Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1258/16.9T9LSB.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: FURTO QUALIFICADO
ESPAÇO FECHADO
Data do Acordão: 04/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - Para aplicação da qualificativa do artigo 204.º, n.º 1, al. f), do CP não é imprescindível que o “espaço fechado” esteja com uma habitação ou um estabelecimento comercial ou industrial, pois estes elementos agravantes típicos não são cumulativos;

II - O “espaço fechado”, tipicamente agravante, identifica-se com a noção de “espaço vedado ao público” do art. 191º do CP, sendo assim fechado todo o espaço que se encontra vedado ou cercado e que não é de acesso livre.

III - Mesmo que a vedação se encontre algo danificada, o elemento “espaço fechado” não exige que a vedação que transforma um espaço em fechado se encontre totalmente íntegra ou incólume, tendo em conta, designadamente, a própria extensão do espaço vedado, pois o decisivo é o saber se dessa danificação, em concreto, resulta ou não, globalmente, alguma “alteração de sentido”.

Sumariado pela relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No Processo Comum Singular n.º 1258/16.9T9LSB, da Comarca de Setúbal, foi proferida sentença a:

“a) Absolver AA da prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º. 1 e 204.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal,

b) Condenar AA pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º. 1 e 204.º, n.º 1, alínea f) do Código Penal, na pena de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz a quantia de € 2.880,00 (dois mil oitocentos e oitenta euros), a que correspondem 240 (duzentos e quarenta) dias de prisão subsidiária;

c) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando em 4UC a taxa de justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 513.º, n.ºs 1 e 2, 514.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e dos artigos 8.º, n.º 9, 16.º e Tabela III, anexa ao Regulamento das Custas Processuais;

d) Ordenar a remessa à DSIC do boletim, após trânsito;

e) Ordenar a remessa de cópia da presente sentença à equipa da DGRSP que elaborou o relatório social junto aos autos;

f) Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado por “A – Sociedade Imobiliária…, Lda” e, em consequência:

g) Condenar AA no pagamento à Demandante da quantia de € 5.482,56 (cinco mil quatrocentos oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido de indemnização civil e vincendos até integral pagamento, à taxa de 4% e demais taxas que sobrevierem, absolvendo o Demandado do demais peticionado.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, pedindo a absolvição (crime e cível) e concluindo:

“A. Vem o presente Recurso interposto da D. Sentença que condenou o arguido, pela prática, em autoria material de um crime de furo qualificado, p. e p. nos art.°s 203.°, n." 1 e 204., n." 1, al. f), do Código Penal, na pena de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz a quantia de € 2.880,00 (dois mil oitocentos e oitenta euros), a que correspondem 240 dias (duzentos e quarenta) dias de prisão subsidiária, bem como nas custas do processo, e em indemnização à Assistente/Demandante Cível, na quantia de € 5.482,56 (Cinco mil quatrocentos e oitenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos desde a notificação do pedido civil e vincendos até integral pagamento à taxa legal de 4% e demais taxas que sobrevierem.

B. Com o devido respeito, a Sentença padece de vícios, uma vez que faz errada interpretação dos factos e do Direito

C. e o Tribunal a quo, fez errónea apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

D. o Tribunal deu como provado que o prédio dos autos, é um prédio urbano, com base na informação matricial, de fls. 71 e 72, de onde se retira que o prédio dos autos, é um prédio rústico.

E. A Sentença deu ainda como provado que, "Nos dias 12-01-2016 e 13-01-2016, FF procedeu ao corte de 109 (cento e nove) pinheiros, no valor global de € 4.547,76, e, após, retirou tais árvores, daquele local, conforme acordado com o arguido AA." E que 10. "Ao agir como agiu, quis o arguido AA fazer suas aquelas árvores, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que agira contra a vontade da sua legítima proprietária, o que quis e conseguiu. "

F. Com o devido respeito, tais factos (9. e l0 dos Factos Provados)., devem passar a elencar os factos dados como não provados, atentas as declarações do Legal Representante da Assistente de minutos 06:00 a minutos 06:39,08:58 a 09:10,15:05 a 15:25, 16:10 a 16:55 e 27:30 a 28:35, que importam decisão diversa e em sentido oposto, pois houve madeira retirada com autorização, ainda para mais, quando concatenadas com o depoimento da testemunha FF, que depôs na Audiência do dia 04-07-2019, quando a minutos 38:25 a 38:56, referiu que desde as 09:00h até cerca das 16:00h, terão cortado 20 a 30 pinheiros, que foi quando o proprietário lá chegou (de dia 13-01-2016) e, ainda, as conclusões do Relatório Pericial, de fls., que tem por base duas fotografias aéreas, uma de Abril de 2015 e a outra de Maio de 2016, resposta aos quesitos 1 e 2, nomeadamente a resposta ao quesito 2, e as declarações do Legal Representante da Assistente, constantes de minutos 36:38 a 37:00, reconheceu que, em Agosto de 2015 já haviam sido cortados e retirados pinheiros, bem como as suas declarações de minutos 38:20 a 38:58, onde, a instâncias do Ministério Público, o Legal Representante da Assistente diz que, o universo de pinheiros que foram abatidos na data dos factos e que estão em discussão, "tem uma margem ... ", quando é certo que o relatório pericial não pode concluir sem margem para dúvida que todos os cepos analisados dizem respeito a Janeiro de 2016, uma vez que, já existiam cepos de Agosto de 2015 que o Senhor Perito não é capaz de identificar.

G. Acresce que, a D. Sentença, deu como provado que o prédio se encontrava vedado (cfr. facto 1, in fine, dos factos dados como provados). A fls. da D. Sentença, pode ler-se que, "O arguido sabia que não podia entrar nem permanecer na referida propriedade, pois não tinha autorização ou consentimento da ofendida, proprietária da mesma, para a ela aceder e estar, mas ainda assim ali permaneceu, o que quis e conseguiu.",

H. Também aqui, com o devido respeito, andou mal a Julgadora do Tribunal a quo, porquanto, resulta do depoimento de várias testemunhas, mas em concreto da Testemunha PP e das Declarações do Legal Representante da Assistente. Com efeito,

I. Esta testemunha, declarou, aos costumes que, não conhece a Ofendida, nem o seu Legal Representante - minutos 00: 5 6 a 01 : 10. Depois, a instâncias do Ministério Público disse que estava muito chateada porque lhe estavam a cortar os pinheiros e que é para onde vai - ia - à noite passear as suas cadelas - minutos 02:35 a 02:43 e 03:10 a 03:15 -. A testemunha, teve ainda o cuidado de dizer que acedia ao local, "com autorização".

Porém esta afirmação sai prejudicada pela sua resposta, quando interpelada se conhecia, ao fim e ao cabo, a Proprietária! - minutos 09:05 a 10:40 _. Daqui retira-se ainda que, o obstáculo físico já se encontrava derrubado há cerca de 3 ou 4 anos, o que inviabiliza a qualificativa, só por si.

J. Assim, deve o segmento final do Facto 1., dos factos dados como provados, ser dado como não provado.

K. Ainda que assim não se entenda, o Arguido, ora Recorrente, sempre invoca em seu favor que, a qualificativa não se encontra presente, porquanto não se encontra descrito na acusação nenhum dos elementos objectivos que permitam lançar mão da referida qualificativa, nomeadamente a habitação ou qualquer tipo de estabelecimento comercial ou industrial, conforme Jurisprudência, nomeadamente os acórdãos (…).

L. Igual raciocínio se aplica ao pedido de indemnização cível, aqui se dando por reproduzido o vertido em F.”

O Ministério Público e a assistente responderam ao recurso, pronunciando-se ambos no sentido da improcedência, e concluindo:

O Ministério Público
“1.º Estabelece o art. 203.º, n.º 1 CP que comete um crime de furto “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios…”, acrescentando o art. 204.º, n.º1, al. f) CP estipula o agravamento da moldura penal quando os factos sejam cometidos “Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com a intenção de furtar…” (sublinhado nosso).

2.º Tendo em conta o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora (a propriedade), tem entendido a jurisprudência ser de recorrer ao conceito de espaço fechado nos moldes previstos no art. 191.º CP, pelo que o objecto da acção tem de assumir a forma de um espaço fisicamente delimitado, em termos de a entrada arbitrária só ser uma paliçada, uma rede, um portão, fiadas de arame, barras horizontais, podendo mesmo tratar-se de uma barreira descontínua desde que não perca o carácter de uma protecção física, desde que para qualquer pessoa seja possível a precepção de que aquele espaço não é de livre acesso e tem uma barreira a limitar tal acesso.

3.º Ainda quanto à interpretação da norma em apreço, e contrariamente ao alegado pelo recorrente nas suas conclusões, salvo melhor opinião, a norma legal não faz depender que o mencionado “espaço fechado” seja anexo ou integrante de qualquer habitação, estabelecimento comercial ou industrial, desde logo pelo elemento linguístico “ou”.

4.º Efectivamente, para o preenchido da alínea em apreço basta a introdução “em habitação, ainda que móvel”, em “estabelecimento comercial”, em “estabelecimento industrial” ou “em espaço fechado”.

5.º Transpondo tais conceitos para os factos em causa nos autos, temos que existia efectivamente no local uma vedação, sendo que o acesso ao terreno onde foram praticados os factos foi feito do lado do terreno que confronta com uma estrada.

6.º Analisando as fotografias de fls. 14 e 15 dos autos, vemos na primeira delas (ainda que parcialmente) que parte da vedação foi retirada encontrando-se encostada à própria vedação, conforme melhor ainda se consegue observar a fls. 15 e de onde, desde logo pela posição que o trator ocupa, vemos que efectivamente foi por aquele local que foi efectuado o acesso e de modo a transpor a dita vedação, não assistindo razão ao arguido quanto a tais factos.

7.º Vem ainda o recorrente invocar que o prédio onde ocorreram os factos é rústico e não urbano, conforme se deu como provado no ponto 1 dos factos dados como provados, remetendo para a certidão que se encontra a fls. 71 a 72 dos autos.

8.º Quando a este aspecto, e independentemente da “natureza” do prédio em si, temos por certo que os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal em apreço são os mesmos, tratando-se de um facto secundário e de somenos importância para a matéria de fundo em causa nos autos.

9.º Não obstante, e porque tal questão foi trazida à colação pelo recorrente, temos que da certidão permanente de fls. 11 a 13 é, efectivamente, atribuída a natureza rústica ao prédio, não obstante em 1999 se ter procedido ao registo do alvará de loteamento.

10.º Relativamente aos pontos 3 a 9 dos factos dados como provados e relativamente aos quais considera o recorrente ter havido uma incorrecta apreciação da prova produzida temos não lhe assistir razão.

11.º De acordo com o ponto 3, temos que, em data não apurada, mas anterior e próxima ao dia 12.01.2016, o arguido, ora recorrente, contactou LF informando que tinha madeira para ser retirada e vendida do prédio em causa, bem como de outros prédios, tendo negociado a compra da madeira existente em tais prédios com os respectivos proprietários dos mesmos.

