Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA BERNARDES | ||
Descritores: | CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ CIDADÃO ESTRANGEIRO NOMEAÇÃO DE INTÉRPRETE NULIDADE | ||
Data do Acordão: | 04/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I - No caso de o condutor fiscalizado ser um cidadão estrangeiro, que não domine a língua portuguesa, não é necessária a nomeação de intérprete no ato de fiscalização através do ar expirado em equipamento qualitativo (tendo em vista a “despistagem” - se o resultado desse teste for positivo, segue-se a realização de exame em equipamento quantitativo -). II - Se o resultado do exame quantitativo de deteção de álcool no sangue for igual ou superior a 1,20 g/l (ou seja, estando em causa conduta suscetível de integrar a prática de crime), o agente policial tem de proceder à notificação do suspeito de que pode requerer a realização de contraprova, e, por via disso, é obrigatória a nomeação de intérprete ao examinado/suspeito, cidadão estrangeiro, que não domine a língua portuguesa, pois só assim se poderá assegurar que compreendeu, plenamente, o sentido e alcance do direito que lhe assiste. III - Por maioria de razão, se a notificação no sentido de poder requerer a realização de contraprova tiver lugar já depois de o examinado ter sido constituído arguido, como aconteceu no caso vertente, a obrigatoriedade da nomeação de intérprete, cidadão estrangeiro, que não domine a língua portuguesa, impõe-se, ainda, com maior acuidade. IV - Nessa situação, toda a tramitação posterior à constituição de arguido, desde logo o auto de constituição nessa qualidade, com os direitos e deveres inerentes, deve também ser objeto de tradução para língua por aquele dominada. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Nestes autos de processo Sumário, n.º 1485/23.2GBABF, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Albufeira – Juiz 1, foi submetido a julgamento o arguido M (…..), tendo sido proferida sentença, em 11/03/2023 – a qual foi depositada nessa mesma data –, que julgando improcedentes as nulidades invocadas pelo arguido – entre as quais, as decorrentes da falta de nomeação de intérprete –, condenou-o pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo a multa global de €420,00 (quatrocentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias. 1.2. Inconformado com o assim decidido recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada, as seguintes conclusões: «1. Nos presentes autos, foi o Recorrente condenado, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do CPP, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o valor de €420,00 (quatrocentos e vinte euros), 2. bem como, ao abrigo do disposto no art.º 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir todos e quaisquer veículos com motor pelo período de 3 (três) meses e 15 (quinze) dias, e ainda no pagamento das custas do processo, fixadas em 1 UC. 3. O Recorrente, todavia, com todo o respeito, não pode concordar com tal douta Decisão, na medida em que entende que o presente processo é nulo ab initio, assim como que é nula e proibida a prova em que baseia a dita douta Decisão, não podendo a mesma ser usada, em virtude de não lhe ter sido nomeado intérprete idóneo, pese embora o mesmo seja de nacionalidade indiana e não domine a língua portuguesa. 4. O presente recurso tem por objeto matéria de direito e matéria de facto. Da falta de nomeação de intérprete idóneo 5. Da análise do Auto de notícia constante dos presentes autos, resulta que, imediatamente após a realização do teste quantitativo da pesquisa do álcool ao Recorrente, “foi dada voz de detenção, pelas 10h28, e dado seguimento a ulteriores diligências processuais”. 6. Atentas as notórias dificuldades de comunicação entre os Senhores Militares e o Recorrente, nessa altura, segundo o Auto de notícia, aparentemente, já constituído como arguido (“o ora arguido”), a Senhora Militar Autuante tentou contactar “vários” intérpretes de punjabi, todavia, sem qualquer sucesso. 7. Conforme também resulta do Auto de notícia, dada a impossibilidade de nomeação de intérprete idóneo, a Senhora Militar Autuante tentou comunicar com o Recorrente como pôde, em português e inglês. 8. Nesse âmbito, para além de outros atos, segundo o constante do Auto de notícia, foi, supostamente, dada ao Recorrente, “ora arguido”, a possibilidade de requerer contraprova à fiscalização do álcool. 9. No dia 04-07-2023, o Recorrente apresentou, desde logo, via Requerimento escrito, a sua Contestação, onde, na mesma, invocou a nulidade por falta de nomeação de intérprete, nos termos do art.º 120.º, n.º 2, alínea c), do CPP, bem como a impossibilidade de utilização da dita prova, por proibida, dado não ter conseguido compreender os trâmites processuais, nem quais os seus direitos e deveres, em resultado da dita falta de intérprete. 10. Na Audiência de Discussão e julgamento, no início da mesma, nos termos dos artigos 389.º, números 4 e 5, do CPP (e do artigo 120.º, n.