Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
53/22.0T8PTG.E1
Relator: ANA PESSOA
Descritores: LEGADO
TESTAMENTO
ARRENDAMENTO
RENÚNCIA AO MANDATO
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário1:
I. Os efeitos processuais da renúncia ao mandato e da não constituição de (novo) mandatário no prazo de 20 dias encontram-se taxativamente elencados nas alíneas do citado n.º 3 do artigo 47.º, sendo que, se a falta for do réu, a lei prescreve expressamente o prosseguimento dos termos do processo e o aproveitamento dos atos anteriormente praticados, à exceção do pedido reconvencional nos termos do n.º 6 do mesmo normativo.

II. Resultando da factualidade provada que, no mesmo testamento pelo qual a ora Apelante foi instituída herdeira, dispôs também a testadora que era sua vontade que os Réus continuassem como arrendatários dos referidos prédios, com a renda anual de 200.000$00, a qual só poderia ser alterada com o acordo dos ora apelantes, não se pode senão concluir que no referido testamento a testadora onerou os imóveis com um direito de arrendamento em beneficio dos ora apelantes, o que constitui um legado em seu beneficio (cfr. art. 2030. 0, n. 0 2 do Código Civil).

III. Donde resulta que o direito de propriedade da autora sobre o prédio passou a estar limitado pelo aludido direito de arrendamento dos réus, que confere a estes a faculdade de gozo sobre os referidos imóveis, deixando, assim, a autora de poder usar, fruir e dispor a plenitude das faculdades e utilidades proporcionadas por tais imóveis.

Decisão Texto Integral: Processo nº 53/22.0T8PTG.E1 Recurso de Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal da Comarca de Portalegre – JUÍZO LOCAL CÍVEL DE Portalegre, Juiz 2


Recorrente: AA e Santa Casa da Misericórdia de Vila 1


Recorridos: BB e CC

*

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,


I. RELATÓRIO.


AA intentou a presente acção declarativa de condenação contra BB e CC, todos com os demais sinais identificativos constantes dos autos, formulando os seguintes pedidos:

a. Sejam os Réus condenados a reconhecerem a sua posse titulada pelo contrato de arrendamento rural assinado com a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 sobre a área de 2,4500 ha, correspondente às parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...”, sito na freguesia de Local 1, concelho de Vila 1, inscrito na matriz sob o artigo 64 secção H, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 1 sob o n.º 516;

b. Sejam os Réus condenados a absterem-se de praticar quaisquer actos que interfiram com a exploração daquela área, concretamente de entrarem no seu interior, de movimentarem cercas que lá se encontrem apostas ou quaisquer outros actos que limitem os direitos compreendidos na sua qualidade de arrendatário, incluindo retirarem aquela área do Sistema de Identificação Parcelar, quer seja na Associação dos Agricultores do Distrito de Portalegre, quer seja no IFAP do Ministério da Agricultura;

c. Sejam os Réus condenados a pagarem-lhe, a título de danos patrimoniais, todos os danos que lhe causaram acima descritos, quer seja com a reposição e colocação das cercas com as mesmas características que lá se encontravam, bem como com as chapas de zinco que se encontravam apostas na construção em madeira e/ou pagarem-lhe a quantia que se mostre necessária para essa reposição, a liquidar em execução de Sentença;

d. Sejam os Réus condenados a pagarem-lhe a quantia líquida no valor de € 344,50 pela aquisição de luzerna para alimentar as ovelhas que se viu obrigado a adquirir por não ter feno na sequência de os Réus o terem destruído no solo e terem retirado as chapas de zinco da construção em madeira;

e. Sejam os Réus condenados a pagarem-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 5.000,00;

f. Tudo com juros a contar da data da citação à taxa legal até integral e efetivo pagamento;

g. Com custas a seu cargo.


Fundamentou o seu pedido na alegação da celebração de um contrato de arrendamento com a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 que tem por objeto as parcelas 1, 2 e 4 do sobredito prédio rústico e que os Réus se encontram ilicitamente a ocupar, tendo o Réu cortado as porteiras da rede ovelheira, retirado o respetivo fio eletrico e desaparafusado as chapas em zinco que se encontravam no cimo de uma construção em madeira que se encontravam nas mencionadas parcelas.


Mais invocou que, em consequência da conduta dos Réus, se vê impedido de entrar, dispor e explorar as parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico em referência, com o que tem vindo a sentir-se triste e a desenvolver um quadro depressivo.


*


Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação.


Na defesa por exceção, os Réus arguiram a nulidade e a ineficácia do contrato de arrendamento em que o Autor alicerça a sua pretensão, argumentando, para o efeito, que são titulares do legado do direito ao arrendamento rural instituído no testamento de DD relativamente aos prédios rústicos inscritos na respetiva matriz sob os artigos 64 e 65, ambos da secção H, da freguesia da Local 1, concelho de Vila 1 e que a partir do falecimento da testadora, passaram a comportar-se como arrendatários de pleno direito, afirmando-se como tal perante a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1, senhoria a quem pagam a renda anual de € 1.000,00, perante a testamenteira EE e perante entidades públicas, nomeadamente o IFAP e a Associação de Agricultores do Distrito de Portalegre. Donde, qualquer arrendamento, cedência ou venda de pastagens celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 e terceiros, designadamente com o Autor, tendo por objeto os referidos prédios, é nulo por falta de legitimidade daquela ou, no mínimo, ineficaz relativamente a si.


Em sede de defesa por impugnação, alegaram que, nos anos de 2020 e 2021, o Réu fez aceiros em toda a extensão dos prédios arrendados, lavrando o feno que pudesse existir nas parcelas 1, 2 e 4 do prédio inscrito na matriz sob o artigo 64, cortou as giestas existentes em toda a extensão dos prédios inscritos na matriz 64 e 65, incluindo nas referidas parcelas 1, 2 e 4, tudo enquanto legítimo arrendatário rural. Negaram, no entanto, que tenham retirado as chapas de zinco da construção de madeira e cortado as redes e o fio elétrico em que o Autor funda a sua pretensão indemnizatória.


A par disso, os Réus deduziram pedido reconvencional, peticionando a condenação do Autor a reconhecê-los como legítimos arrendatários rurais do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H, da freguesia da Local 1, desde 4 de Março de 2004, a abster-se de praticar quaisquer atos sobre o aludido prédio em toda a sua área, nomeadamente nas parcelas cadastrais 1, 2 e 4, a pagar a cada um, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 2.500,00, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, e que seja declarada a nulidade ou ineficácia do contrato junto como documento 1 com a petição inicial ou de qualquer outro contrato celebrado, a título oneroso ou gratuito, que tenha por objecto a componente agrícola ou pecuária do referido prédio, designadamente as suas pastagens.


O Autor apresentou réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção e pela condenação dos Réus como litigantes de má-fé.


*


Findos os articulados, foi proferido despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário, tendo as partes sido convidadas a deduzirem o pertinente incidente de intervenção principal provocada da proprietária do prédio rústico objeto dos autos.


