Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
14700/23.3YIPRT.E1
Relator: RICARDO MIRANDA PEIXOTO
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
INJUNÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Data do Acordão: 11/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O requerimento de injunção para cobrança do capital mutuado e juros remuneratórios decorrentes de incumprimento de mútuo bancário, no qual se encontram individualizados o número do contrato celebrado, a data da entrada em incumprimento, a resolução do contrato e as quantias de capital e de juros em dívida à data da entrada em juízo, não é inepto por falta de causa de pedir.
II. O uso do procedimento de injunção para obter o reconhecimento de dívida decorrente de contrato de mútuo bancário, está reservado à obrigação pecuniária principal daquele tipo contratual, de restituição do montante mutuado, acrescido dos respectivos juros.
III. O pedido de pagamento de quantia certa a título de “encargos tidos com o processo pelo Banco Cedente”, dependente que está da análise de cláusulas contratuais assessórias do contrato de mútuo ou de pressupostos da responsabilidade civil contratual dos mutuários – como o valor dos prejuízos sofridos pelo mutante ou o nexo de causalidade entre estes e o incumprimento dos Réus –, está fora do âmbito de utilização do procedimento de injunção por não cumprir os respectivos requisitos substantivos.
IV. A formulação, no procedimento de injunção não transmutado em acção de processo comum, do pedido aludido em III, constitui uso indevido do meio processual, excepção dilatória inominada que determina a absolvição da instância, mesmo relativamente à parte do pedido que poderia ter sido peticionada por esta via.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação 14700/23.3YIPRT.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Cível de Elvas - Juiz 2
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SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)


Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo
Relator: Ricardo Miranda Peixoto;
1º Adjunto: Sónia Moura
2º Adjunto: Filipe Aveiro Marques
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I. RELATÓRIO
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A.
Veio (…), STC, S.A, na presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (transmutada de procedimento de injunção), proposta contra (…) e (…), pedir a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de € 4.106,71 (quatro mil e cento e seis euros e setenta e um cêntimos), a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos, liquidados em € 710,63 (setecentos e dez euros e sessenta e três euros) à data da apresentação do requerimento de injunção (14.02.2023), e vincendos (moratórios e compulsórios) até efectivo e integral pagamento, bem como € 982,16 (novecentos e oitenta dois euros, dezasseis cêntimos), a título de “outras quantias”.
Alega para tanto que por contrato de cessão de carteira de créditos celebrado em 31.03.2021, adquiriu da (…) Partners, S.A.R.L. que, por sua vez, o havia adquirido, em 21.12.2018, do Banco (…), S.A. e do Banco de Investimento (…), S.A., o crédito detido pelo primitivo credor (…) sobre os aqui Réus, cessão de que estes foram notificados. Mais alega que, em 10.10.2013, o Banco (…), S.A., no exercício da sua actividade bancária, celebrou com os Réus o contrato de empréstimo n.º (…), sendo que, em 10.10.2015, estes deixaram de efectuar os pagamentos a que estavam obrigados, ficando em dívida, nessa data, o valor de € 4.106,71 (quatro mil, cento e seis euros e setenta e um cêntimos) a título de capital. Apesar de devidamente interpelados para regularizar a dívida em que incorreram, os Réus não efectuaram, até à presente data, qualquer pagamento, nem prestaram justificação, tendo-se, entretanto, vencido todas as prestações e o contrato sido resolvido (cf. Ref.ª Citius 2325940).
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B.
Pessoal e regularmente citados, os Réus não deduziram oposição, nem apresentaram contestação (cf. Ref.ªs Citius 32699849, 32699855, 32699856 e 2457450).
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C.
Por despacho de 01.04.2024, foi a Autora convidada, além do mais, a pronunciar-se, querendo, quanto: (i) à (eventual) ineptidão do requerimento de injunção; e (ii) à (eventual) verificação da excepção (dilatória inominada) de uso indevido do procedimento de injunção, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 3.º, n.º 3 e 6.º, n.º 1, do C.P.C. (cfr. Ref.ª Citius 33240233).
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D.