º 3, alínea d), do CPP), a defesa do Recorrente, em sede de Contestação oral, voltou a invocar tais nulidades e proibições de prova, por violação do disposto no artigo 92.º do CPP. 11. No âmbito da douta Sentença, como Questão prévia (ponto n.º 2.1.1 da douta Sentença), o douto Tribunal “a quo”, indeferiu as invocações do Recorrente, decorrentes da falta de nomeação de intérprete idóneo, por duas ordens de fundamentos. 12. Em primeiro lugar, e reportando-se a um suposto primeiro momento, o douto Tribunal “a quo”, veio, em linhas gerais, indicar o seguinte: - no momento em que foi realizado o teste quantitativo, o Recorrente ainda não havia sido constituído arguido, nem se havia iniciado um processo criminal contra si relativo aos factos em causa, do que resulta que, nesse momento, não era obrigatória a nomeação de intérprete nos termos do artigo 92.º do CPP. - o exame de pesquisa de álcool no ar expirado realizada aos condutores, constitui apenas um mero ato policial de fiscalização de trânsito, imposto pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do Código da Estrada, pelo que, para a perfeição da notificação do resultado do exame e da possibilidade de requerer contraprova, quando estejam em causa arguidos estrangeiros, não é necessária a intervenção de intérprete, desde que tais notificações sejam realizadas na língua do arguido ou em língua que este domine, desde que inexista qualquer dúvida de que o notificado percebeu e entendeu perfeitamente o conteúdo da mensagem transmitida. 13. Por conseguinte, o douto Tribunal “a quo” considerou inexistir qualquer nulidade, por falta de nomeação de intérprete idóneo, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea c), na medida em que, aquando da detenção do Recorrente, ainda não corria qualquer processo contra si. 14. Já no que respeita um suposto segundo momento, posterior à sua constituição como arguido, o douto Tribunal “a quo” sustentou que a nulidade por falta de intérprete se sanou por ter sido invocada extemporaneamente – isto é, após o decurso do prazo de dez dias contado a partir da notificação da acusação ao Recorrente (dia 23-06-2023) –, nos termos do disposto no art.º 105.º, n.º 1, do CPP. 15. Com todo o respeito, o Recorrente não pode aceitar a argumentação apresentada pelo douto Tribunal “a quo”, pois que a mesma não tem adesão à realidade dos factos, cuja sequência consta do Auto de notícia, e pelo facto de a mesma colidir com o disposto na lei processual penal portuguesa e europeia. 16. Consta do Auto de notícia, que, imediatamente após a realização do teste quantitativo, foi “dada voz de detenção” ao Recorrente, e “dado seguimento a ulteriores diligências processuais”. 17. Nesse seguimento, a Senhora Militar Autuante, conforme o disposto no Auto de notícia, já a designar o Recorrente de “ora arguido”, refere que lhe foi dada a possibilidade de requerer contraprova. 18. Por conseguinte, no nosso modesto entender, uma vez que o Recorrente já havido sido constituído arguido quando, supostamente, lhe foi dada a possibilidade de requerer contraprova, à luz do argumento do douto Tribunal “a quo”, impunha-se a nomeação de interprete idóneo, nos termos do artigo 92.º do CPP. 19. Uma vez que tal não aconteceu, verificou-se a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea c), do CPP. 20. No que concerne à argumentação apresentada pelo douto Tribunal “a quo”, relativa ao “segundo momento”, a mesma, com todo o respeito, também não pode proceder, porquanto a nulidade em causa foi invocada por escrito, no dia 04-07-2023, e oralmente, no início da Audiência de Discussão e Julgamento, conforme impõe o artigo 120.º, n.º 3, alínea d), do CPP, para os processos especiais, no âmbito dos quais se inscreve o presente processo sumário. 21. Em face do exposto, com todo o respeito, in casu, ambas as interpretações efetuadas pelo douto Tribunal “a quo” colidem frontalmente com a letra (e o espírito) dos artigos 92.º, 120.º e 105.º do CPP. 22. Por conseguinte, com o devido respeito, o douto Tribunal “a quo” deveria ter interpretado tais disposições legais no sentido de considerar verificada, e tempestivamente invocada, a nulidade por falta de intérprete idóneo, nos termos dos artigos 92.º e 120.º, n.º 2, alínea c) e n.º 3, alínea d), ambos do CPP, com os devidos efeitos legais. 23. E deveria ter considerado a prova obtida em violação de tal obrigação legal nula, proibida e insuscetível de servir de prova no âmbito dos presentes autos, o que não aconteceu. 24. Acresce referir que, ainda que o Recorrente não tivesse sido constituído arguido no momento em que, supostamente, lhe foi dada a possibilidade de requerer contraprova, a primeira das interpretações efetuada pelo douto Tribunal “a quo” jamais pode valer, pois que permitiria o total esvaziamento da possibilidade de estrangeiros requererem contraprova e, assim, a violação dos seus direitos de defesa, do seu direito a um processo justo e equitativo, bem como uma violação ao princípio da igualdade. 25. Pelo que, para além de ter violado o disposto nos artigos 92.º e 120.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, alínea d), e 105.