O Autor acedeu ao convite formulado pelo Tribunal, requerendo a intervenção da Santa Casa da Misericórdia deVila 1 como sua associada.


*


Veio a ser admitida a intervenção principal provocada da Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 como associada do Autor, tendo sido ordenada a sua citação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 319.º do Código de Processo Civil.


Regularmente citada, a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 declarou fazer seus os articulados do Autor, argumentando, em breve síntese, que FF, pai do Autor, foi arrendatário das parcelas 1, 2 e 4 do prédio inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H em vida de DD, a quem pagava uma renda, tendo aquele e o filho continuado a explorar as referidas parcelas após o falecimento daquela.


Mais alegou que, no âmbito da providência cautelar n.º 88/13.4..., o aqui Réu reconheceu que o pai do Autor era arrendatário das parcelas do prédio a que se reporta o contrato de arrendamento junto aos autos, tendo sido, por força desse circunstancialismo de tempo e modo, que veio a formalizar o contrato de arrendamento rural que há décadas vigorava entre a anterior proprietária e os arrendatários FF e o Autor.


*


O Autor deduziu articulado superveniente, no qual alegou que, no dia 8 de Junho de 2022, constatou que o Réu havia lavrado o solo das parcelas já identificadas onde havia semeado aveia, sorgo e erva com a finalidade de as suas ovelhas ali apascentarem, com a consequente destruição do aí semeado e dos 30 fardos de palha que aí se encontravam guardados, o que lhe causou danos patrimoniais no valor de € 1.500,00, bem como tristeza e revolta por poder ser confrontado com a hipótese de vender o gado por não dispor de meios económicos para comprar mais comida para o mesmo. Terminou, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 1.500,00 e a quantia a liquidar em execução de Sentença pelo produto da venda de gado e, bem assim, a quantia de € 1.000,00, a título de danos não patrimoniais.


*


Foi proferido despacho saneador, no qual se admitiu a reconvenção deduzida pelos Réus/Reconvintes e o articulado superveniente apresentado pelo Autor, se fixou o valor da causa, se afirmou a validade e regularidade da instância, relegando-se para sede de Sentença o conhecimento da nulidade e da ineficácia invocadas pelos Réus, se procedeu à fixação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.


A enunciação dos temas da prova mereceu reclamação por parte dos Réus, na sequência da qual veio a ser convocada e realizada Audiência Prévia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 593.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, na qual se atendeu à relação apresentada.


*


Na sequência da renúncia ao mandato pelos então Mandatários dos Réus, sem que estes tenham constituído novo mandatário no prazo legal concedido para o efeito, a reconvenção deduzida nos autos veio a ser dada sem efeito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 47.º, n.ºs 3 e 6 do Código de Processo Civil, por despacho exarado em 12 de Junho de 2024.


*


Realizou-se a audiência de julgamento, no termo da qual veio a ser proferida sentença em cujo dispositivo pode ler-se:


Em face do que precede e com os fundamentos expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, decide-se:

a. Absolver a Ré CC dos pedidos contra si formulados;

b. Condenar o Réu BB a indemnizar o Autor AA, dentro do peticionado, no que vier a liquidar-se em adequado incidente de liquidação, quanto aos seguintes danos:

1. Pelo valor das porteiras da rede ovelheira e do fio eléctrico que tinham sido colocados pelo Autor nas parcelas 1,2 e 4 do prédio rústico denominado C...”, sito na freguesia de Local 1, concelho de Vila 1, inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 1 sob o n.º 516/19940518;

2. Pelo valor das chapas em zinco que estavam no cimo da construção em madeira que se encontrava nas parcelas 1,2 e 4 do prédio rústico denominado C...”, sito na freguesia de Local 1, concelho de Vila 1, inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 1 sob o n.º 516/19940518;

3. Pelo valor dos fardos de palha que se encontravam nas parcelas 1,2 e 4 do prédio rústico denominado C...”, sito na freguesia de Local 1, concelho de Vila 1, inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 1 sob o n.º 516/19940518.

c. Absolver o Réu BB dos demais pedidos contra si formulados;

d. Julgar improcedente o pedido de condenação dos Réus como litigantes de má-fé.

*


Custas a cargo das partes na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixam em 5/6 para o Autor e a Chamada e 1/6 para os Réus, nos termos do disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.


*


Registe e notifique.”


*


Inconformada com tal decisão, dela apelou a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1, formulando, após alegações, as seguintes conclusões:





*


Também o Autor recorreu, apresentando, após alegações, a seguinte síntese conclusiva:


01ª. - Como questão prévia, o recorrente, considerando a falta de mandatário dos Réus por renúncia ao mandato de 05.12.2023, notificados que foram dessa renúncia à procuração, para além da consequência da reconvenção por eles deduzida ter ficado sem efeito, a mesma consequência deveria também ser aplicada à quanto à sua defesa nos termos dos artigos 40º., e 41º., ambos do CPC, na falta de mandatário, deveria a sua defesa ter ficado sem efeito e, é como se não existisse, aplicando-se-lhes os efeitos da revelia nos termos dos artigos 567º., e 566º., também do CPC, considerando-se confessados os factos articulados pelo Autor, com todas as legais consequências.


02ª. - As alíneas c), d) e e) da matéria dada por não provada, devem ser dadas por provadas, o que resulta das declarações de GG: minuto 21:25, a Sr.ª Juiz questiona que diligências a Santa Casa fez para apurar se o que dizia HH era verdade, tendo ali sido dito que foi ao local e que constatou que HH estava na posse daquela faixa de terreno e que viu que estava murada para o exterior e tinha uma portada para a estrada que podia fechar com um cadeado e que tinha lá semeado feno para o gado (22:02), tinha um barracão para alfaias agrícolas (22:08), e que viu pela antiga caderneta predial que tinha um desenho que eram aquelas parcelas e que até confinam com prédios que pertenciam a HH.


Minuto 26:35, em instâncias do Sr. Advogado II o Sr. Provedor declarou que foi ao local e que falou com pessoas que por ali habitavam, as quais confirmaram que já há muitos anos HH explorava aquela faixa de terreno, tendo identificado que falou com Sr.º JJ, da Local 2, já falecido (26:58) e aquele lhe ter dito por residir perto daquela faixa de terreno que HH a explorava já há muito tempo.


Minuto 29:45, declarou que HH tinha lá uma horta.


Minuto 36:20, declarou que tinha perfeita consciência da cláusula segunda do contrato (36:42), nomeadamente confirmando uma relação de arrendamento há cerca de 40 anos.


Minuto 36:49, voltou a declarar que falou com HH, com o Senhor JJ e mais duas ou três pessoas das redondezas, pessoas mais velhas que lhe confirmaram a posse da terra há cerca de 40 anos para trás, que conheciam bem a situação e que frequentavam o prédio de HH quando havia lavouras e colheitas.


