Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
207/24.5T8STC.E1
Relator: MIGUEL TEIXEIRA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGIME DE VISITAS
DIREITO DE VISITA
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - A criança tem direito a conviver com ambos os progenitores e os convívios da criança com o progenitor com quem não reside habitualmente deverão ser, em regra, o mais possível alargados;
- Só razões excecionais devem fundamentar a manutenção de um regime que limite os convívios entre a criança e o progenitor com quem ela não reside;
- A fixação de um regime de convívios supervisionado, constituindo um constrangimento importante ao estabelecimento de uma relação entre pais e filhos com contornos de normalidade, deve perdurar apenas enquanto no processo, mesmo que indiciariamente, não foram apurados factos que, com alguma segurança, permitam apontar no sentido da adequação de um regime de convívios sem monitorização.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 207/24.5T8STC.E1 - Recurso de Apelação
Tribunal Recorrido – Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Família e Menores de Santiago do Cacém
Recorrente – (…)
Recorridos – (…)
Ministério Público
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Sumário: (…)

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Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO
(…) instaurou contra (…) ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor (…), nascido em 21.01.2014.

Em 10.09.2024, na ausência de acordo entre as partes quanto ao objeto do processo com caráter duradouro, foi proferida decisão que regulou provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
1 - O menor (…) fica a residir junto da mãe.
2 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância da vida do menor serão decididas conjuntamente pelos progenitores.
(…)
6 - Os convívios serão supervisionados pela EMAT, de acordo com o plano a elaborar por esta e em articulação com os progenitores”.

Em 12.12.2024, foi proferida decisão que alterou o regime fixado em 10.09.2024, tendo o Tribunal determinado, “(…) em acrescento ao regime provisório, para vigorar pelo período de 3 meses, nos termos do artigo 4.º, a), e), f) e h), da LPCJP, ex vi do artigo 4.º, n.º 1, do RGPTC”, que:
- O progenitor poderá estar com o menor em fins-de-semana alternados, indo buscar o mesmo às sextas-feiras, no término das aulas, no espaço escolar, entregando o mesmo na segunda-feira no espaço escolar, no início das aulas.
- O período de férias de Natal Ano Novo – entendido como o dia seguinte ao último dia de aulas em Dezembro até ao primeiro dia de aulas em Janeiro – será dividido equitativamente entre ambos os progenitores, indo o progenitor buscar o menor no primeiro dia de férias pelas 14:00h e entregando-o no primeiro dia da metade da progenitora, pelas 14:00h”.