º, todos do CPP, com tais interpretações, o douto Tribunal “a quo” violou igualmente o disposto nos artigos 32.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo que, à cautela, desde já se invoca a inconstitucionalidade das mesmas. 26. Por outro lado, ambas as ditas interpretações do artigo 92.º, 120.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, alínea d) e 105.º, todos do CPP, colidem igualmente com a legislação processual penal europeia, mais especificamente, com o disposto nos artigos 2.º e 3.º da Diretiva 2010/64/EU, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal, assim como com o disposto no art.º 3.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva 2012/13/EU, relativa ao direito à informação em processo penal. 27. Através de tais disposições legais, é assegurado pela legislação processual penal europeia, aos suspeitos ou acusados de uma infração penal, que não falam ou não compreendem a língua do processo, o direito, sem demora, à interpretação e tradução, bem como à tradução, num lapso de tempo razoável, de todos os documentos essenciais à salvaguarda da possibilidade de exercerem o seu direito de defesa e à garantia da equidade do processo. 28. O facto de tais Diretivas europeias ainda não terem sido transpostas para a legislação nacional, em nada afasta a sua efetividade e a obrigatoriedade, para os Tribunais nacionais, dos objetivos que pretendem prosseguir, por força do princípio da interpretação conforme ou do efeito indireto. 29. Uma vez que, com o resultado do teste quantitativo, o Recorrente adquiriu a qualidade de suspeito de um crime, nos termos da legislação europeia, logo a partir daí, e não a partir da constituição como arguido, teria o mesmo direito à interpretação e tradução. 30. A partir desse mesmo momento, tinha o Recorrente igualmente direito à tradução dos documentos relativos ao processo, o que também não se verificou. 31. Acresce ainda mencionar que a interpretação dos artigos 120.º e ss. do CPP, segundo a qual, a nulidade por falta de nomeação de intérprete se sana caso não seja invocada no prazo ou momento próprios, contraria igualmente o disposto na mencionada legislação europeia, bem como os objetivos desta, o que também ora se invoca. 32. Por conseguinte, em face do exposto, entende o Recorrente que as ditas interpretações efetuadas pelo douto Tribunal “a quo” também colidem frontalmente com as disposições do direito processual penal europeu acima identificadas. 33. Pois que lhe deveria ter sido nomeado intérprete idóneo desde o primeiro momento, ou declarada a nulidade resultante de tal falta, nos termos e para os devidos efeitos legais, e a consequente invalidade e proibição da prova obtida, nos termos acima referidos. Nestes termos e nos demais de Direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a douta Sentença recorrida revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente do crime de condução de veículo em estado de embriaguez a que foi condenado, fazendo-se, assim, a tão costumada JUSTIÇA!» 1.3. O recurso foi regularmente admitido. 1.4. O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta, pugnando para que o recurso seja julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, formulando, a final, as seguintes conclusões: «1.ª Recorre-se da sentença condenatória por não ter verificado a existência de nulidade insanável por falta de nomeação de intérprete antes do julgamento. 2.ª M foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo disposto nos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1 do Código Penal. 3.ª O arguido M tem nacionalidade indiana, foi fiscalizado pela GNR, constituído arguido, prestou termo de identidade e residência e recebeu notificações sem que conste dos autos que fosse assistido por defensor ou intérprete antes da dedução de acusação. 4.ª Nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 1, do Código de Processo Penal tanto nos atos processuais escritos como orais o cidadão estrangeiro que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa tem direito a nomeação de intérprete idóneo. 5.ª A GNR, na atividade que desenvolve avalia casuisticamente a necessidade de chamar intérprete consoante a possibilidade que constata ter de comunicar com o fiscalizado. 6.ª Pode ser feita dos documentos uma explicação oral, do conteúdo dos documentos, no que for relevante para o exercício de direitos. 7.ª A tradução escrita não é imprescindível sempre que não fique prejudicada a equidade do processo, como não ficou na presente situação por não ter havido detrimento para o exercício de direitos. 8.ª Ainda que se entenda ser obrigatória a presença de intérprete na GNR e/ou a tradução escrita do termo de identidade e residência e do termo de constituição de arguido, a sua falta não se enquadra na previsão do artigo 119.º alínea c) do Código de Processo Penal, 9.ª Diferentemente, tal patologia consubstancia-se numa nulidade dependente de arguição ao abrigo do artigo 120.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal. 10.ª Os prazos de arguição, artigos 120.