03ª. - O mesmo resulta das declarações da testemunha KK: minuto 04:30 foi-lhe perguntado se tinha conhecimento se no testamento constava a totalidade do prédio e se havia uma pequena parcela que estava ocupada tendo declarado que o testamento foi de todo o prédio e que tinha conhecimento que uma pequena parcela estava ocupada e que mantiveram o arrendamento dessa parcela, ao que recorda, um senhor já de certa idade, que no entretanto teve conhecimento que já havia falecido e que a Santa Casa fez um contrato de arrendamento escrito incluindo o aqui recorrente e que são cerca de 2 há e que o Sr. HH ia à Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 pagar a renda.


Minuto 07:25, declarou que sabia vagamente que havia uma pequena parcela arrendada a um senhor.


Minuto 08:50, declarou que no seu tempo enquanto Provedor, nunca teve conhecimento de queixas dos Réus quanto a essa parte do terreno.


Minuto 11:34, declarou que era Provedor ainda no tempo da Dona DD, minuto 11:05, declarou que na nossa zona quando se trata de parcelas pequenas nem há contrato.


04ª. - E das declarações da testemunha LL: minuto 01:24, declarou que o Autor vai pagar uma vez por ano a renda à Santa Casa da Misericórdia.


Minuto 03:25, declarou que o Autor ficou com o espaço que já tinha o pai dele, o velhote já não podia e ia com o filho pagar lá a renda e que com a morte do pai ficou lá ele.


Minuto 03:45, declarou que aquela faixa de terreno faz parte do Monte C... e fica perto de um ribeiro.


Minuto 08:40, declarou que o Sr. HH já ia à Santa Casa da Misericórdia ainda com a Dona DD viva pagar a renda.


05ª. - E das declarações da testemunha MM: minuto 06:10, declarou que o Sr. HH, já de certa idade ia lá pagar a renda de 200,00 € por ano, que era do seu conhecimento que esse senhor tinha lá uma pequena parte do prédio; minuto 06:26, declarou que tinha lá uma hortita já no tempo da Dona DD; minuto 06:31, declarou que não tem a


certeza se pagava a renda à Dona DD mas pagava a renda à Santa Casa.


06ª. - E finalmente das declarações da testemunha NN: minuto 06:45, declarou que tem 69 anos e que passava junto ao prédio todos os fins-de-semana para apanhar o comboio uma vez que trabalhava em Lisboa e que o pai do Autor já era rendeiro dali há muitos anos; minut o07:30, declarou que achava que era rendeiro; minuto 07:45, declarou que toda a vida conheceu HH; minuto 08:05, declarou que era do seu conhecimento que ele tinha a posse do terreno há muitos anos; minuto 10:03, declarou que essa parcela fica ao pé de um caminho de um ribeiro e que a parte junto ao monte é dos Réus; minuto 10:35, declarou que HH tinha lá uma horta.


07º. - Não se compreende, existindo mesmo contradição entre os pontos 17., 18., e 19., da matéria dada por provada, assim como dos pontos 23., e 24., nomeadamente, o douto Tribunal decidiu, que ainda em vida de DD, o pai do recorrente passou a fruir das parcelas 1, 2 e 4, ali tendo uma horta e gado onde apascentava os seus animais e ali guardava feno e rações e que o recorrente após o falecimento do pai, de 29.06.2021, continuou a fazer a mesma coisa que o pai ali fazia nas aludidas parcelas de terreno, comprovando, pois, que até à data de 2021, já após do óbito do pai do Recorrente este tinha a posse das parcelas 1, 2 e 4, com a fundamentação da matéria dada por não provada, especialmente as alíneas c), d) e e), ali tendo sido dito que GG não identificou nenhuma das suas fontes que tivessem corroborado com o pai do recorrente, o que não é verdade (identificou o Senhor JJ) quando no momento após o óbito da testadora DD se lhe dirigiu para começar a pagar a renda.


08ª. - GG identificou o Senhor JJ, que residia na Local 2, nas suas declarações a 26:58, e que falou com outras pessoas que por ali habitam em 26:35, que confirmaram que já há muitos anos o Senhor HH explorava aquela faixa de terreno.


09ª. - A existência de um contrato de arrendamento para exploração ou até, de cedência das parcelas 1, 2 e 4 do Monte C... é anterior ao testamento, pelo que, atenta a sua pré-existência, é impeditiva da disponibilidade da testadora daquelas três parcelas.


10ª. - Dos factos dados por provados 1 a 32 resulta que os Réus sempre reconheceram, o pai do recorrente e o recorrente como arrendatários das parcelas 1, 2 e 4, uma vez que nunca se opuseram àquela posse durante mais de 20 anos (data anterior ao testamento de abril de 1999) até abril de 2021 (data em que se desentenderam com o recorrente na Associação de Agricultores do Distrito de Portalegre), e que comprovam, da fundamentação, de facto, a existência de um vínculo que sempre titulou aquela posse, exercida há mais de 40 anos.


11ª. - Face ao exposto, deve o presente recurso ser declarado procedente por provado, e, em consequência deve a douta sentença prolatada ser revogada, procedendo a ação, assim se fazendo a costumada Boa Justiça!


*


Os Apelados não responderam.


*


Colhidos os vistos, cumpre apreciar os fundamentos do recurso.


*


II. QUESTÕES A DECIDIR.


Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir:


- Se em face da renúncia do Ilustre Mandatário dos Réus e da falta de constituição de novo Advogado pelos mesmos Réus, deve a defesa ficar sem efeito;


- Da impugnação da matéria de facto;


- Da reapreciação jurídica da causa, por forma a apreciar se deve o Autor ser reconhecido como arrendatário das parcelas de terreno em causa.


*


III. FUNDAMENTAÇÃO.


III.1. Na decisão recorrida foram considerados com interesse para a decisão da questão em apreço, provados os seguintes factos:

1. No dia 20 de Abril de 1999, DD outorgou no Cartório Notarial de Vila 2 um escrito intitulado “Testamento de DD”, com os seguintes dizeres:

“(…)

Que não tendo desentendestes ou ascendentes vivos faz este seu testamento pela forma seguinte:

lega a OO, casada com PP, residente em Lisboa, o seu prédio urbano na Rua 1, concelho de Vila 3, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 48;

Lega todos os seus bens móveis àquela OO e à sua prima QQ, solteira, maior, residente na Rua 2, 41, em Vila 3;

Institui herdeira do remanescente de sua herança a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1, com sede em Vila 1, impondo-lhe o encargo de diligenciar para que seja rezada uma missa na Igreja da Local 1 dia vinte e sete de Abril de cada ano, por alma da sua irmã RR e Família, durante vinte e cinco anos, assim como para proceder à conservação do jazigo que pertence à sua família, situado no cemitério da Local 1, onde ela, testadora deseja ser sepultada, sendo assim sua vontade que, na data da sua morte, continuem como arrendatários do seu prédio sito e denominado “Monte C...”, na freguesia da Local 1, concelho de Vila 1, os senhores BB e mulher CC, com a renda anual de duzentos mil escudos, a qual só pode ser alterada com o acordo daqueles arrendatários.

