Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO LIVRANÇA OBRIGAÇÃO CARTULAR PRESCRIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/05/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | i) sendo o título executivo é uma livrança, exercido que seja o direito cartular nela incorporado, o prazo de prescrição a invocar nesse plano é o de prazo de três anos a contar do respetivo vencimento; ii) se o título cambiário se encontrar no âmbito das relações imediatas, o Executado pode invocar exceções causais fundadas no direito extra-cartular, designadamente que o prazo de prescrição dos juros remuneratórios convencionados na relação subjacente é de cinco anos; iii) o artigo 311.º do Código Civil não se aplica às obrigações cambiárias, atentos os prazos especiais de prescrição previstos no artigo 70.º da LULL; iv) o regime da prescrição é inderrogável (artigo 300.º do Código Civil), pelo que não pode sustentar-se o afastamento das regras nele previstas por acordo ou convenção. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Embargante: (…) Recorrida / Embargada: (…), STC, SA Por apenso à ação executiva que lhe foi movida, a Executada apresentou-se a deduzir embargos invocando a prescrição do capital e dos juros do crédito exequendo, a violação do pacto de preenchimento da livrança em branco, o abuso do direito ao preenchimento da livrança, a iliquidez da quantia exequenda e o pagamento integral da dívida. O que a Embargada contestou, pugnando pelo indeferimento dos embargos. II – O Objeto do Recurso Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença julgando os embargos totalmente improcedentes, determinando o regular processamento da ação executiva. Inconformada, a Embargante apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida na parte em que não julgou prescritas as parcelas de juros vencidas de forma isolada e trimestralmente desde a data da celebração do contrato até à data da propositura da ação executiva, sendo substituída por outra que julgue as citadas prestações prescritas. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes: «I.- A Recorrente, opôs-se à execução que motivou os presentes autos, por, por um lado, entender que da parte da Executada ocorreu um preenchimento abusivo da livrança e ter-se verificado a Prescrição da Dívida (Extinção da obrigação por exceção perentória); e bem assim, de todo o modo os juros peticionados pela Recorrida estarem prescritos. II.- Realizada a audiência final, foi proferida sentença pelo Tribunal a quo, na qual, julgando os Embargos improcedentes condenou a Embargante no pagamento do capital em dívida e respetivos juros, remuneratórios e moratórios. III.- O presente recurso circunscreve-se, apenas, à aplicação do prazo de vinte anos de prescrição, previsto nos termos do disposto pelo artigo 309.º do Código Civil aos juros remuneratórios e não de cinco anos conforme previsto na alínea d) do artigo 310.º do citado diploma legal. IV.- Para os efeitos tidos anteriormente, o Tribunal a quo entendeu que o prazo prescricional dos juros remuneratórios seria vinte anos e não cinco, aplicação do Direito com a qual a Recorrente não se pode conformar uma vez que: V.- Resulta do contrato celebrado e junto à contestação como Doc. n.º 6, “contrato”, que: “Conta Corrente Caucionada: A mobilização do crédito disponibilizado pela linha de Conta Corrente Caucionada deverá efetuar-se por valores iguais ou múltiplos do montante das tranches estabelecido na proposta de adesão ao contrato de CGT os quais serão creditados na CGT. Os débitos desta para Crédito da Conta Corrente caucionada obedecem igualmente aos valores atrás referidos. O Banco procederá a estes movimentos ao abrigo do mandato que lhe é conferido, consoante as necessidades de tesouraria do Cliente. Os montantes mobilizados vencerão juros calculados dia a dia à taxa indicada no verso, os quais serão pagos e liquidados trimestral e postecipadamente.” VI.- E bem assim, foi entendido pelo Tribunal a quo na sentença parcialmente em crise, que “Relativamente à prescrição do capital, de igual modo, ao contrário do pugnado pela embargante, não se aplica, in casu, a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, pelo simples facto de o contrato de crédito, em conta corrente caucionada, sub judice, prever o pagamento integral do capital, de uma só vez, e apenas no termo do contrato, pois que, na sua vigência, apenas eram devidos juros remuneratórios, a pagar trimestralmente.” VII.- Do supradito, resulta inequivocamente que os juros remuneratórios seriam pagos trimestralmente em prestações autónomas do capital em dívida, tendo tal facto resultado reconhecido pela sentença em crise. VIII.- Desde modo, no título executivo estão subjacente duas prestações autónomas distintas e bem assim duas datas de vencimento, também elas, distintas: 1) data de preenchimento da livrança (e exigibilidade do capital, o que não colocamos em causa) e 2) a data de incumprimento parcelar de cada “prestação de juros”, vencidos trimestralmente e pagar trimestralmente, desde a data do efetivação do contrato de crédito. IX.- Assim, s.d.r. e s.m.o, ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo, espelhado anteriormente e do qual resultou apenas um único prazo prescricional, deveria ter aplicado aos juros remuneratórios, o prazo prescricional de cinco anos previsto na alínea d) do artigo 310.