12.º Ora, inquirido LF em audiência de discussão e julgamento, temos que o mesmo veio afirmar conhecer o arguido por ter, antes da sua reforma, desenvolvido a actividade de compra e venda de madeiras, tendo conhecido o recorrente nessa circunstância, ou seja, do desenvolvimento da sua actividade profissional.

13.º Apesar de em sede de julgamento já não ter presente os factos, acabou por indicar como possível que se tenha deslocado com o recorrente a um pinhal sito na Cotovia e negociado a compra da madeira pelo preço de €1.500,00, como intermediário entre o arguido e a empresa M., tendo o FF, da referida empresa, entregue um cheque que posteriormente entregou ao arguido que lhe afiançou que aquela madeira havia sido adquirida a terceiro.

14.º De modo concordante, a testemunha FF, representante da M., veio afirmar que conhece o arguido e ora recorrente porque aquele lhe foi apresentado por LF, tendo-o sido apresentado como fiscal da Câmara Municipal de Sesimbra e que tinha vários terrenos com madeira para vender, mais tendo afirmado que adquiriu pelo valor de €1.500,00 a madeira daquele terreno, bem como de um outro “talhão mais ao fundo”, tendo o arguido lhe dito que o documento (recibo) foi-lhe entregue pelo próprio arguido, já preenchido e assinado e que havia sido emitido pelo dono do terreno que forneceu o nome número de contribuinte.

15.º Assim, e uma vez que o depoimento destas duas testemunhas encontra-se em conformidade com os factos descritos no ponto 3 dos factos dados como provados, concluiu o tribunal a quo dar os mesmos como provados, bem como os factos vertidos nos pontos 4 a 8 dos factos provados.

16.º No referente ao ponto 9, também chamado à colação pelo recorrente e nos termos do qual se deu como provado que nos dias 12 e 13 de Janeiro de 2016, FF procedeu ao corte de 109 pinheiros no valor global de €4.547,76 e, após, retirou tais árvores daquele local, conforme acordado com o arguido e ora recorrente.

17.º Nesta sede, foi determinada a realização de uma perícia, cujo resultado não foi colocado em crise pelo recorrente em sede própria.

18.º De acordo o relatório pericial (fls. 335 a 348 e 382 a 384) foram cortadas no mês de Janeiro de 2016, 109 árvores, concluindo-se por esse lapso temporal atendendo ao estado de podridão da raízes.

19.º Mais se apurou que o peso dos pinheiros seria de 174,3 toneladas e tendo por base o valor comercializado e a quantidade de madeira em causa, avalisou-se a mesma em €4.547,76.

20.º Dispõe o art. 163.º, n.º 1 CPP que “O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.”, acrescentando o n.º 2 que “Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.”.

21.º Ora, a pretensão do recorrente é precisamente a de sujeitar o juízo técnico elaborado no relatório pericial em causa nos autos à livre apreciação do julgador, o que apenas poderá ocorrer quando existir uma divergência fundamentada.

22.º A este respeito, e nas palavras do Professor Paulo Pinto de Albuquerque, temos que “O julgador fundamenta suficientemente a sua divergência, por exemplo, quando:

a) Adere às conclusões da opinião vencida numa perícia colegial; b) Adere às 16 de 18 observações expressas pelo consultor técnico [vide art. 155.ºCPP]; c) Adere a uma das opiniões diante de duas ou mais perícias com resultados contraditórios.”

23.º Ou seja, a divergência tem de ser sustentada por uma opinião técnica que tenha sido proferida relativamente ao objecto da perícia, não bastando meras considerações empíricas.

24.º No caso dos autos, não foi a perícia em causa colocada em crise pelo ora recorrente, nem existe nos autos qualquer outro técnico que tenha sido ouvido ou consultado quanto aos quesitos em causa nos autos, pelo que, nesta sede, temos não assistir razão ao recorrente.

25.º Vem ainda o recorrente alegar que actuou em erro quando procedeu à venda da madeira que se encontrava no prédio em causa nos autos, ou seja, que aquilo que pretendida era fazer o corte de árvores do terreno de JS.

26.º Ora, quanto a este aspecto, temos que JS, proprietário de 2 lotes com cerca de 300m2, conforme consta de fls. 80, referiu ter sido ele próprio abordado pelo arguido, e ora recorrente, que, na qualidade de fiscal da Câmara Municipal de Sesimbra, disse que estava a sensibilizar as pessoas para procederem à limpeza dos seus terrenos, tendo ainda se disponibilizado para o ajudar de modo gratuito, pois a pessoa que “levasse” a madeira ficaria paga com a própria madeira.

27.º Atendendo a que o negócio não seria oneroso, foi a testemunha confrontada com o recibo cuja cópia se encontra a fls. 79, tendo a mesma negado ter recebido qualquer importância ou assinado qualquer documento, mais acrescentando, quando questionado sobre a circunstância de ali figurar do seu número de identificação fiscal, que o arguido poderia ter dele conhecimento por frequentar o estabelecimento da testemunha e ter aí pedido uma factura na qual consta precisamente o número de contribuinte daquele.

28.º Por ultimo, e no que diz respeito à localização extacta dos lotes da sua propriedade, o mesmo veio a admitir ter-se deslocado ao local e entregando-lhe a planta de fls. 80, planta essa que não tem qualquer correspondência com o que se encontra no local, tendo o arguido assumido a obrigação de identificar correctamente os lotes pertencentes a JS sendo certo que em termos de dimensões a faixa cortada pelo recorrente é substancialmente maior que a correspondente à soma de ambos os lotes de JS.

29.º Deste modo, não se vislumbra onde possa ocorrer o erro por parte do arguido, ora recorrente.

30.º Mais, temos que tal versão ora presentada é contraditória com a defesa apresentada pelo arguido: ou o arguido admite a realização do negócio, ainda que em erro, ou o arguido nega a realização do negócio e negando-a, nada tem haver com tal assunto.

31.º Tudo o que somado nos leva a não dar qualquer credibilidade a qualquer uma das versões apresentadas pelo recorrente.

32.º Face ao supra exposto, temos que, a sentença recorrida não nos oferece reparo, pelo que não assiste razão do recorrente.

33.º Tudo ponderado, temos que nenhuma censura merece a decisão recorrida, devendo improceder o recurso interposto pelos arguidos.”

A assistente

“1. Constitui jurisprudência reiterada, pacífica e uniforme que o tribunal ad quem só pode conhecer matéria constante das conclusões do recurso.

2. O facto de se tratar de um prédio rústico em vez de um prédio urbano é um lapso de escrita que pode ser oficiosamente corrigido e, aliás, irrelevante para a consumação do crime.

3. O recorrente não cumpriu os requisitos de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto elencados no n.º 3 do artigo 412.º do Cód. Proc. Penal.

4. O recorrente tão-pouco transcreveu os trechos pertinentes das declarações que invocou, o que o recorrente fez foi dar uma interpretação pessoal às declarações feitas pelas testemunhas, descontextualizando-as e desvirtuando-as.

5. As três fases do processo penal, o inquérito, a instrução e o julgamento permitiram esclarecer muito bem o iter criminis do arguido AA.

6. É sempre o arguido AA que tem o domínio do facto em todo o processo de consumação do ilícito.

7. Dos depoimentos prestados em audiência pelo legal representante da assistente bem como da testemunha PB não se retiram, de modo nenhum, as conclusões alvitradas pelo arguido/recorrente.

8. A prova produzida em audiência de julgamento é apreciada na sua globalidade e, perante o Tribunal de 1.ª Instância, de acordo com os princípios da oralidade e da imediação, prestaram depoimento, além daquelas duas, mais onze (11) testemunhas, tendo ainda sido produzida prova documental e pericial, tudo devidamente sopesado na douta sentença.

9. Da conjugação de toda a prova produzida e examinada em audiência, resultou com clareza que é o arguido o autor do ilícito típico que lhe foi imputado na acusação, no despacho de pronúncia e na douta sentença recorrida.

10. O arguido, ao longo do processo, quer alterando a estratégia de defesa, quer alterando as circunstâncias de facto da sua defesa, entrando em contradições evidentes com as testemunhas, ao longo do processo e agora no recurso, o arguido tenta furtar-se à evidência de ter sido ele o autor do ilícito pelo qual foi justamente condenado.

11. É abundante a prova testemunhal no sentido de firmar o bem fundado do julgado.

12. Ainda assim, a título exemplificativo, porque esclarecedores do modus faciendi do arguido, podem destacar-se os depoimentos das testemunhas AM, esta arrolada pela defesa, e LF.

13. As inflexões verificadas no decurso do processo no uso do direito ao silêncio por banda do arguido, bem como as alterações na alegação das circunstâncias em que assentou a sua defesa, revelam bem a fragilidade e falsidade das razões que trouxe a juízo.

14. O «espaço fechado» a que alude a alínea f) do n.º 1 do artigo 204.º do Cód. Penal não dependente de tal espaço estar conexionado com uma habitação ou um estabelecimento comercial ou industrial, como se decidiu, por exemplo, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Fevereiro de 2018.

15. A conduta do arguido é particularmente reprovável, uma vez que o mesmo, sendo fiscal municipal, socorreu-se dessa qualidade para engendrar e concretizar um plano de subtração dos pinheiros da assistente, o que quis e conseguiu.

16. Quanto ao pedido cível, o seu valor (€ 5.482,56) corresponde exactamente ao valor (€ 4.547,76) dos pinheiros furtados fixado por perícia (requerida pelo arguido), acrescido do valor (€ 934,80) da limpeza do terreno imposto pela rama que foi deixada para trás após o furto, razão por que nada há a alterar a este respeito.

17. Não foram infringidas as disposições legais invocadas pelo recorrente nem quaisquer outras.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, sufragando a confirmação da sentença.

Não houve resposta ao parecer. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. A sentença, na parte que interessa ao recurso, tem o seguinte teor:

“III. FUNDAMENTAÇÃO
A) FACTOS PROVADOS

Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:

1. A – Sociedade Imobiliária …, Lda.” (adiante apenas designada por “A.., Lda.), pessoa coletiva n.º ---, é proprietária do prédio urbano sito na Quinta da Piedade, Faúlha, freguesia do Castelo, concelho de Sesimbra, inscrito na matriz predial sob o artigo ---, Secção M, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º ---, sendo tal prédio composto por pinhal, mato, cultura arvense e eucaliptal, o qual se encontrava vedado.

2. A sociedade “A…, Lda.” tem por legal representante o seu sócio-gerente, JT.

3. Em data não concretamente apurada, mas anterior e próxima ao dia 12/01/2016, o arguido AA contactou LF, informando este que possuía madeira para vender a ser retirada do prédio acima identificado, bem como de outros prédios, sendo que havia negociado a compra da madeira existente em tais prédios com os respetivos proprietários dos mesmos;

4. Posteriormente, em data não concretamente apurada, mas anterior e próxima ao dia 12/01/2016, o arguido AA deslocou-se até ao prédio acima descrito, juntamente com LF, tendo este ficado a saber qual a madeira que AA pretendia vender.