Que nomeia testamenteira aquela OO.

Que, assim, termina esta sua última disposição de última vontade, revogando o seu último testamento lavrado no dia dois de Julho de dois mil novecentos e noventa e oito (…)”

2. A preocupação de DD era assegurar que o “Monte C...” não ficasse ao abandono.

3. DD faleceu a ... de ... de 2004.

4. À data do falecimento de DD, os Réus residiam há dois anos com a mesma na casa sita no ... e aí continuam a residir até hoje.

5. Pela apresentação n.º 1 de 27 de Abril de 2005, mostra-se inscrita a aquisição, por legado, a favor da Santa Casa da Misericórdia de Vila 1, do prédio rústico denominado C...”, sito na freguesia da Local 1, concelho de Vila 1, com a área de 45,2250 ha, composto de prado natural, cultura arvense, sobreiros, oliveiras, vinha e cultura arvense de regadio, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 1 sob o n.º 516/19940518,

6. O qual se encontra inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 64 da secção H como sendo composto por 36 parcelas, sendo a parcela 1 descrita com a área de 1,8750 ha, a parcela 2 com 0,2250 ha e a parcela 4 com 0,3500 ha.

7. Em 10 de Março de 2005, os aqui Réus requereram a notificação judicial avulsa da Santa Casa da Misericórdia de Vila 1, pedindo que lhe fosse dado conhecimento “a) De que os Requerentes aceitam ser arrendatários do prédio descrito no ponto 1 - Monte C... [sito na freguesia de Local 1, concelho de Vila 1, com a área de 52,900 ha, composto de terra de cultura arvense, olival e prado natural, com casa de habitação e instalações urbanas de afectação rústica, inscrito na matriz rústica sob os artigos 64, Secção H, e 65, Secção H, e na urbana sob o artigo 50, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 1 sob as descrições n.º 00516, 00379 e 00525, todos da freguesia de Local 1] - nos termos e pela renda indicados pela anterior proprietária, D. DD, e pretendem reduzir a escrito o contrato de arrendamento rural assim formado através dos documentos anexos, já assinados pelos Requerentes; b) de que deve a Santa Casa, através do seu Provedor, assinar os quatro exemplares do contratos que vão juntos, retendo três em seu poder (um para si própria, outro para ser entregue na Zona Agrária, outro para ser entregue nos Serviços de Finanças e devolvendo outro(que ficará para os Requerentes) ao Sr. Solicitador de Execução encarregado de efectuar a notificação”.

8. O Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 recusou receber a nota de notificação e os documentos que a acompanhavam.

9. Em 2013, a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 intentou contra os aqui Réus procedimento cautelar comum que correu termos no Tribunal Judicial de Vila 3 sob o n.º 88/13.4..., pedindo que fosse reconhecido provisoriamente que é proprietária de dois prédios rústicos denominados C..., inscritos na matriz sob os artigos 64 e 65, ambos da Secção H, e da cortiça produzida pelas respectivas árvores neles sitas, e que, nessa qualidade, tem o direito de fazer entrar neles os membros da sua Mesa e as pessoas com quem queira negociar a cortiça, bem como que fosse ordenada a notificação dos Requeridos para que se abstivessem de praticar quaisquer actos que impedissem a livre circulação nesses termos e mantivessem sem cadeado o portão de acesso a tais prédios ou, em alternativa, facultassem uma chave de tal portão e, bem assim, a condenação dos Requeridos ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 50,00 por cada dia em que impedissem a entrada nos prédios para extracção da cortiça.

10. O referido procedimento cautelar veio a ser julgado integralmente procedente por Sentença proferida em 19 de Julho de 2013, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, e transitada em 8 de Julho de 2014.

11. Em 14 de Agosto de 2013, a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 intentou, subsequentemente ao procedimento cautelar, acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra os aqui Réus, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila 3 sob o n.º 122/13.8..., pedindo que fosse declarado que é proprietária dos dois prédios rústicos denominados C..., inscritos na matriz sob os artigos 64 e 65, ambos da secção H, e a condenação dos Réus a reconhecerem e respeitarem tal direito; que o direito dos Réus enquanto arrendatários rurais dos prédios não lhes confere o direito ao arvoredo florestal, compreendendo os sobreiros, nem à cortiça produzida por estes e que o direito a tais bens pertence exclusivamente à Autora, enquanto proprietária; que os Réus impediram ilicitamente o exercício pela Autora ao seu direito de propriedade, deduzindo pretensão no procedimento cautelar cuja falta de fundamento não deviam ignorar e a condenação dos Réus no pagamento de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais e a pagar ao seu advogado os honorários pela intervenção no procedimento cautelar.

12. A acção veio a ser julgada parcialmente procedente por Sentença proferida em 28 de Julho de 2015, transitada em julgado em 23 de Janeiro de 2017, depois de interposto recurso para o Tribunal da Relação da Évora que a confirmou, cujo teor decisório é o seguinte:

“a) Declaro que a Autora é proprietária dos seguintes prédios:

- Rústico denominado C..., sito na freguesia da Local 1, concelho de Vila 1, com a área de 7,6750ha, composto de oliveiras, sobreiros, eucaliptos, terra de cultura arvense e parado natural, inscrito na matriz sob o artigo 65, secção H, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 1 sob o n.º 00379/051290, da freguesia da Local 1.

- Rústico denominado C..., sito na freguesia da Local 1, concelho de Vila 1, com a área de 45,2250ha, composto de prado natural, cultura arvense, sobreiros, oliveiras, vinha e cultura arvense de regadio, inscrito na matriz sob o artigo 64, secção H, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila 1 sob o n.º 00516/180594, da freguesia da Local 1.

b) Condeno os Réus a reconhecer e respeitar o direito de propriedade da Autora.

c) Declaro que o direito ao arvoredo florestal, compreendendo os sobreiros, e a cortiça por estes produzida pertence exclusivamente à Autora.

d) Absolvo os Réus dos restantes pedidos formulados pela Autora.

Julgo totalmente improcedentes, por não provados, os pedidos formulados pelos Réus em sede de reconvenção e, em consequência, absolvo a Autora dos pedidos formulados pelos Réus.”

13. Nos articulados que apresentou nos autos n.º 122/13.8..., a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 não colocou em causa a qualidade de arrendatários dos Réus relativamente aos prédios inscritos na matriz 64 e 65 da secção H da freguesia da Local 1, nem alegou a existência de um contrato verbal de arrendamento rural que vigorasse entre DD e FF e o Autor e que tivesse por objecto referidos os prédios ou parte deles.

14. Por conta do escrito mencionado em 1), os Réus pagam anualmente à Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 a quantia de € 1.000,00.

15. A Santa Casa da Misericórdia deVila 1, representada pelo respectivo Provedor, SS, FF e o Autor outorgaram um escrito intitulado “contrato de arrendamento rural”, datado de 1 de Agosto de 2016, onde se mostra consignado:

“PRIMEIRA OUTORGANTE: Santa Casa da Misericórdia de Vila 1, com sede no ..., contribuinte fiscal n.º ..., representada pelo respectivo Provedor, Sr. SS.

