela trabalhadora constituem grave quebra do espírito de confiança que devia reger a relação laboral, tornando impossível a manutenção da relação laboral. Objectivamente, os actos da trabalhadora, apoderando-se dos produtos descritos no ponto 59 dos factos provados, que estavam guardados no armazém onde trabalhava, impossibilitam a manutenção da relação de trabalho, violando as relações de lealdade e de confiança que devem prevalecer em qualquer relação laboral. Recorde-se ainda que a honestidade, sendo um valor absoluto, não admite qualquer espécie de graduação, muito menos numa relação laboral em que à trabalhadora foram confiadas várias tarefas em local onde a empregadora guarda os produtos que depois destina às suas lojas. Deste modo, existe justa causa de despedimento, e tal determina a procedência do recurso. DECISÃO Destarte, concede-se provimento ao recurso interposto pela empregadora, revoga-se a sentença recorrida e julga-se a acção totalmente improcedente. As custas em ambas as instâncias pela A.. Évora, 26 de Setembro de 2024 Mário Branco Coelho (relator) Emília Ramos Costa João Luís Nunes __________________________________________________ [1] Consultou-se a Carta Administrativa Oficial de Portugal e os limites territoriais das duas freguesias em https://snit-mais.dgterritorio.gov.pt/portalsnit/. [2] Proferido no Proc. 292/09.0TTSTB.E1 e publicado em www.dgsi.pt. [3] Proferido no Proc. 8127/18.6T8LSB-A.L1-4 e publicado em www.dgsi.pt. [4] Acórdãos proferidos, respectivamente, nos Procs. 219/11.9TVLSB.L1.S1 e 314/20.3T8CMN.G1.S1, ambos publicados em www.dgsi.pt. [5] Ambos publicados em www.dgsi.pt. [6] Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., 2016, pág. 806. [7] Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed., 2017, pág. 458. |