A autora, inconformada com esta decisão, dela veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo:
A. Foi decidida alteração ao regime provisório em vigor por Despacho de que se recorre;
B. Determina o despacho recorrido que o progenitor poderá estar com o menor em fins-de-semana alternados e durante metade do período de férias escolares de Natal e Ano Novo que se iniciam de imediato.
C. Entende a Recorrente que não foi considerado o real interesse desta criança.
D. Prevaleceram de modo evidente os direitos do pai em prol dos direitos da criança.
E. O tribunal a quo não considerou o contexto da relação desta criança com o pai antes da separação, assim como os motivos para a separação.
F. Não foi considerado, porque não foi solicitada e recebida informação do estado do processo de violência doméstica que corre os seus termos.
G. Não tendo sido aplicada medida de coação, na medida em que os progenitores já se encontravam separados, estando a criança com a Recorrente mãe.
H. Limita o Tribunal a quo a sua decisão num relatório de um CAFAP que ignorou absolutamente os interesses do menor.
I. Um Parecer que denota um desinteresse e desrespeito pelos verdadeiros interesses desta criança e em que apenas é valorizado o progenitor.
J. Foi junto relatório da psicóloga que acompanha a criança que foi totalmente desvalorizado.
K. Não sendo valorado como pericial, o que se respeita, mas tampouco valorado como qualquer documento junto.
L. Quanto a este relatório alega o tribunal a quo estar em contradição com a senhora técnica do CAFAP que assistiu as visitas do menor com o pai.
M. Diga-se que contrariamente ao estabelecido nunca existiu uma equipa na medida em que esteve presente apenas e só uma técnica em todas as visitas, assim como nos dois relatórios que foram juntos e se encontram nos autos
N. O Tribunal a quo entendeu o direito de visitas ao pai como um direito absoluto.
O. Não considerou todos os restantes elementos de prova, desde logo as declarações prestadas pela criança.
P. Prevaleceu uma opinião em prol de tudo o mais.
Q. Entrega-se uma criança que recusa e sofre, e esse sofrimento é descrito no próprio relatório da senhora técnica, assim como é descrito no Relatório da psicóloga que acompanha a criança, porque se entende que estamos perante uma mãe alienadora.
R. Crê-se ter sido esta a parca conclusão a que foi capaz de chegar o tribunal a quo.
S. E ainda que assim fosse, importará ter presente que o sofrimento da criança é real e não se ultrapassa forçando.
T. Ultrapassa-se trabalhando esta criança, dando apoio, fazendo perícias para perceber a razão real para este sentimento.
U. Não se ultrapassa enviando a criança para casa do pai com quem não tem qualquer vínculo.
V. Vínculo que não se perdeu, antes, nunca existiu.
W. Forçar esta criança é um profundo desrespeito pelos seus interesses, pela sua estabilidade emocional, pelos seus direitos!
X. A criança deve ser ouvida depois de se iniciarem as visitas acompanhadas o que não aconteceu.
Y. A psicóloga que acompanha a criança e que já reuniu com ambos o progenitor deve ser ouvida.
Z. Decidiu o tribunal a quo pelo início da presença deste pai em período de férias que se iniciam poucos dias após a decisão.
AA. Foram esquecidos os interesses desta criança.
BB. Refere a psicóloga no relatório junto o seguinte: “o (…) demonstra estar efetivamente reticente, e cabe aos adultos tentar perceber melhor o porquê, mas sem o pressionar”.
CC. Não fundamenta o tribunal a quo quando conclui que a repulsa e sofrimento da criança não resulta da conduta do pai.
DD. Desde logo porque desconhece o que consta no processo crime e ignora os motivos para a alteração da residência do menor.
EE. Logo não sabe o tribunal a quo se tal resultou ou não da conduta do progenitor.
FF. Andou mal o tribunal a quo a decidir como decidiu.
GG. É uma decisão precipitada e sem um trabalho prévio de procura de razões.
HH. O (…) não conseguiu que o escutassem e quem o escutou não foi ouvido.

Termina, pedindo que, revoga a decisão recorrida na parte em que são decididas visitas e permanência com o progenitor de imediato, sejam ordenadas diligências que permitam uma decisão segura e fundamentada, desde logo a audição da psicóloga e da criança, assim como uma consulta à escola de modo a saber qual o impacto que estas visitas tiveram na vida da criança, deste modo garantindo que a intervenção do Tribunal realizou o objetivo que levou à necessidade de intervenção e que o Superior interesse desta criança prevaleceu”.

