Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
378/10.8TBGLG.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL
EQUIDADE
Data do Acordão: 10/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Os tribunais superiores devem apreciar as decisões de 1ª instância sobre a fixação de montantes indemnizatórios com apelo à equidade segundo uma perspectiva de intervenção que assente na aferição da calibragem do critério de equidade concretamente aplicado. Daqui decorre que quando a indemnização fixada se situar ainda dentro do quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não assiste ao tribunal ad quem razão para revogar a decisão da 1ª instância: só o deverá fazer quando haja uma concretização flagrantemente desajustada ou arbitrária do juízo de equidade pelo tribunal a quo.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 378/10.8TBGLG.E1-2ª (2015)
Apelação-1ª
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC)
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I – RELATÓRIO:

Na acção ordinária que (…) e esposa, (…), intentaram contra «(…) Portugal – Companhia de Seguros, SA», e actualmente a correr termos na Secção Cível da Instância Central de Santarém da Comarca de Santarém (depois de iniciada no Tribunal Judicial da Golegã), destinada a exigir responsabilidade civil emergente de acidente de viação, vêm R. e AA. interpor recursos de apelação (independente e subordinado, respectivamente) da sentença final proferida em 1ª instância.

Na acção pediram os AA. a condenação da R. a pagar-lhes a quantia global de 250.000,00 €, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Fundamentou o pedido em acidente ocorrido, em 11/11/2007, na E.N. 243, ao Km. 42, no sentido Riachos-Golegã, no concelho da Golegã, que consistiu no embate de veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula (…), conduzido por (…), e seguro na R., no peão (…), filho dos AA., que foi atropelado por essa viatura quando caminhava encostado ao lado esquerdo da via, vindo a falecer em consequência desse embate. Alegaram que a condutora do (…) não se desviou do peão, apesar de o ter visto e ter podido imobilizar a viatura no espaço livre e visível à sua frente, assim como não travou por forma a imobilizar o veículo antes de embater no peão – pelo que o embate se deveu em exclusivo a culpa da condutora do (…), respondendo assim pelos respectivos danos a R. seguradora, para a qual estava transferida a responsabilidade por danos decorrentes da circulação do referido veículo. O pedido corresponde ao total dos seguintes componentes: 80.000,00 €, pelo dano-morte ou perda do direito à vida do filho dos AA.; 35.000,00 € para cada A., pelos danos morais por eles sofridos com a morte do filho; 25.000,00 €, pelos danos morais sofridos pelo falecido em virtude do embate e por não ter tido morte imediata; e 75.000,00 €, pelos danos patrimoniais respeitantes à perda decorrente da cessação da prestação de um contributo mensal não inferior a 250,00 € que o falecido prestava aos AA..

Na contestação, a R. impugnou a descrição do acidente feita pelos AA., alegando que a condutora do (…) cumpriu as regras de uma prudente condução e que foi o peão, ao caminhar de forma imprudente em plena faixa de rodagem sob o efeito de álcool (2,40 g/l), a contribuir para o embate, sem que a condutora tivesse possibilidade de o evitar. Mais impugnou a R. os valores pedidos pelos danos não patrimoniais, a pretendida atribuição de indemnização por danos morais do falecido (por se dever considerar que teve morte imediata) e a pretensão de indemnização por danos patrimoniais resultantes da perda de uma contribuição mensal (por ter pressuposta a duração dessa contribuição por um período excessivamente prolongado no tempo).

Estabelecidos os factos assentes e a base instrutória, foi realizado o julgamento, na sequência do qual foi lavrada sentença em que se decidiu julgar parcialmente procedente a acção, condenando a R. (…) a pagar aos AA. a quantia global de 132.500,00 € (a que acrescem juros de mora desde a data da sentença até integral pagamento), correspondente ao total dos seguintes componentes: 57.500,00 €, a título de indemnização pelo dano-morte; 25.000,00 € para cada A., pelos danos morais por eles sofridos com a morte do filho; 25.000,00 €, pelos danos patrimoniais dos AA. respeitantes à perda de um contributo mensal (que se provou não ser inferior a 200,00 €) prestado pelo falecido a seus pais. Foi julgado totalmente improcedente o segmento do pedido respeitante aos danos morais sofridos pelo falecido devido ao embate, por não se ter apurado a ocorrência de algum lapso de tempo entre o embate e a morte.

Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: da matéria de facto provada resultou que a condutora do (…) passou, em certo momento, a circular demasiado próximo do limite lateral da estrada, local em que se posicionava a vítima, onde embateu nesta, sem reduzir a velocidade, sem se ter desviado ou travado, apesar de o ter visto, e sem que o peão tenha contribuído para o embate, não obstante se encontrar sob o efeito do álcool; trata-se de condução com velocidade excessiva, que permite concluir estarem preenchidos os pressupostos da responsabilização daquela condutora pela morte da vítima; não se deu como provado que não houve morte imediata da vítima (da referência a ter ocorrido o acidente às 0.15 h e de a morte ter sido certificada pelo médico do INEM apenas às 0.37 h, não é possível concluir que só nesta segunda hora ocorreu a morte, o que também parece ser afastado pela gravidade das lesões sofridas no momento do embate, incumbindo aos AA. o ónus probatório relativo a tal facto), pelo que, ao depender a indemnização por danos morais da vítima da prova de a sua morte não ser instantânea e de não ter ficado absolutamente inconsciente no momento do embate, deixa de haver suporte para serem considerados danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes de falecer; quanto ao dano-morte, atendendo à idade da vítima (36 anos), sua saúde, sua integração familiar e social, e aos critérios plasmados na Portaria nº 377/2008, de 26/5, entendeu-se fixar, por apelo a critérios de equidade, a respectiva compensação no montante de 57.500,00 €; tendo em conta o enorme sofrimento sentido pelos pais relativamente à morte de um filho, a idade do falecido e a circunstância de este estar a viver à data do sinistro com os AA., leva a considerar como ajustada uma quantia indemnizatória de 25.000,00 € para cada A.; ao ter-se provado que a vítima entregava mensalmente aos seus pais uma quantia não inferior a 200,00 € (o que poderia estar ligado à circunstância de o falecido estar a viver à data do sinistro com os pais), e ainda que não se tenha apurado qual a concreta situação económico-social dos AA., designadamente quanto à necessidade actual ou previsível de alimentos, não pode deixar de se entender que esse contributo decorreria, pelo menos, de uma obrigação natural, a qual constitui fundamento bastante para considerar devida indemnização por danos patrimoniais sofridos pelos respectivos beneficiários e decorrentes da cessação desse contributo, nos termos do artº 495º, nº 3, do C.Civil; para a fixação desta indemnização por danos patrimoniais dos AA., e porque estão em causa danos futuros (atendíveis segundo o art 564º, nº 2, do C.Civil), deve ter-se em conta que se provou não estar a vítima a projectar casar-se à data do sinistro, a sua idade, os seus rendimentos à data do sinistro (no montante líquido de 892,32 €), e a condição de pensionistas dos seus pais (embora sem se ter apurado o exacto valor dos rendimentos destes), pelo que se entendeu fixar aquela indemnização, por apelo a critérios de equidade, no montante de 25.000,00 €, sem qualquer redução pela obtenção imediata do capital, dada a instabilidade económica actual do país; quanto aos juros de mora, e na medida em que o artº 566º, nº 2, do C.Civil manda atender à data mais recente que puder ser considerada, que aqui será o do encerramento da discussão em 1ª instância, sem que esteja em causa uma dívida de dinheiro, e sim de valor, deve entender-se que aqueles só serão devidos a partir da sentença (e não da citação, como peticionado); por força do contrato de seguro celebrado entre a condutora do (…) e a R. seguradora, responderá esta pelos valores que assim foram fixados, estando o respectivo montante situado dentro do capital garantido.

Inconformada com tal decisão, dela apelou a R. seguradora, formulando as seguintes conclusões:

«I. A única prova testemunhal relevante a respeito da Alínea O da Sentença é o depoimento da condutora do veículo seguro, a Srª D. (…), que refere expressamente só ter visto o lesado quando embateu;

II. O Ponto O da matéria de facto deve ter-se por impugnado parcialmente, nele passando a ler-se apenas que: "O – A condutora do (…) não se desviou para a esquerda de (…)";

III. Perante a prova produzida a propósito da alínea AJ da Sentença, não faz sentido considerar que uma pessoa projectava ou não projectava casar-se como se de um voto de celibato do lesado se tratasse;

IV. A prova produzida não permite ter mais convicção sobre o tema do que a que tão sagazmente revelou a testemunha (…), na medida em que, como decorre da experiência de vida, as pessoas não têm intenção de casar até – como diria La Palisse – terem essa intenção, que, como é natural e decorre da natureza das coisas, é uma intenção em concreto, orientada para uma pessoa em concreto;

V. No entender da recorrente, a prova produzida não permite ao tribunal formar a convicção de que o lesado não planeava casar-se;

VI. O artigo 22º da Base Instrutória deveria ter recebido resposta negativa e, em conformidade, que deverá ser eliminada a Alínea AJ da matéria dada como provada;

VII. Ao entender diversamente, a Sentença em crise violou, quanto aos pontos O e AJ da Sentença, o disposto no artigo 607º/4 do CPC;