º, n.º 3, e 105.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, são perentórios. 11.ª A arguição não foi feita nos 10 dias que se seguiram à nomeação de defensor. 13.ª Não a tendo invocado, tal patologia, a existir, ficou sanada. Nestes termos, espera-se seja negada procedência ao recurso interposto e, em consequência, se confirme a sentença recorrida.» 1.5. Subidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever ser dado provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida, o que fundamentou da seguinte forma (transcrição): «(...) Arguido estrangeiro – Não domina a língua portuguesa – detenção – prestação de TIR (artº 196 CPP). Resulta dos autos que o arguido foi abordado e fiscalizado em 20.06.2023, no caminho – Quinta da Bolota – Albufeira pela GNR. Na sequência dessa fiscalização, o arguido veio a acusar uma TAS superior a 1,20 g/l sangue. Nessa conformidade, pelas 10h28, foi-lhe dada voz de detenção. Mais resulta dos autos que o arguido é cidadão estrangeiro (natural da Índia) e não domina a língua portuguesa. Porém, no expediente, o detentor faz constar que o arguido “percebe certas coisas em português”. Na ocasião, o arguido assinou diversos documentos (TIR, constituição de arguido, direitos de detido) todos em língua portuguesa. Mais resulta que a GNR terá tentado contacto para o efeito intérprete idóneo, sem sucesso. O expediente foi enviado para o Mº Pº de Albufeira – DIAP, para posterior tramitação. Já em fase de sentença a Mmº Juiz “a quo” pronunciou-se sobre esta questão da seguinte forma: Invoca o arguido a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal, e em consequência da tramitação processual e da prova produzida, porquanto o arguido é de nacionalidade indiana e não domina a língua portuguesa, nem inglesa, não lhe tendo sido lhe nomeado interprete na sua língua de origem e porquanto não logrou a real compreensão da tramitação legal, em particular os seus direitos e deveres. Atendamos ao caso em apreço. Da analise dos autos e da prova produzida, nomeadamente as declarações do arguido e dos militares da GNR, resulta que o arguido é de nacionalidade indiana e, embora não seja fluente na língua portuguesa ou inglesa, tem conhecimentos de ambas as línguas, tendo os agentes de autoridade comunicado com o mesmo com recurso a ambas as línguas, assim como a linguagem gestual, tendo aquele manifestado, ainda que de modo genérico, compreensão do que lhe era transmitido, dadas as respostas consistentes com o que lhe era questionado ou comunicado…Ora, aquando da realização do teste quantitativo de álcool no ar expirado, o ora arguido ainda não assumia a qualidade de arguido, nem havido sido iniciado qualquer processo contra si relacionado com os factos em causa, pelo que, não seria nesse momento obrigatória a nomeação de intérprete, nos termos exigidos no citado preceito legal… Assim, a não nomeação de intérprete nesse momento ao arguido, não constitui qualquer nulidade ou irregularidade processual, nos termos do disposto nos art.118º a 120º e 123º do CPP. Portanto, nesse preciso momento não houve qualquer nulidade. Com efeito, a falta de intérprete aquando da sua detenção, no caso, não determina a nulidade prevista no nº2, al. c) do art.120º do CPP, pois nesse momento a nomeação de intérprete não era obrigatória, uma vez que aquela é prévia à abertura do processo. Não sendo obrigatório naquele momento a nomeação de intérprete, esta seria facultativa e restrita aos casos de necessidade e conveniência, por forma a permitir àquele a compreensão e alcance do acto – detenção - o que foi conseguido pela tradução feita para inglês pelo guarda/autuante…”. Salvo sempre melhor entendimento e sempre com o merecido e devido respeito pela Mmº Juiz “a quo” temos, confessadamente, alguma dificuldade em acantonar devidamente o raciocínio exposto. Apenas um breve exemplo refere-se, inicialmente que o arguido não dominava a língua inglesa (“e não domina a língua portuguesa, nem inglesa,..), mas termina por concluir, menos bem, (o que foi conseguido pela tradução feita para inglês pelo guarda/autuante…”). Nesta matéria, parece-nos aplicável a doutrina plasmada no Acórdão de 20.12.2018 – (1) disponível para consulta em www.dgsi.pt –, desta Relação de Évora, Desembargador Gomes de Sousa ao referir, com brilho, o seguinte: “… A partir do momento em que se fixa por norma (aqui Directiva) ou jurisprudência, que se encontra consagrada uma obrigação de facere a onerar um tribunal, uma obrigação positiva procedimental de acautelar a inteligibilidade dos actos processuais por arguido não conhecedor da língua em que se praticam os actos processuais, é inaceitável vir argumentar com a obrigação de invocar a falsidade de um acto que afirma que o mesmo “domina a língua”. Impõe-se agir e apurar se tal corresponde à realidade. Na dúvida a nomeação de intérprete é uma imposição para o tribunal, o Ministério Público e a polícia. (negrito da nossa responsabilidade) O mesmo se diga quanto à natureza das restantes invalidades. Como já se afirmou em arestos anteriores, face ao