º do Código Civil, a saber, cinco anos e não o prazo de vinte anos previsto nos termos do artigo 309.º do citado diploma legal. X.- Posto isto, por entender a Recorrente que andou mal, s.d.r., o Tribunal a quo ao aplicar, aos juros remuneratórios, o prazo de vinte anos e não de cinco como referido anteriormente, deverá a sentença em crise ser revogada nesta parte, sendo alterada para aplicação do direito como anteriormente referido. XI.- Da aplicação do prazo de cinco anos e não de vinte aos juros remuneratórios, parte integrante da execução, decorre a conclusão da prescrição de cada parcela de juros vencidas em menos de cinco anos a contar da data da propositura da ação, a saber, desde 1.03.2024, montantes a serem apurados em sede de incidente de liquidação de sentença.» A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, alinhando os seguintes argumentos: - o capital e os juros remuneratórios estão sujeitos ao prazo de 20 anos de prescrição, uma vez que após a resolução do contrato houve o vencimento da totalidade das prestações, o plano de amortização contratualmente convencionado foi dado sem efeito pelo seu incumprimento, resultando de serem exigíveis as quotas de amortização de capital e juros, a totalidade do montante em dívida; - o contrato de crédito celebrado respeita a obrigação pecuniária única, cujo pagamento é diferido no tempo, com pagamentos fracionados, razão pela qual não poderá ser aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil; - a regra temporal da prescrição é de 5 anos no caso de juros, mas aplica-se o prazo ordinário de 20 anos se existir título executivo; - a referida interpretação normativa tende a impedir o acesso aos Tribunais para cobrança de créditos, decorridos mais de cinco anos, desde que a dívida seja liquidável em prestações, aquando da sua constituição, viola o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Cumpre apreciar se o prazo de prescrição dos juros remuneratórios convencionados no contrato de concessão de abertura de crédito é de cinco anos. III – Fundamentos A – Os factos provados em 1.ª Instância 1. A 8/04/2011, a Executada, (…), ora Embargante, ajustou com o (…) – Banco (…), SA um acordo de abertura de crédito, a conceder pelo Banco à Executada, em tranches de € 500,00, até ao valor de € 5.000,00, exclusivamente mobilizável através das seguintes linhas de crédito: a) conta corrente caucionada; b) desconto comercial; c) garantias bancárias. 2. Em compensação pela concessão do referido crédito, a Executada obrigou-se a pagar ao Banco juros remuneratórios à taxa de 14,7500000%, cobrados trimestralmente, acrescidos de uma taxa de 4% a título de cláusula penal, imposto de selo sobre a utilização média mensal do crédito, à taxa de 0,04% ao mês, e comissões à taxa de 4,00%. 3. Para garantia do pagamento das quantias referidas no ponto anterior, a Executada entregou, naquela data, uma livrança em branco, por si subscrita, autorizando que o banco procedesse ao seu preenchimento pelo valor em dívida, nas datas que melhor convierem ao banco para a respetiva emissão, vencimento e fixação do local de pagamento. 4. Na mesma data, as partes acordaram, ainda, na abertura de uma conta bancária, denominada Conta Gestão Corrente (CGT), na qual seriam mobilizadas as tranches indicadas no ponto 1, e debitadas as quantias referidas no ponto 2. 5. Os referidos acordos tinham a duração de um ano, renovando-se automaticamente por iguais períodos, podendo os mesmos ser denunciados com a antecedência mínima de 60 dias, antes do fim do prazo, ou das suas eventuais renovações. 6. Mais ajustaram as partes no ponto 6.6 do acordo de abertura da conta gestão de tesouraria, o seguinte: «A rescisão ou denuncia do contrato de Abertura da CGT implicam o imediato vencimento de todas as operações de crédito eventualmente existentes a que a CGT estava vinculada.». 7. A Executada utilizou o montante integral do crédito, no valor de € 5.000,00, tendo deixado de proceder aos pagamentos das quantias indicadas no ponto 2 em data não apurada concretamente. 8. A (…), S.A. sucedeu ao (…) – Banco (…), S.A., por força da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 20 de Dezembro de 2015, tendo assumido todos os créditos que lhe pertenciam. 9. Por acordo de cessão de créditos de 25 de Novembro de 2016, a (…), S.A. cedeu à sociedade (…), S.A.R.L., o crédito que detinha sobre a Executada, bem como todas as garantias e acessórios a ele inerentes, disso tendo sido dado conhecimento à Executada, por carta registada, datada de 5/12/2016. 10. Posteriormente, por acordo de cessão de créditos de 12 de Maio de 2022, a (…), S.A.R.L., cedeu à sociedade (…) III, S.A.R.L., esse mesmo crédito, disso tendo sido dado conhecimento à Executada, por carta registada. 11. Por fim, por acordo de cessão de créditos de 29 de Junho de 2022, a Lisboa (…) III, S.A.R.L. cedeu o referido crédito à sociedade (…) – STC, S.A., ora Exequente, disso tendo sido dado conhecimento à Executada, por carta registada. 12. Por carta registada, com aviso de receção, recebida pela Executada a 24/11/2023, a Exequente concedeu à Executada o prazo de 10 dias para proceder ao pagamento do valor em dívida, no montante total de € 13.177,08, sendo € 5.000,00 a título de capital e € 8.177,08 a título de juros remuneratórios à taxa contratual de 14,75%, desde a data do incumprimento, acrescidos da taxa legal moratória de 4,00%. 