O Recorrido apresentou resposta, que conclui do seguinte modo:
1. A Recorrente apresenta recurso do despacho proferido que procedeu à alteração do regime provisório das responsabilidades parentais inicialmente proferido e que foi precedido de audição das partes e do menor.
2. Teve ainda a Recorrente oportunidade de se pronunciar por escrito sobre as alterações propostas pela equipa técnica que acompanhou o menor e as visitas com o progenitor, o que fez.
3. Ora, no que tange à admissibilidade do recurso de decisão provisória, como é o caso, rege o disposto no artigo 28.º, n.º 5, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, por força do qual, só “quando as partes não tiverem sido ouvidas antes do decretamento da providência” lhes “lícito” recorrer dessa mesma decisão.
4. Ora, considerando que a decisão proferida foi precedida de pronuncia de ambas as partes será de considerar que a decisão contra a qual a Recorrente se insurge não admite recurso.
Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se equaciona por mero dever de patrocínio, sempre se dirá,
5. Nos termos do artigo 32.º, n.º 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) os recursos têm efeito meramente devolutivo, exceto se o tribunal lhes fixar outro efeito.
6. In casu, a Recorrida requer efeito suspensivo, no entanto não menciona quaisquer fundamentos que justifiquem o regime excecional.
7. Não resulta dos autos que a execução da decisão possa causar qualquer prejuízo ao Menor, ao invés, a situação de perigo para o Menor, atualmente, deriva da privação do convívio com o progenitor.
8. O Menor não priva condignamente com o Recorrido desde Março de 2024, devido ao afastamento que lhe foi imposto, só beneficiando de visitas desde Setembro, ainda que supervisionadas por equipa especializada do EMAT, que atestou que não se observam constrangimentos a convívios não supervisionados.
9. Aplicar efeito suspensivo à alteração do regime provisório em escrutínio será retirar o seu efeito útil pois a mesma estipula que o Menor passará metade das férias de Natal com o progenitor, o que no seu superior interesse, deverá acontecer.
10. Assim, deverá ao presente recurso ser atribuído efeito meramente devolutivo, nos termos do artigo 32.º, n.º 4, do RGPTC.
11. No que diz respeito à factualidade apurada, desde 22 de Março que a Recorrente, de forma abrupta e unilateral afastou o Menor do Recorrido, mudando de cidade e impedindo o contacto entre ambos.
12. Desde aí influencia e formata o Menor, de modo a que o próprio rejeite o convívio com o Pai.
13. O Recorrido desde o primeiro dia de afastamento, recorreu a todas as entidades e a todos os meios legais ao seu alcance, nomeadamente, intentando processo de regulação das responsabilidades parentais junto do Tribunal, comunicando situação de perigo à CPCJ e solicitando a intervenção de equipas especializadas, com as quais sempre colaborou inteiramente.
14. A Recorrente, por seu turno, tem rejeitado a intervenção de todos os organismos e, inclusivamente, retirou o seu consentimento à mediação da CPCJ, sempre que existe uma tentativa de restabelecer contactos.
15. Mais a Recorrente tem vindo a beneficiar com as vicissitudes processuais, mormente conflitos de competência territorial suscitados pela própria, em virtude da alteração de residência do Menor.
16. Em consequência, só em setembro de 2024 foi realizada conferência, no âmbito da qual foi fixado regime provisório de responsabilidades parentais, que fixou visitas entre o Recorrido e o Menor, inicialmente e por mera cautela, acompanhadas e reguladas pela equipa especializada da EMAT.
17. No âmbito das visitas acompanhadas as Técnicas do EMAT apresentaram conclusões nas quais referiram que o Recorrido não apresenta qualquer risco para o Menor e não se verificam constrangimentos à fixação de convívios não supervisionados.
18. Ambas as partes se pronunciaram acerca dessa proposta.
19. Em resultado, foi proferido o Despacho sob escrutínio que deferiu a alteração ao regime de convívios suscitada pelo Recorrido e eliminou o supervisionamento das visitas, aditando-lhe momentos de convívio, nomeadamente aos fins de semana e nas férias de Natal.
20. A decisão exarada revelou astúcia, sensatez e acima de tudo, um profundo conhecimento de causa que já se mostrava indiciada aquando da primeira conferência.
21. A mesma foi sustentada, além dos demais elementos, em dois relatórios elaborados pelo EMAT, prolatados com base e na sequência de diversas fontes e metodologias, nomeadamente entrevistas e sessões individuais quer com o Menor, quer com os progenitores, contactos telefónicos com os progenitores, articulação com a equipa da CPCJ e acompanhamento das visitas reguladas entre o Recorrido e o Menor.
22. O próprio Julgador a quo, na primeira pessoa, percecionou indícios de alienação parental, em virtude do seu contacto direto com os intervenientes processuais e com os elementos do processo, tendo ordenado a realização de relatórios com vista ao apuramento dessa eventual factualidade.
23. O Despacho prolatado bem andou ao não valorar o relatório junto aos autos pela Recorrente, pois o mesmo, além de não ter sido sujeito a contraditório, limita-se à reprodução de meras conclusões iniciais, superficiais, destituídas de prévia fundamentação, de conhecimento de facto e elementos técnicos.
24. À luz do artigo 36.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial”.
25. O Menor só poderia ser privado do Pai caso este representasse um perigo para si, o que não corresponde à realidade, ao invés, ficou demonstrado que o Recorrido é um pai exemplar, presente e preocupado, sendo a sua presença essencial à vida do filho e ao seu superior interesse.
26. Em face de tudo o exposto, o Recurso interposto pela Recorrente deverá improceder totalmente, mantendo-se o douto Despacho sob escrutínio, que doutamente decidiu, em prol do interesse do Menor”.