regime da taxatividade das invalidades vigente no nosso ordenamento processual penal, como classificar a prática de actos em língua portuguesa a um cidadão que a não percebe? Da mesma forma que classificaríamos a notificação de actos relevantes em alemão ou mandarim a um cidadão português desconhecedor de tal língua: um acto formal, vazio de conteúdo substancial, sem significado processual válido. E assim sendo, bem se pode afirmar que não ocorreu a prática de actos processuais relevantes. Estes são inexistentes processualmente. Se a prática de actos se destina a dar a conhecer o conteúdo de um acto e nada transmite, é um acto que não existe. Não cumpre o seu papel de dar a conhecer os factos imputados e o direito aplicável. Somos pois reconduzidos a sair do apertado espartilho das nulidades previstas no Código de Processo Penal, pois que se trata de caso de uma gravidade não previsível pelo legislador ordinário português, a cair no âmbito das inexistências processuais. Como afirma João Conde Correia, “trata-se de um recurso excepcional, utilizado para repor a justiça em situações extremas, que quase ultrapassam as fronteiras do imaginável”. “A anomalia é tão grande que o acto nem sequer é comparável com o seu esquema normativo, não alcançando aquele mínimo imprescindível para poder ser reconhecido como tal e ter vida jurídica”. É o que ocorre no caso concreto. Assim o recurso deve proceder. Mas também procederia por outra razão: existindo uma obrigação positiva a onerar o Estado português quanto à prática de actos, a inexistência dessa prática só onera o Estado português, pelo que não se pode atribuir à invalidade processual uma natureza sanável se o beneficiário do acto não reagir. A invalidade é imputável, no caso, à GNR, ao Ministério Público e ao tribunal recorrido. Naturalmente que, não fora a invalidade da não nomeação de intérprete, de TIR e Carta de Direitos em língua compreensível para a arguida e estaríamos a discutir apenas a notificação da acusação, já que esta, a acusação, não estaria em causa nos presentes autos nem foi afectada por nulidades intrinsecas ao seu conteúdo….” E, conclui o Ilustre desembargador: “…Entende-se, portanto, não se estar perante mera irregularidade ou nulidade sanável, figuras que se entendem revogadas sempre que exista uma “obrigação positiva” a onerar o Estado e proveniente de norma comunitária imperativa, levando necessariamente a considerar revogada a al. c) do nº 2 do artigo 120º do Código de Processo Penal….”. Retornando ao caso em apreço e salvo sempre o devido respeito e melhor entendimento, existe nos autos ora submetido à alta apreciação de Vossas Excelências, um “pecado original” – (2) Ou eventualmente uma questão de “fruits of the poisonous tree” –, que é a detenção do arguido e a sua sujeição a TIR, constituição de arguido tudo com recurso a documentação (conforme resulta dos autos) escrita em língua portuguesa – língua que o arguido não domina. Por isso, não será o recurso à língua inglesa e até como refere a Mme Juiz “a quo”, a linguagem gestual(!) que nos permite concluir, com segurança, que o arguido compreendeu de forma cabal e completo o elenco dos seus direitos e garantias. Também nos parece algo periclitante a distinção feita pela Mmº Juiz “a quo”, relativamente a um 1º momento em que visado ainda não seria arguido e a 2º momento em que o visado era arguido mas não seria necessária a tradução para a sua língua natal ou outra de que tivesse total compreensão e entendimento. Nesta conformidade parece-nos assistir razão ao arguido / recorrente. Nesta conformidade e atento tudo o que se deixou exposto deverão Vossas Excelências, Juízes Desembargadores, dar provimento ao recurso apresentado pelo arguido M e revogar a sentença proferida em 1ª instância.» 1.6. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta. 1.7. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.2. A sentença recorrida, nos segmentos que relevam para a apreciação das questões suscitadas, é do seguinte teor: * Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.A instância mantém-se válida e regular, nada obstando à apreciação do mérito da causa. II - SANEAMENTO O tribunal é competente. O Ministério Público tem legitimidade para o exercício da ação penal. * 2.1. - Questões previas:2.1.1. - Nulidade dos autos e da prova produzida por falta de interprete Invoca o arguido a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2 al. c) do Código de Processo Penal, e em consequência da tramitação processual e da prova produzida, porquanto o arguido é de nacionalidade indiana e não domina a língua portuguesa, nem inglesa, não lhe tendo sido lhe nomeado interprete na sua língua de origem e porquanto não logrou a real compreensão da tramitação legal, em particular os seus direitos e deveres. Atendamos ao caso em apreço. Da analise dos autos e da prova produzida, nomeadamente as declarações do arguido e dos militares da GNR, resulta que o arguido é de nacionalidade indiana e, embora não seja fluente na língua portuguesa ou inglesa, tem conhecimentos de ambas as