Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | CRISTINA DÁ MESQUITA | ||
| Descritores: | NULIDADE DO ACÓRDÃO NULIDADE PROCESSUAL PRAZO DE ARGUIÇÃO DA NULIDADE | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | Se o tribunal de 1ª instância emitiu pronúncia sobre requerimento apresentado pela insolvente, não se verifica a nulidade de omissão de ato processual. Mas, ainda que assim não fosse, há muito que teria decorrido o prazo de arguição da nulidade invocada, atento o regime previsto no artigo 199.º do Código de Processo Civil. | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 7471/22.2T8STB-G.E1 (2.ª Secção) Relatora: Cristina Dá Mesquita Adjuntos: Rosa Barroso Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite Acordam, em Conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. Nos presentes autos de insolvência da sociedade comercial (…) – Transportes e Centro de (…), Lda., a sociedade (…) – Sociedade Imobiliária, SA, proponente na venda efetuada por leilão eletrónico que teve por objeto a verba única da massa insolvente, interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Comércio de Setúbal, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, que ordenou a notificação do sr. Administrador da insolvência para diligenciar pela venda do bem apreendido nos autos pelo valor mais elevado das propostas obtidas, em conformidade com o sugerido pelo credor hipotecário. Mediante acórdão proferido em 13-03-2025 este tribunal de segunda instância julgou a apelação procedente e revogou o despacho recorrido. Inconformada, a (…) – Transportes e Centro de (…), Lda. interpôs recurso ordinário de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual mediante acórdão proferido na data de 21-09-2025 julgou não tomar conhecimento do objeto da revista e ordenou a devolução do processo ao tribunal da Relação «para conhecer e decidir das nulidades invocadas pela recorrente quanto ao acórdão recorrido em revista». II. Nos termos do disposto no artigo 613.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável à segunda instância ex vi artigo 666.º, n.º 1, do mesmo diploma normativo, proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria em causa, ressalvados os casos de retificação de erros materiais, suprimento de nulidades e reforma de sentença. Por sua vez, dispõe o artigo 666.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que «A retificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência». Para o que ora releva, extrai-se do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça o seguinte trecho: «Em consequência não podem ser conhecidas as nulidades imputadas ao acórdão recorrido que a recorrente invoca (ainda que de forma deficiente) como sendo consequência de (i) alegada nulidade processual do despacho proferido em 16/08/2024 e de (ii) alegada nulidade processual decorrente da falta de apreciação de alegada reclamação desse despacho através do pedido da sociedade insolvente de 02/10/2024, nomeadamente por (assim se entende a alegação feita) viciar o acórdão recorrido com excesso e indevida pronúncia (v. alegações nos pontos 14º, 15º, 17º, 18º e 19º, assim como as Conclusões D) a G) e H) a I), sem reclamação a título próprio), pois trata-se de fundamentos acessórios de recurso e dependentes da admissibilidade da revista (…). Sem prejuízo, devem tais nulidades ser conhecidas pelo tribunal recorrido, nos termos do artigo 617.º, 1, 5, 2.ª parte, e 6, 1ª parte, do CPC, ex vi artigo 666.º, 1 e 2, do CPC, o que se ordenará». Pois bem, cumpre conhecer da nulidade de acórdão prevista na parte final do artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. III. De acordo com o segmento da previsão normativa invocada [artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC] a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Para compreensão desta disposição normativa há que concatená-la com o disposto no artigo 608.º/2, do mesmo diploma normativo, de acordo com o qual o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, ou seja, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e exceções invocadas e, ainda, de todas as exceções de conhecimento oficioso, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Conclui-se, portanto, que para efeitos de verificação do vício em causa, “questões” a decidir são os pedidos deduzidos pelo autor/reconvinte, as respetivas causas de pedir e as exceções invocadas ou de conhecimento oficioso. Por força do princípio do dispositivo, e ressalvadas as questões que sejam de conhecimento oficioso, o tribunal apenas deve conhecer das questões que lhe sejam colocadas pelas partes, não podendo dirimir litígios sem que tal lhe seja pedido por uma das partes (artigo 3.º/1 e artigo 608.