SEGUNDOS OUTORGANTES: FF, casado, contribuinte fiscal n.º ..., residente na ..., e AA, casado, contribuinte fiscal n.º ..., residente na ....

Os outorgantes que ficam identificados declaram confirmar pelo presente documento o contrato de arrendamento rural que entre eles vem vigorando. É o seguinte o seu objecto e clausulas:

PRIMEIRA: O contrato foi celebrado para exploração agrícola, nomeadamente hortícola e pecuária e tem por objecto a área 2,4500 há, correspondente às parcelas 1,2, e 4, todas do prédio rústico denominado C..., sito na freguesia da Local 1, concelho de Vila 1, com a área de 45,2250 há, composto de prado natural, cultura arvense, sobreiros, oliveiras, vinha e cultura arvense de regadio, inscrito na matriz sob o artigo 64, Secção H, descrito na CRP de Vila 1 sob o n.º 00516/180594 da freguesia de Local 1.

SEGUNDA: O contrato teve início há mais de 40 anos, ainda em vida da anterior proprietária do prédio rústico, D. DD, e foi celebrado entre esta e o primeiro outorgante, FF.

TERCEIRA: Posteriormente, associou-se ao contrato, com consentimento do primeiro outorgante, o segundo outorgante AA, filho de FF.

QUARTA: A renda é hoje do montante de € 200,00 (duzentos euros) por ano.

QUINTA: A renda é paga em Outubro de cada ano.

SEXTA: Ficou excluído do arrendamento o arvoredo florestal (eucaliptos) e os sobreiros existentes no prédio locado e, consequentemente, a cortiça por eles produzida”,

16. Tendo sido comunicado às Finanças a 18 de Agosto de 2016.

17. A parir de data não concretamente apurada, mas ainda em vida de DD, FF passou a usar e fruir das parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H, freguesia da Local 1, concelho de Vila 1, tendo aí plantado uma horta, recolhido os seus animais para apascentarem e guardado feno e rações.

18. FF faleceu a ... de ... de 2021.

19. Após o falecimento de FF, o Autor continuou a cultivar uma horta nas parcelas 1, 2 e 4 do referido prédio e a aí apascentar os seus animais.

20. Em 2021, o Autor procurou obter junto da Associação dos Agricultores do Distrito de Portalegre informações acerca da inscrição das parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H, freguesia da Local 1, concelho de Vila 1, no Sistema de Identificação Parcelar, com o objectivo de se candidatar a programas e subsídios.

21. Nessa sequência, o Autor e o Réu foram convocados pela Associação dos Agricultores do Distrito de Portalegre para aí comparecerem no dia 28 de Abril de 2021, a fim de prestarem esclarecimentos relativamente prédio rústico denominado C...” inscrito na respectiva matriz sob o artigo 64 da secção H, freguesia da Local 1, concelho de Vila 1, o aqueles que fizeram.

22. As parcelas que compõem o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 64, secção H, freguesia da Local 1, concelho de Vila 1, encontram-se declaradas no sistema de identificação parcelar em nome do Réu, na qualidade de “rendeiro”, desde, pelo menos, 16 de Abril de 2010.

23. Em data não concretamente apurada, o Réu cortou as porteiras da rede ovelheira e o fio eléctrico que tinham sido colocados pelo Autor nas parcelas 1,2 e 4 do referido prédio rústico e colocou-os amontoadas no solo.

24. Em data não concretamente apurada, o Réu desaparafusou e levou as chapas em zinco que estavam no cimo da construção em madeira do Autor que se encontrava nas parcelas 1,2 e 4 do referido prédio rústico.

25. Em data não concretamente apurada, mas necessariamente após 29 de Junho de 2021, o Réu lavrou o solo das parcelas 1,2 e 4 do referido prédio rústico, com o que destruiu os fardos de palha do Autor que aí se encontravam.

26. O Autor sente-se triste por se encontrar impedido de entrar e fruir das parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H.

27. A Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 emitiu em nome de FF o seguinte:

- Recibo n.º 1360, de 28 de Setembro de 2005, com a descrição “donativo”, pela quantia de € 200,00;

- Recibo n.º 1774, de 22 de Setembro de 2006, com a descrição “cedência de terreno para cultivo”, pela quantia de € 240,00;

- Recibo n.º 2165, de 14 de Setembro de 2007, com a descrição “renda terreno cabril”, pela quantia de € 200,00;

- Recibo n.º 2568, de 22 de Setembro de 2008, com a descrição “renda de terreno cabril”, pela quantia de € 200,00;

- Recibo n.º 3076, de 13 de Outubro de 2009, com a descrição “renda de terreno cabril”, pela quantia de € 200,00;

- Recibo n.º 3586, de 12 de Outubro de 2010, com a descrição “renda de terreno cabril”, pela quantia de € 200,00;

- Recibo n.º 4042, de 6 de Outubro de 2011, com a descrição “renda de terreno cabril”, pela quantia de € 200,00;

- Recibo n.º 4789, de 8 de Outubro de 2012, com a descrição “renda de terreno cabril”, pela quantia de € 200,00;

- Declaração de recebimento referente à factura FT 01/897 com a descrição “renda”, de 1 de Outubro de 2013, pela quantia de € 200,00;

- Recibo n.º 1148, de 13 de Novembro de 2014, referente à factura FT 01/1148 com a descrição “renda anual”, pela quantia de € 200,00;

- Recibo n.º 2318, de 21 de Outubro de 2015, referente à factura FT 01/2318 com a descrição “renda anual”, pela quantia de € 200,00;

28. A Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 emitiu em nome do Autor, por conta do escrito mencionado em 15), o seguinte:

- Recibo n.º 3730, de 11 de Novembro de 2016, referente à factura FT 01/3730 com a descrição “renda anual”, pela quantia de € 200,00;

- Declaração de recebimento referente à factura FT 01/643 com a descrição “renda anual”, de 13 de Agosto de 2018, pela quantia de € 200,00;

- Declaração de recebimento referente à factura FT 01/8017 com a descrição “renda anual”, de 20 de Agosto de 2019, pela quantia de € 200,00;

- Declaração de recebimento referente à factura FT 01/10421 com a descrição “renda anual”, de 19 de Agosto de 2020, pela quantia de € 200,00;

- Factura-Recibo FR 01/710 com a descrição “renda anual”, de 11 de Agosto de 2021, pela quantia de € 200,00;

29. A 7 de Abril de 2021 o Autor apresentou queixa contra o Réu, a qual deu origem ao processo n.º 14/21.7... que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Portalegre.