O Ministério Público apresentou igualmente resposta, onde conclui:
1. Inconformada com o despacho proferido no âmbito do processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais relativamente à criança (…) que determinou, além do mais, que o menor passasse a ter convívios não supervisionados com o seu progenitor e bem assim um período de férias de natal com o mesmo, veio a progenitora/requerente do mesmo interpor recurso.
2. Entende a recorrente que o regime de convívios paternofiliais provisoriamente alterado pela Mm.ª Sr.ª Juíza a quo no seu despacho judicial, datado de 12 de dezembro de 2024, é violador do princípio norteador do superior interesse da criança.
3. Pugna a recorrente pela revogação do despacho judicial que determinou, além do mais, que o menor passasse fins-de-semana alternados com o seu progenitor, devendo este recolher o filho na sexta-feira após o término das aulas, deixando-o, novamente, no estabelecimento de ensino, na segunda-feira.
4. Adianta-se desde já que, em nosso entender não assiste razão à recorrente, pelo que, deverá ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida nos seus precisos termos.
5. Entende o Ministério Público que o despacho recorrido defende o superior interesse da criança, potenciando o restabelecimento da relação paterno filial, entre o (…) e o seu progenitor, ao mesmo tempo que retira o peso de tal decisão do peito desta criança, manifestamente emocionalmente envolvida num conflito que não é seu, mas sim entre os seus progenitores.
6. Com efeito, outra decisão, tal como a defendida pela recorrente, designadamente, de nova audição do menor para melhor tomada de posição, apenas perpetua o estado emocional em que o mesmo se encontra, tal como descrito no relatório técnico elaborado pela E.M.A.T., descrito como um “conflito de lealdade” causador de enorme stress para o menor.
7. Em suma, aquilo que o Tribunal a quo fez, e bem, foi retirar o peso que o menor detém no peito, e que a progenitora parece querer potenciar, de imputar à criança, com apenas 11 anos de idade, a responsabilidade de decidir se se volta a relacionar com o progenitor novamente, agora que aqueles estão separados.
8. Ora, não constituindo, como nunca foi o caso, o progenitor uma ameaça para o filho e não havendo justificação para a manutenção das visitas supervisionadas, não obstante o menor manter uma postura de rejeição da figura paternal, andou bem o Tribunal ao determinar que tais convívios paternofiliais ocorressem, em diante, em meio natural, por forma a que, de forma orgânica, pai e filho possam voltar a criar uma ligação, não obstante o litígio que existiu, que ainda existe e que continuará a existir entre os seus progenitores, litígio esse do qual o menor deve ser protegido.
9. Entendemos, assim, que a decisão recorrida não merece qualquer censura”.
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II – QUESTÕES A DECIDIR
Perante as conclusões das alegações da Recorrente, a única questão que importa apreciar é a de saber se continua a justificar-se a limitação dos convívios entre o progenitor e o menor, por via da execução de um regime supervisionado, ou se os factos autorizam que se caminhe no sentido da autonomização e ampliação dos convívios.
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Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão, importa ter em consideração os seguintes factos:
A) (…) instaurou contra (…) ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor (…), nascido em 21.01.2014.