A Autora pronunciou-se a 15.04.2024, invocando:
Quanto à ineptidão do requerimento de injunção que explicitou, no próprio requerimento de injunção, ter sido celebrado um contrato de crédito pessoal, identificando os elementos essenciais como a identificação das partes, o número do contrato em questão, a data da celebração do contrato (10.10.2023), a data do incumprimento, mais referindo que os Réus deixaram de efectuar os pagamentos a que estavam obrigados em 10.10.2015, identificando devidamente o valor peticionado, discriminando o capital em dívida à data do incumprimento, bem como os juros contratuais e de mora contabilizados desde a data do incumprimento até à entrada do requerimento de injunção em juízo, Concluiu que, consubstanciando-se a causa de pedir na alegação da relação material da qual emergiu o seu direito e, no âmbito dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos desse direito, a causa de pedir e a forma de cálculo do valor peticionado se encontram devidamente explicitadas, razão pela qual o requerimento de injunção não poderá ser considerado inepto;
Quanto à excepção de uso indevido do procedimento de injunção que é pressuposto do procedimento da injunção a presença de obrigações pecuniárias, ou seja, obrigações de quantidade, que têm por objeto uma prestação em dinheiro, destinada a proporcionar ao credor o valor da quantia devida, as quais não podem ser superiores a € 15.000,00 (quinze mil euros) e têm de ser geradas por um contrato, pressupostos que se encontram plenamente demonstrados nos autos, estando em causa o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes do contrato celebrado entre os Réus e o banco cedente cujo montante não ultrapassa os € 15.000,00 (quinze mil euros). Concluiu que o pedido formulado nos autos está em consonância com o fim para o qual foi estabelecida ou criada a forma processual a que a Autora recorreu, ou seja, o procedimento de injunção. Mais invoca que a natureza do contrato em causa não implica o conhecimento de questões complexas e carecidas de um desenvolvimento e trato mais exigente, que exigisse acautelar os direitos das partes em litígio, designadamente, dos Réus, acrescentando que a cessão de créditos é uma mera forma de transmissão do contrato, alterando somente a titularidade do crédito – que passa do cedente para o cessionário – mas nada mais, pelo que emergindo o crédito peticionado da obrigação de pagamento de capital mutuado, a sua natureza não se altera por força da cessão (cf. Ref.ª Citius 2517511).
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E.
Com data de 13.05.2024 foi proferida decisão que julgou “…verificada a ineptidão do requerimento de injunção apresentado pela (…), STC, S.A. junto do Balcão Nacional de Injunções em 14.02.2023 (Ref.ª Citius 2325940), bem como a excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção (…)”, absolvendo, em consequência, os Réus (…) e (…) da presente instância.
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F.
Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação. Concluiu as suas alegações nos seguintes termos (transcrição, mantendo as referências em itálico da origem):
“(…)
(I) Julgou o Tribunal a quo verificada as exceções dilatórias ineptidão do requerimento de injunção e do uso indevido do procedimento de injunção, o que, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 2, do CPC, determinou a absolvição dos requeridos da instância.
(II) Impõe o artigo 10.º, na sua alínea d), do regime anexo ao Decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro, que o Requerente exponha sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão.
(III) Tendo a Requerente identificado as partes, o contrato em incumprimento e o valor que resulta devido pelo mesmo, nos locais definidos para o efeito no formulário facultado para iniciar o procedimento de injunção.
(IV) Resulta da lei e da jurisprudência que o Requerente deve invocar os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, o que se verificou.
(V) A Requerente recorreu ao procedimento de injunção para peticionar o pagamento de valores em dívida pelos Requeridos, os quais incluem os encargos impostos ao Banco Cedente.
(VI) O valor referente aos encargos não deixa de ser decorrente do incumprimento contratual, incumprimento esse que, de resto, fundamenta o recurso ao procedimento de injunção, com vista ao seu ressarcimento.
(VII) Ainda que assim não se considerasse, não pode a pretensão da Autora ser totalmente prejudicada por uma exceção dilatória que o Tribunal a quo apenas verificou parcialmente.”
Pugnou pela revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que determine a condenação dos Réus ao pagamento integral da dívida.
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G.
Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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H.
Questões a decidir
São as seguintes as questões exclusivamente jurídicas, em apreciação nos presente recurso: [1]
1. Se o requerimento de injunção dos presentes autos é passível de aperfeiçoamento da matéria de facto alegada ou, pelo contrário, inepto por omitir a indicação da respectiva causa de pedir;
2. Se se verifica excepção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção; e
3. Em caso de resposta afirmativa à questão precedente, deve ser aproveitado o requerimento inicial na parte em que a sua matéria de facto esteja abrangida pelos pressupostos de utilização do processo de injunção.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
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A. De facto
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O recurso é exclusivamente de direito e os elementos relevantes para a decisão constam do relatório antecedente.
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B. De direito
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Vem o presente recurso interposto de decisão que absolveu os Réus da instância por considerar inepta a petição inicial por falta de causa de pedir, bem como inadequado o meio processual de que o Autor lançou mão.
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Da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir
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Segundo a sentença da 1ª instância “…a Autora não deu cumprimento ao ónus de alegação consagrado no artigo 5.º do C.P.C., circunstância que, in casu, redunda na falta de indicação da causa de pedir (por falta de alegação dos factos essenciais em que assenta a sua pretensão)”.
