Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2303/20.9T8FAR.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ALIENAÇÃO PARENTAL
REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Data do Acordão: 10/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - O diagnóstico da denominada Síndrome de Alienação Parental (SAP) deve apenas ter lugar se existir uma campanha injustificada por parte de um dos progenitores contra o outro, a que se juntem as contribuições do filho alienado.
II - Resultando da panóplia de factos apurados sistemáticas atitudes da progenitora no sentido de não permitir que a criança conviva com o pai, sem que para tal haja uma justificação socialmente aceitável, causando com isso níveis elevados de ansiedade na criança, estamos perante uma situação de alienação parental.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
O Ministério Público, em representação da criança AA, instaurou a presente ação de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais contra os progenitores, BB e CC, alegando, em síntese, que o regime de convívios estabelecido por acordo homologado por sentença no proc. 2496/16.0T8MTS estaria a ser incumprido.
Mais alegou que, no acordo inicial homologado por sentença, não ficou estabelecido o local de entrega aquando dos convívios da criança com o progenitor, pretendendo a progenitora que a mesma ocorresse junto à esquadra da PSP em ..., sendo necessário, em face do conflito parental, regular tal questão.
Citados os Requeridos para apresentarem alegações (artigo 42º nº3 do RGPTC), veio o progenitor deduzir as suas, alegando, em síntese, que, ao longo de todo o período do processo de regulação, ou seja, entre 2016 e 2020, foi a progenitora que incumpriu sistematicamente todos os vários regimes de convívios estabelecidos pelo Tribunal, tendo mesmo alterado unilateralmente a residência da criança para o Algarve, apenas 14 dias depois de o Tribunal ter fixado convívios não supervisionados.
Mais alega que já depois de os pais terem acordado um regime de convívios não supervisionados por acordo homologado por sentença em Fevereiro de 2020, a progenitora voltou a incumprir, impedindo o pai de ter uma relação com a filha em razão de exercer alienação parental e de a criança já verbalizar tal rejeição ostensiva do Requerido, o que fez com que este tivesse, ao fim de tanto tempo, desistido de lutar.
Concluiu, pedindo a condenação da progenitora como litigante de má-fé em multa e em indemnização a seu favor.
Foi realizada conferência de pais em 25.03.2021, não tendo estes chegado a acordo quanto ao regime de entrega e quanto a quem deveria suportar os custos das viagens nos convívios da criança com o progenitor.
Foi realizada audição técnica especializada, tendo o respetivo relatório sido junto aos autos em 14.07.2021.
Na segunda conferência de pais realizada em 24.11.2021, a progenitora informou que a criança estava a frequentar escola espanhola, admitindo que não havia pedido autorização ao progenitor, nem ao Tribunal, ao qual havia informado em abril de 2021 que a criança, não obstante estar a residir com a mãe a 7 quilómetros de distância da fronteira com Portugal, continuaria a frequentar escola em ....
Por despacho então proferido, o Tribunal não autorizou a mudança de escola da criança para o estabelecimento de ensino espanhol atualmente frequentado pela AA, mais determinando que a progenitora inscrevesse a criança em escola portuguesa situada em ... até ao final do mês de dezembro, a fim de a mesma frequentar essa escola portuguesa a partir do início das aulas a seguir às férias escolares do Natal.
Notificados para o efeito, os pais apresentaram as suas alegações a fls. 151 e ss. (no caso do progenitor) e fls. 160 e ss. (no caso da progenitora).
Nas suas alegações, o pai pediu que a residência e a guarda da criança fossem fixadas junto de si, sendo que nas alegações da mãe, esta requereu ao Tribunal que fosse mantido o regime anterior, segundo o qual a residência e guarda da AA ficariam a seu cargo, e que tal regime apenas fosse alterado quanto ao local de entrega (junto da esquadra da PSP ou da GNR ou outro local adequado), sendo igualmente autorizada a mãe a inscrever a criança no “Colegio de Educación Especial em ...”, Espanha ou, assim não se entendendo, permitindo-se, ao menos, a frequência pela criança de atividades extracurriculares em Espanha, sendo que, quanto ao regime de convívios da filha com o pai, o mesmo deveria ser fixado de forma gradual e sem sofrimento para a criança.
A criança AA foi ouvida pelo Tribunal em data anterior ao julgamento.
Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou:
«Pelo exposto, decide o Tribunal, alterar a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança, AA, nos seguintes termos:
I.
1. A residência da criança é fixada junto do seu pai no concelho de Matosinhos.
2. As questões de particular importância na vida da AA serão decididas de comum acordo entre os pais, salvo em caso de emergência manifesta, hipótese essa em que o progenitor que estiver com a criança poderá tomar a decisão sozinho, comunicando-a logo que possível ao outro progenitor.