B) Em 10.09.2024, na ausência de acordo entre as partes quanto ao objeto do processo com caráter duradouro, foi proferida decisão que regulou provisoriamente o exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:
1 - O menor (…) fica a residir junto da mãe.
2 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância da vida do menor serão decididas conjuntamente pelos progenitores.
3 - As responsabilidades parentais relativas às questões da vida corrente do menor serão exercidas pelo progenitor que em cada momento tiver o menor aos seus cuidados.
4 - A título de pensão de alimentos o pai pagará mensalmente a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros).
5 - As despesas de saúde e de educação, na parte não comparticipada, serão suportadas em partes iguais pelos progenitores, mediante a apresentação dos respetivos comprovativos. Para o efeito, no prazo de trinta dias após o processamento da comparticipação, o progenitor que fizer a despesa envia ao outro o respetivo comprovativo, e este, por sua vez, reembolsa o outro de metade da despesa no prazo de trinta dias.
6 - Os convívios serão supervisionados pela EMAT, de acordo com o plano a elaborar por esta e em articulação com os progenitores”.
C) Em 12.12.2024, foi proferida decisão que alterou o regime fixado em 10.09.2024, tendo o Tribunal determinado, “(…) em acrescento ao regime provisório, para vigorar pelo período de 3 meses, nos termos do artigo 4.º, a), e), f) e h), da LPCJP ex vi do artigo 4.º, n.º 1, do RGPTC”, que:
- O progenitor poderá estar com o menor em fins-de-semana alternados, indo buscar o mesmo às sextas-feiras, no término das aulas, no espaço escolar, entregando o mesmo na segunda-feira no espaço escolar, no início das aulas.
- O período de férias de Natal Ano Novo – entendido como o dia seguinte ao último dia de aulas em Dezembro até ao primeiro dia de aulas em Janeiro – será dividido equitativamente entre ambos os progenitores, indo o progenitor buscar o menor no primeiro dia de férias pelas 14:00h e entregando-o no primeiro dia da metade da progenitora, pelas 14:00h.”.
D) A Recorrente, no dia 14.03.2024, apresentou queixa contra o Recorrido ela prática de crime de violência doméstica, queixa que deu origem ao processo n.º 226/24.1PBLRA;
E) Das informações colhidas junto dos Serviços do Ministério Público onde corre termos o processo agora indicado resulta que está ainda em curso a investigação;
F) Da informação prestada em 12.11.2024 pela Segurança Social, a respeito do modo como decorreram os convívios supervisionados entre o progenitor e o menor na sequência do regime provisório fixado resulta que:
Da súmula de quatro visitas acompanhadas já realizadas, verifica-se que a criança mantém a mesma postura desde o início, não se observando evolução.
A criança assume estar contrariada na visita, não aceitando as propostas do progenitor, seja para conversarem, seja para realizarem algum jogo ou atividade.
Em alguns momentos da interação conversam, mormente sobre os motivos da recusa da criança em estar com o pai, a escola e atividades do (…), sendo que a criança após algum tempo bloqueia as interações referindo “eu não quero conversar, eu não quero estar aqui” (Sic).
Perante as recusas da criança o progenitor tenta mudar de assuntos ou implicar a criança em alguma atividade, nem sempre conseguindo no imediato. Apos alguns silêncios, consegue mudar de assuntos e envolver a criança em momentos de conversa, que depois a criança termina, recusando manter a interação.
A criança faz verbalizações semelhantes às da progenitora, mormente nos motivos da recusa em estar com o pai, adotando um discurso idêntico ao da mãe, o que pode indiciar eventual contaminação do discurso, seja pelo facto de ter crescido no contexto descrito, ou ter conhecimento dos factos.