13. Por carta registada, com aviso de receção, atada de 09/02/2024 (cfr. fls. 36 verso e 37 verso), recebida pela Executada a 12/02/2024, a Exequente informou a Executada que procedia à resolução dos acordos supra indicados, e que iria preencher a livrança, com a data de vencimento de 22/02/2024, e o montante total de € 13.432,29, sendo € 5.000,00 a título de capital, e € 8.432,29, a título de juros remuneratórios à taxa contratual de 14,75%, desde a data do incumprimento, acrescidos da taxa legal moratória de 4,00%. 14. A Executada não procedeu ao pagamento do montante inscrito na livrança na data do respetivo vencimento, nem posteriormente, apesar de ter sido interpelada para o efeito. 15. A 21/03/2017, a Embargada recorreu a crédito bancário junto Banco (…), S.A., para proceder ao pagamento de todas as responsabilidades assumidas perante esta Instituição Bancária. B – A questão do Recurso Foi dada à execução uma livrança subscrita pela Executada a 08/04/2011, com data de vencimento de 22/02/2024, pelo valor de € 13.432,29, sendo € 5.000,00 relativos a capital e € 8.432,29 a juros remuneratórios. Tal livrança foi emitida e entregue pela Executada a cedente da Exequente no âmbito de um contrato de concessão de abertura de crédito celebrado com data de 08/04/2011. A Executada apresentou-se a deduzir os presentes embargos invocando, para além do mais e no que agora releva, que não são devidos os juros vencidos no período de cinco anos antes da data da citação na execução, já que estão prescritos, conforme o regime previsto no artigo 310.º, alínea d), do Código Civil. Em 1.ª Instância, considerou-se que os juros remuneratórios vencidos na vigência do contrato estão sujeitos ao prazo geral de 20 anos, já que o título executivo é uma livrança e não um contrato de crédito, que é desde a data de vencimento da livrança que se inicia a contagem dos cinco anos, que ao contrato de mútuo garantido por livrança assinada em branco, com um amplo pacto de preenchimento, não se aplica o prazo de cinco anos, mas o prazo geral de 20 anos. Vejamos. É certo que o título executivo é uma livrança. Tal como é certo que o direito exercido na execução é o direito cartular plasmado no referido título. Estando em causa a prescrição da obrigação cartular, o prazo de prescrição é de três anos a contar do seu vencimento[1] – artigo 70.º da LULL, aplicável ex vi do seu artigo 77.º. No entanto, na medida em que as partes da ação executiva, os sujeitos a que respeita a livrança, são aqueles que celebraram o contrato no âmbito do qual foi emitida e entregue a livrança, é manifesto que o título cambiário não entrou em circulação – o que, na atualidade, ocorre frequentemente, passando o referido título de crédito a assumir-se como instrumento expedito de cobrança de créditos, desempenhando uma função de garantia em sentido amplo ou de reforço do crédito, dispondo o credor de um meio de acionar a ação executiva.[2] O título cambiário encontra-se no âmbito das relações imediatas. As relações imediatas são aquelas que “ligam sujeitos cartulares que são simultaneamente sujeitos da relação subjacente ou convenção executiva.”[3] Uma vez que o regime legal consagrado na LULL se destina a regular as vicissitudes verificadas no plano cartular, tal regime não é convocado a dirimir os litígios que surjam entre os sujeitos imediatos da relação jurídica subjacente à emissão da livrança. Donde, no plano das relações imediatas, não são chamadas à colação a literalidade e a abstração dos títulos de crédito que decorrem do disposto no artigo 17.º da LULL. Decorre do exposto que, confrontado com uma ação executiva fundada numa livrança, p. ex., o Executado pode lançar mão de meios de defesa decorrentes do direito que regula a relação cartular, designadamente o eventual decurso do prazo de prescrição de 3 anos a contar da data de vencimento aposta no título, previsto no artigo 70.º da LULL. Caso o Executado seja o sujeito que emitiu a livrança e o Exequente seja o sujeito que dele tomou a livrança, ambos sujeitos do contrato no âmbito do qual foi emitida, então, paralisados que estão, nesse plano das relações imediatas, os Princípios da Literalidade e Abstração previstos no artigo 17.º da LULL, pode o Executado invocar exceções causais fundadas no direito extra-cartular. Pode, então, invocar que os juros remuneratórios previstos no contrato de concessão de abertura de crédito prescrevem no prazo de 5 anos.[4] Assim fez a Embargante. Para além de invocar o preenchimento abusivo do título de crédito e outras vicissitudes atinente ao direito cartular, alegou a prescrição dos juros remuneratórios vencidos há mais de cinco anos, fazendo apelo ao regime inserto no artigo 310.º, alínea d), do Código Civil. Nos termos da mencionada disposição legal, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades. Os juros remuneratórios previstos no contrato de crédito celebrado entre as partes, de vencimento trimestral, prescrevem no prazo de cinco anos, a contar do respetivo vencimento. Tendo a livrança exequenda sido entregue em branco com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo, a prescrição da obrigação causal determina, no domínio das relações imediatas, a necessária extinção da obrigação cartular.