5. Posteriormente, LF contactou FF, sócio-gerente da sociedade “A.. – Corte de Árvores e Transportes, Lda.”, a fim de que este fosse apresentado pelo arguido AA, com vista à concretização da venda de madeira existente no prédio acima identificado.

6. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 12/01/2016, o arguido AA encontrou-se com FF, tendo-lhe entregue uma planta do loteamento do local em apreço e indicou-lhe os lotes onde deveria efetuar o corte de madeira;

7. Na concretização de tal negócio, FF entregou ao arguido AA a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) para compra da madeira que viria a extrair do prédio da ofendida, tendo o arguido AA entregado a FF um recibo, em nome de JS, comprovando tal pagamento.

8. Convicto de que o arguido AA tinha autorização do proprietário do prédio acima indicado, FF deslocou-se ao local para proceder ao corte/abate das árvores e transporte das mesmas, conforme acordado com o arguido.

9. Nos dias 12/01/2016 e 13/01/2016, FF procedeu ao corte de 109 pinheiros no valor global de € 4.547,76 (quatro mil quinhentos e quarenta e sete euros e setenta e seis cêntimos) e, após, retirou tais árvores daquele local, conforme acordado com o arguido AA.

10. Ao agir como agiu, quis o arguido AA fazer suas aquelas árvores, conforme fez, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que agia contra a vontade da legítima proprietária, o que quis e conseguiu.

11. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente de ser a sua conduta proibida e punida por lei.

Mais se provou:

12. AA é natural de Sesimbra (Azóia), sendo o mais novo de dois irmãos germanos. O seu processo de crescimento decorreu em ambiente familiar considerado normativo, prevalecendo na dinâmica familiar a coesão e a entre ajuda.

13. O arguido concluiu o 9º ano de escolaridade com 16 anos de idade.

14. Com 17 anos de idade ingressou na Câmara Municipal de Sesimbra como aprendiz electricista e manteve-se na instituição até aos 21/22 anos de idade, altura em que ingressou na Marinha Portuguesa para cumprimento do SMO – Serviço Militar Obrigatório, tendo ido para além dos dois anos obrigatórios. Cumpriu a recruta em Vila Franca de Xira, após o que foi colocado no Arsenal do Alfeite onde terá concluído a especialidade de Comunicações do ramo Criptoteletipista (CCT), tendo posteriormente cumprido uma comissão de serviço nos Açores na Rádio Naval da Orta, entre Julho de 1982 e Setembro de 1983. Terá concluído um curso CTC Curso Técnico Complementar de Comunicações e após uma permanência de 4 (quatro) meses na Escola de Fuzileiros em Vale de Zebro, deslocou-se novamente para os Açores onde cumpriu 18 meses de serviço no Comando Naval dos Açores – Ponte Delgada. Data de 1986 o seu engajamento no NRP – Navio da República Portuguesa Honório Barreto, embarcação onde permaneceu durante cerca de dois anos, após o que abandonou a vida castrense para contrair casamento, tendo-se mantido junto do agregado de origem.

15. Na constância do casamento nasceram duas filhas, atualmente com 26 e 21 anos de idade.

16. Em 1998 agenciou trabalho como segurança por conta da empresa Securitas, tendo depois transitado para outra empresa do setor (SOV) onde permaneceu até ao ano de 1991, assinalando-se que nesta altura retomou o investimento na formação escolar; concluiu o 10º ano de escolaridade e terá realizado o antigo exame Ad Hoc para alegado ingresso no ensino superior.

17. Em Junho de 1993 ingressou novamente na Câmara Municipal de Sesimbra, para desempenhar as funções de Fiscal Municipal.

18. À data dos factos o arguido residia na morada indicada nos autos, constituindo agregado com o cônjuge, AF, e com as duas filhas, na altura estudantes.

19. AA continua viver nesta morada, atualmente com o cônjuge e filha mais nova, estudante.

20. O arguido continuava a trabalhar na Câmara Municipal de Sesimbra, por turnos, e auferia mensalmente a quantia jurada de 923.42, enquadramento que sofreu alteração em Outubro de 2018, altura em que recebeu baixa médica por alegada incapacidade para o trabalho no seguimento de limitações ao nível do aparelho locomotor.

21. Apresenta como despesas fixas mais significativas a renda da habitação no montante de 650.00€, e a renda do espaço comercial (Loja de gomas) gerido pelo cônjuge, quantificado em 290.00€.

22. Do certificado do registo criminal do arguido não constam antecedentes criminais.

Mais se provou quanto à contestação:
23. O arguido, por via das suas relações públicas, conhece e é conhecido de muita gente no Concelho de Sesimbra e aérea limítrofe.

24. O arguido pediu a JS que fosse ao prédio indicar-lhe a sua localização, o que este fez, entregando-lhe um mapa (tipo planta da zona), onde se encontrava a sua propriedade, para limpar e abate de pinheiros.

25. Após o início do corte, surgiu o Gerente da Queixosa A…, Lda, JT, que mandou FF parar o corte naquele local uma vez que a propriedade era sua, tendo este parado o corte muito surpreendido.

26. FF contactou o arguido para que viesse explicar a situação.

27. A propriedade da Assistente não estava totalmente vedada, pois do lado interior não existe qualquer vedação.

28. A vedação existente acompanha a propriedade apenas do lado da estrada alcatroada e está destruída em muitos locais, tal como estão os portões.

Mais se provou do pedido de indemnização civil:
29. A Demandante foi desapossada de 109 pinheiros plantados na sua propriedade.

30. Sem conhecimento, sem autorização e contra a vontade da Demandante, FF, na execução do acordo estabelecido com o arguido, entrou no prédio da Demandante, após o que cortou o levou consigo 109 pinheiros.

31. Após o corte dos pinheiros foi deixado para trás, disperso pelo chão, o material sobrante, a rama.

32. O valor dos pinheiros abatidos é de € 4.547,76.

33. A Demandante procedeu à limpeza do terreno tendo despendido da quantia de € 934,80.

B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
I. FF procedeu ao abate de 139 pinheiros de grande porte que se encontravam na propriedade da ofendida “A…, Lda.”, no valor global de €9.710,55 (nove mil, setecentos e dez euros e cinquenta e cinco cêntimos).

Do pedido de indemnização civil:
II. A Demandante foi desapossada de 139 pinheiros plantados na sua propriedade.

III. FF levou consigo 139 pinheiros.

IV. O valor dos pinheiros subtraídos é de € 9.710,55.

Da contestação:
V. JS solicitou ao arguido o favor de que se conhecesse alguém capacitado para limpar o “seu pinhal” que possuía nos seus dois lotes, em Quinta de Piedade Faúlha, Maçã, Sesimbra, propriedade sita na mesma zona da propriedade da ofendida, que o informasse.

VI. O arguido nunca se intitulou dono de quaisquer pinheiros, quis vender ou negociar por qualquer forma os mesmos e nunca disse que tinha “madeira para vender”.

VII. O arguido apenas foi um intermediário voluntário entre JS, proprietário, e a empresa “A… – Corte de Árvores e Transportes, Lda”, representada por FF, empresa dedicada à limpeza e corte de arvoredo.

VIII. JS, por erro de localização da sua propriedade, fixando em sua mente que os Lotes se situariam junto à Estrada Nacional agora conhecida por Av. Costa Gomes, Maçã – tomou outra propriedade junto a esta via pela sua e esclareceu injustamente o arguido.

IX. Sendo o arguido intermediário, tomada por boa a informação, induziu em erro FF.

X. O FF, de posse no Mapa, com os lotes assinalados a amarelo, iniciou o corte dos pinheiros.

XI. Esclarecido o assunto, FF terminou ali o corte de alguns pinheiros e continuou o trabalho na propriedade indicada por JS.

XII. FF só abateu 27 pinheiros, por erro, na propriedade da ofendida.

C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
De acordo com o artigo 205.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos Tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.

Por sua vez, o Código de Processo Penal explicita, nos seus artigos 97.°, n.°4 e 374.°, n.° 2, que a sentença deve especificar os motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: deve o Tribunal lançar-se à procura do "realmente acontecido" conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o “agarrar” e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca, derivados da(s) finalidade (s) do processo.

Conforme decorre do Código de Processo Penal, um dos princípios que rege a audiência de discussão e julgamento, é o princípio da imediação que, como se afere do artigo 355.°, se traduz no facto de a convicção do Tribunal, em audiência, resultar da prova examinada ou que nela se produza.

Por seu turno, tal prova está sujeita ao princípio da livre apreciação, segundo o qual aquela é apreciada de acordo com as regras da experiência e da livre convicção da entidade julgadora (cfr. art. 127.º do CPP).

Quer isto significar que a prova deve ser apreciada na sua globalidade, não através do livre arbítrio, mas de acordo com as regras comuns da lógica, da experiência e dos conhecimentos científicos e vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório.

Todavia, não podemos esquecer que, pese embora este princípio seja a regra geral, existem algumas excepções, nomeadamente: o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art. 169.° do CPP), a confissão integral e sem reservas no julgamento (art. 344.° do CPP) e a prova pericial (art. 163.° do CPP).

Em suma, a convicção do Tribunal forma-se, não só com base em dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, mas também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "linguagem silenciosa e do comportamento”, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.

Relativamente às declarações do arguido haverá que ter em conta, porém, o princípio da presunção da inocência, o qual se traduz em que até prova em contrário, o arguido deverá ser considerado inocente – cfr. art. 32.° n.°2 da Constituição da República Portuguesa.

Importa, pois, desta forma, proceder a uma fundamentação de facto que permita alcançar o raciocínio seguido pelo Tribunal na sua decisão.

Nesta conformidade, o Tribunal formou a sua convicção, sobre a factualidade provada e não provada, no conjunto da prova realizada em audiência de discussão e julgamento, analisada de forma crítica e recorrendo a juízos de experiência comum, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal.

O arguido exerceu o direito ao silêncio tendo apenas prestado declarações após as alegações proferidas para afirmar a sua inocência e que apenas ajudou José Silva na limpeza do seu terreno, o qual se deslocou com o arguido ao local dos factos e indicou quais os pinheiros que eram para cortar – i.e. aqueles que confinavam com a via pública e podiam causar prejuízo à saúde das crianças do infantário ali junto.

Para prova dos factos referidos em 1.) e 2.), o Tribunal considerou, a documentação junta aos autos, mormente a certidão comercial de fls. 60 e 61, certidão matricial de fls. 71 e 72 e a certidão predial de fls. 73 e 74.

Para prova dos factos referidos em 3.) a 9.), o Tribunal considerou, a documentação junta aos autos, mormente os registos fotográficos de fls. 14 a 18 e 29, manifesto de fls. 19, recibo de fls. 79 e “mapa de loteamento” de fls. 80/171, conjugada com a prova testemunhal analisada nos termos infra descritos.

