Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SUSANA DA COSTA CABRAL | ||
Descritores: | PERSI APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO RESOLUÇÃO DO CONTRATO | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I. O regime do PERSI, instituído pelo D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro, é aplicável aos contrato de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, que ainda subsistam, a 1 de janeiro de 2013, data da entrada em vigor daquele diploma, nos termos conjugados do artigos 2.º, n.º 1, alínea d) e 39.º do mesmo Decreto-Lei. II. A carta pela qual o credor fixa ao devedor um prazo suplementar para cumprimento da prestação em dívida, sob pena de ser exigido o pagamento da totalidade do contrato, não configura uma declaração de resolução do contrato. III. Não estando demonstrado nos autos que o contrato de crédito subjacente à livrança tenha sido extinto, por resolução, os Executados tinham que ser integrados no PERSI, previamente à instauração da execução. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 1581/24.9T8ENT.E1 (1ª Secção) *** Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:1. Relatório (…) – STC, SA., instaurou, no dia 17-05-2024, a presente Execução Ordinária, para pagamento da quantia de € 20.044,78, contra (…) e (…). Apresentou como título executivo uma livrança subscrita pelos executados. Conclusos os autos para prolação de despacho liminar, foi a exequente convidada (cfr. despacho proferido sob a ref.ª 96915082 de 03-07-2024) a «esclarecer qual a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança exequenda e, se for o caso, documentar o cumprimento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10». Após a resposta, foi proferido despacho de indeferimento liminar, onde foi julgada “oficiosamente verificada a exceção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pela exequente “(…) – STC, S.A.”, da demonstração do cumprimento, relativamente a ambos os executados (…) e (…), das obrigações decorrentes do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, indeferido liminarmente o requerimento executivo – artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º e 726.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil”. Deste despacho interpôs o Exequente o presente recurso de apelação, o qual terminou com as seguintes conclusões: A) Pretendeu o tribunal a quo “aferir se o contrato dos autos estava ou não em situação de lhe ser aplicado o regime do PERSI”. B) Convidou, assim, a ora Recorrente para vir esclarecer se o executado teria sido integrado no PERSI, ao que se veio responder negativamente bem como se indicar o motivo da não integração. C) Tendo-se esclarecido os autos que o executado não foi integrado em PERSI, uma vez que, in casu, a situação de incumprimento e de resolução do referido contrato se reportaria a data anterior à entrada em vigor do D.L. 227/2012. D) E por esse motivo, encontrar-se-ia fora do âmbito de aplicação do referido Decreto-Lei. E) Na sequência da situação de incumprimento, os ora Executados receberam pelo menos três missivas de interpelação para regularização e finalmente para resolução contratual. F) Essas missivas foram claras do ponto léxico, pelo que quando se diz que no prazo máximo de 10 dias o contrato será denunciado, dúvidas não restariam a um declaratário normal. G) Indo mais longe, até podemos entender que materialmente, os ora executados, beneficiaram de um conjunto de medidas que deram plena concretização aos objetivos do PERSI, entretanto instituído pelo Decreto-Lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, no entanto verificou-se ou uma efectiva incapacidade de regularização por parte do mesmo ou manifesta má-fé quanto a disponibilidade para regularizar os montantes em dívida. H) Significa isto que o Tribunal a quo exige a Recorrente uma serie de ónus, mas o mesmo não exige à outra parte, nomeadamente, aos Executados, o que materializa uma desigualdade de tratamento que não pode ser admitida. I) Não obstante e independentemente do que supra fica exposto, destinando-se o PERSI apenas aos clientes bancários que, na data de 01.01.2013, se encontrassem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permanecessem em vigor (sublinhado nosso), conclui-se que sobre ao Banco Cedente não impendia a obrigação de integrar o executado no referido procedimento, porquanto o contrato já não se encontrava em vigor, tendo já ocorrido o incumprimento definitivo e subsequente resolução, em momento anterior a essa data, cfr demonstrado nos autos. J) E, sendo que a questão decidenda, consiste em saber se ao caso em apreço, em que o contrato de crédito já se encontrava extinto, por ter sido resolvido, por incumprimento do devedor, em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, seria aplicável o regime nele instituído, com a consequente obrigatoriedade de integração dos devedores em PERSI, resulta claro, de tudo o que atrás se expôs que efectivamente não será. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* Questões a DecidirO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da apelação, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Consequentemente, cumpre apreciar e decidir: i. Se os executados tinham de ser integrados no Regime do PERSI; ii. Em caso afirmativo, qual a consequência da omissão; * 2. Fundamentação2.1. Fundamentação de facto: Resulta da livrança e das cartas juntas, com interesse para a resolução das questões a decidir, que: 1) A livrança dada à execução diz respeito ao contrato de crédito ao consumo n.º (…) celebrado em 20 de julho de 2005, pelo qual o Banco (…), SA emprestou ao executado o valor de X cuja restituição seria efetuada em 84 prestações mensais, iguais e sucessivas; 2) Em 22-06-2017, o Banco comunicou aos executados: “(…) ainda se encontra por regularizar o valor em dívida do contrato acima referido, no total de € 118,31, incluindo juros de mora/penalizações. (…) A manutenção do incumprimento, não nos deixará alternativa, senão o envio do processo para o nosso departamento de Contencioso, tomando as medidas julgadas adequadas na defesa dos legítimos interesses da Instituição Credora. (…) 3) Em 21 de agosto de 2007, o Banco comunicou à executada: “Não obstantes os vários contactos efectuados pelos nossos serviços, verificamos que a situação de incumprimento não foi ainda resolvida. Deste modo, e a menos que resolva, num prazo máximo de 10 dias, efectuar o pagamento do valor em mora de € 214,92, o contrato acima referido será denunciado. Assim, a partir desta data, será exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas. Informamos ainda que, caso não seja pago o montante em atraso no prazo acima indicado, será igualmente realizado o Preenchimento da Livrança e/ou proceder-se-á à execução da hipoteca / garantia (consoante a garantia associada ao contrato), não nos restando outra alternativa que não seja a do recurso à via judicial, para cobrança do crédito em questão, o que faremos decorrido o prazo atrás descrito”. 2.2. Do direito: 2.2.1. Da aplicabilidade do Regime do PERSI O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações. Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do referido diploma, entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste, ou seja, na pendência do PERSI a instituição de crédito está impedida de “Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”. No que respeita à aplicação no tempo deste regime legal, prevê o artigo 39.º que: “1. São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias. 2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º. 3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º”. O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013. No caso concreto, é incontroverso que: a) O contrato subjacente à emissão da livrança dada à execução é um contrato de crédito ao consumo, celebrado ao abrigo do disposto no DL 359/91, de 21 de setembro, e portanto um daqueles a que se aplica do DL 227/2012, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea d); b) O credor não promoveu as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente aos executados. c) O Regime do PERSI só se aplica aos contratos ainda em vigor à data da entrada em vigor do referido DL, ou seja, em 1 de janeiro de 2013 O Mmo. Juiz a quo decidiu que “não deixando de fazer notar que, não obstante o aviso vertido na missiva de 21-08-2007, a livrança apenas foi preenchida em 12-04-2024 – ou seja, mais de dezasseis anos depois -, nunca o contrato foi efetivamente denunciado. Na verdade, nessa missiva datada de 21-08-2007 é referido que «o contrato acima referido será denunciado» e não, por exemplo, que o contrato se considerará imediata e/ou automaticamente denunciado findo o prazo de 10 dias nelas aludido. São, a nosso ver, realidades totalmente distintas. (…) o credor não efetuou a resolução (…) O contrato em causa encontra-se sujeito ao PERSI”. Em sede de alegações de recurso, a Recorrente, por seu turno, defende que “o contrato se encontra resolvido desde 01-09-2007” e conclui que em 01-01-2013 “já o contrato se encontrava extinto por resolução motivada por aquele incumprimento”, pelo que não é aplicável o Instituto do PERSI. A questão que assim importa previamente apreciar é a de saber se o contrato sub iudice de Crédito ao consumo se considera extinto, por resolução, desde 01-09-2007, como pretende a recorrente. Conforme resulta dos factos provados, o contrato de crédito ao consumo subjacente à livrança que constitui o título executivo, foi celebrado no dia 20 de julho de 2005, pelo que se lhe aplica o Regime previsto no DL n.º 359/91, de 21 de setembro. Ao contrário do que sucede com o regime em vigor desde o DL n.º 133/2009, de 02 de junho, o referido DL não consagrava um regime especial para o não cumprimento do contrato de crédito ao consumidor e por conseguinte aplicava-se e aplica-se aos contratos celebrados antes de 01 de julho de 2009, como sucede com o contrato em causa nos autos, o regime geral previsto no Código Civil. Constatado o não cumprimento de uma das prestações na data acordada, o credor tem a possibilidade de promover ou a perda do benefício do prazo do devedor, nos termos do disposto no artigo 781.º do CC e exigir o cumprimento das prestações vincendas ou proceder à resolução do contrato, nos termos do artigo 801.