30. A 27 de Agosto de 2021 foi apresentada participação criminal contra o Réu.

31. O Autor exerce a actividade agrícola por conta de outrem e por conta própria.

32. Os Réus exercem a actividade agrícola por conta própria.

*

III.2. O Tribunal Recorrido considerou não provados os seguintes factos com relevância para a decisão:

a. O Autor afirmou em audiência de julgamento do processo n.º 122/13.8..., após prestar juramento legal, que “o que existia com DD e o seu pai era o que se chama de «venda de pastagens», que o seu pai, enquanto esteve de boa saúde (até aos anos de 2008/2009), só podia e fazia uso das pastagens, que só lá tem gado, mais nada, que pagava à Santa Casa da Misericórdia o preço das pastagens, após a morte da anterior proprietária DD.”

b. A outorga do escrito consignado em 15) do elenco dos factos provados sobreveio em consequência de o Réu ter declarado, no âmbito do procedimento cautelar que correu termos no Tribunal Judicial de Vila 3 sob o n.º 88/13.4..., que FF era arrendatário das parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H.

c. O gozo e o uso que FF fazia das parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H tiveram início em 1976.

d. O gozo e uso que FF fazia das parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H perduraram durante mais de 40 anos.

e. O gozo e uso que FF fazia das parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H tinham como contrapartida o pagamento da quantia de € 200,00/ano a DD no mês de Outubro de cada ano.

f. O gozo e uso que FF fazia das parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H tinham como objecto a venda de pastagens de Janeiro a Setembro de cada ano, mediante o pagamento da quantia de € 100,00/ano e, a partir de 2004, da quantia de € 200,00/ano a DD.

g. No mês de Dezembro de 2021, o Réu encaminhou todas as ovelhas do Autor que se encontravam nas parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H e pô-las para fora daquela área junto a um ribeiro ali existente.

h. Em consequência da conduta do Réu descrita em 23) do elenco dos factos provados, o Autor despendeu a quantia de € 344,50 para aquisição de luzerna para alimentar os seus animais.

i. Em consequência da conduta do Réu descrita em 23) do elenco dos factos provados, as ovelhas do Autor deslocaram-se em direcção à estrada e foram atropeladas.

j. Os fardos de palha descritos em 25) do elenco dos factos provados eram cerca de 30.

k. A conduta do Réu descrita em 25) do elenco dos factos provados destruiu aveia e sorgo.

l. Em consequência da conduta do Réu descrita em 25) do elenco dos factos provados, o Autor vê-se obrigado a vender o seu gado por não dispor de meios económicos que lhe permitam suportar a aquisição de mais palha e ração.

m. Em consequência da conduta do Réu descrita em 25) do elenco dos factos provados, o Autor ficou triste e revoltado por poder ser confrontado com a hipótese de ter que vender o gado por não dispor de meios económicos para comprar mais comida para aquele.

n. Em consequência de se encontrar impedido de entrar e explorar as parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 secção H, o Autor começou a dormir mal.

o. Em consequência de se encontrar impedido de entrar e explorar as parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 secção H, o Autor desenvolveu um quadro depressivo.


*


III.3. Da “questão prévia” relativa à falta de constituição de novo Advogado pelos Réus, na sequência da renúncia do Ilustre Mandatário subscritor do articulado de contestação.


O Apelante entende que sendo certo que os Réus constituíram mandatário e que sob a sua égide apresentaram contestação/reconvenção, não tendo constituído novo Mandatário na sequência da renúncia do Subscritor da contestação, nos termos do artigo 40º, e 41º, ambos do Código de Processo Civil, a sua defesa ficou sem efeito, ou seja, a consequência não se limita à consequência dos nº. 3 e 6 do artigo 47º, do CPC, da reconvenção ficar sem efeito, tendo um alcance mais abrangente, concretamente, a falta de advogado (a) importa que a defesa fique sem efeito, e, se a defesa fica sem efeito é como se não existisse, e, deve a mesma falta ser interpretada nos termos do artigo 567º., e 566º., ambos do CPC, efeitos da revelia, considerando-se confessados os factos articulados pelo Autor.


Mas não lhe assiste razão.


Na verdade, como se esclareceu no despacho de 02.09.2024:


O artigo 41.º do Código Processo Civil, sob a epígrafe “Falta de constituição de advogado”, dispõe que “se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro de prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa.”


Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 47.º n.ºs 2 e 3 alínea b) do Código de Processo Civil, a renúncia ao mandato por parte do advogado do réu produz efeitos a partir da notificação ao mandante e, nos casos de constituição obrigatória de advogado – como é o caso dos autos – se o réu não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias após a notificação da renúncia, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo mandatário que renunciou, à excepção do pedido reconvencional deduzido que fica sem feito (n.º 6).


Do confronto dos citados normativos resulta que os mesmos tratam de situações distintas: o artigo 41.º apenas é aplicável aos casos de patrocínio obrigatório em que ab initio a parte não se fez representar por advogado, não havendo qualquer aproveitamento do processado pela parte, ao passo que o artigo 47.º acarreta, tanto para o Réu, como para o Autor, o aproveitamento do processado pelo respectivo mandatário anteriormente ao momento em que ocorreu a renúncia com vista a não comprometer a finalidade de o processo dirimir a controvérsia substancial posta na demanda, na medida em que inexistem razões para não tomar como válidos e eficazes os actos praticados até então pelo mandatário (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.02.2012, processo n.º 3289/09.6T2AGD.C1, disponível em www.dgsi.pt).


Os efeitos processuais da renúncia ao mandato e da não constituição de (novo) mandatário no prazo de 20 dias encontram-se taxativamente elencados nas alíneas do citado n.º 3 do artigo 47.º, sendo que, se a falta for do réu, a lei prescreve expressamente o prosseguimento dos termos do processo e o aproveitamento dos actos anteriormente praticados (à excepção do pedido reconvencional nos termos do n.º 6 do mesmo normativo conforme já referido).


Na verdade, importa não olvidar que a letra da lei constitui o princípio e o limite da tarefa hermenêutica (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil), sendo que a tese preconizada pelo Autor não tem qualquer ressonância no texto da norma do artigo 47.º, n.ºs 2, 3, alínea b), e 6 do Código de Processo Civil.(…)”.


Os Réus constituíram Mandatários por procuração de 27.01.2022 que procederam à apresentação da contestação no dia 17.02.2022 e renunciaram à procuração, o que fizeram por requerimento de 05.12.2023.


Devidamente notificados da renúncia à procuração, para, no prazo de 10 dias comprovarem nos autos a constituição de novo mandatário ou o pedido de nomeação de patrono, sob pena da reconvenção ficar sem feito nos termos do nº. do artigo 47º., do CPC, os Réus reconvintes não vieram constituir novo mandatário, tendo sido proferido despacho no âmbito do qual, decidiu o Tribunal que a reconvenção por eles deduzida ficava sem efeito.


Quanto à questão ora colocada, a clareza da explicação vertida no despacho que se reproduziu dispensa-nos de quaisquer acrescentos – é exatamente como ali se escreveu. Havendo norma própria a determinar que prosseguimento dos termos do processo e o aproveitamento dos atos anteriormente praticados, dúvidas não podem colocar-se de que não fica sem efeito a contestação.