JT, legal representante da sociedade Assistente e Demandante nos autos, confirmou as circunstâncias de tempo e lugar dos factos – i.e. dias 12 e 13 de Janeiro de 2016, no prédio identificado em 1) dos factos provados – bem como o corte de 139 pinheiros, pelos quais o arguido lhe ofereceu a quantia de € 1.500,00, valor que recusou, tendo solicitado ao arguido que limpasse o lixo decorrente do corte das árvores, o que o arguido não fez, facto que originou problemas com o ICN vendo-se obrigado a proceder à limpeza do terreno.

JT concretizou o valor da limpeza do terreno que efectuou a suas expensas – cerca de € 900,00 – e a localização do seu prédio – identificado no ponto 1) dos factos provados – por referência ao documento de fls. 80 (no qual identifica um “loteamento pirata” sito atrás do seu prédio, sem quaisquer infraestruturas ou demarcações) e de fls. 206 (no qual identifica o prédio da assistente delimitado a azul e o prédio correspondente ao loteamento “pirata” delimitado a rosa, sendo a mancha comum a ambos os prédios a zona de pinheiros cortada pelo arguido).

Mais esclareceu que os pinheiros existentes no local nunca causaram qualquer constrangimento e/ou problema de saúde nos habitantes e/ou ocupantes dos prédios vizinhos, mormente do infantário “Educa a Brincar”.

LS, arrendatário de imóvel pertencente a JT sito em frente ao local dos factos, confirmou que contactou o seu senhorio a informar que estava a decorrer o corte dos pinheiros e, no segundo dia do corte, JT compareceu no local.

PB, vizinha de LS, confirmou o corte dos pinheiros existentes nas traseiras da sua residência em dias consecutivos, a presença de um tractor e camioneta no local e o contacto que fez a LS para obter informações sobre o sucedido.

Quer LS, quer PB residentes junto ao local onde os factos ocorreram, afirmaram que a área cortada tem uma extensão grande, que o prédio estava vedado com gradeamento e rede e que “levaram parte da rede da vedação e do portão”, não obstante a última das referidas testemunhas também afirmar que passeava no local com os seus cães, designadamente à noite, passando por uma abertura junto ao portão que fora partido há cerca de 3 ou quatro anos mas que permanecia no local.

LT e LM, militares da Guarda Nacional Republicana em exercício de funções, à data dos factos, no Posto Territorial de Sesimbra, confirmaram a deslocação ao prédio da Assistente em 12.01.2016, a presença de FF no local, a exibição por este d Manifesto de Exploração Florestal de Material de Coníferas emitido pelo ICNF, uma planta do loteamento do local onde estaria a efectuar o corte dos pinheiros e um recibo em como tinha comprado aquelas arvores ao Sr. JS, tudo conforme relatório de fls. 70 e documentos anexos de fls. 71 a 80.

Quanto à circunstância de o prédio estar vedado, LT afirmou que o prédio tinha e tem vedação.

JS, proprietário de dois lotes com cerca de 300 m2, integrantes do mencionado “loteamento pirata” constante do documento de fls. 80, referiu ter sido abordado pelo arguido o qual, na qualidade de fiscal da Câmara Municipal de Sesimbra, dizia andar a sensibilizar as pessoas para a limpeza dos terrenos e disponibilizou-se para tratar de tal tarefa, sem qualquer benefício ou encargo para o depoente pois a pessoa que levasse a madeira pagar-se-ia dessa forma do corte/abate realizado, isto é, da limpeza.

Nessa medida, confrontado com o recibo de fls. 79, enjeita ter rececionado qualquer importância económica ou redigido qualquer documento do tipo recibo.

Por último, quanto à precisão dos lotes da sua propriedade, admite ter-se deslocado com o arguido ao local, entregando-lhe a planta que tinha na sua posse, e conferindo-lhe a tarefa de concretizar, no terreno, tais lotes (isto face ao estado de abandono do terreno e ausência de marcos de delimitação).

LF, reformado da actividade de compra e venda de madeiras, designadamente na zona de Sesimbra, conhecendo o arguido dessa circunstância.

A testemunha explicou que o arguido se deslocava com um veículo da Câmara Municipal de Sesimbra e dizia ter pinheiros para vender.

A testemunha afirmou não se recordar se mencionou o arguido ao “Xico Zé”, a quem vendeu madeira, mas assume como possível ter sido ele, tendo-se deslocado a um pinhal, sito na Cotovia, e negociado com o arguido aquisição de madeira pelo preço de € 1.500,00.

Confrontado com o teor do depoimento prestado perante a Guarda Nacional Republicana em 30.03.2017, constante de fls. 87-88, a testemunha confirmou o seu teor, nomeadamente ter sido intermediário entre FF, da empresa “A.” e o arguido na venda e aquisição de pinheiros no prédio objecto dos autos, local se deslocou com cada um deles, tendo FF lhe entregue cheque para aquisição da madeira que, por sua vez, entregou ao arguido, o qual lhe confirmara ter adquirido aquela madeira a terceiros e estar a vendê-la.

Por sua vez, FF, empresário de madeiras e representante da sociedade “A.”, afirmou conhecer o arguido através de LF, o qual lhe referiu que o arguido pertencia à Câmara Municipal de Sesimbra e tinha conhecimento de vários terrenos com madeira para vender.

A testemunha afirmou perentoriamente que adquiriu ao arguido a madeira do prédio objecto dos autos e de outro “talhão” mais ao fundo, pelo preço de € 1.500,00, pago em cheque. Confrontado com o recibo de fls. 79, a testemunha confirmou que foi o preço pago pelos dois talhões e que o documento lhe foi entregue pelo arguido, já preenchido, tendo o mesmo dito que fora emitido pelo dono do terreno e tendo o mesmo fornecido o nome e o número de identificação fiscal.

Confrontado com o documento de fls. 206 quanto à localização do terreno objecto dos autos e área de pinheiros cortada, a testemunha referiu que a mancha visível na imagem, comum aos prédios delimitados a rosa e a azul, já lá estava há cerca de quatro meses quando iniciou o corte em 2016, e que a testemunha apenas cortou cerca de 20 pinheiros com cerca de 30 anos de idade, localizados numa faixa do terreno delimitado a azul junto à via pública e outros localizados num talhão, mais ao fundo, a cerca de 400 metros de distância (mas não localizado no prédio delimitado a rosa).

Por fim, a testemunha referiu que ficou convencido que o arguido conhecia os donos do terreno razão pela qual ficou surpreendido com o surgimento do legal representante da Assistente no dia em que efectuava o corte dos pinheiros, tendo chamado o arguido ao local para esclarecer os factos.

Conforme já referido da douta decisão instrutória, mas com total aplicabilidade nesta fase processual face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, “Em plano de análise crítica, e não deixando de analisar a prova no seu todo, dir-se-á procurar o arguido aventar na contestação por si apresentada uma acção de intermediação, diga-se ocasional, no âmbito da remoção, aquisição e pagamento das árvores em apreço nos autos.

Todavia, demonstrou-se pelos depoimentos das testemunhas ter a sua acção sido, ao invés, activa e proactiva na concretização das acções de limpeza de terrenos, parece-nos até “instigada” ou facilitada pela qualidade funcional do arguido, enquanto fiscal camarário, embora à revelia de uma atuação “institucional”.

Por outro lado, questionamos o aparente desinteresse ou gratuitidade da sua intervenção. Aliás, diremos nesta sede que, caso o interesse do arguido fosse acautelar a limpeza do(s) terreno(s), o procedimento a esperar do arguido, enquanto fiscal da Câmara, seria sim o de desencadear funcionalmente o competente processo administrativo, intimando todos os proprietários (ao invés de contactar, a título individual, apenas algum(ns) daquele(s))”.

A prova testemunhal produzida, analisada nos termos sobreditos, é inquestionável na sua assertividade, objectividade e clarividência na descrição da conduta do arguido, dos actos por aquele praticados junto de cada um dos intervenientes, na identificação que o mesmo fez junto de FF (cortador e adquirente dos pinheiros ao arguido) e LF (intermediário do negócio) do prédio objecto dos autos e dos pinheiros a abater nele situados, sendo tal prova corroborada pela prova documental junta aos autos mormente o recibo de fls. 79, a imagem aérea de fls. 206 e o Manifesto de fls. 77, sendo certo que o alegado “croqui” do “loteamento pirata” de fls. 80/171 não tem qualquer correspondência com a configuração e realidade material dos prédios ali localizados, conforme resulta da imagem aérea de fls. 206 e do depoimento de todas as testemunhas inquiridas, tal como a área onde FF executou o corte dos pinheiros não tem correspondência com a área dos lotes de JS alegadamente identificada no documento de fls. 80/171, sendo certo que esta testemunha também confessou não conseguir especificar a localização exacta dos seus lotes em “avos” (ainda que não junto à estrada), tendo deixado tal tarefa a cargo do arguido, a quem reconheceu competência para o efeito.

Quanto ao aludido Manifesto sempre se dirá que o mesmo tem data de emissão de 12 de Janeiro de 2016, às 18 horas e 55 minutos (cfr. fls. 77 e 360 e verso), quando o abate dos pinheiros teve inicio nesse mesmo dia mas pelas 9 horas, conforme afirmado por FF, o cortador, e os militares da GNR que se deslocaram ao local dos factos naquele dia pelas 17 horas já o abate estava a decorrer.

Por outro lado, não pode o tribunal deixar de mencionar que o Manifesto em causa contem a declaração de que a A. de que vai proceder ao abate, transporte de madeira e eliminação de sobrantes de 150 coníferas sem sintomas, correspondente a 100 toneladas de material lenhoso, no período entre 12.01.2016 e 12.02.2016 na propriedade de Cotovia/Quinta do Conde, concelho de Sesimbra.

Ora, note-se que, do documento em causa não consta especificado o prédio em que o abate iria ser executado, sendo certo que as localidades da Cotovia e Quinta do Conde distam entre si cerca de 15 quilómetros!(in https://www.viamichelin.pt/web/Itinerarios).

Por outro lado, consta do documento que as coníferas a abater não tinham sintomas. Tal afirmação infirma a tese do arguido que os pinheiros em causa eram prejudiciais à saúde das crianças do infantário localizado na proximidade do prédio objecto dos autos, razão pela qual o arguido mediou a limpeza do terreno, tese igualmente infirmada pelo teor das comunicações entre JT e SS do “Colégio Educa a Brincar” constantes de fls. 207.

Quanto número de pinheiros abatidos (109), data do abate e respectivo valor (€ 4.547,76), o tribunal valorou o relatório pericial de fls. 334 a 349 e respectiva adenda de fls. 381 a 383, o qual tem o valor de prova vinculada.

MS, amigo do arguido há 20 anos, atestou a simplicidade, disponibilidade e seriedade do arguido, afirmando peremptoriamente que o mesmo não é negociante de madeira.

VC, fiscal da Câmara Municipal de Sesimbra aposentado há 18 anos, tendo sido colega de trabalho do arguido, atestou a sua camaradagem e o facto de ser cumpridor do serviço de amigo de ajudar o próximo.