De igual forma e da observação realizada não se afasta a possibilidade de o menor assumir uma tomada de posição com relação aos seus progenitores, assumindo as questões do progenitor residente, sendo latente um conflito de lealdades, conflito este que se verifica um stressor significativo para a criança. (…)
Do avaliado, a criança tem o poder de decisão se pretende estar com o progenitor ou não, não sendo de excluir que as estratégias adotadas pela progenitora para preparar o menor e tranquilizá-lo não estejam a ser as mais adequadas e eficazes.
Foi tentada uma visita acompanhada fora das instalações do Tribunal de Família e Menores de Santarém, tendo a criança recusado perentoriamente tal proposta, sem justificar tal recusa.
A criança recusa convívios autónomos com o pai, pelos motivos já explanados, não se observando à data e do exposto constrangimentos a convívios não supervisionados a não ser pela recusa da criança, alegando motivos pouco consistentes ou fundamentados já descritos.
De igual forma a criança verbaliza que se o Tribunal decidisse convívios com o pai, que teria que cumprir, embora verbalize não ser essa a sua vontade.
Do descrito pelos intervenientes, no âmbito do processo a decorrer na CPCJ de (…), foi determinado que a criança deveria beneficiar de acompanhamento psicológico, logrando os pais pela pesquisa de psicóloga na área de residência da criança. Da informação dos intervenientes e com a concordância de ambos os progenitores, a criança ira iniciar em breve de apoio psicológico, tendo os progenitores acordado na escolha da psicóloga. Em sede de visita acompanhada a criança manifestou ser conhecedora da situação referindo “estamos à espera que o pai autorize a psicóloga, para que eu possa ter” (Sic).
(…) face a todo o exposto, submete-se á consideração do Douto Tribunal a continuidade das visitas acompanhadas, e por que período de tempo, ou a sua autonomização para convívios autónomos na habitação do progenitor quinzenalmente ao fim de semana, sugerindo-se que face ao descrito, as transições possam acontecer em contexto neutro, por exemplo a escola, mediante a avaliação gradual dos mesmos (no âmbito do processo de promoção e proteção a decorrer na CPCJ), e do impacto que trazem á criança”;
G) Da informação prestada pelo CAFAP do Centro Social Paroquial (…), em 28.07.2025, resulta, em síntese, o seguinte:
Face à análise da informação recolhida junto do agregado familiar, dos profissionais envolvidos no acompanhamento da criança (psicóloga e escola), verifica-se que:
• A criança apresenta sinais de ajustamento emocional face à separação dos pais, com episódios de ansiedade que estão a ser devidamente acompanhados em contexto clínico;
• Existe uma melhoria progressiva na relação entre (…) e o filho, com respeito crescente pelos tempos e necessidades da criança;
• A mãe tem demonstrado disponibilidade para colaborar e facilitar a articulação entre os diferentes técnicos;
• A escola refere um bom comportamento geral e uma postura responsável por parte da criança, ainda que com ligeiras oscilações no desempenho escolar, compreensíveis face ao contexto.
• A ausência de uma definição clara relativamente ao período de férias na Regulação das Responsabilidades Parentais tem sido geradora de constrangimentos entre (…) e (…). A mãe defende que deve ser respeitado o ritmo da criança, enquanto o pai manifesta o entendimento de que tem direito a usufruir do mesmo tempo de férias com o filho, em igualdade com a mãe.(…)”.