línguas, tendo os agentes de autoridade comunicado com o mesmo com recurso a ambas as línguas, assim como a linguagem gestual, tendo aquele manifestado, ainda que de modo genérico, compreensão do que lhe era transmitido, dadas as respostas consistentes com o que lhe era questionado ou comunicado. No local da fiscalização rodoviária, este foi submetido a teste de despistagem de álcool no sangue que deu positivo, pelo que posteriormente foi levado para o posto da GNR onde foi submetido ao analisador quantitativo vindo a acusar a taxa de 2,34 g/l (depois de deduzido a EMA) de álcool no sangue. Perante isso, o militar da GNR/autuante comunicou em inglês e em português com o arguido, informando-o de que podia requerer a contraprova, do que ele prescindiu (sendo que, nesse ponto, as declarações do arguido e das testemunhas divergem, dado que o primeiro nega tal faculdade lhe ter sido transmitida, embora igualmente admita a hipótese de não ter memoria de tal facto). Foi então levantado o auto de notícia pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, p.p. pelo art.292º, nº1 do C. Penal, tendo então o arguido então sido detido e constituído arguido e prestado TIR. Dispõe o art.92º do CPP na parte que nos interessa considerar o seguinte: 1 - Nos atos processuais, tanto escritos, como orais, utiliza-se a língua portuguesa sob pena de nulidade. 2 - Quando houver de intervir no processo pessoa que não conheça ou não domina a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao ato ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada. 3 - O arguido pode escolher, sem encargo para ele, intérprete diferente do previsto no número anterior para traduzir as conversações com o seu defensor. 4 – O intérprete está sujeito a segredo de justiça, nos termos gerais, e não pode revelar as conversações entre arguido e o seu defensor, seja qual for a fase do processo em que ocorreram, sob pena de violação de segredo profissional. 5 – Não podem ser utilizadas as provas obtidas mediante violação do disposto nos nºs 3 e 4. Por sua vez dispõe o art. 120.º, n.º 2, al. c) do CPP que «A falta da nomeação de intérprete nos casos em que é obrigatória é sancionada pela lei como nulidade dependente de arguição ou seja, nulidade sanável. Ora, aquando da realização do teste quantitativo de álcool no ar expirado, o ora arguido ainda não assumia a qualidade de arguido, nem havido sido iniciado qualquer processo contra si relacionado com os factos em causa, pelo que, não seria nesse momento obrigatória a nomeação de intérprete, nos termos exigidos no citado preceito legal. Com efeito, a pesquisa de álcool no ar expirado realizada aos condutores, configura um mero ato policial de fiscalização de trânsito, imposto pelo art.152.º, nº1, al. a) do C. Estrada. A perfeição da notificação oral ou por escrito sobre o resultado do exame e sobre o direito de requerer de imediato a contraprova quando o condutor for estrangeiro e não dominar a língua portuguesa, ocorre se tal lhe for comunicado na sua língua ou numa que entenda e domine perfeitamente, independentemente dessa comunicação lhe ser feita através de nomeação formal de intérprete, nos termos do art.92º, 91º e 153º do CPP, podendo essa tarefa ser desempenhada como aqui aconteceu pelo militar da GNR que tomou conta da ocorrência, posto que não fique qualquer dúvida que o notificando percebeu e entendeu perfeitamente o conteúdo da mensagem transmitida, como aqui sucedeu, pelo que nas referidas circunstâncias esse procedimento, não invalida nem inquina o ato, sendo apto a produzir plenamente os seus efeitos. Assim, a não nomeação de intérprete nesse momento ao arguido, não constitui qualquer nulidade ou irregularidade processual, nos termos do disposto nos art.118º a 120º e 123º do CPP. Portanto, nesse preciso momento não houve qualquer nulidade. Com efeito, a falta de intérprete aquando da sua detenção, no caso, não determina a nulidade prevista no nº2, al. c) do art.120º do CPP, pois nesse momento a nomeação de intérprete não era obrigatória, uma vez que aquela é prévia à abertura do processo. Não sendo obrigatório naquele momento a nomeação de intérprete, esta seria facultativa e restrita aos casos de necessidade e conveniência, por forma a permitir àquele a compreensão e alcance do acto – detenção - o que foi conseguido pela tradução feita para inglês pelo guarda/autuante. Reportemo-nos agora ao momento em que é constituído arguido De facto, é a partir do momento em que o cidadão adquire o estatuto de arguido que lhe é assegurado o exercício de direitos e deveres processuais (art. 60° do CPP) entre eles, os previstos no art. 61.º do C. Processo Penal (vide Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. I, 4a Ed., pg. 289). Entre os direitos de que, em especial, goza o arguido, conta-se o direito de ser assistido por Defensor em todos os atos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele (art. 61°, n° 1, f), do CPP). A falta da nomeação de intérprete, nos casos em que é obrigatória, é sancionada pela lei como nulidade dependente de arguição, constituindo, portanto, uma nulidade sanável (art. 120.