Porém, quanto aos factos objecto dos autos, a testemunha revelou nada saber e não poder precisar se o arguido realizou tais negócios.

PF, natural de Sesimbra como o arguido, conhece-o na qualidade de funcionário da Câmara Municipal e cliente da sua empresa de mediação de seguros (ramo automóvel) e referiu-se ao arguido como pessoa comunicativa, “peito aberto” e sociável.

AM, motorista, fez exploração florestal e trabalha nesta localidade desde os 14 anos de idade. A testemunha afirmou conhecer o arguido há 14 anos, o qual “toma conta de uns terrenos com pinheiro” porque tem acesso à identificação dos respectivos proprietários através das funções que exerce na Câmara Municipal de Sesimbra e é conhecido no meio da exploração florestal como intermediário.

A testemunha explicou que se deslocou ao local dos factos, no início do ano de 2019, a pedido do arguido, para proceder à avaliação dos cepos localizados junto à estrada (com referência á imagem constante de fls. 206) e perto do colégio ali existente, tendo elaborado o documento com o titulo “PERITAGEM A UM LOTE DE PINHEIROS BRAVOS” constante de fls. 194 a 196.

Ora, as conclusões da testemunha quanto ao número de pinheiros cortados, data do corte e valor da respectiva madeira são contraditadas pelo relatório social junto aos autos e já referido supra.

Termos em que, nenhuma outra consideração cumpre fazer quanto à utilidade do seu depoimento a não ser o facto de ser uma testemunha arrolada pelo arguido também a mencionar a intervenção do mesmo numa especifica área de negócio - i.e. a exploração florestal - devido às funções pelo mesmo exercidas na Autarquia e acesso privilegiado a informação que assim obtém.

HH, não obstante frequentar o mesmo parque de campismo frequentado pelo arguido e, por via disso, conhecê-lo há 20 anos, revelou não possuir conhecimento directo dos factos objecto dos autos.

Quanto às testemunhas arroladas pelo arguido como abonatórias (MS, VC e PF) e na contestação ao pedido de indemnização civil contra si deduzido (AM e HH), os depoimentos pelas mesmas prestados, para além de revelarem o expectável em sede de testemunho abonatório, também revelaram um desconhecimento significativo quanto à actividade de exploração florestal exercida pelo arguido (com excepção do depoimento de AM) e confirmada pelas demais testemunhas inquiridas, designadamente JS, FF e LF.

Assim, da prova produzida, analisada nos termos sobreditos e concatenada entre si, dúvidas não teve o tribunal em considerar provados os factos tal como ficaram consignados.

Quanto aos factos provados referentes ao elemento subjetivo refira-se que o processo psíquico em que assenta a verificação do dolo, porque nasce e se desenvolve no pensamento íntimo mais profundo do ser humano, excetuando uma manifestação espontânea do seu autor, só se revela através de um juízo de inerência por parte do julgador. Sendo assim, o complexo de elementos revelado pelos autos, analisado de acordo com as regras da lógica e as regras da experiência comum de vida, conduz à conclusão que o arguido agiu com livre vontade de subtrair os objectos supra referidos, tendo conhecimento das consequências e ilicitude da sua conduta.
***
Os factos provados quanto ao pedido de indemnização civil resultam das declarações do legal representante da assistente e dos depoimentos das testemunhas PB, LT, LM, FF e LF, analisados nos termos sobreditos, conjugados com a prova documental junta aos autos.

Quanto ao valor despendido pela Assistente/Demandante na limpeza do terreno objecto dos autos - € 934,80 – na sequência da conduta do arguido (cfr. documento de fls. 152), o tribunal valorou a factura FT A/250, com data de vencimento de 23.07.2016, emitida em nome da Assistente por “Terrobliqua, Lda”, junta a fls. 102/154 e comprovativo de pagamento a fls. 103/155, conjugada com as declarações de JT.

Quanto número de pinheiros abatidos (109) e respectivo valor (€ 4.547,76), o tribunal valorou o relatório pericial de fls. 334 a 349 e respectiva adenda de fls. 381 a 383.
***
A factualidade provada respeitante à situação pessoal e sócio-económica do arguido alicerçou-se na valoração positiva do relatório social de fls. 311 a 312 verso e nas suas declarações as quais foram tidas como reveladoras de factos verídicos não sendo infirmadas por qualquer outro elemento junto aos autos.
***
A ausência de antecedentes criminais do arguido resulta da análise do teor do certificado de registo criminal, junto dos autos a fls. 385.
***
Os factos não provados resultam de nenhuma prova ter sido produzida quanto aos mesmos.

D) QUESTÕES A DECIDIR
As questões jurídicas que importa conhecer, atento o objeto do processo, delimitado pelo teor da acusação pública e pelo princípio da vinculação temática, são as seguintes:

1.ª: Aquilatar se o arguido deve ser jurídico-penalmente responsabilizado pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 202.º, alínea a), 203.º, 204.º, n.º 1, alíneas a) e f), todos do Código Penal;

2.ª: Caso se conclua pela responsabilidade jurídico-penal do arguido, determinar a espécie e medida concreta da pena a aplicar-lhe.

3.ª: Apreciar se o Demandado/arguido incorre em responsabilidade civil pela prática dos mesmos factos e, em consequência, se se constituiu na obrigação de indemnizar A… – Sociedade Imobiliária …, Lda

D.1º.) ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
§ Vem imputada ao arguido a prática, em autoria material, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 202.º, alínea a), 203.º, 204.º, n.º 1, alíneas a) e f) 26.º, todos do Código Penal.

O artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal em vigor à data da prática dos factos – 12 e 13.01.2016 - dispõe que: “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Se o agente furtar coisa móvel alheia de valor elevado (al. a) ou introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar (al. f) é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias (art. 204.º, n.º 1, alínea a) e f) do Código Penal). O artigo 202.º, alínea a), do Código Penal dispoe que «Para efeito do disposto nos artigos seguintes considera-se valor elevado: aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto (i.e. 50x€102,00=€ 5.100,00)».

Por sua vez, o n.º 4 do artigo 204.º do Código Penal, afasta a qualificação do furto sempre que a coisa furtada for de valor diminuto, ou seja, quando «não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto» (artigo 202.º, alínea c) do Código Penal).

A Lei n.º 8/2017, de 3 de Março introduziu alterações ao artigo 204.º do Código Penal aditando os animais à conduta objectiva típica.

Todavia, as demais condutas objectivas não sofreram alterações tal como não sofreu alteração a moldura penal abstracta prevista.

Assim, em obediência ao princípio que as penas são determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto (art. 2.º, n.º 1 do Código Penal), sendo que, o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou (art. 3.º do Código Penal), a responsabilidade jurídico-penal do arguido é avaliada ao abrigo do Código Penal na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 8/2017, de 3 de Março.

Este tipo de ilícito criminal encontra-se inserido sistematicamente no capítulo dos crimes contra a propriedade, resultando da análise do tipo legal supracitado, que são, pois, elementos objectivos do mesmo, a subtracção, de uma coisa móvel, com carácter alheio, e elementos subjectivos, o dolo e a ilegítima intenção de apropriação.

No que tange ao primeiro elemento do tipo objectivo, a subtracção, de acordo com o ensinamento de JOSÉ FARIA E COSTA, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, página 43, a mesma traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, implicando, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa.

Ou seja, a subtracção consiste na perda da detenção ou dos poderes de facto de guarda, disposição ou domínio sobre a coisa, contra a vontade do detentor, e na sua colocação à disposição do próprio autor da infracção ou de terceiro.

Em relação ao segundo elemento objetivo - a coisa móvel - importa referir que tal definição é dada pelo Direito Civil, no artigo 205.º do Código Civil, a qual é feita por exclusão de partes relativamente às coisas imóveis, elencadas no artigo 204.º do mesmo código.

Ora, para efeitos penais, mais concretamente no que respeita ao crime de furto, tem-se entendido por coisa toda a substância corpórea, material, susceptível de ser subtraída e apreendida, pertencente a alguém e que tenha um valor que, embora reduzido, não seja desprezível, sendo susceptível de causar prejuízo à pessoa lesada e, portanto, juridicamente relevante.

Coerentemente, apenas se reporta o normativo legal em referência às coisas móveis, pois somente estas são susceptíveis de apreensão exclusiva por parte de uma pessoa.

No que se refere ao carácter alheio da coisa, tal traduzir-se-á na circunstância daquela não pertencer ao autor da apropriação, mesmo que seja desconhecido ou não esteja determinado o proprietário, ou sequer esteja a coisa sob o seu poder de guarda ou detenção.

Do ponto de vista subjetivo, trata-se de um crime essencialmente doloso, pelo que, de acordo com a conceitualização da doutrina hoje dominante, se exige que o agente tenha conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objectivo de ilícito.

De um lado, impõe-se que, ao actuar, o agente conheça tudo o que é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito, de outro, exige a verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização, que se pode manifestar com maior ou menor grau de intensidade, de acordo com o disposto no artigo 14.º do Código Penal1.

Do que ficou dito resulta que a afirmação do dolo do tipo exige, antes de tudo, a apreensão do sentido ou significado, no essencial e segundo o nível próprio das representações do agente, da totalidade dos elementos constitutivos do respectivo tipo de ilícito objectivo, da factualidade típica.

À acção típica acresce, como elemento subjectivo da própria ilicitude, a ilegítima intenção de apropriação para si ou para outrem, elemento subjectivo específico que não se confunde com o dolo2 e que faz do furto um crime intencional.

Com efeito, no crime de furto, a intenção do agente consiste na apropriação de coisa móvel e alheia, no sentido de tomada de poder de facto sobre a coisa, contra a vontade do proprietário ou detentor, passando a comportar-se relativamente à coisa subtraída animo sibi rem habendi ou com animus domini, integrando-a na sua própria esfera patrimonial ou de terceiro3.

Temos assim, em conformidade com o entendimento de JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS, in Dos Crimes Contra o Património, 1996, página 43, que, “O agente haverá que mentalmente representar e querer o acto de subtrair algo a alguém (dolo genérico) e haverá de representar e querer a apropriação da coisa (dolo específico) ”.
Os factos provados têm a virtualidade de preencher os elementos objectivos e subjectivos do crime em apreço.

Efetivamente, FF, convicto de que o arguido AA tinha autorização do proprietário do prédio referido em 1) dos factos provados, deslocou-se ao mesmo para proceder ao corte/abate das árvores e transporte das mesmas, conforme acordado com o arguido e, nos dias 12/01/2016 e 13/01/2016, procedeu ao corte de 109 pinheiros no valor global de € 4.547,76 (quatro mil quinhentos e quarenta e sete euros e setenta e seis cêntimos) e, após, retirou tais árvores daquele local, conforme acordado com o arguido AA e mediante o pagamento àquele da quantia de € 1.500,00. Ao agir como agiu, quis o arguido AA fazer suas aquelas árvores, conforme fez, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente de ser a sua conduta proibida e punida por lei.