VIII. Sem menosprezar a perda da vida do lesado, a Recorrente entende que, neste tipo de danos, tem particular relevância a equidade e, com respeito a esta, tem particular preponderância a jurisprudência dos casos semelhantes;

IX. A Recorrente advoga, assim, que na esteira de decisões anteriores dos tribunais superiores, a indemnização arbitrada a este título aos Autores seja reduzida para € 50.000,00 (cinquenta mil euros), tomando a liberdade de louvar-se no Ac. STJ de 28.11.13, proferido no processo 177/11.0TBPCR.S1 (Relator: Serra Baptista), no qual pode ler-se: "É adequada a quantia arbitrada de € 50.000,00 para indemnização da perda do direito à vida";

X. Sem menosprezar o sofrimento que gera a perda de um filho, a Recorrente discorda da indemnização atribuída aos autores em virtude dos danos não patrimoniais por si sofridos, na medida em que a entende excessiva face aos padrões jurisprudenciais nacionais, medida principal da equidade;

XI. A Recorrente louva-se, assim, na jurisprudência dos tribunais superiores, advogando que a Sentença seja parcialmente revogada, atribuindo-se a cada um dos autores, a este título, a quantia global de € 30.000 (trinta mil euros), sendo € 15.000 (quinze mil euros) a atribuir a cada um dos autores (Ver, por todos – e pela significativa resenha nele contida – o Ac. STJ de 20.02.13, proferido no âmbito do processo 269/09.5GBPNF.P1.S1 (Relator: Raul Borges);

XII. Na Sentença em crise parece entender-se que, desde que o lesado prestasse alimentos aos autores no cumprimento de uma obrigação natural, estaria dispensada a prova da necessidade alimentar do reclamante;

XIII. Não parece que a intenção do legislador tenha sido a de prescindir da natureza "alimentícia" da prestação efetuada; i.e., só há direito à indemnização se o lesado prestava alimentos aos autores;

XIV. O próprio conceito de alimentos – “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”, neles se compreendendo também “a instrução e educação do alimentado” (art. 2003º do Código Civil)" – pressupõe, necessariamente, uma situação de necessidade e indispensabilidade;

XV. Inexistindo vestígios nos autos acerca dessa situação de necessidade e indispensabilidade, não há, necessariamente, "alimentos"; e inexistindo "alimentos" não há, necessariamente, o direito à indemnização referido no artigo 495º/3 do Código Civil;

XVI. As obrigações naturais não são judicialmente exigíveis – artigo 402º do Código Civil;

XVII. Daí que, mesmo admitindo que o falecido prestava alimentos aos autores no cumprimento de uma obrigação natural, os Autores não podiam exigir daquele falecido a realização coativa da prestação;

XVIII. A consideração da quebra da prestação alimentícia decorrente de obrigação natural como dano patrimonial futuro é contraditória com a própria natureza jurídica da obrigação natural, ao entender-se que a prestação não era exigível ao falecido mas que era exigível de terceiro;

XIX. Mas mesmo que se entendesse diversamente, do facto de o falecido entregar aos seus pais a quantia mensal de € 200,00 não pode retirar-se a conclusão que a falta dessa entrega equivalha, na ótica dos Autores, a um dano;

XX. O lesado – em conjunto com o seu irmão, de resto – vivia com os Autores;

XXI. A contribuição efectuada pelo lesado constituía, também, uma prestação para sua alimentação e habitação (compreendendo-se nesta, também, despesas de electricidade, água, gaz, etc.);

XXII. O que o lesado, na realidade, entregava aos seus pais, mais não era que a sua contribuição própria para o seu próprio sustento doméstico;

XXIII. Com o decesso do lesado, inexiste essa necessidade de sustento doméstico. A situação, de resto, equivaleria a uma situação de enriquecimento sem causa, na medida em que, manifestamente, aquele lar tem menos despesas e manteria o mesmo nível de receitas;

XXIV. Os autos são omissos quanto à intenção de o lesado continuar a efetuar essa contribuição mensal mesmo deixando de viver com aqueles;

XXV. A situação dos autos – em que o lesado entregava aos seus pais 200 € "para as despesas, para a comida, pronto, para ajudar" não equivale, portanto, sequer a um dano;

XXVI. Mas mesmo admitindo a existência de um dano, sempre faltariam os demais requisitos de que a lei faz depender a ressarcibilidade dos danos futuros, i.e., a sua previsibilidade;

XXVII. Tal como se refere na Sentença, "apesar de ter ficado provado que a vítima não projectava casar-se, tal não significa necessariamente que não pretendesse no futuro, constituir núcleo familiar – a que não obsta o facto de, no momento, não ter projectos de casamento, pois que além de se tratar de uma decisão que por vezes não é objecto de meditação prolongada, a constituição de um núcleo familiar não tem necessariamente de ser feita no seio de um matrimónio –, ou iniciar um projecto de vida autónomo, isto é deixar de viver em casa de seus pais.";

XXVIII. Assim, não pode deixar de ter-se em conta que, sendo os autos omissos acerca da intenção de o lesado continuar a efetuar essa contribuição mensal mesmo deixando de viver com aqueles, não é previsível sustentar que o lesado [a] continuaria a efetuar durante um período equivalente a 8,3 anos (€ 20.000/200/12=8,33 anos);

XXIX. Na improcedência do restante recurso – que se admite sempre sem conceder – sempre haveria que ter em consideração a antecipação do pagamento, sob pena, uma vez mais, de enriquecimento sem causa (ver, por todos, o Ac. TRÉvora de 19.12.13);

XXX. Ao entender diversamente, a Sentença em crise violou o disposto nos artigos 402º, 495º, 562º e 566º, todos do Código Civil.»


Por sua vez, os AA. interpuseram recurso subordinado, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1ª – Conforme resulta da Participação do Acidente entregue à Seguradora da condutora do veículo, esta indica como hora do acidente 00 horas e 05 minutos.

2ª – Da Participação do Acidente elaborada pelas autoridades que tomaram conta da ocorrência e junta ao processo, consta que o acidente ocorreu às 00 horas e 15 minutos.

3ª – Do relatório de autópsia junto aos autos consta que a hora do óbito foi às 00 horas e 37 minutos.

4ª – O falecido esteve vivo, pelo menos, durante cerca de 15 minutos.

5ª – Durante esse tempo o infeliz (…) pôde aperceber-se da proximidade da sua morte.

6ª – Ainda que assim se não entenda, pelo menos, o falecido sofreu dores atrozes e insuportáveis.

7ª – O relatório de autópsia, tendo carácter científico, não poderá ser posto em causa.

8ª – Deverá dar-se como provado que o óbito do falecido ocorreu, sem margem para qualquer dúvida, às 00 horas e 37 minutos.

9ª – Deverá entender-se que o Meritíssimo Juiz da 1ª Instância não interpretou de forma correcta o estado de consciência da vítima ao afirmar que não se terá apercebido da sua morte.

10ª – Deverá entender-se que, não tendo tido morte imediata, a vítima sofreu dores horríveis e teve enorme sofrimento físico e psicológico.

11ª – Deverá entender-se que o falecido, durante o lapso de tempo em que permaneceu vivo, se terá apercebido de que seu fim estava próximo.

12ª – Deverá entender-se que, in casu, o falecido sofreu elevadíssimos danos morais.

13ª – Deverá entender-se que a indemnização decorrente desses danos morais sofridos pela vítima, se transmite para os autores, seus pais.

14ª – Deverá dar-se como provado que o falecido teve consciência da sua morte, que sofreu enormes danos psicológicos, devendo-se dar como provado o facto nº 2 da matéria não provada.

15ª – Como consequência, deverá, ainda, considerar-se provado o facto nº 3 da matéria não provada.

16ª – Deverá entender-se que a quantia de 25.000,00 euros peticionada por danos morais sofridos pelo falecido é justa em face da jurisprudência actual e está conforme o disposto no artigo 496º do Código Civil e que os pais a ela têm direito.

17ª – Ficou provado que o falecido tinha apenas 36 anos de idade, tendo ainda a previsibilidade de viver cerca de 40 anos, de acordo com as estatísticas elaboradas a esse propósito.

18ª – Que estava socialmente integrado.

19ª – Que estava empregado e auferia mensalmente a quantia de 1.008,00 euros, ao serviço da empresa “(…)” Construções e Engenharia, S.A..

20ª – A quantia de 65.000,00 euros atribuída aos autores, a título de dano morte, peca por defeito face à jurisprudência mais recente.

21ª – No Processo nº 1679/10.0TBVLG.1 do S.T.Justiça, de 2007, foi atribuída uma indemnização de 70.000,00 euros pela morte de uma pessoa com 65 anos de idade.

22ª – No Processo 252/08.8TALQ.E1, de 19.06.2014, foi atribuída uma indemnização pelo dano morte de uma pessoa de 43 anos, no montante de 70.000,00 euros.

23ª – No Processo nº 395/03.4GTSTB.L1.S1 do S.T.Justiça, foi atribuída uma indemnização de 80.000,00 euros pela morte de uma pessoa com 43 anos de idade.