º, n° 2, c), do CPP). Não sendo razoável que a invocação da supra referida nulidade tenha que ser efetuada até ao termo do ato a que o visado assistiu sem intérprete, mas isto apenas nos casos em que não está presente o Defensor, nomeado ou constituído, deve aceitar-se a aplicação da regra geral de arguição das nulidades sanáveis, ou seja, a arguição no prazo de 10 dias – cfr. o art. 105°, n° 1, do CPP, a contar daquele em que o interessado foi notificado para qualquer termo posterior do processo ou teve intervenção em ato nele praticado - vide Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. II, 3a Ed., pg. 85. Consideremos o caso em apreço. De facto, o arguido é indiano e invocou não ser fluente da língua portuguesa. O efetivo desconhecimento da língua portuguesa fundamenta a nomeação de intérprete. A Constituição da República Portuguesa assegura, no seu artigo 20°, n° 4, que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. No caso em apreço, não se olvidando que o arguido declarou ter conhecimentos da língua portuguesa, ainda que não domine tal língua, no dia em que foi constituído arguido – 20.06.2023 –, foi igualmente notificado para comparecer nos serviços do M.P. nesse mesmo dia e, embora não haja comparecido, nesse momento foi lhe nomeado um defensor oficioso, sendo que aquele veio então a requerer prazo para apresentação de defesa. Nessa mesma data, o mandatário foi notificado o despacho de acusação, tendo o arguido sido notificado pessoalmente no dia 23.06.2023, conforme consta a fls. 72. Contudo, só no dia 4 de julho de 2023 é que o arguido veio arguir a nulidade em sede de contestação junta a fls. 59 e ss., quando já havia decorrido o prazo legal para a sua arguição. Em face do exposto, julga-se ainda a nulidade intempestiva e porquanto sanada. (...). III - FUNDAMENTAÇÃO 3.1. - Factos Provados 3.1.1. - Com relevância para a decisão criminal, provaram-se os seguintes factos: a) No dia 20.06.2023, pelas 10h38, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de matrícula (…..), no Vale de Santa Maria, em Albufeira e submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue, apurou-se uma T.A.S. igual a 2,46 g/l, que deduzido o E.M.A. corresponde a uma taxa não inferior a 2,34 g/l. b) Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei, pois devia e era capaz de saber que apos ter ingerido bebidas alcoólicas, poderia acusar uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l, bem sabendo que o seu estado não lhe permitia efetuar uma condução cuidada e prudente e que aquele estado lhe diminuía a capacidade de atenção, reação e destreza, contudo não representou tal resultado, nem se conformou com este. c) Atuou o arguido livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei. Mais se apurou que: d) O arguido exerce a atividade de cozinheiro, auferindo a renumeração mensal de €780,00. e) Vive numa habitação arrendada com outros colegas, contribuindo com o montante de €200,00 para as despesas do agregado familiar, remetendo ainda uma quantia monetária variável, mas não inferior a €400,00 para a família na India. f) Concluiu o 10.º ano de escolaridade. g) Do seu certificado de registo criminal nada consta. 3.2. - Factos Não Provados * IV.1. - Fundamentação da Decisão Sobre a Matéria de FactoA convicção do Tribunal em relação aos factos provados e não provados acima descritos fundou-se no conjunto da prova, apreciada criticamente, junta aos autos em especial nas declarações do arguido o qual admitiu ter ingerido bebidas alcoólicas em momento prévio à condução de veículo automóvel em via publica, alegou, contudo, que não tinha consciência da taxa de álcool que iria acusar, sobretudo negando que tivesse ciência que iria acusar uma TAS de 1,2g/l. Com efeito, o arguido declarou ter ingerido entre três a quatro copos de vodka e que, embora soubesse que, caso fosse sujeito a exame de pesquisa de álcool iria acusar uma TAS, alegou que não considerou que pudesse ser igual ou superior a 1,2 g/l., dado o hiato temporal decorrido entre a ingestão do álcool (entre a 0h00 e as 2h00) e o exercício da atividade de condução. Mais alegou o arguido que, embora haja comunicado com os militares da GNR, quer em português, quer em inglês, não logrou percecionar integralmente o que lhe foi transmitido, nomeadamente a faculdade de realizar contraprova, dado não ser fluente em nenhuma das referidas línguas. Todavia e conforme já supra explanamos, tal declaração não se afigura coerente, não só porquanto ambos os militares da GNR, de modo coerente e isento, esclareceram que terão transmitido ao arguido que o mesmo teria a faculdade de realizar contraprova em língua portuguesa e inglesa, assim como indicaram que o mesmo revelou compreender a comunicação transmitida face às respostas logicas e de acordo com o dialogo mantido. Acresce que o arguido como condutor experiente, apesar de oriundo da India, não pode deixar de ter conhecimento de tal possibilidade, ate porquanto os eventos em discussão não é a primeira ocasião em que o arguido foi sujeito a uma fiscalização rodoviária, conforme decorre do print do processo n.