O arguido sabia que não podia entrar nem permanecer na referida propriedade pois, não tinha autorização ou consentimento da ofendida, proprietária da mesma, para a ela aceder e estar, mas ainda assim ali permaneceu, o que quis e conseguiu.

O arguido quis fazer seus aqueles objectos, como fez, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do respectivo proprietário, o que quis e conseguiu.

Agiu sempre o arguido de forma livre, deliberada e consciente de ser a sua conduta proibida e punida por lei.

Não há dúvida, portanto, quanto ao preenchimento dos elementos objectivos do tipo, de acordo com os conceitos jurídicos supra elencados.

Quanto ao valor dos pinheiros abatidos, a unidade de conta, avaliada no momento da prática dos factos, era de € 102,00 (Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de Junho).

O valor dos objectos furtados não é de valor elevado (cfr. facto provado em 9) – art. 202.º, alínea a) do Código Penal.

Pelo exposto, não se mantém a qualificação do furto pela alínea a) do n.º 1 do artigo 204.º do Código Penal.

No que respeita ao elemento formal, o crime só se consuma, quando tenha ocorrido a subtracção do bem alheio, com o sentido e alcance supra referidos.

Importa, por isso, em face das circunstâncias do caso concreto, apreciar se os objetos referidos chegaram a sair do domínio de facto do seu proprietário e passaram para a égide e poder do arguido.

A doutrina e jurisprudência tem vindo a discutir o assunto e a apresentar diferentes teses quanto a esta questão4.

Assim, a tese mais tradicional defendia que o crime estaria consumado com a mera posse instantânea ou formal. Discordando desta tese, Eduardo Correia defendeu um critério mais exigente, considerando necessário para se verificar a subtracção que a posse da coisa apropriada fosse pacífica.

Por fim, Faria da Costa apresentou uma tese intermédia, a qual é actualmente quase unânime e seguida pela jurisprudência mais recente, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça5.

De acordo com esta tese, para que o crime esteja formalmente consumado não basta “o instantâneo domínio de facto sobre a coisa”, mas tão pouco se exigirá que “o domínio de facto se tenha de operar em pleno sossego ou em estado de tranquilidade”6.

Assim, o crime estará formalmente consumado no momento em que o agente tenha, pelo menos, “um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa”7.

Ora, no caso concreto, FF, mediante negócio celebrado com o arguido, logrou levar consigo os pinheiros abatidos no prédio identificado no ponto 1) dos factos provados e deu-lhes destino não apurado.

Do ponto de vista subjectivo, da conjugação da norma incriminadora com o regime dos artigos 13.ºe 14.º do Código Penal, decorre que a sua verificação exige a conduta dolosa do arguido, impondo-se, portanto, que o agente tenha agido com intenção de furtar, o que se verificou no caso concreto.

No que concerne ao elemento subjectivo do tipo em análise, dúvidas não existem quanto à sua verificação, visto que o arguido agiu com dolo directo, ao representar e querer apropriar-se dos referidos objetos – factos provados em 10.) e 11.) (artigo 14.º n.º 1 do Código Penal).
***
Todavia, para que se possa considerar como preenchido o ilícito criminal em análise, é necessário apurar se não se verifica nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Tem-se por ilícito todo o comportamento típico no âmbito penal, que seja contrário à ordem jurídica vigente, podendo essa contrariedade ser afastada se se verificar qualquer causa de exclusão da ilicitude, prevista nos artigos 31.º e seguintes do Código Penal.

Por outro lado, a culpa verificar-se-á quando o arguido, ao agir de forma típica e ilícita, possua consciência da ilicitude da sua conduta e vontade de se motivar de acordo com essa consciência. De igual modo, a culpabilidade do arguido poderá ser afastada se existir uma causa de exculpação, pois nesse caso a sua conduta não merece censura ético-jurídica (cfr. art.ºs 20º, 35º, 37º, todos do Código Penal).

No caso dos autos, inexiste causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Nos termos do artigo 26.º do código Penal, “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.

Atenta a factualidade provada, afigura-se que a responsabilidade do arguido pela prática dos crimes em causa lhe deve ser imputada a título de autoria material.

D.2.º) Determinação da espécie e medida das penas

D.2.1) Da escolha da pena
O crime de furto qualificado é punido com pena prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias (203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f) do Código Penal).

À luz do disposto no artigo 40.º do Código Penal, a aplicação de qualquer pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa.

Tratando-se de crime punido, em alternativa, com pena de prisão ou pena de multa (i.e. o crime de introdução em lugar vedado ao público), importa desde logo proceder à escolha da sanção a aplicar, em obediência ao disposto no artigo 70.º do Código Penal, nos termos do qual “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Assim, o Tribunal deve dar preferência à pena de multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de ressocialização, no caso concreto, e deve preteri-la na hipótese inversa.

Da análise do mencionado artigo 70.º deduz-se claramente que, no momento da escolha da pena principal, o julgador terá de avaliar se a pena de multa prevista no tipo legal realiza suficientemente as finalidades preventivas das penas, sem cuidar de contrapor-lhe, nesse momento, a eventual necessidade de impor o cumprimento da pena privativa da liberdade prevista, em alternativa, no tipo.

Afigura-se que, no caso presente, já são acentuadas as exigências de prevenção geral porquanto tratam-se de crimes cuja prática se verifica com exagerada frequência nesta comunidade diminuindo o sentimento de segurança e defesa dos proprietários relativamente ao seu património que vêem devassado, destruído e subtraído.

No que concerne às exigências de prevenção especial vertidas nos autos, as mesmas são de grau reduzido considerando que o arguido não tem antecedentes criminais e apresenta um projecto de vida coeso com inserção social, familiar e profissional.

Considera-se, portanto, adequado optar pela pena de multa, por assegurar as finalidades da punição, plasmadas no artigo 40.º do Código Penal e o restabelecimento da confiança da comunidade na validade da norma jurídica infringida, bem como constitui, ainda, em nosso entender, advertência suficiente para afastar o arguido de futuras condutas criminosas.

D.2.2) Da medida concreta da pena
Escolhida a pena principal importa aferir da medida concreta da mesma.
Na senda de Figueiredo Dias, In Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 227 a 231, refira-se que as finalidades preventivas têm o papel preponderante na determinação da medida concreta da pena, constituindo a prevenção geral de integração o ponto ótimo (limite máximo) de defesa dos bens jurídicos e também o limite mínimo de pena concretamente comunitariamente suportável, mostrando-se as exigências de reintegração do delinquente na sociedade decisivas na determinação da medida concreta da pena a aplicar e constituindo a culpa o máximo inultrapassável de pena concreta, sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal – a dignidade humana.

Na determinação da medida concreta da pena, há que sopesar, igualmente, o artigo 40.º n.º 2 do Código Penal, onde o legislador de 1995 veio consagrar a Teoria da Moldura de Prevenção.

A culpa assume, assim, “não o papel fator de co-determinação da medida da pena, mas simplesmente a função de impedir que a medida da pena possa, por conjunturais necessidades preventivas, ultrapassar a medida da culpa, o que, a acontecer, se traduziria numa instrumentalização da pessoa (…)”Nesta conformidade, a “culpa posiciona-se como pressuposto e limite (não fim) da pena, cuja medida (e forma de execução e cumprimento) há-de ser fixada em função das exigências de prevenção concebidas como finalidades da punição; (…)” (Cfr. ADELINO ROBALO CORDEIRO, in “A determinação da Pena”, pág. 45).

Desta forma, para uma primeira limitação da moldura concreta da pena há que ter em conta a prevenção geral positiva, ou seja, a medida da proteção dos bens jurídicos. Dentro dessa moldura, e a limitá-la (limite máximo inultrapassável), surge a culpa (art. 70.º, n.º 1 do Código Penal). Neste segundo momento, vão ser levados em conta os fatores que influem no doseamento da pena, as circunstâncias concorrentes no caso concreto que, em relação com aqueles fins, têm importância para a determinação do tipo e gravidade da pena, indicados, exemplificativamente, no citado artigo 71.º n.º 2 do Código Penal, seguindo-se as necessidades de prevenção especial positiva (reintegração do agente na sociedade).

No que concerne aos fatores que influem no doseamento da pena, como ensina o Prof. Figueiredo Dias, podem os mesmos enquadrar-se em três ordens de fatores:

- os que se prendem com a execução do facto - alíneas a), b) e c);
- os relativos à personalidade do agente - alíneas d) e f);
- os relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto – alínea e).

No caso em apreço, há que ponderar:
- As exigências de prevenção geral. Visando a prática do crime uma ofensa ao património alheio, impõe-se travar a sua comissão porquanto contribuem para um sentimento de insegurança generalizado que não pode ser admitido;
- As exigências de prevenção especial vertidas nos autos são reduzidas considerando, por um lado, a ausência de antecedentes criminais do arguido e, por outro lado, a circunstância de o arguido apresentar um quadro de vida de inserção familiar, social e profissional;
- O grau de ilicitude dos factos, que se afigura mediano, tendo em conta o valor dos objetos furtados - € 4.547,76
- O dolo do arguido, que reveste a forma de dolo directo, a forma mais intensa;
- O decurso do tempo: cerca de três anos desde a data da prática dos factos sem conhecimento de outras condutas delituosas registadas;
- A não recuperação dos objectos;

Ponderando os fatores supra referidos, afigura-se-nos adequado e suficiente fixar a pena de multa em 360 dias.
***
O segundo acto na quantificação da pena de multa, segundo o sistema dos dias de multa, consiste na determinação do seu quantitativo de diário.

Na fixação da medida da pena de multa, atenderemos ao facto de o montante diário da pena de multa não dever ser doseado para que tal pena não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os Tribunais e a própria Justiça, gerando um sentimento de injustiça, de insegurança, de inutilidade e de impunidade – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 13/7/1995, in CJ, Ano XX, Tomo IV, pág. 48 e Ac. Do STJ, de 02/10/1997, CJ, Ano V, Tomo III, págs. 183-184.

Por isso, o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado (citado Ac. do S.T.J. de 3 de Novembro de 2003).

Também TAIPA DE CARVALHO assinala em termos incisivos que “a multa enquanto sanção penal, não pode deixar de ter um efeito preventivo e, portanto, não pode deixar de ter uma natureza de pena ou sofrimento, isto é e por outras palavras, não pode o condenado a multa deixar de a ‘sentir na pele” (As Penas no Direito Português após a Revisão de 1995, in Jornadas de Direito Criminal-Revisão do Código Penal, Ed. do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, Vol. II, pág. 24) e já antes FIGUEIREDO DIAS, salientara que “é indispensável (…), que a aplicação concreta da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que não se tem coragem de proferir” (in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 119, §123).