24ª – No Processo 875/05.7TBILH.C1.S1 do S.T.Justiça, foi atribuída uma indemnização pelo dano morte, de 75.000,00 euros.

25ª – Em face da jurisprudência indicada, deverá ser atribuída aos autores, pelo dano morte do seu filho, uma indemnização não inferior à peticionada de 80.000,00 euros, ou caso assim se não entenda, uma quantia não inferior a 75.000,00 euros.

26ª – A douta sentença ao considerar que o falecido não teve percepção da sua morte e que, por isso, não sofreu enormes dores psicológicas, no período que mediou entre o embate e a sua morte, violou a disposição do artigo 496º do C.Civil.

27ª – A douta sentença ao balizar o dano morte em quantia inferior às que a jurisprudência dos tribunais superiores vem considerando como justa, violou, também a disposição do artigo 496º do C.Civil.»


Os AA. apresentaram ainda contra-alegações relativamente ao recurso da R., em oposição a essa pretensão recursória e em sentido consonante com as posições expressas nas suas próprias alegações de recurso.

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC). Saliente-se, ainda, que este Tribunal apenas está obrigado a resolver as questões que sejam submetidas à sua apreciação, e não a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações (e suas conclusões) de recurso, além de que não tem de se pronunciar sobre as questões cuja decisão fique prejudicada, tudo conforme resulta do disposto nos artos 608º, nº 2, e 663º, nº 2, do NCPC.

Do teor das alegações dos recorrentes (R. e AA.) extraem-se as seguintes questões essenciais a discutir:

– no recurso independente da R.:

1) modificabilidade da matéria de facto, no sentido de alterar a redacção do ponto de facto sob a al. O da factualidade provada (de modo a que, onde se lê «Ao avistar … a condutora do … não se desviou para a sua esquerda», se passe a ler «A condutora do … não se desviou para a esquerda de …») e de eliminar o ponto de facto sob a al. AJ (onde se lê «… não projectava casar-se»), com aferição das respectivas consequências, no plano jurídico, da eventual procedência dessa impugnação da matéria de facto – e de que se pretende extrair o afastamento da culpa da condutora do veículo seguro na R. pela produção do acidente (quanto ao facto O) e um diferente enquadramento do segmento do pedido relativo a indemnização por danos patrimoniais futuros dos AA. reconhecido pelo tribunal a quo (quanto ao facto AJ);

2) quantificação da indemnização arbitrada pelo dano-morte do filho dos AA., cuja pretensão se situa em 50.000,00 € (e que foi computado em 57.500,00 € na sentença recorrida);

3) quantificação da indemnização arbitrada pelos danos morais sofridos pelos AA. com a morte do filho, cuja pretensão se situa em 15.000,00 € para cada um dos AA., num total de 30.000,00 € (e que foi computado em 25.000,00 € para cada um dos AA., num total de 50.000,00 €, na sentença recorrida);

4) inexistência de direito dos AA. a indemnização por danos patrimoniais futuros devidos à perda de contribuição mensal não inferior a 200,00 € prestada pelo filho (e que foi computado em 25.000,00 € na sentença recorrida), com os seguintes fundamentos: essa contribuição não tinha natureza alimentícia, resultando de uma mera obrigação natural; tratava-se de contributo para despesas que deixaram de existir com a morte da vítima; não era previsível que a vítima não viesse a sair de casa dos AA. e que continuasse a prestar esse contributo; a antecipação do pagamento de uma tal indemnização constituiria enriquecimento sem causa;

– no recurso subordinado dos AA.:

1) modificabilidade da matéria de facto, no sentido de aditar como “provados” dois novos pontos de facto, integrados sob os nos 2 e 3 no elenco da factualidade não provada (dando como provado, respectivamente, que «… faleceu cerca das 00h37m do dia 11.11.2007» e que «… apercebeu-se da proximidade da sua morte»), com aferição das respectivas consequências, no plano jurídico, da eventual procedência dessa impugnação da matéria de facto – e de que se pretende extrair fundamento para a procedência do segmento do pedido relativo a indemnização por danos morais sofridos pelo falecido devido ao embate, que os AA. quantificaram em 25.000,00 € (e que não foi reconhecido na sentença recorrida, com o argumento de não se ter provado que não houve morte imediata da vítima);

2) quantificação da indemnização arbitrada pelo dano-morte do filho dos AA., cuja pretensão se situa em 80.000,00 €, ou num mínimo de 75.000,00 € (e que foi computado em 57.500,00 € na sentença recorrida – e não em 65.000,00 €, como por lapso se refere na conclusão 20ª das alegações de recurso dos AA.).

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO:
A) DE FACTO:

O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, que se passam a reproduzir:

«A. No dia 11 de Novembro de 2007, cerca das 00h15m, ocorreu um embate na Estrada Nacional nº 243, ao quilómetro 42, no concelho da Golegã, no qual intervieram o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (…) e o peão (…);

B. O veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (…) era conduzido por (…), no sentido Riachos – Golegã;

C. No dia e hora referidos em A., havia muita gente na rua por ser o dia da “Feira do Cavalo” na Golegã;

D. No dia e hora referidos em A. não chovia, nem estava nevoeiro;

E. O local referido em A. é um local sem iluminação pública;

F. No local, para quem circula no sentido Riachos – Golegã, a via descreve uma ligeira curva, seguida de contracurva para a esquerda junto do marco quilométrico dos 42 km;

G. No dia e hora referidos em A. e no sentido Golegã – Riachos da Estrada Nacional nº 243, circulavam outros veículos;

H. O (…) caminhava de frente para o veículo com a matrícula (…);

I. No dia e hora referidos em A. (…) caminhava vestindo calças de ganga azuis, t-shirt preta e camisa branca;

J. Ao quilómetro 42 o peão (…) foi embatido pelo veículo de matrícula (…);

L. O embate referido em J. deu-se quando (…) caminhava pelo lado esquerdo da via encostado ao fim do alcatrão, junto à valeta;

M. Por, no local, inexistir espaço suficiente entre o fim do alcatrão e a valeta que permitisse a circulação mais afastada;

N. E foi atropelado perto do fim do alcatrão junto à valeta;

O. Ao avistar (…) a condutora do (…) não se desviou para a sua esquerda;

P. Nem travou de forma a imobilizar o veículo antes de atingir o peão;

Q. A condutora do veículo com a matrícula (…), no dia e hora referidos em A., circulava a uma velocidade superior a 50 km/hora;

R. (…), após o atropelamento, ficou caído junto à valeta;

S. Após o embate, a parte traseira do veículo ficou a 61,90 metros do corpo de (…);

T. (…) sofreu fractura da base do crânio, hemorragia cerebral, fractura de seis arcos costais e da clavícula direita, fractura do corpo da 3ª vértebra dorsal, com lesão medular, hemotórax bilateral volumoso, fractura dos 3º, 4º e 5º metacárpios direitos e fractura da bacia;

U. A morte de (…) foi devida às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, raquimedular, torácicas e dos membros referidas em T.;

V. As lesões referidas em H. foram consequência do embate referido em J.;

X. (…) nasceu em 24.03.1971 e faleceu em 11.11.2007 – cfr. docs. de fls. 17 e 21, que se dá por integralmente reproduzidos;

Z. (…) é filho de (…) e (…) – cfr. doc. de fls. 17, que se dá por integralmente reproduzido;

AA. (…), em 11.11.2007, era um jovem escorreito e sadio;

AB. Os Autores amavam (…);

AC. Os Autores sofreram um enorme desgosto com a morte do filho;

AD. Os Autores ainda hoje se não recompuseram da morte do filho;

AE. Os Autores adoravam o filho, dedicando-lhe o maior dos afectos;

AF. E ainda hoje choram frequentemente a sua morte;

AG. (…) era, em 11.11.2007, empregado da firma “(…) Construções e Engenharia, S.A.”;

AH. Onde tinha as funções de escriturário;

AI. E auferia, nessa empresa, o ordenado mensal de € 1.008,00 ilíquidos (€ 892,32 líquidos);

AJ. (…) não projectava casar-se;

AL. (…) ajudava os Autores;

AM. Que são pessoas pobres, de condição modesta e ambos reformados;

AN. (…) vivia com os Autores;

AO. (…) entregava mensalmente aos Autores a quantia não inferior a € 200,00;

AP. Por escritura de habilitação outorgada em 03.01.2008, (…) e (…) foram habilitados como únicos herdeiros de (…) – cfr. doc. de fls. 19 e 20, que se dá por integralmente reproduzido;

AQ. No dia 11 de Novembro de 2007, cerca das 00h15m, (…) tinha uma taxa de álcool no sangue de 2,40 gramas/litro;

AR. A condutora e proprietária do veículo com a matrícula (…), em 11.11.2007, tinha transferido para a Ré a responsabilidade pelos danos decorrentes da circulação do veículo, através da Apólice nº (…) – cfr. doc. de fls. 58, que se dá por integralmente reproduzido;

AS. Em 21.07.2008, o Ministério Público procedeu ao arquivamento do inquérito nº (…)/07.5GTSTR, instaurado na sequência do acidente/atropelamento em causa, nos termos do disposto no art. 277º, nº 2, do Código de Processo Penal – cfr. doc. de fls. 59 a 68, que se dá por integralmente reproduzido;

AT. Em 29.10.2010, no processo nº (…)/07.5GTSTR foi proferido despacho de não pronúncia por “não existirem nos autos indícios suficientes que permitam imputar à arguida a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 137º, nº 1, e 15º do Código Penal” – cfr. doc. de fls. 69 e ss., que se dá por integralmente reproduzido.»