Pelo que não resta senão concluir pela improcedência da pretensão recursiva neste ponto.


*


III.4. Da impugnação da matéria de facto.


O Apelante insurge-se contra a decisão recorrida por entender que deveriam ter sido considerados provados os factos vertidos nas alíneas c), d) e e) do elenco de factos não provados.


Refere que tais factos resultam da conjugação dos meios de prova que indica com os factos vertidos nos artigos 17, 18 e 19, apontando até, a existência de contradição entre aqueles e estes.


Tendo o Apelante indicado os factos impugnados, o sentido decisório das alterações pretendidas e, bem assim, as provas em que funda as pretendidas alterações, com indicação, no que à prova gravada se reporta, das passagens das gravações que tem por pertinentes, deu cumprimento aos ónus de impugnação a que estão adstritos os recorrentes na impugnação da matéria de facto, como previsto nas alíneas a) a c) do n.º 1, e na alínea a) do n.º 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil, importa, pois, apreciar a impugnação da matéria de facto.


Tarefa que cumpre levar a cabo, tendo em consideração o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do artigo 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”.


Ora, tendo-se procedido à audição da prova gravada e à conjugação da mesma com a prova documental, não pode discordar-se do juízo probatório realizado pelo Tribunal Recorrido.


Recordemos os factos em causa.

p. O gozo e o uso que FF fazia das parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H tiveram início em 1976.

q. O gozo e uso que FF fazia das parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H perduraram durante mais de 40 anos.

r. O gozo e uso que FF fazia das parcelas 1, 2 e 4 do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H tinham como contrapartida o pagamento da quantia de € 200,00/ano a DD no mês de Outubro de cada ano.


Nos autos foram apresentadas duas versões de factos no que concerne à ocupação, primeiro pelo pai do Autor, depois por este, das parcelas 1, 2 e 4 do do prédio rústico denominado C...” inscrito na matriz sob o artigo 64 da secção H perduraram durante mais de 40 anos, desde logo a apresentada pelo Autor, nos termos da qual a posse das parcelas se encontram há mais de quarenta anos, primeiro na posse do pai do Autor, por via de contrato de arrendamento celebrado com a então proprietária DD, e depois do ano de 2016, por contrato reduzido a escrito com a atual proprietária, a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1.


Por seu turno, os Réus alegam que nunca existiu qualquer contrato de arrendamento entre a anterior proprietária e o pai do Autor, ou este, e que a existir sempre seria nulo por falta de forma, e que a utilização das referidas parcelas pelos mesmos encontra justificação na circunstância de vários anos antes da morte da testadora esta vender as pastagens existentes nestas parcelas.


No mais, os Réus arguiram a nulidade e a ineficácia do contrato de arrendamento em que o Autor alicerça a sua pretensão, argumentando, para o efeito, que são titulares do legado do direito ao arrendamento rural instituído no testamento de DD relativamente ao prédio em causa, pelo que qualquer arrendamento, cedência ou venda de pastagens celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 e terceiros, designadamente com o Autor, tendo por objeto os referidos prédios, é nulo por falta de legitimidade daquela ou, no mínimo, ineficaz relativamente a si.


As versões de ambas as partes não excluem, pois, a utilização do prédio que resulta do artigo 17, apenas não são coincidentes relativamente à duração de tal utilização, e à circunstância de a mesma encontrar fundamento num contrato de arrendamento.


Não se surpreende, pois, a contradição entre o facto 17 e os factos não provados impugnados, pois o que deles decorre é que se deu como provada a utilização, mas não a fonte de tal utilização, designadamente que a mesma tivesse por base um arrendamento anterior àquele que foi reduzido a escrito pela Santa Casa da Misericórdia de Vila 1.


Na motivação da decisão de facto, pode ler-se, a este propósito:


“(…) No que concerne aos factos provados em 17 e 19, a convicção do Tribunal ancorou-se nos depoimentos das testemunhas TT, UU, VV e NN, as quais, não obstante a relação de amizade que as une ao Autor, descreveram os factos de modo congruente e com destrinça daquilo que é do seu conhecimento directo e indirecto, não denotando qualquer tentativa de empolamento dos factos, tendo merecido a confiança do Tribunal.


Todavia, ficou arredada a possibilidade de convencimento quanto à questão de saber a que título e em que circunstâncias FF (e, posteriormente, o Autor) passou a explorar as ditas parcelas do prédio rústico em causa, pois que as declarações prestadas a esse respeito pelo Autor e pelos Réus foram consideradas muito pouco espontâneas, tendo o Autor repetido mecanicamente que FF era arrendatário das referidas parcelas e os Réus repisado mecanicamente que a cedência do gozo das parcelas a HH por parte de DD tinha como único fito a venda de pastagens (alegação de facto não provada e) e f)).


Mais a mais, apesar do seu vigor em sede de petição inicial e de contestação, não houve nenhum elemento probatório que corroborasse as palavras do Autor e dos Réus sobre esse assunto.


Senão vejamos.


SS referiu ter outorgado o contrato de arrendamento rural oferecido com a petição inicial, na qualidade de Provedor da Santa da Misericórdia de Vila 1, após ter diligenciado junto de várias pessoas para aferir da veracidade das declarações de FF. No entanto, quando questionado acerca da identificação das pessoas com base nas quais logrou formar uma convicção positiva quanto ao alegado contrato de arrendamento firmado entre FF e DD, não foi capaz de identificar uma única dessas fontes. O seu depoimento foi muito pouco convincente, logrando poucas vezes olhar directamente para o seu interlocutor.


Por sua vez, a testemunha KK, que exerceu o cargo de Provedor da Santa da Misericórdia de Vila 1 entre 1992 e 2010 e que, segundo ele, privou com DD em virtude de esta ter integrado os corpos sociais da Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 durante o seu primeiro mandato, referiu, com manifestas hesitações de vulto, que tinha “uma ideia muito vaga da existência de um contrato entre DD e FF”, tendo sido patente que a testemunha procurou não sair do estritamente conveniente.


Por último, mas não de somenos importância, a testemunha LL, chefe de secção da Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 desde Setembro de 2010 (onde iniciou funções como escriturária em Janeiro de 1979), asseverou, de modo absolutamente espontâneo, denotando sinceridade, que conhecia bem DD e que considerava pouco provável que esta aceitasse receber qualquer contrapartida pecuniária de FF, por este ser de uma condição económico-social mais humilde.


De todo o exposto decorre que nenhuma prova segura foi feita a respeito de tal matéria.”


Não podendo deixar de subscrever-se o que se reproduziu, importa referir que não revelou qualquer das pessoas ouvidas, conhecimento seguro e direto acerca do fundamento da utilização do prédio pelo pai do Autor, em especial no que concerne ao período anterior ao falecimento de DD. De resto, das próprias alegações do Autor não resulta a indicação de um meio de prova que demonstre a sua versão dos factos, para além do que se encontra provado no artigo 17, pois nenhum conhecimento direto se extrai das declarações a que alude, da existência do contrato que sustenta.