Concretizando, aí se entende que os únicos elementos factuais alegados no requerimento de injunção “…se reportam à indicação do tipo contratual (mútuo), ao número interno atribuído ao contrato, à data da sua celebração e período a que se reporta, sendo absolutamente omisso, por conclusivo, quanto à factualidade que sustenta o incumprimento dos Réus, designadamente quanto às concretas obrigações emergentes do invocado contrato de mútuo para eles enquanto fonte da obrigação pecuniária exigida (nada tendo sido alegado no sentido de ter sido disponibilizada pelo banco cedente aos Réus qualquer quantia e respectivo valor ou quanto às concretas prestações que estes deixaram de cumprir por referência à quantia disponibilizada e reclamada), ou seja, quais as concretas prestações que determinaram o incumprimento alegadamente verificado em 10-10-2015, a data em que foram interpelados para o pagamento, a data em que as prestações se venceram antecipadamente ou a data em que a resolução do contrato foi comunicada aos Réus”.
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Antes de proceder à análise das omissões apontadas à sentença do tribunal a quo, afigura-se relevante transcrever, para melhor compreensão da exposição subsequente, os seguintes elementos constantes dos autos, tidos por relevantes para a individualização da causa de pedir da acção:
a)
Requerimento de injunção junto a 23.08.2023 (referência citius 32799013):
Quantia € 5.901,50 conforme discriminação e pela causa a seguir indicada: Capital: € 4.106,71, Juros de mora: € 710,63, Outras quantias: € 982,16, Taxa de Justiça paga: € 102,00.
Contrato de: Mútuo, Data do contrato: 10-10-2013, Período a que se refere: 10-10-2015 a 14-02-2023.
Factos alegados:
(…) 5. O Banco cedente (…) no exercício da sua actividade bancária aceitou, a pedido dos ora Requeridos, celebrar com estes um contrato de empréstimo qual foi atribuído o n.º (…).
6. Sucede que, em 10/10/2015, os ora Requeridos deixaram de efectuar os pagamentos a que estavam obrigados, ficando nessa data em dívida no valor de € 4.106,71, a título de capital.
7. Ora, apesar de devidamente interpelados para regularizar a dívida em que incorreram, os Requeridos não efetuaram, até à presente data, qualquer pagamento, nem prestaram qualquer justificação.
8. Atento o facto de os Requeridos terem deixado de liquidar as prestações a que estavam vinculados, e que entretanto se venceram (781.º do Código Civil), apesar de terem sido interpelados a para o seu cumprimento, o dito contrato foi resolvido.
9. Na presente data, a dívida ascende ao valor de € 2.557,46 (dois mil e quinhentos e cinquenta e sete euros e quarenta e seis cêntimos):
a) € 4.106,71 (quatro mil e cento e seis euros e setenta e um cêntimos), a título de capital;
b) € 710,63 (setecentos e dez euros e sessenta e três cêntimos), a título de juros, calculados a 4% desde data da cessão de créditos, em 02/11/2018, até data de entrada da presente injunção;
c) € 982,16 (novecentos e oitenta e dois euros e dezasseis cêntimos), a título de encargos tidos com o processo pelo Banco Cedente;
d) € 102,00 (cento e dois euros), a título de taxa de justiça paga com a entrada do requerimento de injunção.
10. Ademais, sobre o montante total em dívida, deverão ainda ser apurados os juros de mora vincendos, bem como os juros suplementares ou compulsórios, à taxa de 5%, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 13.º, ex vi n.º 2 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de Setembro, até efetivo e integral pagamento, a liquidar oportunamente, em execução de sentença. (…)”.
b)
Com o requerimento de 15.04.2024 (referência citius 2517511), a Autora juntou o contrato de concessão de crédito celebrado (cfr. documento 1) e as cartas datadas de 26.06.2018 e 17.07.2018 (cfr. documentos 5 a 8) remetidas aos Réus, declarando a situação de incumprimento e a inclusão dos mesmos em PERSI, das quais constam os valores de capital em dívida reportado a 10.10.2015 por conta do contrato de crédito para consumo em apreço e o montante de juros vencidos contabilizados à data da emissão das cartas.
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A causa de pedir das acções constitutivas é, de acordo com a alínea d) do n.º 4 do artigo 581.º do CPC, “…o facto concreto (…) que se invoca para obter o efeito jurídico pretendido”. Ou, na formulação de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “[a] causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.” [2]
A exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e das razões de direito que servem de fundamento à acção, constitui um dos requisitos essenciais da petição inicial, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 552.º do CPC.
Com Miguel Teixeira de Sousa, “[n]a narração o autor deve expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção (…). Esta parte da petição inicial contém a exposição dos factos necessários à procedência da acção, isto é, a alegação dos factos principais, bem como dos factos instrumentais (…).” [3]
Se “…o autor não indicar o efeito jurídico que pretende obter com a acção ou não mencionar o facto concreto que lhe serve de fundamento (…) a petição será inepta.” [4]
Isto porque, como decorre da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC, “[d]iz-se inepta a petição inicial: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; (…)”.