B) DE DIREITO:

1. Da apelação da R.:

1.1. Quanto à impugnação da matéria de facto, pretende a R. apelante, como vimos, alterações em relação aos pontos de facto sob as als. O e AJ da factualidade provada.

Sustenta a apelante essa pretensão numa diferente valoração dos meios de prova produzidos nos autos quanto a esses pontos específicos. Em relação à al. O, argumenta que só a condutora do (…) se pronunciou sobre esse ponto na audiência de julgamento, afirmando não ter visto a vítima antes do embate, pelo que não se entende o juízo de facto do tribunal a quo, dando como provado que essa condutora avistou a vítima antes do embate e não se desviou dele. Em relação à al. AJ, invoca os depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…), que teriam deposto de forma dubitativa quanto a uma alegada intenção da vítima de não se casar, pelo que o tribunal a quo não poderia ter dado como provado o facto em causa «como se de um voto de celibato do lesado se tratasse».

Na fundamentação da respectiva factualidade provada e não provada (a fls. 327-333 da sentença de fls. 323-350), explicitou o M.mo Juiz a quo, com algum pormenor, as razões da sua convicção quanto à mesma. Designadamente, e no que se refere aos pontos de facto sob impugnação, declarou-se o seguinte:

«(…) quanto à dinâmica do embate, a matéria factual foi dada como provada pela conjugação dos depoimentos de (…) [apelido que se corrige, devido a lapso, para “…”], que circulava no local no sentido contrário ao do veículo (…), e que, de forma objectiva e pormenorizada, revelando rigor e propriedade nas afirmações feitas, esclareceu o modo como a vítima caminhava, o sentido em que o fazia, assim como descreveu esse concreto local e o tráfego automóvel existente (revelando haver muitas pessoas na Feira do Cavalo e, como tal, na rua).
Este depoimento foi coadjuvado pelo testemunho de (…), que seguia carros atrás da condutora do veículo (…), que esteve em consonância com aquele quanto ao local onde a vítima foi embatida, o sentido que se deslocava, bem como o tráfego automóvel (ponto que encontrou ainda apoio do depoimento de …, militar da Guarda Nacional Republicana que acorreu ao local).
A testemunha (…), pela forma natural e sincera com que depôs, mereceu ainda crédito no que tange à velocidade a que seguia a condutora do veículo (…), sendo que a própria (…), quanto inquirida, reconheceu circular a velocidade superior a 50 km/h.
A configuração da via no local, seja em termos do seu desenho, seja no que se refere ao espaço existente entre o alcatrão e valeta resultaram do depoimento de (…) e da inspecção que o Tribunal fez ao local (cujo auto se encontra vertido na acta da segunda sessão da audiência de julgamento) e a que se referem as fotografias então registadas e juntas aos autos (fls. 212 e 213).
Da mesma foi perceptível que, no que diz respeito ao espaço existente entre o alcatrão e a valeta, para além de muito pequeno, foi objecto de modificação, existindo sinais reveladores de uma hemi-faixa de rodagem mais larga anteriormente.
Já que tange ao modo como o embate ocorreu, inquirida (…), não revelou recordar-se dos seus concretos moldes, centrando o seu depoimento na existência de trânsito nos dois sentidos, assim como em que a colisão se deu na parte da frente do veículo, do meio do capot para o farol do lado do passageiro (conforme, de resto, se parece inferir dos termos da participação que fez, constante de fls. 197 e ss.).
Neste segmento, contudo, assumiu particular relevo o depoimento de (…), que, de forma assertiva e segura, afirmou que o peão caminhava correctamente, junto do alcatrão, não ocupando a faixa de rodagem, sendo que o corpo ficou junto da valeta existente.
(…)
Por sua vez, e para além da testemunha (…) ter assistido aos factos, o seu depoimento e o da testemunha (…), no segmento em que aludiram à parte do carro que embateu, encontraram apoio no depoimento de (…).
Aliás, a testemunha […] não apenas se revelou segura quanto ao modo como a vítima caminhava, como incidiu várias vezes no facto de a condutora do veículo (…) não se ter desviado para evitar um embate, termos em que, tudo ponderado, deu o Tribunal como provada a forma como o veículo embateu no peão.
(…)
As testemunhas (…), (…) e (…) tiveram ainda relevo no segmento factual referente ao facto de a vítima não ter planos para se casar, sendo tidas, pela conjugação dos respectivos depoimentos, que se mostraram sinceros, naturais e isentos, merecendo, como tal, o crédito do Tribunal. (…)»

E, no âmbito da fundamentação da factualidade não provada (e na medida em que se discutia um conjunto de outros factos sobre a dinâmica do acidente, nomeadamente acerca de eventual posicionamento da vítima em plena faixa de rodagem, dificuldade de equilíbrio da vítima por efeito de álcool, impossibilidade da condutora se desviar para a esquerda, travagem da condutora para evitar o embate), aditou o tribunal a quo mais alguns argumentos que explicitam, por contraponto, o juízo de facto inscrito na al. O da factualidade provada:

«(…) face ao já exposto, por não ter sido produzida prova bastante no sentido de permitir apurar qual a visibilidade que a condutora do veículo (…) tinha, o certo é que a Ré também não logrou demonstrar, conforme alegou, que a vítima surgiu sem que nada o fizesse prever e em frente do veículo.
Conforme já analisado, as testemunhas (…) e (…) aludiram ao facto de o embate se ter dado na zona do farol da frente do lugar do passageiro e não na parte central do capot e do depoimento daquela primeira testemunha resultou que a vítima caminhava correctamente junto do asfalto.
Nada tendo resultado que a vítima tenha invadido a faixa de rodagem – nomeadamente em consequência da taxa de álcool no sangue que apresentava –, ou sequer que estivesse afectada na sua lucidez, domínio do corpo, reflexos e equilíbrio – que não é mera consequência da taxa de alcoolemia com que cada cidadão segue, pois que, revelam as regras da experiência comum e, sobretudo, judiciária, tal depende do momento da ingestão das bebidas e da fase da absorção ou do metabolismo do álcool pelo organismo, com consequências diversas ao nível fisiológico, para além das próprias variáveis como a idade, a obesidade, a corpulência da pessoa, entre outras, que igualmente têm influência –, foi a matéria dada como não provada.
(…)
Quanto à invocada travagem do veículo para evitar o embate, a testemunha (…), que assistiu ao mesmo, apenas esclareceu que, na sua óptica, a condutora do veículo (…) podia ter-se desviado, e que apenas parou o veículo mais à frente.
De igual jeito, a testemunha (…) não se mostrou peremptória ao referir-se a tal travagem.
Analisado o croquis de fls. 13, do mesmo não consta referência a rasto de travagem da condutora do veículo (…), mas unicamente à distância de 61,90 m entre o local provável do embate e a traseira do veículo (…), o que, pela sua amplitude, não se afigura compatível com uma travagem brusca ante um alegado vulto que inopinadamente surge na via. (…)»

Ou seja, o tribunal recorrido indicou, amplamente, os motivos da sua convicção, identificando os elementos considerados relevantes. E daí resulta uma perspectiva diferente da sustentada pela R. apelante, quanto ao sentido a dar aos elementos probatórios.

Uma vez que foram cumpridas as exigências do artigo 640º do NCPC (indicação concreta dos pontos de facto a alterar e dos meios probatórios relevantes para tal alteração), estão reunidas as condições formais para a reapreciação da matéria de facto.

É neste quadro processual que deve ser equacionada a pretensão da apelante de reapreciação da prova gravada.

Antes de mais, importará então atender às condicionantes legais da impugnação da matéria de facto.

Desde logo, tenha-se presente o que se sublinhava no preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro: «A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento».

Daqui derivam dois pensamentos essenciais que devem parametrizar esta matéria da apreciação da impugnação da matéria de facto: por um lado, a noção de que a garantia do duplo grau de jurisdição não pode subverter o princípio da livre apreciação da prova; por outro, a ideia de que o tribunal de 2ª instância não deve ir além de um juízo sobre a razoabilidade da convicção probatória da 1ª instância, face aos elementos disponíveis nos autos.

Quanto ao primeiro aspecto, saliente-se o que já dizia o Ac. RE de 3/6/2004 (CJ, XXIX, t. III, p. 249): «(…) o sistema legal, tal como está consagrado, [mesmo] com recurso à gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos, não assegura a fixação de todos os elementos susceptíveis de condicionar ou influenciar a convicção do julgador perante o qual foram produzidos os depoimentos em causa». Têm-se aqui em mente aqueles «elementos intraduzíveis e subtis», como a «mímica e todo o aspecto exterior do depoente», de que falava LOPES CARDOSO (in BMJ, nº 80, pp. 220-221, citado por ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 4ª ed, Almedina, Coimbra, 2004, p. 247).

Sobre o segundo ponto, pronuncia-se assim o Ac. RC de de 3/10/2000 (CJ, XXV, t. IV, p. 27): «o tribunal da 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si». Trata-se aqui de «através das regras da ciência, da lógica e da experiência, (…) controlar a razoabilidade daquela convicção [do tribunal de 1ª instância] sobre o julgamento do facto como provado ou não provado», conforme se expressa TEIXEIRA DE SOUSA (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, Lisboa, 1997, p. 348).

Diremos, pois, na linha de outros arestos desta Relação, que a constatação de erro de julgamento no âmbito da matéria de facto impõe que se tenha chegado à conclusão de que a formação da decisão devia ter sido em sentido diverso daquele em que se julgou, como decorrência de «um juízo conclusivo de desconformidade inelutável e objectivamente injustificável entre, de um lado, o sentido em que o julgador se pronunciou sobre a realidade de um facto relevante e, de outro lado, a própria natureza das coisas» (cfr., por todos, Ac. RE de 23/9/2004, Proc. 1027/04-2, in www.dgsi.pt).

Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que os pontos de facto sob impugnação foram fundamentados com referência a depoimentos, combinados com regras de experiência comum, ajuizados de forma coerente e compreensível, conforme se evidencia do teor da motivação da decisão de facto constante da sentença de fls. 323-350 – nada havendo, perante os elementos disponíveis, que permita pôr em dúvida ter sido feita pelo M.mo Juiz a quo uma adequada ponderação.

Acresce que, atentando no registo gravado dos depoimentos produzidos em audiência (em particular dos depoimentos invocados pela R. apelante) – e mesmo considerando-os na perspectiva da formação de uma nova convicção em 2ª instância –, também é de concluir que os mesmos não consentem a pretendida modificação dos factos, pois deles não se evidencia erro de julgamento, traduzido em desconformidade flagrante entre os elementos probatórios e a decisão.

A motivação da convicção do tribunal é reveladora do cuidado colocado pelo tribunal a quo na análise dos elementos de prova – e daí a extensa transcrição daquela motivação supra apresentada, por tão eloquente nesse sentido –, o que reforça a sustentabilidade das conclusões a que esse tribunal chegou em termos de decisão de facto, e que por isso merecem a nossa adesão.

Sublinhe-se, neste ponto, que, perante o teor nominal das declarações especialmente invocadas pela R. apelante, é certo serem esses depoimentos, se colhidos na sua plenitude (e não descontextualizados, como o foram nas declarações respigadas pela R. apelante nas alegações de recurso), compatíveis com a percepção que deles fez (e como o fez) o tribunal recorrido. Com efeito, a matéria de facto dada como provada contém-se no quadro das diferentes versões dos factos em confronto nos autos, sendo plausível a que veio a prevalecer. E, no limite, não pode deixar de se conceder primazia, quanto à apreciação da credibilidade dos depoimentos, ao julgador a quo, que pôde ouvir perante si os relatos das pessoas inquiridas e aperceber-se dos elementos indizíveis já referidos, sendo certo que a mera audição dos depoimentos em apreço pelo tribunal ad quem não fornece elementos bastantes para contrariar a convicção da 1ª instância, livremente formada.

Em concreto, refira-se que, quanto à al O, os depoimentos das testemunhas (…) e (…), que presenciaram o acidente, analisados de forma contextualizada (e em contraponto com o da própria condutora, …, também ouvida em declarações), apontam para a verificação do ponto de facto controvertido, tal como o tribunal o considerou provado. Aqueles depoimentos, em particular o de (…), permitem entender que a condutora, de acordo com as normais capacidades adequadas à condução de viaturas automóveis e atentas as condições da via e da circulação rodoviária e o posicionamento do peão, não podia deixar de ter visto aquele e dele podia ter-se desviado, o que não fez. E esta versão dos acontecimentos mostra-se confirmada, o que também não deixa de ser significativo, pelas declarações que a própria condutora prestou perante as autoridades policiais na ocasião do acidente, e que as registaram no respectivo auto de participação (a fls. 11-14) nestes termos: «(…) que circulava no sentido de marcha Riachos-Golegã, que viu um vulto na via, que tentou desviar-se, mas não conseguiu».

Por sua vez, quanto à al. AJ, afigura-se-nos que, mais do que uma divergência sobre o sentido dos depoimentos invocados, existe uma incompreensão quanto ao alcance da afirmação constante do ponto de facto controvertido. Aí afirma-se que «… não projectava casar-se» – e a R. apelante vê aí uma declaração definitiva do tribunal de que a vítima não pretendia casar («como se de um voto de celibato do lesado se tratasse», sustenta a R. apelante). Ora, trata-se de uma interpretação que escapa à literalidade da afirmação formulada pelo tribunal a quo (e às regras da estruturação frásica que a sustenta). Note-se que o tribunal recorrido não afirmou que a vítima «projectava não casar-se» – em que, aí sim, poderia conter-se a leitura de que haveria uma intenção celibatária assumida. Antes pelo contrário: o que o tribunal afirmou foi que a vítima «não projectava casar-se» – o que tem um outro sentido, muito menos concludente, qual seja o de que a vítima, à data do acidente, não tinha uma intenção concretizada de se casar proximamente. Ou seja: a afirmação do tribunal apenas permitia, na prática, entender-se que seria previsível continuar a vítima, se não fosse o acidente, a habitar com os seus pais nos tempos mais próximos. Foi isto que o tribunal declarou, sendo para tanto bastante o que afirmaram as testemunhas acima identificadas, mesmo que o seu registo fosse algo dubitativo. E foi isto que o tribunal sopesou quando arbitrou o segmento indemnizatório respeitante à indemnização pela perda da contribuição mensal prestada pela vítima a seus pais, como se percebe do contexto da fundamentação da sentença recorrida (já que, caso houvesse uma qualquer opção celibatária duradoura, seria seguramente mais elevada a indemnização fixada a esse propósito).

Consequentemente, e em relação à al. O da factualidade provada, não poderia deixar de se considerar como provado o facto que foi vertido na respectiva alínea, de que se inferiu a culpa da condutora da viatura na produção do acidente (pela sua imperícia e imprudência na condução da mesma) – com o que se acaba por frustrar a pretensão da R. apelante de excluir a responsabilidade da condutora e a sua própria enquanto seguradora, nos termos que ficaram explanados na decisão recorrida, e que merecem a nossa adesão. Já em relação à al. AJ da factualidade provada, é também de concluir que se encontra consistentemente sustentado na prova produzida o facto vertido na respectiva alínea – o que justificou uma determinada solução quanto ao segmento indemnizatório por danos patrimoniais futuros dos AA. e sobre a qual não nos pronunciamos desde já, por ser objecto de uma específica impugnação de direito, a apreciar infra (tópico 1.4).

Em síntese, não se dispõe de elementos bastantes para contrariar a particular percepção do conjunto da prova produzida que foi colhida directamente pelo tribunal a quo e que permitam desvalorizar os elementos probatórios em que esse tribunal fundou a sua convicção – e que, no caso concreto, não consentiam juízos diferentes quanto aos pontos de facto controvertidos.

Diremos, pois, que, do ponto de vista dos dados que sustentam a decisão de facto na parte impugnada, a mesma não pode ser alterada ao abrigo do artº 662º, nº 1, do NCPC, na medida em que os autos não fornecem elementos que imponham decisão diversa da proferida.

Sendo assim, mantém-se integralmente a decisão de facto, tal como foi proferida no julgamento efectuado em 1ª instância – e, por ora, sem prejuízo do que infra se dirá quanto à impugnação da matéria de facto igualmente deduzida pelos AA. apelantes no seu recurso subordinado.

1.2. Perante a inalterabilidade dos factos apurados em sede de julgamento de 1ª instância – de que decorre, como vimos, a subsistência da responsabilidade da condutora do (…) pela produção do acidente que vitimou o filho dos AA., e, logo, da responsabilidade da R. seguradora – cabe então passar a apreciar as objecções que a R. apelante coloca aos concretos termos da procedência do pedido dos AA., a título subsidiário (já que, se tivesse sido afastada a responsabilidade da condutora, cairia pela base tal pedido), em particular quanto aos montantes indemnizatórios fixados pelo tribunal a quo.

Neste ponto, entendemos justificar-se uma primeira consideração genérica sobre a matéria indemnizatória em tema de acidentes de viação, na medida em que a mesma relevará em toda a apreciação subsequente sobre as concretas questões colocadas pelos recursos em apreço.

Trata-se de alertar, em primeira linha, para dois parâmetros significativos neste domínio: por um lado, a persistência de uma opção legislativa no sentido de não se estabelecer um quadro legal obrigatório de critérios para a quantificação do dano corporal de forma a obter montantes indemnizatórios objectivos, que contemplassem diversas consequências danosas dos acidentes de viação e que permitissem atender a um conjunto, mais ou menos vasto, de variáveis a considerar, como a idade, situação económica, familiar e social dos lesados, grau de incapacidade, etc. (de que a Portaria nº 377/2008, de 26/5, alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25/6, pensada para a formulação de propostas razoáveis das seguradoras no quadro da composição extra-judicial de litígios nesta matéria, mas sem critérios obrigatórios, poderia ser percursora); por outro lado, a necessidade, como decorrência dessa opção legislativa, de os tribunais terem de recorrer frequentemente a juízos de equidade na fixação dos valores indemnizatórios, o que sempre encerra uma dimensão subjectiva inerente a cada julgador e potencia soluções demasiado divergentes para casos muito semelhantes.

Quanto a esta consequência do recurso à equidade, com o seu cortejo de decisões indemnizatórias aparentemente contraditórias, poderá dizer-se que se trata de um normal ónus a suportar em virtude da opção do legislador no sentido da individualização na resolução de casos concretos, como corolário de uma tendência hodierna para a restrição da resolução de casos segundo o direito estrito e para a utilização legislativa de conceitos indeterminados e cláusulas gerais. A resolução de casos segundo a equidade inscreve-se nessa orientação que busca uma melhor adequação da decisão judicial às circunstâncias concretas da vida: consiste, essencialmente, numa solução que atende às particularidades dos casos concretos, seja em aplicação de uma norma que manda decidir segundo as circunstâncias do caso particular, seja como processo extra-sistemático de integração de lacunas (sobre estes tópicos, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 113-120, e OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 13ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, pp. 243-253 e 442-443).

Mas se esta orientação individualizadora se compreende por se filiar num ideal de busca da justiça do caso concreto e, ao mesmo tempo, merece louvor por traduzir o reconhecimento pelo legislador da importância do papel do julgador na adequação do direito à vida, também não deve ser olvidado que a mesma contém em si, na sociedade mediatizada dos nossos dias, o germe da dissolução da consideração comunitária que se suporia devida ao poder judicial num Estado de Direito. É notório que a exercitação da equidade pelos tribunais gera a percepção de que, na prática, cada juiz por si, e nos respectivos processos, aventa o seu próprio montante indemnizatório, raramente coincidente com o dos demais perante situações similares, sendo que a divulgação pública desses juízos indemnizatórios aparentemente (ou até efectivamente) divergentes tem contribuído para o desprestígio e desconsideração social dos tribunais. Essa visão negativa é ainda reforçada, designadamente em sede de recurso, quando tais divergências alimentam uma litigiosidade traduzida em incompreensíveis querelas sobre diferenças quantitativas quase irrelevantes ou quando os próprios tribunais de recurso produzem decisões revogatórias em que se alteram montantes indemnizatórios por valores de pouco significado.

Esta compreensão dos processos de individualização, em particular no que tange ao recurso à equidade, impõe, pois, especial ponderação e cautela na sua aplicação como critério de solução de casos particulares. Porém, se bem virmos, uma adequada percepção da essência do juízo equitativo aponta, precisamente, para uma experimentação objectivista (e não meramente subjectiva ou intuitiva) da equidade, que previne os efeitos perniciosos supra evidenciados.

Se a equidade «é a justiça do caso concreto», como exprime OLIVEIRA ASCENSÃO (ob. cit., p. 442), a sua concretização não pode deixar de ser contida dentro dos limites do próprio sistema jurídico. Embora a formulação de um juízo equitativo constitua um momento de criação de uma regra jurídica para o caso particular segundo um critério de justiça, essa decisão não pode ou não deve abstrair-se dos princípios gerais de direito e das valorações ínsitas na normação abstracta que legitima o recurso à equidade. Este entendimento postula que a aplicação da equidade não deve redundar na negação do próprio valor de justiça que a enforma, como poderá suceder se o juízo individualizador sobre o caso concreto for exercido sem considerar outros valores do sistema, como sejam os da segurança ou da certeza jurídicas. Para este risco alerta OLIVEIRA ASCENSÃO quando critica a possibilidade de uma maior justiça relativa operada por via de processos de individualização vir a ser obtida «à custa de uma degradação da certeza do direito» (ob. cit., p. 251). Admite aí a existência de limites ao exercício de poderes pela entidade, nomeadamente judicial, a quem foi confiada a solução de casos por via não directamente normativa – limites esses que devem funcionar quando esse exercício contrarie a «previsibilidade por cada sujeito das linhas mestras da sua situação, desvirtuando a função da regra jurídica como regra de conduta e criando insegurança» (ibidem). Não serão, pois, de aceitar soluções que, destinadas a servir a justiça, redundem, por afectarem a certeza do direito, em maior injustiça: conforme adverte o autor que vimos citando, «sem atender à segurança, também a justiça não se obtém» (ob. cit., p. 251).

Sendo assim, a fórmula de aplicação da equidade que salvaguarde a essência do juízo equitativo, assenta, afinal, na percepção de que, quando a lei determina que uma indemnização é fixada segundo um juízo de equidade, se está a conferir ao julgador uma «margem judicial de juízo», para usar a formulação de LARENZ, dentro da qual aquele actua com discricionariedade, mas subordinado a um critério de justiça e sem descurar uma exigência de objectividade (sobre estes tópicos, cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1978, pp. 316-339, em especial p. 325). Designadamente, refere esse autor que, ao estipular a lei a fixação de uma indemnização segundo juízos de equidade, se pode «falar de um certo arbítrio ou “discricionaridade da consequência jurídica” por parte do juiz» (ob. cit., p. 335). E, ao mesmo tempo, não deixa o mesmo autor de considerar que, sempre que o juiz formula um juízo na aplicação de um conceito indeterminado de valor, deve fazê-lo com objectividade (e a esse propósito refere, a fls. 319, citando outro autor, que «sem objectividade, a jurisprudência não pode cumprir a sua missão social»), o que determina que, na escolha entre várias decisões possíveis, se possa afirmar que cada uma delas, «dentro do âmbito da margem de juízo ainda aberta em cada caso, tem o seu fundamento último na consciência axiológica pessoal do julgador» (ob. cit., pp. 330-331).

Isto significa que, dentro de certos limites, são reconhecíveis como correctas várias soluções, ou seja, que são de considerar como adequados diferentes montantes indemnizatórios, ainda que dentro de delimitados parâmetros. A propósito do caso paralelo que esse autor desenvolve, respeitante à fixação da medida da pena em matéria criminal, afirma-se precisamente que uma decisão nessa matéria, «dentro de certos limites, (…) já não pode considerar-se pura e simplesmente como “certa” ou “errada”, mas tão só como “apropriada”, no sentido de “defensável” ou “admissível” (ob. cit., p. 338). Semelhante raciocínio, por identidade de razões, pode ser adoptado em relação à fixação da indemnização com recurso à equidade – o que nos permite entender que, em relação a essa fixação, existe uma certa margem de liberdade decisória que permite considerar como ainda ajustada e razoavelmente equitativa uma qualquer solução situada dentro de determinados limites.

Por tudo isto, entendemos que se impõe aos tribunais superiores a adopção de um critério prudencial que, partindo da referida essência do juízo de equidade, considere como apenas censurável e susceptível de revogação uma solução que manifesta e intoleravelmente exceda os supra referidos limites. Afigura-se-nos, pois, que os tribunais superiores devem apreciar as decisões de 1ª instância sobre a fixação de montantes indemnizatórios com apelo à equidade segundo uma perspectiva de intervenção que assente na aferição da calibragem do critério de equidade concretamente aplicado. Daqui decorre que quando a indemnização fixada se situar ainda dentro do quadro de um exercício razoável do juízo de equidade, não assiste ao tribunal ad quem razão para revogar a decisão da 1ª instância: só o deverá fazer quando haja uma concretização flagrantemente desajustada ou arbitrária do juízo de equidade pelo tribunal a quo.

Cremos que o critério por nós enunciado se encontra muito próximo da orientação já expressa, neste domínio, pelo nosso mais alto Tribunal em arestos relatados pelo Conselheiro LOPES DO REGO (cfr., v.g., Acs. STJ de 5/11/2009, Proc. 281-2002.S1, e de 16/12/2010, Proc. 270/06.0TBLSD.P1.S, in www.dgsi.pt). Revemo-nos, nomeadamente, no trecho em que, na primeira dessas decisões, se afirma que o «”juízo de equidade” das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma “questão de direito”, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade».

Esclarecido o critério que entendemos ser o mais conforme à natureza dos juízos indemnizatórios formulados com apelo à equidade, podemos então avançar para a apreciação das questões concretamente colocadas nessa matéria.

Começando por apreciar a indemnização arbitrada pelo dano-morte do filho dos AA., verificamos que a R. apelante impugna a indemnização fixada pelo tribunal a quo, no montante de 57.500,00 €, mas também que já considera aceitável uma indemnização de 50.000,00 €. Perante a questão assim colocada, impõe-se-nos convocar, desde já, uma das questões que o recurso subordinado dos AA. suscita, precisamente a do valor dessa indemnização – o que antecipa, nesta parte, a apreciação desse recurso. Neste ponto, sustentam os AA. apelantes que a indemnização adequada se situaria entre um máximo de 80.000,00 € e um mínimo de 75.000,00 €.

Se considerarmos a prática jurisprudencial mais recente desenvolvida nesta matéria – e este é um outro factor que tem de ser sopesado no quadro da aferição da calibragem do critério de equidade concretamente aplicado –, e em particular o do STJ, podemos constatar que a indemnização do dano-morte tem merecido quantificações díspares, dentro de um leque monetário que inclui qualquer dos valores propostos no presente caso. Aliás, em recente aresto (Ac. STJ de 19/2/2014, Proc. 1229/10.9TAPDL.L1.S1, in www.dgsi.pt), esse valor ascendeu a 100.000,00 €: nesse caso, a vítima do acidente de viação deslocava-se de bicicleta, deixou viúva e filhos menores, e tinha uma situação social e profissional de particular relevo. Mas também encontramos outros arestos em que foram fixados valores de 50.000,00 € ou de 80.000,00 €. É óbvio que são precisamente as diferenças nas circunstâncias pessoais das diferentes vítimas que explicam essas divergências quantitativas – e que, perante o caso presente, embora com tudo o que isso tem de relativo, se mostram menos marcantes ou significativas do que nos casos mais graves, em que foram fixados valores mais elevados.

O certo é que, tal como entendeu o tribunal a quo, a ponderação de aspectos como a idade da vítima, a sua saúde, a sua integração familiar e social, e a natureza negligente da conduta ilícita do agente, nos leva a considerar que o montante arbitrado de 57.500,00 € ainda se situa dentro do quadro de um exercício prudente do juízo de equidade – podendo afirmar-se que esse valor se mostra razoavelmente ajustado e equitativo.

1.3. Vejamos agora a indemnização arbitrada pelos danos morais sofridos pelos AA. com a morte do filho. Aqui pretende a R. apelante impugnar o montante indemnizatório fixado pelo tribunal a quo, que foi computado em 25.000,00 € para cada um dos AA., num total de 50.000,00 €. A pretensão da R. apelante é, neste ponto, fazer passar esses valores para 15.000,00 € para cada um dos AA., num total de 30.000,00 €.

Também neste segmento específico, se atentarmos na prática jurisprudencial mais recente, vamos encontrar valores bem acima dos ora em discussão. Em recente aresto (Ac. STJ de 30/4/2015, Proc. 1380/13.3T2AVR.C1.S1, in www.dgsi.pt), esse valor ascendeu a 60.000,00 €, para indemnizar os danos morais sofridos por um progenitor com a morte do filho: nesse caso, tratava-se de um filho único, ainda jovem (de 19 anos), e de uma mãe que vivia sozinha com esse filho, sem a companhia e a ajuda do pai, que o abandonara. E igualmente encontramos arestos com valores inferiores, mais próximos dos aqui em confronto. Mas mais uma vez as diferenças nas circunstâncias pessoais dos intervenientes ajudam a perceber as divergências verificadas – e que, perante o caso presente, se mostram também menos relevantes que nos casos mais graves, em que foram fixados valores mais elevados.

E, sendo assim, tal como entendeu o tribunal a quo, a ponderação de aspectos como a idade da vítima (36 anos) e, ao mesmo tempo, o facto de aquela viver ainda com os pais, acentuando o sofrimento destes pelo sentimento de ausência, leva-nos também a considerar que o montante arbitrado de 25.000,00 € para cada um dos AA., num total de 50.000,00 €, ainda se situa dentro do quadro de um exercício prudente do juízo de equidade – podendo afirmar-se que esse valor se mostra razoavelmente ajustado e equitativo.

1.4. Do recurso da R. apelante falta apreciar a questão da procedibilidade de um segmento indemnizatório respeitante a danos patrimoniais futuros dos AA. (e que decorreria da perda da contribuição mensal não inferior a 200,00 €, tal como ficou provado, prestada pela vítima a seus pais).

Recorde-se, a este propósito, que foi impugnada pela R. apelante o ponto de facto sob a al. AJ (referente à afirmação de que a vítima «não projectava casar-se»), que terá tido algum relevo na fixação da indemnização arbitrada a título de danos patrimoniais futuros dos AA. (e que foi computado em 25.000,00 € na sentença recorrida). Como se demonstrou supra, não é de atender à referida impugnação de facto, subsistindo aquele ponto de facto – pelo que apenas resta ponderar se é devida essa indemnização (e, sendo-o, se se mostra adequadamente fixada).

Como vimos, ficou provado que a vítima vivia com os pais (al. AN da factualidade provada), que os ajudava (al. AL), que estes são pobres, de condição modesta e ambos reformados (al. AM), que aquele entregava mensalmente aos seus pais uma quantia não inferior a 200,00 € (al. AO) e que estes são os seus únicos herdeiros (al. AP).

Este conjunto factual tem de ser compaginado com o artº 495º, nº 3, do C.Civil, que reza assim: «Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural». Em comentário a esta solução legal, afirma ANTUNES VARELA: «Quanto aos danos patrimoniais, a lei manda indemnizar, tanto no caso de morte como no de lesão, o prejuízo sofrido por aqueles que podiam exigir alimentos do lesado (o cônjuge, os seus descendentes, ascendentes, irmãos e sobrinhos: cfr art. 2009º) ou por aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. (…) Quanto à indemnização por danos patrimoniais, ocorre naturalmente perguntar se têm direito a ela apenas as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado, ou também aquelas que só mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo. O espírito da lei abrange manifestamente também estas últimas pessoas.» (Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 622-624). E o autor analisa mesmo a hipótese de não ser sequer previsível a futura necessidade de alimentos: «Mas ainda que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da pessoa lesada (…)» (ob. cit. p. 624).

Cremos que os ensinamentos transcritos são esclarecedores. A simples existência de uma relação familiar fundante de um direito de alimentos (como sucede entre descendentes e ascendentes, conforme artº 2009º, nº 1, als. b) e c), do C.Civil) confere aos familiares sobrevivos da vítima mortal de acidente de viação direito a uma indemnização a cargo do lesante, nos termos do artº 495º, nº 3, do C.Civil, ainda que no momento do acidente os alimentos não estivessem a ser prestados, nem sequer no futuro viessem a ser prestados ou viesse a ser necessária a sua prestação.

Este entendimento tem sido acolhido na jurisprudência, designadamente do STJ, de que constituem exemplo os Acs. de 17/12/2009 (Proc. 77/06.5TBAND.C1.S1, in www.dgsi.pt) e de 11/2/2015 (Proc. 6301/13.0TBMTS.S1, idem). No primeiro desses arestos salienta-se que se trata aqui de atender aos danos causados aos hipotéticos beneficiários de alimentos «por terem ficado desprovidos da possibilidade de exigir alimentos» à vítima, ao mesmo tempo que se sustenta que, perante a existência de um vínculo familiar fundante do dever jurídico de prestar alimentos, «a respectiva prestação não será devida a uma qualquer obrigação natural, mas sim a essa obrigação jurídica». E no segundo aresto, em que estava também em causa a morte de um filho que entregava uma contribuição mensal aos pais, reiterou-se o entendimento de que aqui nem sequer se poderia falar de uma obrigação natural, e concluiu-se que aqueles teriam direito a uma indemnização ao abrigo do artº 495º, nº 3, 1ª parte, do C.Civil (e que só não foi arbitrada porque não foi formulado o respectivo pedido nos termos devidos).

No caso dos autos, como vimos, não há sequer uma mera possibilidade de os AA. virem a necessitar de alimentos no futuro: a vítima já lhes prestava uma contribuição mensal, que não sendo no cumprimento de uma obrigação natural (pelas razões referenciadas nos arestos citados, que acolhemos), não deixa de ter evidente afinidade com tais situações. E tal circunstância tem ainda a utilidade de fornecer um parâmetro relevante para a fixação da indemnização a arbitrar.

Perante o exposto, afigura-se-nos, pois, ser devida aos AA. indemnização por danos patrimoniais futuros decorrentes, em concreto, da perda da contribuição mensal que a vítima lhes prestava – pelo que se adere nesse ponto à solução preconizada pelo tribunal a quo. E, quanto ao montante da indemnização fixado na sentença recorrida (25.000,00 €), entendemos igualmente que, ponderados os aspectos que o tribunal a quo enunciou especificamente (idade da vítima, seu rendimento líquido e a situação sócio-económica dos AA.), para além dos respeitantes ao valor da contribuição e à situação de a vítima viver com os pais, o montante arbitrado de 25.000,00 € ainda se situa dentro do quadro de um exercício prudente do juízo de equidade – pelo que também neste ponto aderimos à argumentação da decisão recorrida.

E, assim, se conclui pela integral improcedência do recurso da R. apelante.

2. Da apelação dos AA.:

Quanto ao recurso subordinado, é sabido que este, não obstante ter de acompanhar as vicissitudes processuais do recurso principal, sempre terá de «ser apreciado pelo tribunal de recurso se este conhecer do objecto do recurso principal, julgando-o procedente ou improcedente» (v. LEBRE DE FREITAS et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 35).

2.1. Como se disse, no recurso subordinado dos AA. começa-se por suscitar uma impugnação da matéria de facto, que consistiria em obter a declaração como “provados” de factos integrados na factualidade não provada sob os nos 2 e 3 – e de que os AA. apelantes pretenderiam deduzir que a vítima tivera sofrimento decorrente do acidente e anteriormente à sua morte (e não uma morte imediata). Da prova da ocorrência de um período em que a vítima ainda se mantivera viva após o acidente, se extrairia a procedência do segmento do pedido dos AA. relativo a uma indemnização por danos morais do falecido (quantificada na petição inicial em 25.000,00 €, e que não foi reconhecida na sentença recorrida).