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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. O artigo 1906.º, n.º 5 e 8, do Código Civil, sob a epígrafe “Exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento”, aplicável às situações de cessação de convivência dos progenitores que viviam em condições análogas às dos cônjuges (cfr. o artigo 1911.º, n.º 2, do Código Civil), dispõe que:
O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” (n.º 5); e
O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles” (n.º 8).

O artigo 40.º do RGPTC, por outro lado, estipula no que agora interessa que:
“(…) 2 - É estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal.
3 - Excecionalmente, ponderando o superior interesse da criança e considerando o interesse na manutenção do vínculo afetivo com o visitante, pode o tribunal, pelo período de tempo que se revele estritamente necessário, ordenar a suspensão do regime de visitas. (…)”.

Dos preceitos citados – em linha com o artigo 36.º, n.os 5 e 6, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que os pais têm o direito e o dever de educar e manter os filhos, não podendo estes deles ser separados, exceto quando os pais não cumprirem os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial, e com os artigos 24.º, n.º 3, da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia e 9.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança – decorre que a criança tem direito a conviver com ambos os progenitores.
Os convívios da criança com o progenitor com quem não reside habitualmente deverão ser, em regra, o mais alargados possível, para permitir a partilha de afetos e a desejada proximidade do filho com ambos os progenitores, do modo o mais equilibrado possível.
Só assim não será, excecionalmente, em situações particularmente graves e sempre que o bem-estar da criança possa ser colocado em causa com os contactos com o outro progenitor, designadamente quando ocorram situações de abuso físico ou sexual, de maus-tratos ou de violência doméstica.

Como se lê no Acórdão da Relação de Lisboa de 21.03.2024, em www.dgsi.pt:
(…) é incontroverso que todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses.
Para manter uma relação de grande proximidade, assegurando o superior interesse da criança, impõe-se que ocorram contactos regulares e frequentes do progenitor com o filho, facultando que possa partilhar o seu espaço, passando com eles fins-de-semana, datas festivas, aniversários, períodos de férias (cfr. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 4ª edição, pág. 313).
Quando a norma se refere à relação de grande proximidade da criança com ambos os pais, está a fornecer ao juiz uma indicação que funciona como factor, entre outros, para determinar o interesse da criança (Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 7ª edição, 2021, pág. 95).
E prosseguindo com a Lição desta Ilustre autora:
“O direito de visitas consiste no direito de pessoas unidas entre si, por laços familiares ou afectivos estabelecerem relações pessoais. Num contexto de divórcio, o direito de visitas significa a possibilidade de o progenitor sem guarda e a criança se relacionarem e conviverem entre si, uma vez que tais relações não podem desenvolver-se, no dia a dia, em virtude da falta de coabitação. O direito de visitas tem uma forte componente humana e subjazem-lhe realidades afectivas que o direito não pode ignorar” (Clara Sottomayor, Regulação do Exercício…cit., pág. 128).
“O objecto do direito de visitas abrange, assim, um conjunto de relações, desde contactos esporádicos por algumas horas, os quais consistem na expressão mínima do referido direito a estadias por várias semanas e ainda qualquer forma de comunicação (correspondência por escrito, telefone, electrónica, etc.).”
“O exercício do direito de visitas por parte do progenitor não guardião funciona como um meio de este manifestar a sua afectividade pela criança, de ambos se conhecerem reciprocamente e partilharem os seus sentimentos de amizade, as suas emoções, ideias, esperanças e valores mais íntimos. Alguns autores referem-se, sugestivamente à visita como um “acto de puro amor puramente gratuito” que constitui “a essência dos direitos parentais para o progenitor não guardião”. Se é importante que na ordem familiar e humana que a criança não veja a sua vida amputada de carinho, contacto, relação e comunicação, o mesmo acontece no plano jurídico. O direito não pode ficar indiferente a esta profunda realidade humana, simultaneamente biológica e psíquica” (A. e ob. cit., pág. 128 e seg.).
“O aspecto mais importante desta figura e o seu fundamento reside na relação afectiva que une a criança ao progenitor, a qual merece tutela jurídica por consistir numa manifestação da personalidade da criança e do seu direito ao livre desenvolvimento” (A. e ob. cit., pág. 130).
Portanto, o direito de visitas é pensado de modo a salvaguardar o superior interesse da criança, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, psíquico e emocional, visando o estabelecimento de laços afectivos e emocionais com o progenitor não guardião e deve ser desenhado de acordo com as concretas circunstâncias do caso, nomeadamente da existência, ou não, de anteriores contactos e convivência, a idade da criança e até o posicionamento dos pais em relação aos filhos e contactos com o outro progenitor.
Só excepcionalmente esse direito de visitas pode ser afastado ponderando o superior interesse da criança e considerando o interesse na manutenção do vínculo afetivo com o visitante (artigo 40.º, n.º 3, do RGPTC), designadamente quando as circunstâncias concretas do caso o desaconselhem, por existir algum tipo de risco efectivo, psicológico, emocional ou físico para a criança”.