Trata-se de um corolário do princípio do dispositivo, estruturante, embora em termos não absolutos, do processo civil, pelo qual “[à]s partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas” (cfr. artigo 5.º, n.º 1, do CPC). [5]
Não podemos, no entanto, esquecer a valorização crescente do apuramento da verdade material na realização da justa composição do litígio, privilegiando o mérito e a substância em detrimento da mera formalidade processual, muito presentes no espírito do legislador que, em sucessivas reformas da nossa lei adjectiva, introduziram matizes do princípio do inquisitório na redacção actualmente vigente do Código de Processo Civil. Falamos de um conjunto de poderes-deveres de longo alcance, conferidos ao juiz do processo, entre outros no domínio da aquisição do facto a considerar na decisão final, com a possibilidade expressa de, sem alterar ou suprir o cerne da causa de pedir, fundar a decisão não apenas nos factos alegados pelas partes mas também nos factos instrumentais que, mesmo por indagação oficiosa, resultem da instrução e discussão da causa, assim como os factos essenciais que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam alegado e resultem da instrução ou discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório (n.ºs 2 e 3 do artigo 264.º do anterior CPC, em parte correspondentes ao n.º 2 do artigo 5.º do actual).
Esta orientação, reflete-se também no poder-dever de o juiz proferir despacho pré-saneador ou de aperfeiçoamento vinculado do conteúdo material da exposição da matéria de facto dos articulados, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b) e 4, do CPC.
Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em anotação ao artigo 590.º, “…a parte substancial da atividade do juiz nesta fase incidirá sobre o conteúdo material dos articulados, no que concerne à exposição ou concretização da matéria de facto (n.º 4). Manifesta-se aqui um verdadeiro dever legal do juiz (despacho de aperfeiçoamento vinculado), no sentido de identificar os aspetos merecedores de correção. Não se trata, como é óbvio, de salvar petições afetadas por ineptidão resultante da falta ou da ininteligibilidade da causa de pedir (art. 186º), mas apenas de corrigir articulados que, cumprindo os requisitos mínimos, se revelem contudo, insuficientes, deficientes ou imprecisos em termos de fundamentação da pretensão (…).” (sublinhados nossos). [6]
Quanto ao limite fáctico mínimo, aquém do qual não é possível diligenciar no sentido do aperfeiçoamento, os mesmos autores referem “…é imprescindível que o seu articulado revele (individualize) a causa de pedir em que se baseia a respectiva pretensão.” (sublinhado nosso). [7]
E na mesma obra, nas anotações 10 e 11 ao artigo 552.º, discorrem ainda sobre o aludido limite, nos seguintes termos:
“Nos casos em que a narração fáctica vertida na petição não cumpra cabalmente o ónus que impende sobre o autor, teremos o seguinte quadro:
a) Ou a alegação contida na petição inicial é de tal modo deficiente que não permite identificar o tipo legal, caso em que ocorrerá ineptidão, por falta de causa de pedir (…);
b) Ou a alegação, embora deficiente, permite essa identificação, caso em que se imporá, na altura própria, a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento fáctico do articulado (…).
…no segundo caso, apesar de assegurada a individualização da causa de pedir, foi omitida a alegação de factos complementares ou concretizadores que, embora sem aquela função individualizadora, importam para a procedência da ação (…)” (sublinhados nossos). [8]
Acresce que na especial forma do processo em apreço, o requerimento que lhe dá início tem de ser apresentado em modelo / formulário aprovado pelo Ministério da Justiça com uma exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão (cfr. n.º 1 e alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro), sem documentos de prova, cuja junção está prevista para momento ulterior à distribuição (cfr. n.ºs 1 e 2, a contrario, do artigo 10.º, n.º 4, do artigo 3.º, ex vi do artigo 17.º, todos do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro).
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Norteados pelas precedentes considerações, analisemos, agora, os fundamentos da decisão recorrida que, num exercício de síntese, podem ser divididos nos seguintes grupos de elementos de facto omitidos pela Autora:
i. A quantia disponibilizada pelo banco cedente aos Réus;
ii. As concretas prestações que determinaram o alegado incumprimento de 10.10.2015;
iii. As datas em que foram interpelados para o pagamento, em que as prestações se venceram antecipadamente ou a resolução do contrato foi comunicada aos Réus;
iv. A taxa dos juros remuneratórios fixada, forma e prazo de pagamento.
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Pontos i. e iv.
A quantia disponibilizada aos Réus pelo banco cedente, é um elemento constitutivo da obrigação por estes assumida, sendo verdade que o requerimento de injunção não lhe faz referência expressa.
Esta insuficiência da alegação da matéria de facto não deve, no entanto, fazer esquecer que a Autora concretizou, logo no requerimento inicial, o contrato de empréstimo celebrado entre o banco cedente (…) e os Réus, ao qual foi atribuído o n.º (…), assim como o montante de capital em dívida e a data da entrada dos Réus em incumprimento / mora.