Nesta conformidade, na fixação do quantitativo diário deve ter-se em consideração à situação económica e social do arguido e aos seus encargos pessoais, conforme o disposto no art.º 47º n.º 2 do Código Penal, tendo presente, por um lado, a “dignificação da pena de multa enquanto medida punitiva e dissuasora”, e por outro, que aquele quantitativo não deve exceder o montante de que o agente possa dispor, sem prescindir da satisfação das suas necessidades básicas.

Com as alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, a razão diária da multa, anteriormente fixada numa quantia entre €1,00 e €498,80, passou a ser fixada entre €5,00 e €500,00, nos termos do n.º 2 do artigo 47.º do Código Penal.

No caso sub judice, tendo em consideração as condições sócio-económicas do arguido que resultaram provadas, o Tribunal entende adequado fixar o quantitativo diário da pena de multa em € 8,00 (oito euros).

§ Das custas processuais

Atenta a situação económica do arguido, bem como à complexidade do processo e ao volume e natureza da actividade desenvolvida, o tribunal fixa em 4UC a taxa de justiça, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e dos artigos 8º, n.º 9 e 16.º do Regulamento das Custas Judiciais e Tabela III anexa àquele diploma.

D.3) DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A… – Sociedade Imobiliária …, Lda constituiu-se assistente nos autos e deduziu pedido de indemnização civil peticionando a condenação do arguido no pagamento da quantia de € 10.645,35 (dez mil seiscentos e quarenta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da notificação do pedido de indemnização civil e vincendos até efectivo e integral pagamento, a título de danos patrimoniais decorrentes da conduta do arguido, mormente o valor dos pinheiros subtraídos e o valor gasto com a limpeza do terreno.

De acordo com o disposto no artigo 71.º do Código de Processo Penal e em conformidade com o princípio da adesão que aí se consagra, deve o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime ser deduzido no âmbito do processo penal em que se aprecia a responsabilidade criminal emergente da infracção cometida.

O legislador tomou em consideração a “natureza tendencialmente absorvente do facto que dá causa às duas acções”8, bem como o interesse social subjacente à reparação dos prejuízos eventualmente verificados pelo agente da infracção que lhes deu causa.

Daí que, como logicamente decorre do sentido das considerações supra expostas e que estão na base da opção pelo sistema consagrado, o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal haja de ser sempre fundado na prática de um crime.

O que, desde logo, significa que o facto constitutivo da sentença condenatória em matéria de responsabilidade civil se há-de poder incluir no âmbito do facto criminoso que ao arguido é imputado, de tal forma que, se não existirem ou simplesmente não se provarem os pressupostos da punição penal, a condenação em indemnização civil possa ainda subsistir sustentada na verificação dos pressupostos da ilicitude civil permitida pela apreciação da realidade factual em causa.

Neste sentido, e de acordo com o disposto no artigo 129.º do Código Penal, “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.

A pretensão do ofendido/lesado funda-se no instituto da responsabilidade civil.

O artigo 483.º, n.º1, do Código Civil consagra a regra basilar em matéria de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, dispondo que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Deste modo, os pressupostos da obrigação de indemnizar com base em facto ilícito são os seguintes: o facto humano controlável ou dominável pela vontade, a ilicitude do facto (nas modalidades de violação de direitos subjectivos ou de disposições legais destinadas a tutelar interesses alheios), o nexo de imputação do facto ao agente (que co-envolve a imputabilidade e a culpa), o dano e o nexo causal entre o facto e o dano.

O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente – um facto dominado ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana.

Este facto consiste, em regra, numa acção, mas pode consistir numa omissão (artigo 486.º do Código Civil).

No caso presente, refira-se que a verificação do primeiro pressuposto da responsabilidade civil é, face à factualidade provada em 1.) a 11.), indubitável, pois a acção praticada pelo arguido constitui sem dúvida um facto humano dominável pela vontade.

No que tange à ilicitude do facto, afigura-se que esta emerge da violação do direito ao património.

Para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário que o autor tenha agido com culpa. Não basta reconhecer que ele procedeu objectivamente mal: é preciso que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa. A responsabilidade objectiva ou pelo risco tem, pois, carácter excepcional.

Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.

A culpa pode revestir duas modalidades: o dolo e a negligência ou mera culpa.

A culpa deve ser determinada e apreciada segundo a diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias concretas, salvo a existência de qualquer outro critério legal (artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil).

Ao lesado incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo se a seu favor tiver alguma presunção legal (art. 487.º, n.º 1 do Código Civil).

No que respeita à culpa, que deve ser apreciada, em abstracto, de acordo com o critério da conduta que o “bonnus pater familiae” adoptaria no caso concreto, consagrado no n.º2, do artigo 487.º do Código Civil, já se concluiu, em sede de apreciação criminal, que o demandado agiu com culpa efectiva, sendo o dolo directo.

Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que haja um dano, ou seja, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém.

O dano pode ser patrimonial ou não patrimonial, conforme seja ou não susceptível de avaliação pecuniária.

Dentro do dano patrimonial cabe não só o dano emergente (prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade de lesado à data da lesão), como o lucro cessante (benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas que ainda não tinha direito à data da lesão) (artigo 564.º do Código Civil).

À luz da teoria da causalidade negativa, consagrada no artigo 563.º do Código Civil9, o nexo causal entre o facto e o dano no caso da responsabilidade civil por facto ilícito existe sempre que a conduta se não possa considerar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por causa das circunstâncias excepcionais, anormais e extraordinárias ou anómalas. No caso dos autos, afigura-se manifesto que os danos antes enunciados resultaram de forma necessária da conduta do arguido.

“A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (artigo 563.º do CC). A obrigação de reparar um dano pressupõe a existência de um nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo. “Não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como se diz adequada desse efeito” (PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, pág. 579).

Responsáveis pelo pagamento da indemnização são os causadores do acidente, ou seja, aqueles que tenham contribuído para a verificação dos danos. E beneficiários dela são os lesados.

A obrigação de indemnizar os danos acabados de referir tem como finalidade precípua a remoção do dano causado ao lesado; por isso, o artigo 562.º do Código Civil prescreve que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

Efectivamente, o nosso legislador acolheu prioritariamente a via da reconstituição natural – a directa remoção do dano real à custa do responsável –, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes.

Nem sempre, porém, o recurso à restitutio in integrum permite resolver satisfatoriamente a questão da reparação do dano, havendo casos em que a mesma não é sequer possível, a par de outros em que ela não é meio bastante para alcançar o fim da reparação ou não é o meio idóneo para tal, devendo a indemnização ser fixada em dinheiro.

Por sua vez, a indemnização pecuniária deve medir-se pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido. O artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, aceita esta teoria da diferença e define, com toda a precisão, os seus dois termos: “a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que deve ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.

No que concerne aos danos patrimoniais peticionados, considerando a factualidade provada integradora de tais danos, os quais resultam indubitavelmente da conduta do arguido pois não teriam ocorrido se não fosse ela (factos provados em 1.) a 11.) e 29.) a 33.), impõe-se condenar o Demandado no seu pagamento (€ 4.547,76+€ 934,80=€ a quantia total de € 5.482,56), absolvendo-o do demais peticionado porque não provado.

O Demandante Civil peticionou juros de mora vencidos desde a data de notificação do pedido de indemnização civil e vincendos até efectivo e integral pagamento.

O artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil (CC) dispõe que «o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir».

O n.º 2 do citado artigo consagra as situações em que ocorre mora mesmo sem haver interpelação.

O caso dos autos não integra nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 805.º do CC e não se provou a interpelação extrajudicial prevista no n.º 1 do mesmo preceito legal relativamente à totalidade da quantia peticionada.

Termos em que, os juros moratórios são devidos desde a notificação do pedido de indemnização civil e até integral pagamento, à taxa de 4% e demais taxas que sobrevierem.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a apreciar circunscrevem-se à impugnação da matéria de facto e ao erro de subsunção.

O recorrente conclui com um pedido de absolvição, mas esta sua pretensão, tanto em matéria crime como em matéria cível, decorre exclusivamente da procedência da impugnação em matéria de facto.

Assim, ao questionamento da factualidade o recorrente adita apenas, como único problema em matéria de direito, o erro de subsunção consistente numa alegada indevida aplicação da al. f) do n.º 1 do art. 204º, do CP, devendo antes considerar-se que os factos provados realizariam tão só o crime de furto na sua forma simples (art. 203º do CP).

Da impugnação da matéria de facto
O arguido recorre da “sentença de facto” condenatória, impugnando a matéria de facto por via do recurso amplo, ao abrigo do disposto no art. 412º, nº 3 do CPP.

Cumpre os ónus legais de especificação, individualizando os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e que são os factos dados provados em 9. e 10. - "Nos dias 12-01-2016 e 13-01-2016, FF procedeu ao corte de 109 (cento e nove) pinheiros, no valor global de € 4.547,76, e, após, retirou tais árvores, daquele local, conforme acordado com o arguido AA" e "Ao agir como agiu, quis o arguido AA fazer suas aquelas árvores, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que agira contra a vontade da sua legítima proprietária, o que quis e conseguiu". Relativamente ao facto 1. – “A… – Sociedade Imobiliária .., Lda.” (adiante apenas designada por “A…, Lda.), pessoa coletiva n.º----, é proprietária do prédio urbano sito na Quinta da Piedade, Faúlha, freguesia do Castelo, concelho de Sesimbra, inscrito na matriz predial sob o artigo---, Secção M, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º ---, sendo tal prédio composto por pinhal, mato, cultura arvense e eucaliptal, o qual se encontrava vedado”impugna os segmentos “urbano” e “o qual se encontrava vedado”.

Socorre-se de pontuais excertos de depoimentos pretendendo deles retirar o erro de julgamento (em matéria de facto), assim esgotando o cumprimento dos ónus de especificação do art. 412º, n.º 3 do CPP. Mas desse cumprimento formal, não resulta, materialmente, a identificação e detecção de qualquer erro de julgamento.

Assim, começando pelo vocábulo “urbano”, recorrente e recorridos estão de acordo no sentido de que o prédio em causa, correctamente identificado nos factos provados no sentido de ser inquestionável de que prédio se trata, contém uma imprecisão do que toca à sua natureza. Da prova, acordam todos, resulta tratar-se de um prédio rústico. E da leitura da sentença (da fundamentação da matéria de facto e de direito) nada resulta em contrário. Ou seja, não só inexiste controvérsia em recurso, como da sentença se retira tratar-se de um mero lapso de escrita, que, como tal, pode ser corrigido. Tanto mais que se trata de uma correcção que não tem qualquer consequência em matéria de direito, pois a natureza do prédio é uma circunstância concretamente indiferente à decisão.

Passando então ao ponto de facto “terreno vedado”, o recorrente alega que de prova testemunhal que especifica resultaria que o terreno não se encontraria totalmente vedado, apelando designadamente ao depoimento de uma testemunha que referiu ir ali passear o seu cão e entrar no prédio por uma determinada abertura ou passagem.

Sucede que nem da prova que especifica nem da argumentação que desenvolve nada se retira na identificação do erro de facto. Pelo contrário, a prova especificada vem inteiramente ao encontro do que consta da sentença (do exame crítico e dos factos provados).