3. Entendem-se por questões de particular importância, designadamente, as seguintes:
- Mudança de residência da criança para fora de um raio de 30 quilómetros da sua residência junto do pai;
- Mudança do ensino público para o ensino privado ou vice-versa;
- Sujeição da criança a intervenções cirúrgicas dos quais resulte perigo grave para a sua vida ou integridade física;
- Prática de desportos perigosos da qual resulte perigo grave para a sua vida ou integridade física;
- A educação religiosa até aos 16 anos de idade;
- A participação da criança em programas televisivos;
- A administração de bens da criança que implique a sua alienação ou oneração;
- A autorização da criança para casamento a partir dos 16 anos de idade;
- A autorização para obtenção pela criança de licença de ciclomotores;
- A representação da criança em acções judiciais ou a apresentação de queixas criminais em nome da mesma.
4. As questões da vida corrente da criança em matéria de educação e saúde serão decididas em exclusivo pelo progenitor, tendo a progenitora direito a ser informada das mesmas, caso o requeira. O pai exercerá o cargo de encarregado de educação na escola, tendo a progenitora direito a obter informações sobre a evolução escolar da filha da parte do novo estabelecimento de ensino por esta frequentado.
5. As demais questões da vida corrente da criança serão decididas pelo pai nos momentos em que esteja com a criança, sendo decididas pela mãe nos períodos em que a progenitora conviva com a filha, devendo esta respeitar as orientações educativas mais relevantes decididas pelo progenitor no que respeita ás rotinas de sono, alimentação e de estudos da criança.
6. Durante o primeiro mês subsequente à entrada em vigor do presente regime, serão suspensos nos termos do nº3 do artigo 40º do RGPTC os convívios da progenitora com a filha, sem prejuízo de a mãe poder contactar telefonicamente (ou por videochamada) com a criança 2 vezes por semana (na falta de acordo diverso dos pais, às quartas-feiras e aos sábados entre 18h30 e as 19h30).
7. Durante o referido primeiro mês subsequente à entrada em vigor do presente regime, o pai comparecerá com a filha em, pelo menos, 3 sessões no CAFAP da Obra Diocesana do Porto, destinando-se tais sessões a refortalecer a relação entre o progenitor e a criança, bem como, e sobretudo, a elucidar a AA sobre o seu direito a ter uma relação saudável como ambos os pais e a reforçar o seu espírito crítico quanto aos comportamentos de alienação que põem em causa esse direito.
8. Findo o referido mês de suspensão dos convívios entre mãe e criança, a progenitora conviverá com a filha nos seguintes termos:
a) Em fins-de-semana alternados, recolhendo a criança na escola ou, em período de fecho do estabelecimento de ensino, em casa do pai às sextas-feiras no final do período escolar ou entre as 18h00 e as 20h00, e entregando a AA na residência do progenitor aos domingos entre as 17h00 e as 20h0038.
b) Nas férias de Natal de 2022, convivendo com a criança na semana de 19/12, pelas 11h00, a 26/12, pelas 11h00, recolhendo a criança em casa do pai e entregando-a no mesmo local no final do convívio, sendo que a AA conviverá nesse ano com o pai na semana entre 26/12, pelas 11h00 e 2/1. No ano seguinte (2023), a criança conviverá com o pai na semana que inclui o Natal (de 19/12 a 26/12), convivendo com a mãe na semana que inclui o Ano Novo (de 26/12 a 2/1). E assim sucessivamente de forma alternada.
c) Nas férias da Páscoa de 2023, a criança conviverá com a mãe na semana de férias que inclui o Domingo de Páscoa, convivendo com o pai na outra semana de férias escolares, sendo ainda as recolhas e entregas efectuadas às 11h00 na residência do progenitor, respectivamente, nos dias de início e de termo do convívio. Caso as férias escolares da Páscoa sejam encurtadas ou alargadas, os pais dividirão ta período de férias de forma igual, respeitando-se o supra-referido quanto aos horários e locais de entrega e recolha.
d) Nas férias de Verão de 2023 e nos meses de Julho e Agosto, a criança conviverá com cada progenitor em quinzenas alternadas, sendo que, na falta de acordo, passará com a mãe as primeiras quinzenas de Julho e de Agosto, passando com o pai as segundas quinzenas desses meses. Para o efeito, as recolhas e entregas obedecerão ao previsto na alínea c) deste número.
e) No dia de aniversário da AA, cada progenitor fará uma refeição com a criança, alternando de ano para ano o progenitor que janta com a filha, sendo que em 2022 será o pai a jantar com a criança e, em 2023, será a mãe a fazê-lo. Para o efeito, os horários de almoço obedecerão ao horário escolar da criança e os horários de jantar serão entre as 18h00 e as 21h00, cabendo à progenitora, no caso da refeição que faça com a filha, recolher a criança na escola ou, não sendo possível, na residência do pai e entregando-a ou na escola (se se tratar de almoço) ou na residência do progenitor (no caso de se tratar de jantar).
f) No dia de aniversário dos pais, bem como no dia da Mãe ou no dia do Pai, o progenitor aniversariante ou a quem o dia de festa respeite passará o dia com a criança, pernoitando esta em casa do mesmo. Para o efeito, no caso de convívio com a mãe, a criança será recolhida, preferencialmente, na escola ou, não sendo possível, na casa do pai, no final do período escolar ou pelas 18h00, sendo entregue no dia
seguinte na escola ou em casa do pai pelas 9h00. No caso de convívio do pai em período em que a criança esteja com a mãe, o pai recolherá a filha nos mesmos horários, preferencialmente, na escola ou, não sendo possível, na residência da progenitora.