No caso concreto, o Tribunal recorrido, de forma que consideramos prudente, fixou provisoriamente um regime de convívios supervisionados entre o menor e o progenitor. Fê-lo numa fase liminar do processo, face às reservas manifestadas pela progenitora quanto à possibilidade de fixação de um regime mais alargado, sem os constrangimentos naturalmente associados à supervisão dos convívios por parte de terceiros.
Resulta dos factos provados que, entre o momento em que foi fixado o regime provisório (10.09.2024) e o momento em que foi proferida a decisão recorrida (12.12.2024), ocorreram pelo menos quatro convívios.
Contactos que foram acompanhados por parte da Segurança Social, que não registou a existência de constrangimentos à realização de convívios não supervisionados, sem embargo da recusa do menor, alegando para tanto motivos pouco consistentes ou fundamentados.
E, também por isso, colocou à consideração do Tribunal a possibilidade de autonomização dos convívios, a ocorrem na habitação do progenitor quinzenalmente ao fim de semana.

A Segurança Social destaca que “A criança faz verbalizações semelhantes às da progenitora, mormente nos motivos da recusa em estar com o pai, adotando um discurso idêntico ao da mãe, o que pode indiciar eventual contaminação do discurso, seja pelo facto de ter crescido no contexto descrito, ou ter conhecimento dos factos.
De igual forma e da observação realizada não se afasta a possibilidade de o menor assumir uma tomada de posição com relação aos seus progenitores, assumindo as questões do progenitor residente, sendo latente um conflito de lealdades, conflito este que se verifica um stressor significativo para a criança”.

Não ignoramos a existência de uma denúncia apresentada pela progenitora contra o progenitor pela prática de um crime de violência doméstica. Contudo, para além os factos denunciados estarem em investigação, não existe ainda – ao que sabemos – nenhum desenvolvimento no processo crime que, decisiva ou sequer indiciariamente, aponte no sentido da desadequação do regime de convívios fixado na decisão recorrida, que ademais, teve a cautela de estabelecer uma forma de entrega e recolha da criança, nas instalações do equipamento educativo, que em regra prescindirá do contacto entre os progenitores.
Ora, a manutenção de um regime de convívios supervisionados – sem razão aparente – para além de limitar o período de convívio, consolida uma situação de exceção sem que exista motivo de peso para tal.

A confirmar o acerto da decisão recorrida surge o relatório do CAFAP de 18.07.2025, de onde decorre que:
• A criança apresenta sinais de ajustamento emocional face à separação dos pais, com episódios de ansiedade que estão a ser devidamente acompanhados em contexto clínico;
• Existe uma melhoria progressiva na relação entre (…) e o filho, com respeito crescente pelos tempos e necessidades da criança;
• A mãe tem demonstrado disponibilidade para colaborar e facilitar a articulação entre os diferentes técnicos;
• A escola refere um bom comportamento geral e uma postura responsável por parte da criança, ainda que com ligeiras oscilações no desempenho escolar, compreensíveis face ao contexto”, tudo se encaminhando, ao que parece, para a normalização possível da situação.

Por tal, sem prejuízo do acompanhamento que as partes, em conjunto com os técnicos envolvidos e – se necessário for, o Tribunal – entendam ser adequado fazer para melhorar o bem estar psicológico do menor, deve manter-se a decisão recorrida, sendo de julgar improcedente a apelação.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Évora em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
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Notifique.
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Évora, 02.10.2025
Miguel Jorge Vieira Teixeira
Anabela Raimundo Fialho
Maria Gomes Bernardo Perquilhas