º 164/23.5GELLE a fls. 24 a 39. Por fim, não pode o Tribunal desconsiderar as declarações ambíguas e contraditórias prestadas pelo arguido que exibiu reticencia e incerteza sobre se tal faculdade lhe havia sido comunicada, alegando ausência de memoria, apesar de inicialmente ter afirmado veemente nunca tal lhe ter sido transmitido, tendo afinal declarado a possibilidade de não ter apreendido o que lhe foi comunicado. Valorou igualmente o Tribunal o depoimento prestado pelos militares da GNR, A e F, os quais prestaram ambos um depoimento isento e credível relativamente à factualidade constante na acusação, corroborando os factos descritos no Auto de notícia a fls. 5 a 6, assim como talão de alcoolímetro a fls. 7 dos presentes autos, não tendo dúvidas quer quanto à identificação do arguido como sendo o condutor, assim como que este foi sujeito a uma fiscalização aleatória rodoviária, tendo acusado uma TAS superior ao limite penalmente punível. Igualmente, depôs que o arguido manifestou surpresa perante o valor acusado. Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conjugada as regras da experiencia comum, a taxa de alcoolemia acusada (próxima dos limites legais) e a natureza das bebidas alcoólicas, conjugada com o facto de este ter sido sujeito a uma mera fiscalização aleatória, infere-se que tendo o arguido o dever e capacidade para saber que a quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas, poderia este acusar uma taxa superior à penalmente permitida, o mesmo não representou tal possibilidade, nem se conformou com tal. Por fim, considerou o Tribunal as declarações do arguido quanto às suas condições socioeconómicas e o Certificado de Registo Criminal constante nos autos, no que se refere à ausência de antecedentes criminais. * IV.2. - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOAtento ao quadro factual determinado de acordo com o teor da acusação e, considerando o princípio da vinculação temática do Tribunal (consagrado nos arts. 339.º, n.º 4, 358.º e 359.º, todos do Código de Processo Penal), importa, neste momento, efetuar o respetivo enquadramento jurídico e, nesse âmbito, apurar se o arguido deve ser jurídico-penalmente responsabilizada pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1, acrescido da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, p. e p. na alínea a), do n.º 1 do 69.º do Código Penal. Dispõe o art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, «Quem, pelo menos com negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via publica ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.» Tratando-se de um crime de perigo abstrato ou presumido, em que a própria ação é em si mesma considerada perigosa, o preenchimento da ação típica basta-se com a condução de um veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1.2 gramas/litro. Resulta dos factos provados que o arguido conduziu um veículo motorizado numa via pública e que, ao ter sido sujeito a um teste de controlo para deteção da presença de álcool no sangue, através de teste quantitativo realizado por alcoolímetro, acusou uma TAS, apos ter sido apurado o EMA, de 2,34 g/l de álcool, encontrando-se, por isso, preenchido o elemento objetivo do tipo. O preenchimento do elemento subjetivo, por seu turno, poderá ter lugar a título doloso ou negligente (repare-se que o legislador utiliza a expressão “pelo menos por negligência…”). No caso em apreço, resultou provado que, atendendo ao valor acusado no talão de alcoolímetro, conjugado com as regras da experiencia comum e as próprias declarações do arguido, que o mesmo ingeriu bebidas alcoólicas em quantidade suficiente para acusar a taxa que acusou, facto que devia e tinha capacidade para saber atendendo ao critério do homem medio comum, contudo não representou tal como possível, nomeadamente que teria uma taxa de álcool no sangue igual ou superior à legalmente permitida, ainda que sabendo que não podia conduzir em vias públicas sob a influencia de álcool, nem se conformou com tal resultado, pelo que forçoso é concluir que o arguido praticou em autoria material (art. 26.º do Código Penal) e sob a forma de negligencia inconsciente (art. 15.º, al. b) do citado diploma legal), os factos que lhe são imputados na acusação publica. Em suma, face ao exposto, no caso em apreço, o arguido, intencionalmente, conduzia um veículo automóvel em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool no sangue superior ao legalmente permitido, pelo que se encontram preenchidos os elementos, objetivos e subjetivos, do tipo previsto no art. 292.º, n.º 1 do Código Penal, não existindo, in casu, causas de justificação ou de exclusão da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade, pelo que se impõe a determinação da pena a aplicar. Pelo exposto, o arguido praticou, em autoria material e na forma consumada, com negligência, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1 do Código Penal. (...).» 2.3. Apreciação do mérito do recurso |