º/2, ambos do CPC). Os factos que integram a causa de pedir são apenas aqueles que individualizam a situação objetiva alegada pelo autor [e os factos que integram a exceção (perentória) são os factos impeditivos, modificativos ou extintivos que a fundamentam)]. Em síntese, o julgador está obrigado a apreciar a ação com base na causa de pedir e no fundamento das exceções invocadas pelas partes, sob pena de nulidade da sua decisão, por excesso de pronúncia. No caso sub judice, a nulidade do acórdão prender-se-á com o facto de nele se ter considerado que o despacho proferido pelo tribunal de primeira instância na data de 16 de setembro de 2024 transitou em julgado por não ter sido objeto de recurso ou de reclamação. Com efeito, extrai-se do texto do acórdão recorrido o seguinte trecho: «Na perspetiva da apelante o despacho recorrido viola o caso julgado formado com o despacho proferido em 16 de setembro de 2024. Este último tem o seguinte teor: «Tomei conhecimento do estado dos autos. Não existindo oposição por parte dos credores, o Tribunal nada opõe à projetada venda. Notifique e, após, aguardem os autos a junção de nova informação trimestral. (…) Resulta dos autos que o referido despacho (de 16 de setembro de 2024) não foi objeto de reclamação ou de recurso. Por conseguinte, aquele despacho transitou em julgado (artigo 628.º do CPC).» A recorrente não põe em causa que aquele concreto despacho não foi objeto de recurso ou de reclamação, mas aduz que o mesmo nunca lhe foi notificado, devendo tê-lo sido, pelo que «não transitou em julgado nos termos do artigo 628.º do CPC, não se formou na ordem jurídica o caso julgado» porque «ficou por cumprir o contraditório, pelo que será aplicável o regime das nulidades processuais suscetível de integrar a prática da nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, Código Processo Civil». Vejamos. Dispõe o artigo 195.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe Regras gerais sobre nulidade dos autos, que: «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão na causa». De acordo com a norma legal acima transcrita, salvo se a lei dispuser diferentemente, o vício – prática de um ato que a lei não admita ou omissão de um ato ou de uma formalidade prescrita pela lei – não gera a nulidade se a prática do ato inadmissível ou a omissão de ato/formalidade prescrita não influir no exame ou na decisão da causa, isto é, na sua instrução, discussão ou julgamento ou, tratando-se de processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento – assim, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, 2014, pág. 381. Por sua vez, o artigo 199.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe Regra geral sobre o prazo de arguição, estatui o seguinte: «Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência» (itálicos nossos). O artigo 199.º refere-se às nulidades relativas ou secundárias, isto é, àquelas que têm de ser arguidas pelas pessoas em favor das quais a nulidade for estabelecida para que ela seja declarada e surta os seus efeitos. O seu n.º 1 distingue as nulidades que são cometidas na presença da parte daquelas outras que são cometidas quando a parte não está presente. Assim, quando a nulidade é praticada na ausência da parte, dispõe esta de um prazo de 10 dias para a arguir, prazo esse que se conta a partir da data em que: (i) a parte intervém em ato processual posterior à prática da nulidade; (ii) a parte é notificada para ato processual posterior. Na primeira situação, a lei não atende a qualquer circunstância da qual possa resultar que esse conhecimento não deverá ter tido lugar, porquanto se parte do princípio de que uma intervenção cuidadosa da parte implica sempre o exame do processo e a verificação de que alguma nulidade foi cometida; na segunda situação, haverá que atender às circunstâncias concretas, maxime à existência de uma relação de dependência entre os dois atos, para ajuizar se é razoável presumir que o conhecimento teve lugar ou se a ele levaria uma atuação normalmente diligente. Isto é, se em face da notificação da parte para um concreto ato processual, aquela estaria em condições de se aperceber da existência da nulidade caso tivesse tido sido diligente – assim, Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 390. No caso em apreço a nulidade invocada refere-se à falta de notificação da insolvente do despacho prolatado pelo tribunal de primeira instância em 16 de setembro de 2024, o qual foi precedido de um requerimento datado de 9 de setembro de 2024 apresentado pelo sr. administrador da insolvência, dando conhecimento aos autos de que não lhe havia sido remetida qualquer proposta de aquisição do imóvel (apreendido nos autos para a massa insolvente) de valor superior àquela que fora obtida no leilão eletrónico, ou seja, de € 900.000,00, requerendo que fosse informado se podia aceitar aquela proposta de € 900.000,00. O regime do prazo para a arguição da nulidade decorrente da falta de notificação do despacho de 16 de setembro de 2024 consta do segundo segmento do artigo 199.