Sobre os parâmetros da apreciação de uma impugnação da matéria de facto, já tudo ficou dito supra, a propósito do recurso da R. apelante sobre idêntica temática – e que, por isso, aqui se dá por reproduzido, com igual alcance. Passamos, por isso, à imediata referência aos aspectos específicos agora a considerar: as razões da convicção do tribunal a quo quanto aos pontos de facto controvertidos; e a argumentação impugnatória dos AA. apelantes.

Quanto à fundamentação de facto, explicitada pelo M.mo Juiz a quo (a fls. 327-333 da sentença de fls. 323-350), no que concerne aos pontos de facto sob impugnação, declarou-se o seguinte:

«(…)
Quanto à hora do decesso de (…), do documento de fls. 15 (certificado de óbito) consta a indicação das 00h 15m, da informação de fls. 16 a alusão às 00h 37m, e do relatório de autópsia de fls. 127 e ss., mais propriamente a fls. 128, consta já menção que o evento se deu pelas 00h 15m, sendo o óbito confirmado pelo médico do INEM às 00h 37m.
Não foi produzida prova pelos Autores que permitisse dilucidar a hora em concreto do óbito.
Por sua vez, ainda que o embate se tenha dado pelas 00h 15m, releva a experiência comum que, mesmo por mais rápido que seja o acesso do INEM, demora pelo menos sempre alguns minutos, sendo que apenas então pode o médico responsável confirmar o óbito, sendo que a sua confirmação pelas 00h 37m não significa necessariamente que apenas a essa hora se deu a morte.
Não pode ainda o Tribunal descurar a gravidade das lesões decorrentes do embate e causadoras, conforme já analisado, do óbito.
Não se podendo, sem apelo a meio acrescido e objectivo de prova, concluir que a morte foi posterior, se entre o embate e o decesso decorreu mais ou menos tempo, bem como, de resto, se a vítima teve percepção da proximidade da sua morte, tratando-se de matéria cujo ónus probatório recaía sobre os Autores face aos danos invocados (nº 1 do art. 342º do Código Civil), foi dada como não provada. (…)»

Tal como já se assinalou supra, a propósito do recurso da R. apelante, o tribunal recorrido deu notícia cabal dos motivos da sua convicção, identificando os elementos considerados relevantes – do que resultou uma perspectiva diferente da ora sustentada pelos AA. apelantes, quanto ao sentido a dar aos elementos probatórios.

Recorde-se ainda que, na análise jurídica da matéria de facto em apreço, acrescentou o tribunal recorrido a seguinte argumentação:

«(…)
Relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes de falecer, trata-se de um dano para cuja determinação da indemnização há que ponderar, sobretudo, entre outros factores, o lapso de tempo decorrido entre o momento do acidente e a morte do lesado, o facto de este ter ficado consciente ou em coma, a existência ou não de dores e a possível previsibilidade sobre a ocorrência da morte (salvo nos casos de morte instantânea).
In casu, contudo, não ficou provada a existência de um qualquer lapso temporal entre o embate e o momento da morte, ou seja, que esta não foi instantânea, sendo que apenas na hipótese de o não ser e de a vítima não ter ficado absolutamente inconsciente se poderia ponderar da verificação do invocado dano.
Como tal improcede, neste segmento, o pedido formulado.»

Perante estes elementos, como vimos, vieram os AA. sustentar que resultaria de documentos juntos aos autos (concretamente, no confronto do auto de participação do acidente de fls. 11-14 com o relatório da autópsia de fls. 127-133) que a vítima não teria tido morte imediata, pelo que teria sentido intenso sofrimento físico (dores) e psicológico (percepção da proximidade da morte). Argumenta-se que do confronto daqueles documentos se inferiria que o acidente ocorrera às 00h 15m e a morte da vítima só tivera lugar às 00h 37m.

Também aqui foram cumpridas as exigências do artigo 640º do NCPC (indicação concreta dos pontos de facto a alterar e dos meios probatórios relevantes para tal alteração), estando por isso reunidas as condições formais para a reapreciação da matéria de facto – que, neste caso, apenas demanda a análise de elementos documentais.

Se bem virmos, não é exacta a afirmação de que no relatório da autópsia se refere como hora do óbito as 00h 37m: o que aí se diz é que «pelas 00:15 horas (…) terá sido vítima de acidente de viação por atropelamento» e que «o óbito foi confirmado pelo médico do INEM no mesmo dia pelas 00:37» (cfr. fls. 128). Por outro lado, no auto de participação indica-se apenas a hora do acidente: «Hora 0 Minuto 15» (cfr. fls. 11). E no certificado de óbito menciona-se expressamente como hora do óbito as «00h 15m» (cfr. fls. 15). Apenas no ofício endereçado pelo Gabinete Médico-Legal de Abrantes do Instituto Nacional de Medicina Legal à Conservatória do Registo Civil de Abrantes é que se referencia como hora do óbito as «00:37horas» (cfr. fls. 16), embora depois no assento de óbito elaborado por essa Conservatória (e certamente porque teria tido acesso ao certificado de óbito) já figure como hora do falecimento as «00 horas e 15 minutos» (cfr. fls. 17).

Pela verificação destes elementos, afigura-se-nos não haver qualquer dado consistente no sentido de o óbito da vítima ter ocorrido às 00h 37m, contrariamente ao sustentado pelos AA.: a essa hora ocorreu a confirmação do óbito pelo médico do INEM, como resulta do relatório da autópsia; e a menção a essa hora como momento do óbito apenas consta de um ofício do INML, mas já não do próprio relatório da autópsia. E, como é evidente, a hora da confirmação do óbito pelo médico do INEM não terá de corresponder (e normalmente não corresponderá) à hora da morte. Ou seja: os documentos oficiais relevantes para efeitos de certificação médica (certificado de óbito e relatório da autópsia) apontam, pois, para a conclusão de que a morte terá ocorrido no momento do acidente. Ou dito de outro modo: os elementos disponíveis não fornecem qualquer dado seguro no sentido de que o sinistrado se manteve vivo por alguns minutos (ou mesmo por alguns instantes, ainda que escassos) – e, assim, também não tem suporte factual a tese de que teve sofrimento físico durante certo período de tempo e de que teve consciência da proximidade da sua morte. Aliás, a gravidade das lesões sofridas pela vítima eram de tal monta, como se vê do relatório da autópsia, que seria muito improvável que pudesse ter sobrevivo, ainda que por poucos minutos, ao acidente. E o certo é que caberia aos AA. o ónus da prova de que a morte não havia sobrevindo de forma imediata, como também referiu o tribunal recorrido, sem que tenham obtido a demonstração de tal facto.

Concorda-se, pois, com a argumentação expendida pelo tribunal a quo, e supra transcrita, a propósito da averiguação factual do momento da morte da vítima. E, sendo assim, inexiste fundamento bastante para dar como provados os factos integrados sob os nos 2 e 3 no elenco da factualidade não provada.

Confirmada a inalterabilidade dos factos apurados em sede de julgamento de 1ª instância, forçoso é concluir pela inviabilidade do segmento do pedido dos AA. relativo à indemnização por danos morais sofridos pelo falecido devido ao embate. Tal pretensão dependeria da prova da morte não imediata da vítima – pelo que a falta dessa prova obstará à procedência desse pedido. E isso pelas razões já expostas pelo tribunal a quo na fundamentação da sentença recorrida, também supra transcrita na parte pertinente – e que, por plenamente válidas, merecem a nossa adesão.

Tenha-se, aliás, presente neste ponto o que já afirmava ANTUNES VARELA, a propósito da análise da solução legislativa consagrada no artº 496º, nº 3, do C.Civil: «(…) nenhum direito de indemnização se atribui, por via sucessória, aos herdeiros da vítima, como sucessores mortis causa, pelos danos morais correspondentes à perda da vida, quando a morte da pessoa atingida tenha sido consequência imediata da lesão.» (ob. cit., p. 613).

Improcederá, pois, neste segmento, o recurso subordinado interposto pelos AA. apelantes.

2.2. Chegados a este ponto, restaria apenas, quanto ao recurso subordinado dos AA., tratar da questão do montante indemnizatório pelo dano-morte do filho dos AA. – mas tal questão (devido a ter sido também suscitada, embora com intenção diversa, pela R. apelante) foi já apreciada supra, no sentido da sua improcedência, pelo que nada mais haverá a acrescentar.

3. Não se vislumbra, pois, qualquer razão para alterar o que foi decidido na 1ª instância. E assim deverão improceder integralmente as apelações de R. e AA. em apreço.

Em suma: não merece censura o juízo de procedência (parcial e nos termos em que o foi) da pretensão dos AA. formulado pelo tribunal a quo na decisão recorrida, não se mostrando violadas as disposições legais mencionadas nas respectivas alegações dos recursos de R. e AA..

*

III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se julgar improcedentes ambos os recursos (independente da R. subordinado dos AA.), confirmando a sentença recorrida.

Custas, quanto aos respectivos recursos, pela R. apelante e pelos AA. apelantes (artº 527º do NCPC), estes últimos sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido (v. fls. 24-26 e 39-40).

Évora, 22 / 10 / 2015
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes
Mário João Canelas Brás