Assim, no ponto 1. dos factos provados menciona-se que o prédio “se encontrava vedado”. Mas no ponto 28. complementa-se que A vedação existente acompanha a propriedade apenas do lado da estrada alcatroada e está destruída em muitos locais, tal como estão os portões”. E depois no exame crítico da prova pode ler-se: Quer LS, quer PB, residentes junto ao local onde os factos ocorreram, afirmaram (…) que o prédio estava vedado com gradeamento e rede e que “levaram parte da rede da vedação e do portão”, não obstante a última das referidas testemunhas também afirmar que passeava no local com os seus cães, designadamente à noite, passando por uma abertura junto ao portão que fora partido há cerca de 3 ou quatro anos mas que permanecia no local. (..) Quanto à circunstância de o prédio estar vedado, LT (militar da Guarda Nacional Republicana) afirmou que o prédio tinha e tem vedação.”

Como o Ministério Público contrapõe na resposta, em total conformidade com a prova, “existia efectivamente no local uma vedação, sendo que o acesso ao terreno onde foram praticados os factos foi feito do lado do terreno que confronta com uma estrada. Analisando as fotografias de fls. 14 e 15 dos autos, vemos na primeira delas (ainda que parcialmente) que parte da vedação foi retirada encontrando-se encostada à própria vedação, conforme melhor ainda se consegue observar a fls. 15 e de onde, desde logo pela posição que o trator ocupa, vemos que efectivamente foi por aquele local que foi efectuado o acesso e de modo a transpor a dita vedação, não assistindo razão ao arguido quanto a tais factos.”

Da sentença resulta que o prédio em causa era vedado e que essa vedação se encontrava danificada nalgumas partes, tudo do modo descrito nos factos provados. E da impugnação feita em recurso resulta apenas que a prova especificada foi devidamente escutada pelo tribunal e, depois, correctamente valorada de acordo com as regras e princípios de prova.

O mesmo sucede relativamente aos restantes pontos impugnados. Mais uma vez, da prova especificada e da argumentação que sobre ela se desenvolve não resulta a detecção de qualquer erro de julgamento, como se observa do mero confronto do recurso com a “sentença de facto”.

Tendo-se procedido, nesta Relação, à análise da prova especificada, no contexto da argumentação desenvolvida pelo recorrente e no confronto da resposta (muito clara e completa) apresentada pelo Ministério Público (e secundada também na resposta do assistente) realizou-se a sindicância da “sentença de facto” (consistente nos factos provados, factos não provados e exame crítico das provas). E constatou-se que a sentença não revela a mínima incorrecção na percepção do episódio de vida em apreciação, sempre de acordo com as provas realmente produzidas em julgamento, as quais se mostram devidamente apreendidas, percebidas e avaliadas de acordo com os princípios da livre apreciação e do in dubio pro reo, como se impunha.

Por um lado, não só resulta evidente, das especificações, que estas vêm afinal ao encontro daquilo que o tribunal efectivamente ouviu (não havendo assim denúncia de erros de percepção), como o recorrente desconsidera ou ignora ou não contextualiza a prova que especifica com as outras provas, provas importantes como seja a prova pericial (quando, por exemplo, impugna o valor da madeira subtraída).

Como o Ministério Público bem contrapôs na resposta, em apoio do que resulta claro da sentença e o recorrente não consegue abalar, o depoimento das testemunhas LF e FF encontra-se em conformidade com os factos descritos no ponto 3 e, logo, os factos dos pontos 4 a 8 provados; no referente ao ponto 9, foi realizada uma perícia que o recorrente não colocou em crise em sede própria e não questionou de modo pertinente em recurso; de acordo com esse relatório pericial (fls. 335 a 348 e 382 a 384) foram cortadas no mês de Janeiro de 2016, 109 árvores, concluindo-se por esse lapso temporal atendendo ao estado de podridão da raízes, o peso dos pinheiros seria de 174,3 toneladas e tendo por base o valor comercializado e a quantidade de madeira em causa, avalisou-se a mesma em €4.547,76. A perícia mostra-se avaliada na sentença de acordo com o disposto no art. 163.º, n.º 1 CPP (n.º 1 “O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.”, n.º 2 “Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.”) e o recorrente não fundamenta devidamente a sua divergência.

Também relativamente a uma alegada possibilidade do recorrente poder ter actuado em erro, contrapõe o ministério Público, sempre em sustentação e de acordo com o que resulta da sentença que “JS, proprietário de 2 lotes com cerca de 300m2, conforme consta de fls. 80, referiu ter sido ele próprio abordado pelo arguido que, na qualidade de fiscal da Câmara Municipal de Sesimbra, disse que estava a sensibilizar as pessoas para procederem à limpeza dos seus terrenos, tendo ainda se disponibilizado para o ajudar de modo gratuito, pois a pessoa que “levasse” a madeira ficaria paga com a própria madeira. (…) confrontada com o recibo cuja cópia se encontra a fls. 79, a testemunha negou ter recebido qualquer importância ou assinado qualquer documento (…), no que diz respeito à localização extacta dos lotes da sua propriedade, o mesmo veio a admitir ter-se deslocado ao local e entregando-lhe a planta de fls. 80, planta essa que não tem qualquer correspondência com o que se encontra no local, tendo o arguido assumido a obrigação de identificar correctamente os lotes pertencentes a JS, sendo certo que em termos de dimensões a faixa cortada pelo recorrente é substancialmente maior que a correspondente à soma de ambos os lotes de JS”.

Para concluir, recorda-se que o recurso da matéria de facto visa sempre a reparação de erros de facto e, como se tem afirmado sem dissensão na jurisprudência e na doutrina, não é um segundo julgamento. Assim, o que se pede à Relação (o que se pode pretender por via do recurso) não é que se proceda à reapreciação das provas na medida em que o fez o juiz de julgamento. E há que aceitar a existência de uma margem de insindicabilidade da decisão (da matéria de facto) do juiz de primeira instância, resultado da impressão causada no julgador que só a imediação, em primeira instância, possibilita ao nível mais elevado.

Visa-se, pois, por via do recurso, identificar, demonstrar e conseguir reparar erros de decisão. No presente caso, esses erros não são detectáveis, constatando-se uma correspondência total entre a prova efectivamente produzida em julgamento e a realmente percebida pelo tribunal de julgamento e mostrando-se esta correctamente apreciada na sentença de acordo com todas as regras legais e princípios de prova.

Do erro de subsunção
Como se enunciou, como único problema em matéria de direito o recorrente invoca o erro de subsunção. Este consistiria numa errada aplicação da al. f) do n.º 1 do art. 204º, do CP, devendo antes considerar-se que os factos provados realizariam tão só o crime de furto na sua forma simples (art. 203º do CP). Mas, também aqui, o arguido carece de razão.

No acórdão recorrido procedeu-se devidamente à aplicação dos arts. 203º e 204.º, n.º 1, al. f) do CP, embora, neste ponto, a sentença revele uma deficiência clara de fundamentação. Na verdade, procedeu-se à aplicação da al. f), nada se tendo dito como justificação de direito, limitando-se a sentença a justificar o afastamento da qualificativa prevista na al. a).

No entanto, a Relação encontra-se em condições de suprir essa deficiência de fundamentação, já que a base factual retirada dos factos provados é suficiente para justificar a decisão impugnada.

Como referiu o respondente Ministério Público e decidiu já esta Relação (designadamente no acórdão TRE de 06.11.2018 que teve a mesma relatora do presente), para aplicação da qualificativa do artigo 204.º, n.º 1, al. f), do CP não é imprescindível que o espaço fechado esteja com uma habitação ou um estabelecimento comercial ou industrial, pois estes elementos não são cumulativos, como resulta logo da letra da lei (“ou”).

É certo que a posição defendida no recurso encontra algum apoio na jurisprudência, que aliás se invocou. Mas continua a considerar-se mais correcta a posição seguida também, por exemplo, no acórdão do TRE de 10/12/2009 (rel. Edgar Valente): “Integra-se no conceito de “espaço fechado” para efeitos do disposto no art. 204.º n.º1, alin. f) do Código Penal, os espaços vedados ou cercados”.

Na verdade, o “espaço fechado”, tipicamente agravante, identifica-se com a noção de “espaço vedado ao público” do art. 191º do CP, sendo assim fechado todo o espaço que se encontra vedado ou cercado e que não é de acesso livre. Como sucede na hipótese sub judice.

Tendo resultado ainda demonstrado que a vedação em causa se encontrava algo danificada, do modo consignado na sentença, cumpre referir que o elemento “espaço fechado” não exige que a vedação que transforma um espaço em fechado se encontre totalmente íntegra ou incólume, tendo em conta, designadamente, a própria extensão do espaço vedado. Independentemente de essa vedação ou cerca se poder encontrar parcialmente danificada, decisivo é o saber se dessa danificação, em concreto, resulta ou não, globalmente, alguma “alteração de sentido”. E não resulta, no caso presente.

Como bem refere o Ministério Público na resposta ao recurso, “tendo em conta o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora (a propriedade), tem entendido a jurisprudência ser de recorrer ao conceito de espaço fechado nos moldes previstos no art. 191.º CP, pelo que o objecto da acção tem de assumir a forma de um espaço fisicamente delimitado, em termos de a entrada arbitrária só ser uma paliçada, uma rede, um portão, fiadas de arame, barras horizontais, podendo mesmo tratar-se de uma barreira descontínua desde que não perca o carácter de uma protecção física, desde que para qualquer pessoa seja possível a precepção de que aquele espaço não é de livre acesso e tem uma barreira a limitar tal acesso”.

Também no Acórdão da Relação do Porto de 23/02/2005 (rel. Élia São Pedro), se considerou preenchida a qualificativa da al. f) no caso de uma garagem colectiva de prédio em que as portas estavam abertas, referindo-se que o que diferencia um “espaço fechado” de um espaço aberto é a existência de sinais (ou signos) que toda gente entende como demarcando a propriedade privada e o acesso não livre. Não está em causa, na referida qualificativa, a dificuldade no acesso ao espaço fechado. Não é a especial forma de penetração no espaço fechado (arrombamento, escalamento, etc.) que recorta a qualificação (para estes casos a lei prevê qualificativas específicas – al. e) do art. 204 CP), mas sim a existência de um espaço que, pelas suas características, dá privacidade e segurança aos seus titulares (utilizando-os, nomeadamente, como locais de recolha a guarda de objectos valiosos, como automóveis ou outros). É a violação dessa privacidade (e segurança que a mesma implica) que o legislador pretende proteger, ao agravar o furto. Daí que a mera existência de portões ou portas (ainda que momentaneamente abertos), numa garagem colectiva, seja um signo que toda a gente entende como demarcando o espaço dentro do qual só tem acesso quem estiver autorizado.”

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando-se em tudo a sentença.

Custas pelo recorrente que se fixam em 4UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).

Évora, 14.04.2020

(Ana Barata Brito)
(Carlos Berguete)