º, n.º 2, do Código Civil (artigo que prevê precisamente a possibilidade de uma das partes resolver contrato, em caso de incumprimento definitivo da outra parte). A resolução é uma das formas de cessação do contrato, dispõe de um regime geral, previsto nos artigos 432.º a 436.º do CC, é unilateral, exige uma permissão específica, legal ou convencional, requer uma justificação: é vinculada[1], tem efeito retroativo, embora nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abranja as prestações já cumpridas e efetua-se mediante declaração à outra parte (artigo 436.º, n.º 1, do CC). Volvendo ao caso concreto, a apelante sustenta ter feito a declaração de resolução com a carta de 21-08-2007, que tem o seguinte teor, na parte que releva: “a menos que resolva, num prazo máximo de 10 dias, efectuar o pagamento do valor em mora de 214,92 Euros, o contrato acima referido será denunciado. Assim, a partir desta data, será exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas”. Numa situação semelhante à que aqui está em causa, decidiu o Tribunal da Relação de Évora[2] que: “A resolução opera por meio de uma declaração receptícia que, nos termos do artigo 224.º do CC, só produz efeitos quando chega ao destinatário ou deste é conhecida. Ao declarar que resolve o contrato o declarante não está pois (apenas) a descrever uma acção, mas a fazê-la, isto é, a resolver o contrato. Trata-se de um enunciado performativo, elemento constitutivo da resolução”. Considerando o teor da mencionada carta de 14.08.2012, pela qual a apelante sustenta que foi efetuada a declaração de resolução, não há dúvidas de que está em causa o incumprimento do contrato. Porém, não é a afirmação constante da carta de que «não nos resta outra alternativa que não seja o recurso à via judicial, como forma de procedermos à cobrança coerciva da totalidade do valor em dívida, procedimento que iremos adoptar de imediato e sem qualquer outro aviso» que constitui causa de extinção do contrato, maxime, por resolução (artigo 432.º do Código Civil). Um declaratário normal, colocado na posição dos reais declaratários, aqui executados (cfr. art. 236º, nº 1 do Cód. Civil), não entenderia, nem interpretaria, seguramente, o teor daquela carta como uma declaração de resolução do contrato de crédito em causa, se persistisse no incumprimento, nem tal interpretação encontra, sequer, correspondência no texto da carta. Em suma, a declaração inserta na aludida carta de 14.08.2012 consubstancia uma mera intenção do credor de proceder à cobrança coerciva do montante em dívida, mas não de fazer cessar o contrato de mútuo.” Concordamos, integralmente com esta decisão que, aliás, foi acolhida pelo tribunal recorrido e que se aplica à situação sub iudice. Consideramos que a comunicação enviada aos executados a 21-08-2007 não consubstancia uma vontade de extinguir o vínculo contratual, designadamente, por resolução. A linguagem utilizada aponta antes para a intenção de considerar vencidas as prestações e desse modo manter o contrato em vigor. Por conseguinte, ao contrário do sustentado pela Recorrente, não se demonstrou que o financiador, que lhe cedeu o crédito em causa, extinguiu o contrato de crédito ao consumo celebrado com os executados, pelo que, subsistindo o contrato à data da entrada em vigor do DL 227/2012, estava o mesmo sujeito ao Regime do PERSI, atento o disposto no artigo 39.º, n.º 1 e 2, daquele diploma, com a consequente obrigatoriedade do respetivo cumprimento, o que não ocorreu. * iii. Da consequência da não integração dos Executados no Regime do PERSINão tendo havido integração dos mutuários, ora executados, em PERSI, conforme desde logo assumiu a Recorrente/Exequente, falta a condição objetiva de procedibilidade prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), daquele diploma, o que constitui exceção dilatória atípica ou inominada, de conhecimento oficioso, que determina o indeferimento liminar do requerimento executivo nos termos decididos (cfr. artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º e 726.º, n.º 2, alínea b), n.º 4 e 5, todos do Código de Processo Civil). Por conseguinte, importa julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida. * As custas são suportadas pelo Recorrente, atenta a improcedência do recurso (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).* 3. Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Évora, 10 de julho de 2025 Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora) Francisco Xavier (1º Adjunto) José António Moita (2ª Adjunto) __________________________________________________ [1] Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, Almedina, pág. 250. [2] Acórdão do TRE de 09-04-2025 (Processo n.º 606/24.2T8MMN.E1) acessível em: https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/3265291120b7e54080258c7c0034cd29?OpenDocument Também neste sentido Acórdão do tribunal da Relação de Évora de 11-01-2024 (Processo n.º 2644/22.0T8ENT.E1, acessível in https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/b27b514c6f5ee00480258ac1004c7104?OpenDocument&Highlight=0,2644%2F22 |