Importa acrescentar que a prova documental, em que avulta o testamento de DD, sustenta a versão dos factos que se deu como provada e não provada, pois no mesmo referiu a testadora:

“(…)Institui herdeira do remanescente de sua herança a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1, com sede em Vila 1, impondo-lhe o encargo de diligenciar para que seja rezada uma missa na Igreja da Local 1 dia vinte e sete de Abril de cada ano, por alma da sua irmã RR e Família, durante vinte e cinco anos, assim como para proceder à conservação do jazigo que pertence à sua família, situado no cemitério da Local 1, onde ela, testadora deseja ser sepultada, sendo assim sua vontade que, na data da sua morte, continuem como arrendatários do seu prédio sito e denominado “Monte C...”, na freguesia da Local 1, concelho de Vila 1, os senhores BB e mulher CC, com a renda anual de duzentos mil escudos, a qual só pode ser alterada com o acordo daqueles arrendatários.

Que nomeia testamenteira aquela OO.

Que, assim, termina esta sua última disposição de última vontade, revogando o seu último testamento lavrado no dia dois de Julho de dois mil novecentos e noventa e oito (…)”.

Não tendo a testadora deixado de fazer referência aos já então arrendatários do prédio, os ora Réus, não pode deixar de atribuir-se à ausência de referência no testamento ao pai do Autor, ou a este, a sua exclusão do número de beneficiários que pretendia contemplar. Por outas palavras, não olvidou a testadora os arrendatários do prédio, apenas tendo feito referência aos ora Réus.


Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.


*


III.5. Fundamentação jurídica.


Em face do que supra se decidiu, é com base nos factos adquiridos na decisão da primeira instância que cumpre apreciar do mérito do recurso.


Como o Tribunal Recorrido adequada e claramente explicitou, como princípio geral, o proprietário está legitimado a dar de arrendamento - detém legitimidade negocial para dar de arrendamento todo aquele que puder dispor do uso e da fruição da coisa, onde se insere naturalmente o seu proprietário, por força do disposto no artigo 1305.º do Código Civil.


No caso, a relação de arrendamento rural constituída entre a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 e os aqui Réus, como o próprio direito de propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 resultam do testamento de DD que, nesse mesmo testamento, DD constituiu os Réus como arrendatários do prédio em causa, tendo fixado a respetiva renda (duzentos mil escudos/ano) e consignado que esta só poderia ser alterada com o acordo dos aqui Réus.


Daqui resulta que DD onerou o prédio denominado C...” com um direito de arrendamento em benefício dos Réus, constituindo este direito um legado em seu benefício (artigo 2030.º, n.º 2 do Código Civil), gerando-se uma relação de arrendamento rural entre a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 e os aqui Réus, pelo que desde o momento da aquisição o direito de propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 está limitado por esse direito de arrendamento instituído em benefício dos Réus, que lhes confere a faculdade de gozo sobre o referido prédio (artigos 1022.º, 1023.º e 1031.º do Código Civil) e que obsta a que a Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 possa, ou melhor, pudesse dar de arrendamento, total ou parcialmente, o prédio.


Como se decidiu no Acórdão desta Relação proferido no âmbito do processo n.º 122/13.8TBCVD.E1, movido pela ora Interveniente contra os ora Réus:

“(…)Ora, resulta da factualidade provada que, no mesmo testamento pelo qual a ora apelada foi instituída herdeira — testamento esse outorgado no Cartório Notarial de Vila 2 em 20 de Abril de 1999 —, dispôs também a testadora DD que era sua vontade que os ora apelantes continuassem como arrendatários dos referidos prédios, com a renda anual de 200.000$00, a qual só poderia ser alterada com o acordo dos ora apelantes.

Assim, não se pode senão concluir que no referido testamento a testadora onerou os imóveis denominados C... com um direito de arrendamento em beneficio dos ora apelantes, o que constitui um legado em seu beneficio (cfr. art. 2030. 0, n. 0 2 do Código Civil).

Donde resulta que o direito de propriedade da autora sobre o C... passou a estar limitado pelo aludido direito de arrendamento dos réus, que confere a estes a faculdade de gozo sobre os referidos imóveis, deixando, assim, a autora de poder usar, fruir e dispor a plenitude das faculdades e utilidades proporcionadas por tais imóveis.(…)

Assim, tendo em conta que, no caso dos autos, os réus foram instituídos arrendatários pelo supra referido testamento de dois prédios rústicos, sem qualquer outra referência ou indicação, não se pode senão concluir que tal testamento criou uma relação de arrendamento rural entre a autora e os réus sobre o C..., portanto, com a finalidade de exploração agrícola ou pecuária do mesmo.

E pelo facto de o contrato de arrendamento existente entre as partes ainda não ter sido alterado e adaptado em função do novo regime legal decorrente do Decreto-Lei n.º 294/2009 de 13/10 (RAR 2009), não se pode senão concluir que a relação locatícia de arrendamento rural existente entre as partes relativa ao imóvel C... continua a ser regida pelo Decreto Lei n.º 385/88, de 25/10, com as subsequentes alterações (doravante RAR 88), vigente à data da morte da referida testadora (4/3/2004).

Assim de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 1º do RAR 88, a locação de prédios rústicos para fins de exploração agrícola ou pecuária, nas condições de uma regular utilização, denomina-se rural.

Estabelecendo o n.º 2 de tal artigo que, presume-se rural o arrendamento que recaia sobre prédios rústicos quando do contrato e respectivas circunstâncias não resulte destino diferente.

Relativamente ao âmbito do contrato, dispõe o n.º 1 do art. 2. 0 do RAR 88, que o arrendamento rural, além do terreno e vegetação permanente de natureza não florestal, abrange ainda as construções destinadas habitualmente aos fins próprios da exploração normal dos prédios locados e também à habitação do arrendatário.(…)”

Não se revela possível extrair da factualidade provada solução diferente da declarada na decisão recorrida.


Da falta de prova de arrendamento anterior, e da prova da oneração do prédio pela testadora resulta a nulidade do contrato subscrito pela Santa Casa da Misericórdia de Vila 1 e FF e o Autor em 1 de Agosto de 2016, por falta de legitimidade do locador (a non domino), por ser aplicável ao caso, por analogia, o regime respeitante à venda de bens alheios, designadamente o que decorre do artigo 892.º do Código Civil (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.09.2023, processo n.º 3411/19.4T8STS.P2; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02.07.2020, processo n.º 1358/15.2T8VNG.P2).


Nenhuma censura merece, pois, a decisão recorrida, a qual, sem necessidade de maiores considerações, se confirma.


***


IV. DECISÃO


Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e, em consequência, em manter a decisão recorrida.


Custas pelo Recorrente – artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.


Registe e notifique.

*

Évora,

Ana Pessoa

Sónia Moura

Maria João Sousa e Faro

_______________________________

1. Da exclusiva responsabilidade da relatora↩︎