[5] Termos em que assiste à Embargante o direito de recusar o pagamento do montante da livrança correspondente aos juros remuneratórios vencidos há mais de cinco anos, por referência à data em que teve lugar a liquidação do montante em dívida e o preenchimento da livrança, ou seja, a 09/02/2024, cabendo ao Exequente, na execução, reformular a quantia exequenda em conformidade. Relativamente às objeções suscitadas pela Recorrida em sede de contra-alegações, não são de atender aquelas que respeitam ao regime legal aplicável à amortização do capital concedido em contrato de crédito (seja numa prestação única, seja em quotas, num plano de amortização do capital de forma fracionada), quer porque o regime da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil não é aplicável à questão suscitada em recurso, quer porque o AUJ n.º 6/2022 superou já a discussão esgrimida nessas objeções. Importa apreciar aquelas que se referem ao artigo 311.º do Código Civil que, sob a epígrafe Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo, determina o seguinte: 1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo. 2. Quando, porém, a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo. Daqui resulta que os juros remuneratórios ficam sujeitos ao prazo de prescrição ordinário, de vinte anos, por estarem contemplados no montante inscrito na livrança? Afigura-se-nos que não. Numa linha de argumentação, sustenta-se que não opera a pretendida prevalência do prazo ordinário face ao título executivo na medida em que não estamos perante título executivo posterior; não obstante a data de preenchimento da livrança e a data aposta como de vencimento, assim se tornando perfeito o título, trata-se de um título contemporâneo à relação jurídica donde emerge o direito, emitido na data em que foi outorgado o contrato de crédito, então assinado pelos executados – Ac. do TRP de 24/04/2014 (Correia Pinto). Noutra linha de pensamento, vem defendido que “a referida norma nunca poderia vigorar para os créditos cartulares, uma vez que a obrigação cambiária se encontra sujeita aos prazos especiais de prescrição contidos no artigo 70.º da LULL (três anos no caso de ações instauradas contra o aceitante, um ano se instauradas contra os endossantes e sacador, e seis meses, dos endossantes uns contra os outros e contra o sacador). Por outro lado, atentar-se-á em o alargamento do prazo de 20 anos previsto no artigo 311.º, respeita ao prazo de prescrição do crédito exequendo, pelo que se contará unicamente a partir da formação do título. Ora, o que aqui se discute é a eventual prescrição da obrigação fundamental cujo montante veio a ser aposto na livrança” – Ac. do TRC de 26/04/2016 (Maria João Areias). Seja qual for a orientação seguida, sempre resultará a salvo da convolação prevista no artigo 311.º do Código Civil o direito aos juros remuneratórios convencionados na relação subjacente ou fundamental, vencidos há mais de cinco anos relativamente à data da liquidação e preenchimento da livrança. O que não coloca em causa o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva consagrados no artigo 20.º da CRP. O direito dos credores a obterem a satisfação do crédito não é um direito absoluto, pelo que não se sobrepõe às regras atinentes à prescrição. Na verdade, o artigo 300.º do Cód. Civil consagra a inderrogabilidade do regime da prescrição, estatuindo que são nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar por outro modo as condições em que a prescrição opera os seus efeitos. Desde logo por força do disposto no artigo 300.º do Código Civil, não se pode acolher a tese exarada na sentença recorrida de que “com a celebração de um pacto de preenchimento com esta enorme amplitude as partes quiseram afastar a aplicação do prazo constante do referido artigo 310.º, alínea d), do Código Civil.” Procedem, pois, as conclusões da alegação do presente recurso. As custas recaem sobre a Recorrida – artigo 527.º, n.º 1, do CPC. Sumário: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida relativamente aos juros remuneratórios vencidos há mais de cinco anos por referência à data da liquidação do montante aposto na livrança, declarando-se estes prescritos, determinando-se, nessa medida, a extinção da execução. Custas pela Recorrida. Évora, 5 de junho de 2025 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Simões Eduarda Branquinho – Vencida conforme voto que segue Declaração de voto de vencido. Julgaria improcedente o recurso de apelação interposto pela embargante (…) e, em consequência, confirmaria a decisão recorrida que julgou improcedentes os embargos, determinando o prosseguimento da execução, pelos seguintes fundamentos: É incontroverso que a executada ora embargante, subscritora da livrança em branco bem como do pacto de preenchimento, pode opor à exequente a prescrição da obrigação da relação subjacente. O objecto do presente recurso “circunscreve-se, apenas, à aplicação do prazo de vinte anos de prescrição, previsto nos termos do disposto pelo artigo 309.º do Código Civil aos juros remuneratórios e não de cinco anos conforme previsto na alínea d) do artigo 310.º do citado diploma legal” – conclusão III das alegações (sublinhado nosso). Da factualidade provada resulta que as partes celebraram um contrato de abertura de crédito em conta-corrente e caucionada. Em compensação pela concessão do referido crédito, a Executada obrigou-se a pagar ao Banco juros remuneratórios à taxa de 14,7500000%, cobrados trimestralmente, acrescidos de uma taxa de 4% a título de cláusula penal, imposto de selo sobre a utilização média mensal do crédito, à taxa de 0,04% ao mês, e comissões à taxa de 4,00%. Para garantia do pagamento das quantias referidas, a Executada entregou, naquela data, uma livrança em branco, por si subscrita, autorizando que o banco procedesse ao seu preenchimento pelo valor em dívida, nas datas que melhor convierem ao banco para a respetiva emissão, vencimento e fixação do local de pagamento. Na mesma data, as partes acordaram, ainda, na abertura de uma conta bancária, denominada Conta Gestão Corrente (CGT), na qual seriam mobilizadas as tranches referidas, e debitadas as quantias supra identificadas. Os referidos acordos tinham a duração de um ano, renovando-se automaticamente por iguais períodos, podendo os mesmos ser denunciados com a antecedência mínima de 60 dias, antes do fim do prazo, ou das suas eventuais renovações. Mais ajustaram as partes no ponto 6.6 do acordo de abertura da conta gestão de tesouraria, o seguinte: «A rescisão ou denúncia do contrato de Abertura da CGT implicam o imediato vencimento de todas as operações de crédito eventualmente existentes a que a CGT estava vinculada». Pelo contrato de mútuo bancário na modalidade de abertura de crédito em conta corrente a instituição de crédito obrigou-se a colocar à disposição do seu cliente determinada quantia em dinheiro, ficando este obrigado a restituir-lha, em montante idêntico, para além do mais, com juros remuneratórios. E para garantia do reembolso do capital disponibilizado pelo creditante, juros remuneratórios e demais encargos, foi entregue pela executada uma livrança em branco por si subscrita, enquanto meio de garantir a restituição das quantias utilizadas pelo creditado e das demais contrapartidas ou despesas acordadas. Por carta registada, com aviso de recepção, recebida pela Executada a 24/11/2023, a Exequente concedeu à Executada o prazo de 10 dias para proceder ao pagamento do valor em dívida, no montante total de € 13.177,08, sendo € 5.000,00 a título de capital, e € 8.177,08 a título de juros remuneratórios à taxa contratual de 14,75%, desde a data do incumprimento, acrescidos da taxa legal moratória de 4,00%. E por carta registada, com aviso de recepção, recebida pela Executada a 12/02/2024, a Exequente informou a Executada que procedia à resolução dos acordos supra indicados, e que iria preencher a livrança, com a data de vencimento de 22/02/2024, e o montante total de € 13.432,29, sendo € 5.000,00 a título de capital, e € 8.432,29, a título de juros remuneratórios à taxa contratual de 14,75%, desde a data do incumprimento, acrescidos da taxa legal moratória de 4,00%. No caso dos autos, o contrato de abertura de crédito em apreço é um contrato de abertura de crédito em conta-corrente e caucionada (ou na gíria bancária conta-corrente caucionada), na estrita medida em que, para garantia do reembolso do capital disponibilizado pelo Banco creditante, juros e demais encargos, foi entregue ao mesmo Banco pela executada creditada uma livrança em branco por si subscrita. Trata-se, como é consabido, de prática usual o recurso a uma livrança em branco, com pacto de preenchimento, subscrita pela creditada, enquanto meio de garantir a restituição das quantias utilizadas pelo creditado e das demais contrapartidas ou despesas acordadas. A admissibilidade da livrança em branco, apesar de não estar expressamente contemplada na respectiva Lei Uniforme (doravante designada por LULL), é indiscutível à luz do preceituado no artigo 10.º da citada LULL. Com efeito, nenhum obstáculo existe à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança (ou letra), incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge apenas com o preenchimento, quer antes, no momento da emissão, a ele retroagindo a efectivação constante do título por ocasião do preenchimento. Por conseguinte, como refere J. Engrácia Antunes, a letra (ou livrança) em branco corresponde ao documento que, não contendo todas as menções obrigatórias essenciais previstas nos artigos 1.º ou 75.º da LULL, possua já a assinatura de, pelo menos, um dos signatários cambiários (com consciência e intenção de assumir uma vinculação cambiária), acompanhado de um acordo ou pacto de preenchimento futuro das menções em falta.[6] Nestes termos, o pacto de preenchimento pode designar-se como o acto pelo qual as partes no negócio cambiário ajustam os termos ou as condições em que deve vir a ser posteriormente completado o título de crédito, definindo a obrigação cambiária, ou seja as condições relativas ao seu conteúdo, como seja o montante, o vencimento, o lugar de pagamento, etc..[7] Como se define no AC STJ de 25.05.2017[8] “o pacto de preenchimento é o contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária.” A livrança em branco é, portanto, um documento que pode vir a ser um título de crédito, que aspira a sê-lo desde que os intervenientes hajam assumido essa intenção ou possibilidade futura, mas que no momento da sua emissão em branco não adquire logo essa qualidade e continua a não possuir enquanto aqueles elementos não forem preenchidos. Todavia, uma vez preenchidos esses elementos essenciais, a obrigação cambiária já incorporada no título considera-se constituída (deixando, pois, de ser um título incompleto, destituído de valor cambiário), sem prejuízo da questão atinente aos termos desse (posterior) preenchimento e da sua eventual desconformidade. Ora, quanto a este preenchimento e aos seus termos, o que parece resultar do citado artigo 10.º da LULL é que, ainda que o mesmo corresponda ao exercício de um poder atribuído pela LULL ao portador do título a quem o mesmo foi entregue voluntária e conscientemente incompleto (ou seja com a intenção de deixar o seu ulterior preenchimento ao cuidado de outrem), o exercício desse poder de preenchimento do título há-de ser conforme à vontade que presidiu à assinatura do título em branco, seja essa vontade expressa e corporizada no pacto escrito de preenchimento (se existir) ou tácita ou implícita, decorrendo da própria relação fundamental que determinou a criação do título cambiário. De facto, como salienta Ferrer Correia[9], “ninguém subscreve um documento em branco para que a pessoa a quem o transmite faça dele o uso que lhe aprouver; Quem emite uma letra ou livrança em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher sob certos e determinados termos.” O que releva, assim, para efeitos de se poder afirmar que a autorização para o preenchimento foi dada é, segundo cremos, que o interveniente que assinou um título em branco tenha ou deva ter a consciência de aquele documento que assinou (como subscritor ou avalista) se destina a assegurar o cumprimento de uma obrigação pecuniária, que em algum momento a pessoa que o recebeu poderá estar em condições de exigir esse cumprimento e poderá preencher o título para essa finalidade e nos termos dessa finalidade. Coisa diferente, mas que vem apenas depois, é a forma de apurar – já não existência da autorização de preenchimento – mas os termos ou conteúdo dessa mesma autorização, a que se chegará não só através do próprio pacto de preenchimento (reduzido a escrito ou não), como, ainda, da relação estabelecida entre os intervenientes no título e da vontade dos mesmos ao praticarem esse acto jurídico, ainda que para o efeito possa ser necessário proceder à integração das vontades das partes no caso de não ter havido a definição de alguns aspectos desse preenchimento. Vejamos agora a questão da prescrição. A prescrição é tradicionalmente definida como o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante certo período de tempo fixado na lei e que varia conforme os casos.[10] Ao instituto está, por um lado, associada uma valoração negativa da inércia ou negligência do titular no exercício do direito, negligência esta que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito e, por outro, um propósito de protecção do devedor que, a partir da inércia do titular, pode, legitimamente, criar a convicção de que o titular se desinteressou do respectivo exercício e, ademais, por força do decurso do tempo, pode ver-se em particulares dificuldades ao nível da prova de um eventual pagamento; portanto, em qualquer uma das hipóteses, o devedor, quer tenha cumprido, quer não, decorrido o prazo de prescrição pode invocar esta e bloquear a pretensão do credor.[11] No que se refere ao início do prazo de prescrição, como decorre do preceituado no artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil, “O prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido…”. Esta regra é perfeitamente compreensível em face do fundamento do instituto da prescrição: não pode dizer-se que haja negligência da parte do titular dum direito em exercitá-lo enquanto ele o não pode fazer por causas ou razões objectivas, isto é, inerentes à condição do mesmo direito. Dito de outra forma, se a prescrição se funda na inércia injustificada do credor, quando não exerce atempadamente o seu direito, só a partir do momento em que ele está em condições de o fazer se justifica começar a contar o prazo que, uma vez preenchido, vai determinar a prescrição; como assim, é pressuposto indispensável ao decurso do prazo de prescrição que o titular do direito esteja em condições plenas de o exercitar, como emerge do citado artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil.[12] No caso particular das letras e livranças, tendo em conta este princípio geral, o legislador associou o início do prazo de prescrição à data de vencimento constante do título, pois que, naturalmente, a partir desse vencimento, está o portador em condições de exigir aos obrigados cambiários o respectivo pagamento, ou seja, a dívida cambiária mostra-se exigível e passível de ser accionada no caso de não pagamento voluntário. Por outro lado, ainda, o legislador consagrou, neste conspecto, prazos relativamente curtos de prescrição. Assim, e no que releva ao caso dos autos, resulta do preceituado no artigo 70.º, n.º 1, da LULL (tendo-se presente que o subscritor de uma livrança responde nos mesmos termos que o aceitante de uma letra – cfr. artigo 78.º, n.º 1, da LULL) que “Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.” Porém, a questão que se mostra colocada no caso sub judice não é esta, a do prazo de prescrição do título de crédito enquanto tal, à luz do disposto no artigo 70.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (ex vi artigo 77.º do mesmo diploma), mas a da prescrição respeitante à relação subjacente, no caso concreto, a prescrição dos juros remuneratórios – artigo 310.º, alínea d,) do Código Civil – que a apelante/embargante pretende ver apreciada. A questão reveste-se já de particulares dificuldades se, como é o caso dos autos, o título foi emitido em branco e ocorre o seu preenchimento a posteriori pelo respectivo portador, já que a questão sub judice, não se reconduz apenas e só a saber se podia o ora embargado preencher a livrança em causa – questão que cremos ser pacífica –, mas sobretudo, de modo essencial, se devia o apelado preencher a livrança, tendo em consideração o decurso do prazo de prescrição da obrigação subjacente, permitindo a invocação com sucesso da excepção de prescrição, sob pena de não o fazendo, reservando o direito de o fazer em momento oportuno, incorrer em preenchimento abusivo do título, ou, ainda, sob pena de não o fazendo (como não fez), a livrança em causa não poder ser já preenchida. A questão suscitada confronta a matéria da denominada limitação temporal ao preenchimento da letra ou livrança emitida em branco, concretamente a questão de saber se existe ou deve existir um limite temporal ao preenchimento do título em branco por parte do respectivo portador. Nesta matéria é indiscutido que o nosso legislador não consagrou, ao contrário do que sucede em outros ordenamentos jurídicos, um limite temporal a esse preenchimento.[13] Perante este quadro, a jurisprudência nacional, depois de numa primeira fase ter perfilhado o entendimento de que a ausência de previsão legal quanto a tal limitação implicava a estrita validade da data de vencimento que o portador viesse a incluir no título[14] , tem vindo a perfilhar, de forma que cremos ser unânime, o entendimento de que o prazo prescricional previsto no artigo 70.º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.[15] Efectivamente o preenchimento da livrança não pode prescindir do que, nesse conspecto, foi pactuado entre as partes e do que as mesmas podiam objectivamente deduzir ou interpretar a partir do assim pactuado, o que há-de resultar da aplicação ao pacto outorgado das regras de interpretação previstas no artigo 236.º do Código Civil. Recorde-se que é, precisamente, o pacto de preenchimento que confere força e eficácia cambiária ao título emitido em branco, sendo essa a base (quando exista) para a reconstituição da vontade dos que nele intervieram, sem prejuízo do eventual recurso à própria relação subjacente. Como se pode ler no Acórdão do STJ de 13 de Abril de 2011[16] “... o pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária, daí que esse preenchimento tenha atinência não só com o acordo de preenchimento (no fundo o contrato que, como todos, deve ser pontualmente cumprido, artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil); esse regular preenchimento em obediência ao pacto, é o “quid” que confere força executiva ao título, mormente, quanto aos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade”. Neste contexto, o pacto de preenchimento ora em causa, dispõe o seguinte: “1.A 8/04/2011, a Executada, (…), ora Embargante, ajustou com o (…) – Banco (…), S.A. um acordo de abertura de crédito, a conceder pelo Banco à Executada, em tranches de € 500,00 , até ao valor de € 5.000,00, exclusivamente mobilizável através das seguintes linhas de crédito: a) conta corrente caucionada; b) desconto comercial; c) garantias bancárias. 2. Em compensação pela concessão do referido crédito, a Executada obrigou-se a pagar ao Banco juros remuneratórios à taxa de 14,7500000%, cobrados trimestralmente, acrescidos de uma taxa de 4% a título de cláusula penal, imposto de selo sobre a utilização média mensal do crédito, à taxa de 0,04% ao mês, e comissões à taxa de 4,00%. 3. Para garantia do pagamento das quantias referidas no ponto anterior, a Executada entregou, naquela data, uma livrança em branco, por si subscrita, autorizando que o banco procedesse ao seu preenchimento pelo valor em dívida, nas datas que melhor convierem ao banco para a respectiva emissão, vencimento e fixação do local de pagamento.” Ora, em nosso ver, um declaratário razoável, que se pauta pelos ditames da boa-fé, medianamente experiente e informado, inteligente e diligente, do mesmo tipo do declaratário real (artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil – que consagra a teoria da impressão do declaratário), em face da declaração contida no aludido pacto de preenchimento, entenderia ou deduziria que o preenchimento da livrança corresponderia ao que que consta literalmente do clausulado, ou seja, o total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, e juros remuneratórios e consequente vencimento/exigibilidade de qualquer obrigação ou obrigações que para o mesmo resultem do dito contrato subjacente.[17] Em suma, o incumprimento pela devedora das obrigações assumidas é uma condição necessária para o preenchimento da livrança, mas não determinante, ou, porventura com mais clareza, verificado o incumprimento da relação subjacente o embargado podia mas não estava obrigado a preencher a livrança; para um declaratário normal colocado na posição dos apelados, a declaração tem o sentido de o preenchimento da livrança poder ocorrer, verificado o incumprimento, quando se mostre necessário ao accionamento do título e tendo em vista a satisfação coactiva do respectivo crédito. A obrigatoriedade do embargado preencher a livrança tendo em conta “a data do incumprimento parcelar de cada “prestação de juros” vencidos trimestralmente e pagar trimestralmente, desde a data do efectivação do contrato de crédito” (conclusão VIII), não encontra, em nosso ver, apoio na declaração contida no pacto de preenchimento acima referido, interpretado este segundo os cânones previstos no artigo 236.º do Código Civil. Como assim, à luz do exposto, não é possível, sustentar-se que a livrança foi preenchida abusivamente, pois que não se evidencia, à luz do pacto de preenchimento e na interpretação que dele se nos afigura devida, que o portador apenas tivesse que nela inserir “os juros remuneratórios tendo em conta a data do incumprimento parcelar de cada prestação de juros vencidos trimestralmente” – que segundo se consegue inferir das conclusões, será o fundamento do inconformismo da apelante, para além da mera referência aos prazos – ou, ainda, no máximo, que a circunstância de a livrança em apreço se encontrar ainda preenchida quanto ao valor devido a título de juros remuneratórios corresponde a um aplicação ou interpretação abusiva do pacto de preenchimento – pois que para tanto era suposto que esta conduta confrontasse o estipulado no pacto, o que também não tem, em nosso ver e como exposto, fundamento –, ou, ainda, que essa circunstância se traduz numa situação de abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil), na modalidade de suppressio ou venire contra factum proprium, sendo certo que, como tem sido afirmado pela jurisprudência, o mero decurso do prazo, sem mais, não permite ao devedor invocar uma legítima confiança na renúncia por parte do credor ao exercício dos direitos que lhe assistem.[18] Por conseguinte, em conclusão, julgaria improcedente, o recurso de apelação interposto pela embargante, confirmando a decisão recorrida. EDUARDA BRANQUINHO __________________________________________________ [1] Não se desconhece a problemática atinente à faculdade de o credor portador inscrever livremente a data de vencimento no título ou à determinação dessa data de vencimento (cfr. Carolina Cunha, Manual de Letras e Livranças, 2.ª edição, pág. 221 e ss, bem como jurisprudência aí citada), mas à qual não faremos referência por ser irrelevante na discussão do presente recurso. [2] Cfr. Carolina Cunha, ob. cit., pág. 23 e ss. [3] Engrácia Antunes, Os Títulos de Crédito, pág. 41. [4] Daí que se acompanhe o voto de vencido lavrado no Ac. TRE de 11/04/2024, citado na sentença recorrida, no sentido de que «no domínio das relações imediatas, ocorrendo pacificamente a prescrição das obrigações emergentes do negócio causal à emissão da livrança em branco, negócio esse que a justifica e lhe constitui a causa, torna-se inexigível a quantia aposta na mesma livrança pela procedência de uma exceção causal suscitada pelos embargantes.» [5] Ac. do TRC de 25/01/2022 (José Avelino Gonçalves). [6] José Engrácia Antunes, “Os Títulos de Crédito – Uma Introdução”, Coimbra Editora, 2ª edição, 2012, pág. 65, Jorge Pinto Furtado, “Títulos de Crédito”, Almedina, 2000, págs. 144-145 e Ferrer Correia, op. cit., pág. 482. Em sentido oposto, Carolina Cunha, “Manual de Letras e Livranças”, Almedina, 2016, págs. 168, 170, 171 e 178, para quem a letra em branco apenas exige a emissão voluntária de um título incompleto (com ou sem pacto de preenchimento), com intenção de deixar o seu posterior preenchimento a outrem. [7] Vide, neste sentido, por todos, Abel Delgado, “LULL Anotada”, Livraria Petrony, 6ª edição, pág. 73. [8] Processo n.º 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1, in www.dgsi.pt. [9] ob. cit., pág. 484. [10] Vide, neste sentido, por todos, Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II volume, Almedina, 1987, pág. 445. [11] Vide, neste sentido, Manuel de Andrade, op. cit., pág. 446 e Pedro Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, Almedina, 7ª edição, 2014, pág. 327. [12] Vide, neste sentido, por todos, Manuel de Andrade, op. cit., págs. 448-449, ou, ainda, L. Carvalho Fernandes, “Teoria Geral do Direito Civil”, II volume, UCP, 5ª edição, 2014, pág. 699. [13] Vide, neste sentido, com menção das soluções encontradas nessa matéria, no direito italiano e no direito inglês, Carolina Cunha, “Letras e Livranças …, cit., pág. 604 ou, ainda, da mesma Autora, “Manual …”, cit., pág. 200, nota 544, ou ainda da mesma Autora, “Aval e Insolvência”, Almedina, 2017, pág. 80, nota 203. [14] Vide, neste sentido, o Acórdão do STJ de 16.06.1967, Processo n.º 061692, disponível (à presente data) in www.dgsi.pt, citado por Carolina Cunha, “Letras e Livranças …”, cit., pág. 605, nota 194. [15] Vide, neste sentido, por todos, AC RL de 19.04.2012, Processo n.º 27827/05.4YYLSB-A, AC RP de 19.01.2015, Processo n.º 7460/10.0TBMTS-A.P2, AC RP de 24.03.2015, Processo n.º 60/10.6TBMTS.P1, e AC STJ de 20.10.2015, Processo n.º 60/10.6TBMTS.P1.S1, todos in www.dgsi.pt. [16] In www.dgsi.pt [17] Sobre os critérios de interpretação da declaração negocial, vide, neste sentido, por todos, Evaristo Mendes, Fernando Sá, in “Comentário ao Código Civil – Parte Geral”, UCP, 2014, pág. 540 e P. Lima, A. Varela, “Código Civil Anotado”, I volume, Coimbra Editora, 4ª edição, 1987, pág. 223. [18] Vide, neste sentido, com maior desenvolvimento, Acórdão do STJ de 19.10.2017, Processo n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, relator Rosa Tching, disponível in www.dgsi.pt. |