º/1, do CPC: o prazo de 10 dias conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele. In casu resulta dos autos, e a recorrente/insolvente confirma-o no seu recurso, que em 22 de outubro de 2024 apresentou um requerimento, afirmando ter conhecimento de que o sr. administrador decidiu aceitar a proposta para venda da única verba por € 900.000,00, a qual foi acompanhada de um depósito de 10%, e que o sr. Administrador da insolvência foi contactado pelo mandatário ou pela devedora com o intuito anunciar a existência de potencial interessado na aquisição por valor entre € 1.300.000,00 e € 1.500.000,00, pedindo a final: «a junção aos autos da proposta de € 1.300.000,00 formulada pela sociedade comercial (…), Lda.; que o cheque de 10%, na quantia de € 130.000,00, seja aceite nos autos; que o depósito de € 90.000,00 seja devolvido à sociedade comercial “(…) – Imobiliária, Lda.”; o cancelamento da escritura marcada ou que a mesma não venha a ser marcada; a notificação do credor hipotecário para se pronunciar sobre a proposta de € 1.300.000,00; e a anulação da decisão do AI de adjudicar por € 900.000,00, por violação do preceituado no artigo 161.º do CIRE». Em tal requerimento, de cujo teor se depreende que a insolvente tinha já conhecimento do despacho de 16 de setembro de 2024 , sendo que no seu recurso de revista a insolvente reconhece esse facto pois diz que aquele requerimento de 22 de outubro de 2024 «constitui uma verdadeira reclamação de conteúdo impugnatório do ato decisório de 16.09.2024», a insolvente não arguiu a nulidade do despacho de 16 de setembro de 2024, nem o fez posteriormente, no prazo legal de 10 dias, só o vindo a fazer no recurso de revista que interpôs. Refira-se que a mera notícia de que o sr. Administrador da Insolvência pretendia aceitar a proposta de € 900.000,00 exigiria por parte de uma insolvente diligente e cuidadosa, o exame do processo, o qual, por sua vez, teria permitido detetar eventuais nulidades processuais. Ora, não tendo a nulidade em causa (falta de contraditório) sido arguida nem na data de 22 de outubro de 2024 (porque nessa data já tinha conhecimento da existência do despacho de 19 de setembro de 2024 e do respetivo teor) nem no prazo de 10 dias contados a partir da data de 22 de outubro de 2024 (primeira intervenção da insolvente nos autos depois da prolação do despacho de 19.09.2024), a arguição da sua falta de notificação daquele despacho em sede de recurso de revista é manifestamente extemporânea, devendo tal nulidade considerar-se sanada, não afetando, por isso, o acórdão recorrido que foi proferido por este tribunal de segunda instância, concretamente no segmento em que considerou que aquele despacho de 16 de setembro de 2024 transitou em julgado. * A recorrente alega também que deduziu um pedido em 22 de outubro de 2024 o qual constitui uma «verdadeira reclamação de conteúdo impugnatório do ato decisório de 16.09.2024» e que o facto de tal pedido não ter sido ainda analisado e decidido constitui também uma nulidade que afeta o acórdão proferido pelo tribunal de segunda instância.Contudo, extrai-se dos autos que: 1 – Na sequência daquele requerimento de 22 de outubro de 2024, o tribunal de 1ª instância, mediante despacho de 23-10-2024, ordenou a notificação do sr. Administrador da Insolvência e do credor hipotecário (a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, CRL) para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem; 2 – O sr. Administrador da Insolvência veio pronunciar-se, mediante requerimento apresentado em 29 de outubro de 2024, o qual finalizou da seguinte forma: «Face ao exposto, considerando que o AI que não existem fundamentos para suspensão das diligências de veda, salvo melhor entendimento, por parte do Tribunal e dos Credores, que devem prosseguir as diligências para marcação da escritura de compra e venda do bem apreendido ao único proponente em leilão por € 900.000,00»; 3 – O credor hipotecário veio pronunciar-se mediante requerimento apresentado em 5 de novembro de 2024, dizendo que o sr. Administrador da Insolvência deve notificar a sociedade que apresentou a proposta de € 1.300.00,00, aceitando-a, mediante a realização da correspondente escritura de copra e venda do imóvel, em prazo não superior a 10 dias, sob pena de imediata e definitiva desconsideração da mesma; e 4 – Mediante despacho proferido em 14 de novembro de 2024, que foi justamente o despacho objeto da apelação – o tribunal de primeira instância ordenou a notificação do sr. Administrador da Insolvência para proceder à venda do (único) imóvel apreendido nos autos pelo valor mais elevado das propostas obtidas, «em conformidade com o sugerido pelo credor hipotecário». É assim evidente que o tribunal de 1ª instância emitiu pronúncia sobre o requerimento apresentado pela insolvente na data de 22 de outubro de 2024, pelo que não se verifica a nulidade de omissão de ato processual. Mas, ainda que assim não fosse, há muito que teria decorrido o prazo de arguição da nulidade invocada, atento o regime previsto no artigo 199.º do Código de Processo Civil. Atento todo o exposto, o acórdão recorrido não padece da nulidade que foi arguida pelo recorrente, pois que conheceu apenas de questões que lhe era lícito conhecer. Improcede, assim, a arguição em causa. IV. DECISÃO Em face do exposto, acordam julgar não verificada a nulidade arguida. As custas do incidente são da responsabilidade da recorrente / insolvente. Notifique. DN. Évora, 30 de outubro de 2025 Cristina Dá Mesquita Rosa Barroso Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite |