Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2909/21.9T8STB.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: ARRENDAMENTO COMERCIAL
RENDA
INDEMNIZAÇÃO DO ARRENDATÁRIO
Data do Acordão: 01/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Num contrato de arrendamento não habitacional, com prazo certo, inexistindo qualquer cláusula contratual relativa à actualização da renda, aplica-se o n.º 2 do artigo 1077.º do CC, sem que isso configure qualquer modificação inadmissível do contrato.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1- Relatório.

(…), Filhas, Lda., pessoa colectiva veio intentar a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra (…), peticionando a sua condenação ao pagamento da quantia de € 43.382,01 (quarenta e três mil, trezentos e oitenta e dois euros e um cêntimo), à Autora, acrescido dos juros vincendos até à data do integral pagamento, por obrigações decorrentes do contrato de arrendamento não habitacional celebrado entre ambas as partes.
Para tal, alega a Autora que as partes celebraram um contrato de Arrendamento Comercial com Recheio e Equipamento, em 01 de Março de 2017, de um Restaurante, vigorando o mesmo contrato pelo prazo de um ano, automaticamente prorrogável por períodos de tempo sucessivos e de igual duração, tendo sido acordado o valor de renda, aquando da assinatura do mesmo contrato, de € 1.750,00 (mil e setecentos e cinquenta euros) mensais, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor e que em 01 de Fevereiro do ano de 2018 a ora Ré foi devidamente notificada, conforme documento devidamente assinado pela mesma, sobre a renovação do contrato com actualização do valor da renda, que passaria para € 2.000,00 (dois mil euros) mensais, acrescido do valor do IVA à taxa legal vigente, bem como que, de igual forma, no ano de 2019 a Ré foi notificada da outra actualização da renda, que passaria, em Março de 2019, a corresponder o valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos) euros mensais.
Alega que, apesar disso, a Ré continuou a pagar as rendas nos valores de € 1.750,00 (mil e setecentos e cinquenta euros), designadamente até Maio de 2020 (inclusive), pelo que a mesma deve pagar à Autora as quantias correspondentes ao remanescente das rendas no valor actualizado, que totalizam o valor de € 14.250,00 (catorze mil e duzentos e cinquenta euros) e ainda que, desde Fevereiro de 2018, a Ré procedeu ao pagamento das rendas devidas fora do prazo legal, ou seja, posteriormente ao dia 8 de cada mês, o que faz com que a mesma deva ser condenada a pagar à Autora a penalização legal que corresponde a 50% até ao mês de Fevereiro de 2019, e 20% de Abril de 2019 até a data de entrega do locado (Junho de 2019).
Por fim, mais peticiona a Autora a condenação da Ré no pagamento de despesas em que alegadamente incorreu para reparação de anomalias e avarias detectadas no locado após a sua entrega, designadamente € 4.883,01 (quatro mil e oitocentos e oitenta e três euros e um cêntimo) por reparações na instalação eléctrica; € 10.272,00 (dez mil e duzentos e setenta e dois euros) por manutenção e substituição de equipamentos e máquinas; e € 477,00 (quatrocentos e setenta e sete euros) por limpeza de fossas.
Assim conclui que a Ré é devedora da quantia de € 49.382,01 (quarenta e nove mil, trezentos e oitenta e dois euros e um cêntimo), devendo dessa dívida ser deduzida a Garantia prestada no âmbito da celebração do contrato, de € 6.000,00 (seis mil euros).
A Ré impugna a versão da Autora, alegando que as actualizações de renda pela Autora foram notificadas à Ré sem respeito nem cumprimento do prazo e forma legalmente previstos para o efeito, pelo que não deve a Ré pagar os peticionados montantes a título da diferença entre os montantes pagos e as quantias alegadamente actualizadas, mais referindo também não corresponder à verdade que a mesma tenha tacitamente aceite as actualizações de renda e que no que diz respeito aos atrasos de pagamento das rendas, que o legal representante e único gerente da Autora sempre tolerou e aceitou tais pagamentos fora de prazo. Ademais, refere ainda a Ré que não corresponde à verdade que a mesma não tivesse cuidados de manutenção do imóvel ou limpeza das fossas, tanto que, no dia 12 de Junho de 2020 foi realizada uma vistoria no imóvel para entrega do locado, na presença de todos quantos assinaram o respectivo Auto, sendo que todo o recheio e instalação eléctrica do locado se encontravam a funcionar, inexistindo quaisquer danos no mesmo.
Assim sendo, impugna a Ré que os danos cuja reparação a Autora reclama lhe sejam imputáveis.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento da causa.
Foi proferida sentença, na qual foi julgada a presente acção «parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência:
i) Condenar a Ré (…) a pagar à Autora a quantia global de € 11.250,00 (onze mil e duzentos e cinquenta euros – a título do diferencial entre os montantes devidos a título de renda e os montantes efectivamente pagos, nos meses de Março de 2019 a Maio de 2020) acrescida de juros de mora, contabilizados sobre as quantias individuais de € 750,00, com início em cada primeiro dia útil dos meses de Março de 2019 a Maio de 2020, respectivamente e até ao efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano;
ii) Condenar a Ré (…) a pagar à Autora a quantia de € 2.000,00, a título de indemnização pela mora (nos meses de Março, Abril, Agosto e Setembro de 2019) na entrega da renda devida; e
iii) Absolver a Ré do demais peticionado.»
Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso contra a mesma, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«a) Visa o presente recurso, a revogação da Douta decisão proferida no Processo n.º 2909/21.9T8STB, que correu termos pelo Juízo Local Cível de Setúbal – J3, do Tribunal Judicial da Comarca De Setúbal, na parte em que condena a Ré, ora Apelante, (…), no pagamento à Autora, ora Apelada, (…) e Filhas, Lda. da quantia global de € 11.250,00 (onze mil e duzentos e cinquenta euros) a título de diferenciais entre os montantes devidos a titulo de renda, e os montantes efetivamente pagos, nos meses de março de 2019 a maio de 2020, acrescida de juros;
b) A referida condenação decorre do declarado incumprimento das alegadas obrigações decorrentes de um contrato de locação de estabelecimento comercial, Restaurante (arrendamento para fins não habitacionais e com prazo certo, celebrado entre ambas as partes em 01 de março do ano de 2017, pelo prazo de 1(Um) ano, automaticamente prorrogável por períodos de tempo sucessivos e de igual duração, com o valor de retribuição mensal acordado de € 1.750,00 (mil e setecentos e cinquenta euros) acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
c) Constata-se padecer a Douta sentença do Tribunal a quo, de erro de Direito, incorrendo em incorrecta interpretação e aplicação das atinentes normas legais à matéria dada como provada, mormente por ter considerado operante a comunicação de actualização de rendas e de denúncia/oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado, remetida pela A./apelada à Ré/apelante em 17.01.2019 (recebida em 21.01.2019), por ter-se considerado respeitados os requisitos legais e, bem assim, por inexistência de oposição expressa da Ré/apelante a tal comunicação;
d) Acontece que, por um lado a Ré/apelante efectivamente respondeu, algo que o Douto Tribunal não chegou, por lapso a considerar, pois não atentou devidamente quanto à carta datada de 26 de março de 2019 junta pela A/Apelada, em que a mesma refere e acusa a recepção da carta enviada pela R/ Apelante em 07 de março de 2019;
e) No sentido atrás referido, e além do mais, ressalta do comportamento da Ré/apelante a não aceitação da renda proposta pela A./apelada, porquanto esta procedeu ao pagamento do montante referente à renda de Março de 2019 (mês da renovação) no montante anteriormente vigente e estipulado no contrato;
f) Acresce ainda dizer, quanto à pretendida atualização, que esta não tendo sido estipulada contratualmente, faz com que seja aplicada a disposição legal relativa à atualização de rendas, regulada pelo n.º 1 do artigo 1077.º do Código Civil, que determina que a actualização terá que ser levada a cabo de acordo com os coeficientes legais anualmente fixados;
g) Uma vez que o contrato celebrado entre as partes corresponde a um contrato com prazo certo, a actualização pretendida pela A/Apelada não consubstancia uma actualização legalmente estabelecida, sendo certo que o contrato celebrado até é completamente omisso quanto a qualquer forma de actualização;
h) Para formar o juízo condenatório a que chegou deu o Tribunal a quo prevalência ao conteúdo contratual, estipulado pelas partes, na qual se previa um prazo de 30 dias para efeitos de comunicação tendente à “denúncia” do contrato de locação firmado, desconsiderando para tal efeito as normas de conteúdo imperativo existentes e relativas à resolução, denúncia e oposição à renovação tal como previsto no artigo 1080.º do Código Civil;
i) No que tange ao contrato em causa aplicam-se as normas do CC e o NRAU, regendo para o contrato de arrendamento para fins não habitacionais o disposto no artigo 1108.º do Código Civil que manda aplicar as regras da subsecção dos arrendamentos urbanos para fins não habitacionais, bem como com as necessárias adaptações e em conjunto com o regime geral da locação civil;
j) Importa fazer notar que o principio da prorrogação obrigatória do prazo contratual a favor do inquilino, consagrado no artigo 1095.º do Código Civil, assumindo natureza imperativa, constitui norma de interesse e ordem públicos, que não pode ser afastado pela vontade das partes;
k) Quanto à situação dos autos, dispõe o artigo 1055.º quanto à Oposição à renovação que:
“1 - A oposição à renovação tem de ser comunicada ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte: c) 60 dias, se o prazo for de um a seis anos;
l) Tratando-se de um contrato com prazo certo, na estipulação do mesmo, dispõe o artigo 1095.º que: “1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato;
m) A matéria que in casu releva, encontra-se regulada nas disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais, sendo dado o âmbito de aplicação no artigo 1108.º do CC., que explana que: “As regras da presente subsecção aplicam-se aos arrendamentos urbanos para fins não habitacionais, bem como, com as necessárias adaptações e em conjunto com o regime geral da locação civil, aos arrendamentos rústicos não sujeitos a regimes especiais;
n) Com especial interesse nesta secção, temos o disposto no artigo 1110.º do referido Diploma que dispunha na redacção vigente à data da celebração do contrato, e sobre a Duração, denúncia ou oposição à renovação, o seguinte: “1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação“;
o) Ocorre que o artigo 1110.º do CC sofreu alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro;
p) Resulta quanto ao n.º 1 do referido preceito que foi aditado um segmento final que determina “sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte”;
q) Sendo que nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado normativo, aplicável por força do n.º 1 do artigo 1109.º do mesmo diploma, “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º” e “Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação;
r) Ora, tal interpretação não foi a seguida pelo Tribunal a quo, que fez prevalecer o entendimento de que a comunicação realizada pela A/apelada à Ré/apelante era válida e eficaz, com respeito ao artigo 9.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006;
s) E não se pretenda por inaplicáveis as apontadas alterações, alegando-se que estas são posteriores à celebração do contrato e à data da comunicação para a pretendida “denúncia”, porquanto e de acordo com as mais recentes jurisprudência e doutrina, “estabelece o n.º 2 do artigo 12.º do CC que quando a Lei nova dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a Lei abrange as próprias relações jurídicas já constituídas, que subsistiam à data da sua entrada em vigor”;
t) Assim, a Lei n.º 13/2019, é de aplicar de modo directo e imediato aos contratos de arrendamento urbano não habitacional vigentes em 13.02.2019, algo que o Tribunal a quo não fez;
u) Isto significa que o contrato de arrendamento celebrado não cessou por efeito da pretendida denúncia / oposição à renovação, pois que, e independentemente do prazo estipulado pelas partes (in casu, 1 ano), nos primeiros 5 anos após o início do contrato, o senhorio não poderia opor-se à renovação. Porque o contrato teve o seu início em 01.03.2017, logo só completaria os 5 anos em 28.02.2022. Consequentemente, a comunicação para a pretendida oposição à renovação ocorrida por efeito da missiva datada de 17.01.2019, recepcionada a 21.01.2019, nunca poderia produzir os seus efeitos, não sendo assim operante de julgar operante, como erradamente considerou o Douto Tribunal a quo;
v) Não sendo operante, quer a referida renovação quer a pretendida actualização não produzirão efeitos, pois o contrato estava vigente nos seus precisos termos e condições, maxime o valor da renda;
w) Sem prescindir quanto ao antecedentemente exposto, constata-se a errada interpretação legal no que tange ao prazo dos 30 dias para o aumento da renda nos termos em que o foi, pois apenas se prevê tal prazo para efeitos de comunicação de actualização da renda, mas apenas por reporte aos coeficientes legais anualmente fixados, sendo que o Tribunal considera os 30 dias válidos para efeitos de oposição à renovação contratual;
x) Não descurando o que atrás se explana quanto às alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, o elemento fundamental para dirimir a questão da validade e eficácia da oposição à renovação do contrato, passa pela determinação da natureza imperativa ou supletiva da norma do artigo 1097.º do CC. Sobre esta matéria, dispõe o artigo 1080.º do CC, que as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário, pelo que, todas as normas que versem sobre as referidas matérias não podem ser afastadas por vontade das partes, a menos que exista norma que ressalve essa possibilidade, o que não é o presente caso;
y) Só poderia ser impedida a renovação automática deste contrato mediante a comunicação escrita, enviada através de carta registada com AR, remetida para o arrendado, com uma antecedência mínima prevista no disposto no artigo 1055.º, n.º 1, alínea b), do CC, que é de 60 (sessenta) dias, relativamente ao termo do período inicial do contrato ou de qualquer das suas renovações”;
z) Desta feita, resta concluir que a decisão recorrida ao decidir pela validade e eficácia da oposição à renovação do contrato merece censura, tendo o recurso de proceder;
aa) Mal andou a sentença quando admitiu como válida e eficaz a denúncia-oposição à renovação do contrato, aferida não como denúncia mas como oposição à renovação automática do contrato de locação de estabelecimento comercial, sendo certo que a deveria ter considerado não estipulada, uma vez que o prazo convencionado não prevalece sobre a norma imperativa (artigo 1080.º CC e 1097.º CC);
bb) Finalmente e ainda sem prescindir quanto ao demais alegado, de resto como já supra aflorado, porquanto na dita missiva de comunicação de denúncia vinha ínsita uma condição para a prorrogação contratual, tal não pode sob qualquer prisma ter-se por lícito, pois que coloca em crise a estabilidade das obrigações e vínculos constituídos no âmbito da segurança conferida pelo contrato;
cc) Tais condições impostas unilateralmente, são, aliás, de conteúdo contraditório: ou bem que o senhorio pretende actualizar a renda e desse modo naturalmente pretende a manutenção do contrato existente ou sub-repticiamente pretende a formação de um novo contrato, ou bem que já não quer que o contrato se renove;
dd) Só se podendo extrair dessa actuação da A/Apelada para com a R/ Apelante que era pretensão daquela ao abrigo da duração anual do contrato condicionar e coagir a R/Apelante, a aceitar uma condição nova, não integrante do contrato, e ao acordo consensual anteriormente estabelecido e que era a do aumento da renda;
ee) Comportamento da A./apelada que surge agravado, porquanto, já em momento anterior, a intenção desta se havia manifestado no mesmo sentido, que sem pejo vem a reiterar uma segunda vez.
ff) Donde sem margem para dúvidas, se extrai que a denúncia-oposição, foi mero expediente utilizado pela A/Apelada para contornar a Lei, e assim conseguir o pretendido aumento de renda, mesmo violando o contrato existente entre as partes;
gg) Em resumo, com a interpretação dada aos factos pelo tribunal, e correspetiva equivocada aplicação da lei, em detrimento dos direitos da R/ Apelante, consegue a A./ Apelada o melhor de dois mundos: concretiza a denúncia, que vale apenas para os contratos de duração indeterminada/sem termo, quando sabe que estipulou prazo certo de duração do contrato, e simultaneamente, beneficia dos 30 (trinta dias) acordados/convencionados, prazo em muito inferior ao legal, e vê-se ainda beneficiada com a admissão do aumento da renda, sem fundamento para o fazer.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO, E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVE SER ALTERADA A DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA, NO SENTIDO DA ABSOLVIÇÃO DA RÉ ORA APELANTE.
DESSA FORMA SE ALMEJARÁ A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA! »
Não há contra-alegações.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
São os seguintes os factos dados como provados na 1.ª instância:
1. A Autora e a Ré celebraram, em 01 de Março de 2017, um «contrato de Arrendamento Comercial Com Recheio e Equipamento», mediante o qual a primeira cedeu à segunda o imóvel sito na Estrada Nacional (…), n.º (…), r/c, Esq., ora designada Rua (…), n.º (…), Setúbal, freguesia (...), em que se encontrava instalado o restaurante denominado “Restaurante (…)”.
2. O imóvel em que se situa o restaurante referido no ponto anterior encontra-se descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º (…), e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º (…), da respectiva freguesia.
3. No acordo descrito em 1, constam ainda, na qualidade de «Fiadores»: (…), solteira, NIF: (…), cartão de cidadão n.º (…), válido até 07.07.2020, residente na Rua (…), n.º (…), Setúbal; e (…), divorciado, NIF: (…), cartão de cidadão n.º (…), válido até 14.10.2019, residente na Rua (…), n.º (…), Setúbal.
4. Na «Cláusula Terceira» do acordo celebrado entre as partes consta: “O Segundo Outorgante pagará ao Primeiro Outorgante na data de assinatura do presente contrato:
1. A título de retribuição, a importância mensal de € 1.750,00 (mil, setecentos e cinquenta euros) acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
2. Sempre que se verifique atraso no pagamento desta retribuição, acrescerá à mesma o valor de penalização de 50%.”
5. Na «Cláusula Quarta» do acordo celebrado entre as partes consta: “1- O Segundo Outorgante obriga-se a:
a) Empregar todo o zelo e diligência no uso dos bens que lhe são confiados, suportando todos os encargos com a sua manutenção; o uso indevido dos equipamentos implica sempre o pagamento da correspondente indemnização, nos termos gerais de direito. (…)
e) Proceder, quando necessário, à limpeza da fossa geral e da fossa de gorduras que serve o Estabelecimento / Restaurante objecto de arrendamento do presente contrato.”
6. Na «Cláusula Quinta» do acordo celebrado entre as partes consta: “O presente contrato de locação tem início no dia 1 de Março de 2017, e vigorará pelo prazo de um ano, prorrogando-se automaticamente por períodos de tempo sucessivos e de igual duração, excepto se ocorrer denúncia de qualquer das partes, através de carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias relativamente ao termo do contrato ou da sua renovação”.
7. Na «Cláusula Nona» do acordo celebrado entre as partes consta: “São partes integrantes do presente contrato os Anexos I, Contrato de Garantia e o Anexo II, Auto de Inventário.”
8. Na «Cláusula Primeira» do “Contrato de Garantia” anexo ao acordo celebrado entre as partes consta: “1 - O Primeiro Outorgante receberá do Segundo Outorgante a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros), a título de garantia dos equipamentos instalados no estabelecimento / comercial restaurante, sito na Estrada Nacional (…), n.º (...), r/c, Esq., ora designada Rua (…), n.º (…), Setúbal, freguesia (...), a qual manter-se-á até ao final da vigência do Contrato de Arrendamento em vigor para o local, fazendo parte integrante do referido Contrato de Arrendamento Comercial com Recheio e Equipamentos, como anexo.
2 – O valor desta quantia transita do valor da anterior garantia existente e em nome de (…), que autoriza a respectiva transição e transmissão pelo que assina (…)”
9. Na «Cláusula Terceira» do “Contrato de Garantia” anexo ao acordo celebrado entre as partes consta: “A garantia será reembolsada ao Segundo Outorgante quando, cessado o contrato de arrendamento do estabelecimento supra referido, desde que verificados todos os equipamentos aí existentes e estes se encontrem nas devidas condições registadas no inventário respectivo”.
Consta do inventário anexo ao acordo celebrado entre as partes a referência a, entre o mais: “(…) Máquina Lavar Loiça pequena – 1 Máquina de gelo – 1 (…) Ar condicionado – 3 (…) Frigorifico Vertical c/1 porta SOVIFRIGI – 1 Frigorifico Vertical c/2 portas SOVIFRIGI – 1 Frigorifico horizontal c/3 portas SOVIFRIGI – 1 (…)”.
10. Em 01 de Fevereiro de 2018, o gerente da Autora entregou em mão, a (…), uma comunicação escrita com o assunto “Cessão de Exploração e Contrato de Arrendamento Comercial Restaurante (…)”, com o seguinte teor: “Como é do V/ conhecimento, V/Ex.ª termina no próximo dia 01 de Março, o Contrato de Cessão de Exploração e Arrendamento do Estabelecimento “Restaurante (…)”, sito na (…). Assim, apesar de alguns incumprimentos por parte de Vossas Ex.ªs, nomeadamente quanto a entrega mensalmente do seguro, ao pagamento atempado da renda no dia estabelecido, bem como ao valor da mesma, vimos informar o seguinte:
1 – A renovação do Contrato poder-se-á equacionar se forem cumpridos nomeadamente os seguintes itens:
a) Pagamento do valor da renda na data estabelecida, dia 8 de cada mês.
b) Pagamento do valor integral da renda e não o valor aproximado.
c) O valor da renda ser fixado em € 2.000,00 mensais, acrescido do valor do IVA à taxa legal em vigor. (…)
e) Manutenção e conservação de todos os equipamentos em uso, após vistoria.
f) Manutenção das fossas em condições de higiene e limpeza permanente. (…)
h) Resposta no prazo de 10 dias, ao supra referido.”.
11. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 20 de Março de 2018, a Ré informou o legal representante da Autora entender que a renda devida corresponde ao montante inicialmente acordado.
12. No dia 20 de Março de 2018, a Autora remeteu à Ré, através de carta registada com aviso de recepção, recebida por esta a 04 de Abril de 2018, uma nova comunicação com o seguinte teor: “1 – Como é do conhecimento de V. Ex.ª, foi notificada, no passado dia 01/02/2018, de que a renda do arrendamento (…) passou a ser, a partir de 1 de Março de 2018, de € 2.000,00, acrescido de IVA à taxa legal.
2 – Porém, foi feito por V.Ex.ª, em 12/03/2018, o depósito de apenas € 1.750,00 acrescido de IVA à taxa legal.
3 – Acresce que tal depósito, para pagamento da renda, foi feito alguns dias depois do prazo legal, dia 8 de cada mês.
Assim, nos termos legais, deve tal renda, por ter sido paga fora de prazo, para ser considerada válida e legal, ser acrescida de 50% do valor, ou seja € 1.000,00, valor que se reclama.
Assim, venho solicitar a V. Ex.ª se digne:
a) Proceder ao pagamento do valor remanescente da atualização da renda dos meses de Março e Abril, que é de € 500,00 (250 + 250 euros) acrescido de IVA à taxa legal.
b) Seja o valor das rendas acrescido de 50% do respectivo valor, por terem sido pagas fora do prazo, ou seja, € 1.000,00 + € 1.000,00 = € 2.000,00 acrescido de IVA à taxa legal (…)”
13. Em 17 de Janeiro de 2019, a Autora remeteu à Ré, através de carta registada com aviso de recepção, recebida por esta a 21 de Janeiro de 2019, uma comunicação com o assunto “Actualização da Renda para 2019 e Renovação do Arrendamento sito na Rua (…), n.º (…)” com o seguinte teor: “Iniciado o ano de 2019 e estando a terminar o Contrato de arrendamento com V. Ex.ª supra referido venho informar, caso haja acordo para a renovação do Contrato por mais um ano, o seguinte:
1 – Renda é actualizada para o valor de € 2.500,00 mensais, acrescido do IVA à taxa legal em vigor.
2 – As obras necessárias no arrendamento deverão ser realizadas e suportadas por V. Ex.ª.
3 – Realização de uma Vistoria ao arredado e respectivos equipamentos. (…)”.
14. Até Junho de 2020 (inclusive) a Ré entregou à Autora, mensalmente, a quantia de € 1.750,00 (mil e setecentos e cinquenta euros) acrescido de IVA, sendo que, nos meses de Janeiro a Setembro de 2019, tais entregas foram efectuadas nas seguintes datas:
- Janeiro: transferência bancária realizada a 08 de Janeiro de 2019, no valor de € 2.155,00;
- Fevereiro: uma primeira transferência bancária, realizada a 08 de Fevereiro de 2019, no valor de € 1.252,50, e uma segunda transferência bancária, realizada a 12 de Fevereiro de 2019, no valor de € 1.000,00;
- Março: transferência bancária realizada a 12 de Março de 2019, no valor de € 2.152,50.
- Abril: transferência bancária realizada a 12 de Abril de 2019, no valor de € 2.152,50.
- Maio: transferência bancária realizada a 09 de Maio de 2019, no valor de € 2.152,50.
- Junho: transferência bancária realizada a 10 de Junho de 2019, no valor de € 2.152,50.
- Agosto: transferência bancária realizada a 12 de Agosto de 2019, no valor de € 2.152,50.
- Setembro: transferência bancária realizada a 13 de Setembro de 2019, no valor de € 2.152,50.
15. Em 21 de Janeiro de 2020, a Autora remeteu à Ré uma comunicação, mediante remessa de carta registada com aviso de recepção, com o seguinte teor: “(…) Pretende denunciar o contrato de arrendamento comercial com recheio e equipamento, celebrado com V. Ex.ª no dia 1 de março de 2017 e renovado em 2018 e 2019, com efeito a partir do dia 1 de março se 2020, pf, comunicação feita nos termos e prazos legais prescritos para o efeito”.
16. Não obstante o exposto no ponto que antecede, a Ré manteve o funcionamento do restaurante instalado no imóvel em causa nos autos durante o mês de Março de 2020.
17. No dia 11 de Junho de 2020, (…), (…), (…) e (…) realizaram tarefas de limpeza e inventário ao estabelecimento comercial em causa nos autos.
18. Na data referida no ponto anterior, (…) e (…) colectaram as gorduras existentes na fossa destinada a esse efeito, tendo as mesmas gorduras sido recolhidas por um trabalhador da empresa (…), no período da tarde.
19. Na mesma data, mais concretamente da parte da tarde, estiveram ainda presentes no local (…) e (…), tendo levado a cabo uma verificação dos equipamentos existentes no local, constatando que:
a) todos os três ares condicionados se encontravam a funcionar, produzindo ar frio e/ou quente;
b) o quadro de electricidade da sala de refeições principal não apresentava anomalias, i.e., não apresentava disjuntores nem cabos queimados;
c) a máquina de gelo ligava à corrente eléctrica;
d) a máquina de lavar loiça pequena, presente no balcão de atendimento, ligava à corrente eléctrica;
e) todos os três frigoríficos ligavam à corrente eléctrica;
f) todas as lâmpadas e interruptores do locado se encontravam a funcionar.
20. No dia 12 de Junho de 2020, pelas 10h00, foi realizada uma vistoria ao restaurante em causa nos autos, em que a Autora recebeu da Ré as chaves.
21. Na data referida no ponto anterior, todos os equipamentos existentes no imóvel foram colocados a trabalhar.
22. Na mesma data foi realizada uma conferência de inventário de todo o recheio do imóvel, tendo sido elaborado um “Auto de Entrega”, assinado pelas partes (tendo a Ré sido representada por …), em que ficou a contar que “Concluída a verificação do inventário, verificam-se as seguintes ocorrências: Nenhuma ocorrência a assinalar resultante do presente inventário, ficando a aguardar aferir o resultado da vistoria técnica às máquinas inventariadas”.
23. Em dia não concretamente apurado, entre os meses de Junho e Julho de 2020, foi realizada pela Autora uma vistoria às máquinas e equipamentos eléctricos do locado, em que estiveram presentes (…), electricista, e (…), técnico de manutenção de equipamentos na empresa (…).
24. Em 27 de Julho de 2020, (…) elaborou um orçamento à Autora, no valor de € 3.970,00, acrescido de IVA à taxa em vigor, para «remodelação de quadros e instalação eléctrica no restaurante», com a seguinte ordem de serviços:
- Remodelação do quadro geral no restaurante;
- Substituição do equipamento de corte e protecção do quadro geral, instalando quadro novo, interruptor de corte e protecção, disjuntores monofásicos e trifásicos, barramento de escada trifásico de 145 A para divisão de circuitos;
- Revisão da instalação eléctrica de iluminação e tomadas;
- Montagem de 26 placas de led no teto falso;
- Montagem de 12 armaduras de emergência;
- Montagem de 12 chapas sinaléticas fotoluminescentes;
- Remodelação do quadro da sala para montagem de equipamento de contagem da EDP;
- Montagem de caixa para alojamento de disjuntor da EDP, e cabos para ligação do mesmo;
- Revisão da instalação do quadro;
- Revisão da instalação de iluminação da sala e tomadas;
- Revisão da instalação da cozinha, iluminação e tomadas.
25. (…) iniciou os trabalhos orçamentados e referidos no ponto anterior em meados do mês de Dezembro de 2020.
26. Em 29 de Julho de 2020 a empresa (…), Comércio de (…), Lda., efectuou um orçamento à Autora, no valor global de € 10.272,00 (dez mil e duzentos e setenta e dois euros), referentes aos seguintes artigos e serviços:
- 1 (um) AR CONDICIONADO SPLIT CASSETA INVERTER GENERAL AUG 24-K-KA – € 2.140,00;
- 1 (um) AR CONDICIONADO SPLIT CHÃO / TETO ABG 30 UIA LR – € 2.840,00;
- 1 (um) COMPRESSOR NEK 6181 GR – € 420,00;
- 1 (um) COMPRESSOR EMT 6152 GR – € 380,00;
- 1 (um) FILTRO SECADOR 25 GR – € 32,00;
- 1 (um) MÁQUINA LAVAR LOIÇA 350 – € 950,00;
- 1 (um) MÁQUINA FABRICO GELO SL 60 – € 1.350,00;
- 8 (oito) MÃO DE OBRA – € 240,00.
27. Os equipamentos e serviços referidos no ponto anterior foram contratados e pagos pela Autora.
28. Em 03 de Agosto de 2020 a Autora recorreu aos serviços da empresa (…), Limpeza, (…) e (…), S.A., que levou a cabo um serviço de limpeza, aspiração de fossa e desobstrução das caixas colectoras existentes no Restaurante (…), em Setúbal, tendo aí sido detectadas as seguintes anomalias: “No decorrer da limpeza verificou-se grandes acumulações de gorduras”.
29. O serviço referido no ponto anterior teve um custo de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), acrescido do IVA à taxa de 23% de € 27,00 (vinte sete euros) totalizando € 477,00 (quatrocentos e setenta e sete euros), montante que foi despendido pela Autora.
30. O legal representante da Autora, (…), deu o seu assentimento à Ré no pagamento de uma renda após o dia 8 do mês correspondente, em data não concretamente apurada.
31. Em 24 de Dezembro de 2019, a Ré inseriu o recheio do restaurante tipo tradicional, localizado em «R (…), 2910-011 Setúbal» no contrato de seguro, denominado de «Multirriscos Empresarial”, com apólice n.º (…).

3.2) Factos não Provados
A. Que a Ré tenha entregue os montantes correspondentes a rendas mensais após o dia 08 de cada mês correspondente, entre Fevereiro e Dezembro de 2018; em Julho e Outubro a Dezembro de 2019, e entre Janeiro e Junho de 2020.
B. Que, no dia 12 de Junho de 2020:
- os quadros de electricidade, disjuntores, fios e cabos existentes no imóvel se apresentavam queimados;
- estava em falta um equipamento de corte de potência (diferencial);
- existia uma “puxada” de electricidade para a segunda sala de refeições existente no imóvel;
- existiam lâmpadas queimadas;
- os frigoríficos existentes no imóvel estivessem sem gás e/ou compressores de frio;
- que os Ares condicionados não funcionassem;
- que uma das máquinas de lavar loiça e a máquina do gelo padecessem de avaria.
C. Que o legal representante da Autora, (…), tenha dado sempre o seu assentimento à Ré no pagamento das rendas após o dia 8 do mês correspondente.



2 – Objecto dos recursos.

As questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos do artigo 684.º, n.º 3, do CPC:
1ª Questão – Saber se a comunicação da A. à Ré, datada de 17.01.2019 e recepcionada a 21.01.2019, traduz uma modificação contratual inadmissível.
2ª Questão – Saber se a comunicação da A. à Ré, datada de 17.01.2019 e recepcionada a 21.01.2019, é operante (por válida e eficaz).


3 - Análise dos recursos.

1ª Questão – Saber se a comunicação da A. à Ré, datada de 17.01.2019 e recepcionada a 21.01.2019, traduz uma modificação contratual inadmissível.

No caso em apreciação, mostra-se pacificamente assente nos autos que, as partes celebraram a Autora/Recorrida, como locadora e a Ré/Recorrente, como locatária, um contrato de arrendamento comercial.
A sentença considerou que a comunicação efectuada pela A. corresponde a uma proposta de renovação já que o contrato tinha o prazo de 1 ano.
A sentença também não reconheceu tal comunicação enquanto denúncia, concluindo que o contrato se renovou automaticamente em 1 de Março de 2018 e considera que por falta de oposição à comunicação de actualização esta é operante.
Não se vislumbra claramente de que forma a recorrente discorda da sentença: a recorrente faz apelo ás alterações do artigo 1110.º, n.º 1, do CC introduzidas pela Lei 13/2019, de 12.02 para concluir que o contrato não cessou pela pretendida denúncia e por isso a pretendida actualização não pode produzir efeitos (?) mas também é esta a posição da sentença.
Note-se que a recorrente entregou o locado no dia 12 de Junho de 2020 – fls. 238.
Ora, a entrega da chave do locado ao senhorio materializa a entrega do próprio locado. Aceitando este a chave, com o que aceita a entrega do locado, ocorre, em regra a extinção do contrato de arrendamento por revogação real do contrato.
Trata-se da cessação do contrato por acordo, o que consiste na sua revogação, ou seja, na destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato - vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., pág. 279.
Com efeito, a entrega e o recebimento das chaves envolve a execução imediata da obrigação de entrega do locado, a situação é, efetivamente, de revogação real, válida independentemente de forma escrita, nos termos do disposto no artigo 1082.º, n.ºs 1 e 2, do CC, pelo que não há qualquer utilidade em conhecer da sua extinção (certamente por isso a Autora nada pede a tal propósito).
E por isso, em causa está assim apenas o pagamento das rendas com ou sem actualização.
A recorrente discorda da sentença, na medida em que a mesma conclui que deve pagar 11.250,00 euros correspondentes ao diferencial das rendas do que pagou entre março /2019 a Maio/2020.
De forma pouco clara, parece-nos que a recorrente defende que, porque o contrato não se refere à actualização deve aplicar-se o artigo 1077.º, n.º 1, do CC e que, tratando-se de um contrato com prazo certo, o que ocorreu foi uma modificação inadmissível do contrato.
Vejamos:
A sentença considerou que a referida comunicação respeitou a forma e prazo legalmente exigíveis, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27.02, tendo a partir daí feito relevar a existência do prazo constante do contrato celebrado e que a Ré aceitou tacitamente a actualização da renda (por não ter respondido).
A recorrente defende que à pretendida atualização, “não tendo sido estipulada contratualmente, faz com que seja aplicada a disposição legal relativa à atualização de rendas, regulada pelo n.º 1 do artigo 1077.º do CC”, que dispõe o seguinte :
«1- As partes estipulam, por escrito, a possibilidade de atualização da renda e o respectivo regime.
2- Na falta de estipulação, aplica-se o seguinte regime:
a) A renda pode ser actualizada anualmente, de acordo com os coeficientes de actualização vigentes;
b) A primeira actualização pode ser exigida um ano após o início da vigência do contrato e as seguintes, sucessivamente, um ano após a actualização anterior;
c) O senhorio comunica, por escrito e com a antecedência mínima de 30 dias, o coeficiente de actualização e a nova renda dele resultante; (…)”
Alega a recorrente que “esta actualização de renda não corresponde a uma atualização de renda nos termos do disposto no artigo citado supra (1077.º/1, CC), uma vez que o contrato celebrado entre as partes corresponde a um contrato com prazo certo, não correspondendo a actualização pretendida pela A/Apelada a uma actualização legalmente estabelecida, sendo certo que o contrato celebrado é completamente omisso quanto a qualquer forma de actualização.
Com a comunicada actualização de renda, apresenta a A./ Apelada, alteração ao contrato vigente entre as partes, por apresentar um novo valor para a renda, o que se traduz em alterar as condições contratuais existentes, da qual resulta uma modificação contratual, sem consenso, porquanto este tipo de contrato está sujeito a formalismo, tem que ser reduzido a escrito, não podendo ser retirado qualquer aceitação tácita por parte da R/Apelante pelo facto desta não ter formalmente respondido (…) Para haver um contrato e como decorre do disposto no artigo 232.º do Código Civil é necessário, em primeiro lugar, um requisito relativo ao conteúdo – que haja um acordo entre as partes. E em segundo lugar, um requisito de ordem formal – as declarações contratuais tem que ser emitidas com a forma adequada.»
Não se vislumbra claramente o sentido das alegações.
Porém, se se pretende defender que não há actualizações legais num contrato com prazo certo, onde nada se menciona a tal respeito, importa dizer o seguinte:
Parece-nos que o princípio é o da livre estipulação das actualizações pretendidas, consagrado no artigo 1077.º, n.º 1, do CC e o n.º 2 estabelece o regime supletivo.
A lei impõe que a actualização da renda seja efectuada após 1 ano de vigência do contrato.
Essa é a única limitação.
Salvo o devido respeito, a duração mínima do contrato e a actualização da renda são coisas distintas, que a recorrente parece confundir.
Inexistindo qualquer clausula contratual relativa à actualização aplica-se o n.º 2 do supra citado artigo, sem que isso configure qualquer modificação inadmissível do contrato, pelo que improcede nesta parte o recurso.


2ª Questão – Saber se a comunicação da A. à Ré, datada de 17.01.2019 e recepcionada a 21.01.2019, é operante (por válida e eficaz)

Por outro lado, a recorrente defende que a comunicação de actualização da renda não é operante.
É o seguinte o regime previsto para a comunicação:
Artigo 9.º
Forma da comunicação
1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.
2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.
3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior.
4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede.
5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele.
6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção.
7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante:
a) Notificação avulsa;
b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original;
c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação.
Artigo 10.º
Vicissitudes
1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la ou não a ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais;
b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se:
a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência;
b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.»
Argumenta a recorrente que, efectivamente, respondeu à comunicação, pois na carta datada de 26 de março de 2019 junta pela A, esta refere e acusa a recepção da carta enviada pela R/ Apelante em 07 de março de 2019, pese embora não tendo a Ré logrado encontrar a mesma a fim de a juntar aos autos.
Em causa está o apelo a matéria de facto, não contemplada nos factos alegados e da qual não houve impugnação, pelo que improcede necessariamente este argumento da recorrente.
Argumenta ainda que, resulta do seu comportamento a não aceitação da renda proposta pela A. porquanto aquela procedeu ao pagamento do montante referente à renda de Março de 2019 (mês da renovação) no montante anteriormente vigente e estipulado no contrato o que é claramente revelador da sua não aceitação/oposição ao montante então proposto.
Também quanto a este aspecto entendemos que não tem razão.
Com efeito, decorre do teor do artigo 9.º (Forma da comunicação) do RAU que as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas à atualização da renda têm que revestir a forma escrita assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção, pelo que é irrelevante e inconclusiva nesta matéria a interpretação do comportamento das partes.
Desta forma a Ré teria que ter transmitido por escrito a sua posição, o que não fez.
Logo, como se conclui na sentença, atenta a sua não oposição, a Ré é devedora da quantia peticionada pela Autora, em função da diferença entre os valores pagos por aquela a título de renda mensal e as quantias actualizados pela Autora, nos anos de 2018 e 2019;

Sumário: (…)

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 25.01.2023
Elisabete Valente
Ana Isabel Pessoa
José António Moita