Os mencionados elementos, inscritos pela Autora no r.i., permitem identificar claramente a fonte da obrigação reclamada na presente acção, obstando à ulterior transmutação da causa de pedir noutra distinta, pese embora a ocorrência de lacunas que se mostra necessário suprir em ordem a completar a descrição das obrigações emergentes do contrato em apreço.
Estamos, por isso, perante omissão passível de aperfeiçoamento sem que do mesmo advenha o risco de descaracterização da causa de pedir claramente individualizada no r.i., traduzida na celebração e incumprimento daquele contrato de mútuo.
E, no caso vertente, notificada para exercer o contraditório relativamente a possibilidade do tribunal conhecer das excepções dilatórias de ineptidão do r. i. e da inadequação do meio processual, veio a Autora juntar aos autos o contrato de concessão de crédito celebrado entre as partes da acção, na origem do direito de crédito arrogado, como documento 1 do requerimento de 15.04.2024 (referência citius 2517511) do qual resulta que o montante total do capital mutuado foi € 5.875,43.
As mesmas considerações são aplicáveis relativamente à taxa dos juros remuneratórios estipulada, à forma e ao prazo de pagamento do capital mutuado que, constituindo factos concretizadores da obrigação assumida pelos Réus são, todavia, também passiveis de aperfeiçoamento, sempre por referência ao contrato de mútuo n.º (…).
ii.
Relativamente ao valor e às datas de vencimento das concretas prestações contratuais, por ocasião do alegado incumprimento de 10.10.2015, deve notar-se que os factos essenciais que se impõe à Autora alegar e demonstrar são: a data em que os Réus deixaram de cumprir as obrigações contratuais assumidas; e o montante do capital em dívida nessa mesma ocasião. Tais pressupostos de facto estão presentes no requerimento de injunção, sendo certo que, como vimos, o valor e as datas de vencimento das prestações mensais acordadas também resultam do contrato junto.
iii.
No que respeita às datas em que os Réus foram interpelados para o pagamento da quantia em dívida, em que as prestações se venceram antecipadamente ou a resolução do contrato foi comunicada aos Réus:
- em primeiro lugar, tratando-se de contrato de mútuo liquidável em prestações com data fixa, a entrada em incumprimento temporário não está sujeita a interpelação para o pagamento;
- depois, relativamente à conversão do incumprimento temporário em definitivo, a Autora alegou, nos artigos 7º e 8º do r. i., que os Réus foram interpelados para regularizar a dívida em que incorreram e que o contrato foi resolvido porque não a regularizaram, mas não fez referência à data em que foi feita a interpelação e, consequentemente, a partir de quando se mostra o contrato resolvido por incumprimento definitivo. Note-se que o que falta não é a alegação de que foi realizada a interpelação e de que o contrato foi resolvido, mas as datas e os meios através dos quais tais comunicações ocorreram. Sem prejuízo de terem sido entretanto juntas aos autos como documentos 5 a 8 do requerimento de 15.04.2024 (referência citius 2517511), as cartas datadas de 26.06.2018 e 17.07.2018 remetidas aos Réus, declarando a situação de incumprimento e a inclusão dos mesmos em PERSI, as datas em causa são elementos que deviam ter sido alegados no r. i. porque necessários ao conhecimento do momento a partir do qual se converteu em definitivo o incumprimento, com todas as consequências jurídicas do mesmo advenientes. Todavia, a sua omissão não constitui ausência de causa de pedir, mas apenas uma insuficiência também susceptível de aperfeiçoamento.
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Deste modo, as omissões em que se fundou a decisão recorrida para declarar o vício de ineptidão do requerimento inicial, não constituem falta de causa de pedir, mas antes insuficiências passíveis de aperfeiçoamento.
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Da excepção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção
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Considera a decisão recorrida que, para além da ineptidão do r.i. por falta de causa de pedir, a Autora faz indevido uso do procedimento de injunção porque “…reclama dos Réus (…) (pugnando pela correspondente condenação), para além de quantias emergentes de um contrato de mútuo (capital e juros), o pagamento de uma indemnização pelos encargos tidos com o processo pelo banco cedente (…, S.A.), que computou no montante de € 982,16 (novecentos e oitenta e dois euros e dezasseis cêntimos).”
Efectivamente, entre o valor peticionado na presente demanda, a Autora inclui a verba c) de “…€ 982,16 (novecentos e oitenta e dois euros e dezasseis cêntimos), a título de encargos tidos com o processo pelo Banco Cedente;”.
O procedimento de injunção é “…uma solução legal tendente à realização de objetivos de celeridade, simplificação e desburocratização da atividade jurisdicional, pensada com vista ao descongestionamento dos tribunais no que concerne à efetivação de pretensões pecuniárias de reduzido montante pressupondo a inexistência de litígio atual e efetivo entre Requerente e Requerido”. [9]
Tem como objectivo “…conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro” (cfr. artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09).
Deste modo, só é aplicável às situações em que esteja em discussão, de acordo com o pedido formulado e a respectiva causa de pedir, verdadeira obrigação pecuniária emergente do contrato celebrado invocado.
Na presente acção, a Autora invoca como causa de pedir a celebração de contrato de “mútuo” bancário entre o Banco (…) como mutante e os Réus como mutuários, do qual estes terão deixado de cumprir o pagamento das prestações acordadas para a restituição do montante mutuado e juros remuneratórios estipulados, tendo sido interpelados para regularizarem, em determinado prazo, o montante de prestações em atraso.
Sem prejuízo de eventuais incorreções que o critério de cálculo possa conter, as parcelas peticionadas de € 4.106,71, respeitante às prestações e juros remuneratórios contratualmente previstos, e de € 710,63 respeitante aos juros calculados sobre aquele montante, são dívida resultante do cumprimento de obrigação pecuniária por advirem directamente do não pagamento de prestações contratualmente previstas, acrescidas de juros moratórios contados desde o seu vencimento.
Já relativamente à verba de € 982,16, identificada como “outras quantias”, atribuída na alínea c) do artigo 9º do r. i. “…a título de encargos tidos com o processo pelo Banco Cedente”, parece impor-se conclusão distinta.
Na verdade, para além do carácter vago da alegação que o sustenta (na medida em que não concretiza que encargos está a reclamar, nem qual o fundamento contratual ou jurídico no qual se suporta esta parte do pedido), a verba em apreço não constitui um dever principal da prestação pecuniária contratualmente assumida pelas partes, nem o respectivo montante se mostra fixado no contrato de mútuo celebrado.
A apreciação desta parte do pedido cuja causa de pedir se apresenta pouco clara, dependeria, pelo menos, da análise de cláusulas contratuais gerais do contrato celebrado e, alternativa ou cumulativamente, dos pressupostos da responsabilidade civil contratual dos Réus, entre os quais a liquidação do valor dos “encargos” / prejuízos alegadamente sofridos pelo banco cedente e o nexo de causalidade entre estes e o incumprimento dos Réus, o que em tudo extravasa, amplamente, a simplicidade dos contornos jurídicos do litígio que é apanágio do procedimento simplificado de injunção.
Por versar, precisamente, as obrigações resultantes do contrato de mútuo bancário no âmbito do procedimento especial de injunção, crê-se relevante reproduzir parte dos fundamentos do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.05.2023, relatado pelo Juiz Desembargador Vítor Amaral no processo n.º 58796/22.5YIPRT.C1 [10] , que nos merecem inteira concordância:
“É sabido, quanto às obrigações (civis ou comerciais), que existem, desde logo, deveres principais de prestação, no caso, para além da realização da prestação a cargo do banco – vista no quadro de contrato de mútuo bancário, vinculando aquele à entrega do capital mutuado –, o reembolso/«restituição», correspetivo, do montante mutuado (e juros convencionados) pela contraparte (aqui RR./Recorridos/mutuários).
Tais deveres, ao contrário, por exemplo, dos deveres acessórios de conduta, dão lugar à ação judicial de cumprimento.
O procedimento injuntivo mencionado, tal como a decorrente ação transmutada, constituem providências direcionadas para o cumprimento de obrigações contratuais, de natureza pecuniária, podendo dizer-se, quanto a esta última, que estamos, de pleno, no campo da ação judicial de cumprimento, mecanismo que, perante situação em que a obrigação contratual não é voluntariamente cumprida, abre ao credor a forma (e o direito) de exigir (e obter) judicialmente o cumprimento em falta.
Assim, pode concluir-se que, tanto a injunção, como a decorrente ação transmutada, se podem catalogar como procedimentos de cumprimento, destinados, pois, a obter o cumprimento (…) de obrigações contratuais, mormente quanto aos ditos deveres principais de prestação, quando se exprimam/traduzam em obrigações pecuniárias [como o é, por exemplo, (…) a restituição/reembolso das quantias mutuadas, pelo mutuário, no contrato de mútuo, bancário ou civil].”
E mais adiante:
“Quer dizer, neste tipo de processos simplificados, não é fácil enquadrar, a bem da Justiça pretendida, situações factuais e jurídicas em que como causa de pedir emerge, além dos valores reportados às obrigações pecuniárias e juros em dívida, situações de contornos complexos, seja pela complexidade/multiplicidade de deveres contratuais, designadamente de caráter duradouro, seja por referentes, por exemplo, a responsabilidade civil obrigacional, ou a enriquecimento sem causa, cujos pressupostos não são de fácil e liminar verificação, antes exigindo, as mais das vezes, aturada discussão e trabalhosa decisão, mormente quando os próprios contratos em discussão se revestem de natureza e dimensão complexa, pelos feixes de direitos e deveres recíprocos que movimentam” (sublinhados nossos). [11]
Aqui chegados, impõe-se a conclusão de que o uso do presente processo de injunção pela Autora se mostra inapropriado a reclamar a verba de € 982,16 a título de encargos tidos com o processo pelo Banco Cedente.
Assim também entendeu a sentença recorrida que, no entanto, considerou inquinada de uso indevido do procedimento de injunção, a totalidade do pedido formulado pela Autora na presente demanda e não apenas a parte do pedido constituída pelos encargos que, à luz do supra exposto, não merecem enquadramento nesta forma especial de processo.
A Recorrente não se conforma com a absolvição dos Réus da instância quanto à totalidade do valor peticionado porque, mesmo de acordo com a fundamentação da decisão recorrida, a excepção só se verifica relativamente a uma parte do pedido efectuado.
Vejamos se o argumento colhe.
A questão tem merecido a atenção dos nossos tribunais superiores, vindo a ganhar peso o entendimento de que quando se não verifiquem as condições de natureza substantiva que permitem o uso do procedimento de injunção – versar exclusivamente deveres principais de prestação em cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato –, nem o seu valor seja superior à alçada da Relação, o processo torna-se inaproveitável e a absolvição da instância faz terminar a acção pela procedência da excepção dilatória inominada de uso indevido / inadequado da providência de injunção.
Afastam, por isso, a aplicação a tais casos, do regime da excepção do erro na forma do processo, previsto no n.º 1 do artigo 193.º do CPC, na medida em que esta “…importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei”, tendo como único limite ao aproveitamento, resultar deste uma diminuição de garantias do réu (cfr. n.º 2). [12]
Em linha com arestos anteriores [13] , atente-se no teor do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.05.2014, relatado pelo Juiz Desembargador Fonte Ramos no processo n.º 30092/13.6YIPRT.C1 [14] , em cuja motivação se lê “…tal exceção dilatória inominada, afetando o conhecimento e o prosseguimento da ação especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção), não permite qualquer adequação processual (…); caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção”.
Na mesma linha e mais desenvolvidamente, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.11.2021, relatado pelo Juiz Desembargador Edgar Taborda Lopes no processo n.º 88236/19.0YIPRT.L1-7, numa situação muito idêntica à dos presentes autos, refere que:
“…nos casos em que o Requerido não teve qualquer intervenção nos autos e não há transmutação em acção comum, permitir que a acção pudesse prosseguir constituiria uma situação de benefício do infractor, que não temos como tolerável.
In casu, a ora Recorrente poderia – logo à cabeça – ter utilizado como meio processual para obter a condenação do seu devedor, a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, mas não o fez, preferindo utilizar uma estratégia de risco recorrendo ao mecanismo da Injunção (para, assim, com mais facilidade, obter um título executivo), ficando na expectativa da notificação e não oposição do Requerido, para assim obter um benefício ilegítimo.
Correu o risco, mas, com a frustração na notificação e a apreciação judicial que foi feita da situação pelo Tribunal a quo, esse risco concretizou-se e tem agora de “sofrer” as consequências.
E elas respeitam ao inquinar de todo o processo e não apenas da parte que a ora Recorrente colocou «a mais» do que poderia e deveria.” [15]
A circunstância de nos encontrarmos perante um procedimento especial, simplificado e célere, com vista à obtenção de um título executivo em situações substantivas que incidem exclusivamente sobre o cumprimento dos deveres principais de de obrigações pecuniárias emergentes de transacção comercial, leva-nos a considerar que a perspectiva mais restritiva adoptada pela jurisprudência vinda de apresentar, é a que melhor preserva a função específica do processo de injunção, prevenindo, não apenas situações de abuso na sua utilização, como ainda a progressiva e gradual descaracterização que tende a afastar este procedimento especial do intento que presidiu à sua criação e a aproximá-lo das formas de processo comum previstas no Código de Processo Civil.
A diluição dos elementos diferenciadores da injunção, relativamente a outras formas do processo civil, retira daquele procedimento algumas vantagens como a simplicidade e rapidez que proporciona e que justificam a sua existência, sem qualquer benefício sistémico, na medida em que sempre se encontram disponíveis, às partes que pretendam dirimir outras questões (ainda que de alguma forma relacionadas com obrigações principais emergentes de contratos), as formas processuais gerais que permitem os reconhecimento dos seus direitos com todas as garantias de defesa e igualdade de tratamento. [16]
Deste modo, com excepção dos casos em que o procedimento se transmute numa acção de processo comum por dispor de valor superior à alçada do Tribunal da Relação [17], afigura-se justificado, em nome da salvaguarda do interesse comum em manter a diversidade do leque de soluções procedimentais existentes, colocar sobre o demandante o ónus de fazer criteriosa escolha e uso do meio processual de injunção ao seu dispor, considerando que a violação dos requisitos substantivos que possibilitam a sua utilização constitui excepção dilatória inominada que inquina todo o processo, obstando a que se possa conhecer do mérito da causa, com a necessária absolvição da instância (cfr. n.º 2 do artigo 576.º e artigos 577.º e 578.º, todos do Código de Processo Civil).
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Assim, converge-se com o sentido da decisão recorrida na parte referente à verificação a excepção dilatória inominada em apreço, pelo que deverá manter-se a absolvição dos Réus da instância.
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Custas
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Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4.º, n.º 2, do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigo 607.º, n.º 6, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
No critério definido pelos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no vencimento ou decaimento na causa ou, não havendo vencimento, no proveito.
No caso vertente, apenas a Recorrente / Autora da acção recorreu, não tendo obtido vencimento no recurso, porquanto, embora com acolhimento parcial dos seus argumentos, se manteve a decisão recorrida em parte determinante da absolvição dos Réus da instância.
Assim, deve a Autora ser condenada nas custas do presente recurso.
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III. DECISÃO
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Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em:
1. Julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença recorrida na parte em que julgou verificada a ineptidão do requerimento de injunção apresentado pela Autora;
2. Julgar improcedente a parte restante da apelação, confirmando a decisão a sentença recorrida na parte em que julgou verificada a excepção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção, absolvendo os Réus da instância.
3. Condenar a Recorrente no pagamento das custas do presente recurso.
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Notifique.
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Évora, 21 de Novembro de 2024
Relator: Ricardo Miranda Peixoto;
1º Adjunto: Sónia Moura
2º Adjunto: Filipe Aveiro Marques


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[1] O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, sem prejuízo da sua ampliação a requerimento dos Recorridos (artigos 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
[2] In “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 245.
[3] In “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2ª edição, Lex, 1995, pág. 269.
[4] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Op. Cit., págs. 245 e 246.
[5] Segundo José Lebre de Freitas, o princípio dispositivo impõe que às partes caiba “…a formação a matéria de facto da causa, mediante a alegação nos articulados, dos factos principais, isto é, dos que integram a causa de pedir, fundando o pedido, e daqueles em que se baseiam as excepções peremptórias. Sem prejuízo de os factos da causa poderem ser alegados por qualquer das partes, cada uma tem o ónus da alegação daqueles que têm um efeito que lhe é favorável (…) cuja inobservância dá lugar, consoante o caso, à improcedência da acção ou à improcedência da excepção…”, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 465.
[6] In “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3ª edição, Almedina, 2024, pág. 730.
[7] In Op. Cit., pág. 731.
[8] In Op. Cit., pág. 656.
[9] Salvador da Costa, in “A Injunção e as Conexas Ação e Execução”, Almedina, 3.ª Edição, 2003, pág. 139.
[10] Disponível na ligação: https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/6b5c4411b11ff908802589cc00468658?OpenDocument
[11] No mesmo sentido, a citação, aludida na sentença recorrida, feita no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.05.2021, relatado pela Juíza Desembargadora Cristina Coelho no processo 113862/19.2YIPRT.L1-7, citando Paulo Duarte Teixeira (in revista “Themis”, n.º 13), “só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro”.
Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/2bba93b3ac5b335c802586f60053312c?OpenDocument
[12] Na anotação 4 ao artigo 193.º, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, referem que “…[o] limite a observar é sempre os das garantias de defesa, não podendo aquele aproveitamento traduzir-se numa diminuição dessas garantias” in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3ª edição, Almedina, 2024, pág. 257.
[13] No sentido descrito v., entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.01.2012, relatado pelo Juiz Desembargador Falcão de Magalhães no processo n.º 546/07.0TBCBR.C1 e do Tribunal da Relação do Porto de 18.12.2013, relatado pelo Juiz Desembargador Fernando Samões no processo n.º 32895/12.0YIPRT.P1.
Respectivamente, disponíveis nas ligações:
https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/84861735fce297a78025799c0057ae81?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ca8664bc0e3b010180257c590033f706?OpenDocument
[14] Disponível na ligação: https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/dacfee5c3342220080257cf900363d02?OpenDocument
[15] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/8db971c57d430080802587a40032f0e5?OpenDocument
[16] Atente-se, ainda, em abono da exposição, na seguinte fundamentação do citado acórdão do TRC de 30.05.2023, relatado pelo Juiz Desembargador Vítor Amaral no processo n.º 58796/22.5YIPRT.C1: “(…) também é pacífico na jurisprudência que, «não sendo o procedimento adequado, existe um obstáculo que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa, o que se configura como uma excepção dilatória, dando lugar à absolvição da instância», em vez de se partir para adaptações processuais, que poderiam ser vistas como excessivas, de molde a permitir enquadrar/acolher o litígio.
[17] Em que a questão de saber se a transacção comercial que esteve na origem do crédito reclamado é ou não daquelas que permitem a injunção, não exerce qualquer influência no mérito da causa, nem na sua tramitação, visto que estamos em processo comum e não em processo especial. Sobre o tema v. os fundamentos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2012, relatado pelo Juiz Conselheiro Salazar Casanova no processo n.º 319937/10.3YIPRT.L1.S1. Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/92ad4ef836c09c6d802579aa00373762?OpenDocument