9. A progenitora fica obrigada a comparecer, pelo menos, em 2 sessões no CAFAP da Obra Diocesana no Porto a fim de ser esclarecida sobre os efeitos da alienação parental nas crianças e o dever de respeitar o direito da AA em ter um bom relacionamento com o progenitor. Tais sessões terão início aquando do início dos convívios da progenitora com a criança previstos no ponto 8) desta decisão.
10. Findas as sessões referidas em 7) e 9), o CAFAP agendará ainda com os pais entre 2 a 4 sessões conjuntas com ambos os progenitores e, caso conveniente, com a criança a fim de reforçar o respeito mútuo entre pais e filha e estabelecer regras de funcionamento da família que privilegiem o bom relacionamento entre todos os membros.
11. As sessões previstas em 7), 9) e 10) serão agendadas pelo CAFAP em horário compatível com os horários dos pais e da criança, sendo a comparência dos progenitores obrigatória e sendo a ausência injustificada sancionável com multa até 3 UC por cada falta de comparência.
12. Caso o CAFAP da Obra Diocesana do Porto não tenha disponibilidade para a realização das sessões previstas em 7), 9) e 10), as mesmas serão realizadas por outro CAFAP da área do Porto ou pelo Centro Distrital da Segurança Social local.
13. As despesas com deslocações da progenitora a Matosinhos para conviver com a filha nos termos previstos em 8) serão repartidas entre os pais mediante apresentação de recibo por parte da Requerida, não podendo o contributo do progenitor exceder o montante mensal de € 100,00 correspondente ao valor da prestação de alimentos a cargo da progenitora. Para o efeito, a progenitora comunicará a despesa por escrito (e-mail ou sms) no prazo de 10 dias após o seu pagamento, juntando recibo comprovativo. O progenitor deverá proceder ao pagamento de metade da despesa no prazo de 10 dias após tal comunicação. Caso a progenitora decida mudar de residência para Matosinhos ou local próximo, deixará de haver lugar a tal pagamento por parte do progenitor.
14. A progenitora pagará, a título de alimentos devidos à filha a quantia mensal de € 100,00, a qual será liquidada até ao dia 8 de cada mês com início em Agosto de 202239 por transferência bancária para a conta do progenitor que este comunicará nos autos no prazo de 48 horas.
15. A prestação de alimentos será actualizada anualmente a partir de Janeiro de 2023 à razão de € 5,00 / ano, sendo assim o respectivo valor de € 105,00 a partir da referida data.
16. As despesas médicas, medicamentosas ou escolares que, na parte não comparticipada, atinjam o valor mínimo de € 25,00 serão repartidas entre os pais, devendo o progenitor credor comunicar ao outro tal despesa por escrito no prazo de 15 dias após o seu pagamento, juntando recibo comprovativo, e devendo o progenitor devedor liquidar metade do valor do encargo no prazo de 15 dias após tal comunicação.
Mais decide o Tribunal:
II. Absolver a progenitora do pedido de condenação como litigante de má-fé deduzido pelo progenitor.
III. Absolver o progenitor dos pedidos deduzidos sob as alíneas a) a d) das alegações da progenitora.
IV. Condenar os pais em custas, na proporção de 1/4, para o progenitor, e 3/4, para a progenitora, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem (artigo 527º nº1 do CPC).
V. Ordenar a fiscalização, pelo prazo de 9 meses, do cumprimento do presente regime pela EMAT / ATT do Porto nos termos do nº6 do artigo 40º do RGPTC, atento o risco evidente do seu incumprimento, considerando a matéria de facto dada como provada na presente sentença. Para o efeito, a EMAT / ATT do Porto juntará nos autos relatórios de avaliação da execução do regime até 30/9/2022, 30/12/2022 e 15/4/2022. Por sua vez, o CAFAP juntará igualmente informações sobre o decurso das sessões estabelecidas no presente regime até 30/9/2022 e 30/12/2022.»
Inconformada, a requerida apelou desta decisão, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A) O Tribunal da 1ª Instância entendeu, face ao que considerou quanto aos factos dados como provados o seguinte, entre outras:
B) A menor fica a residir com o pai;
C) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida da menor incumbe ao pai, exercício que também competirá à mãe, quando temporariamente a menor com ela estiver, não podendo ele contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como são definidas pela pai;
D) O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da menor, compete a ambos os pais, que decidirão de comum acordo tais questões;
E) Deverão assim devem ser reavaliados o depoimento das seguintes testemunhas:
Dr. DD;
EE, Agente da PSP em ....
F) O testemunho do psicólogo é muito importante no processo, pois são técnicos e especialistas nesta matéria.
G) Nos factos dados como provados, deverá fazer-se referência que a menor informou que o pai batia
H) Não foi feita qualquer referência ás qualidades da progenitora como mãe.
I) O Processo de Regulação das Responsabilidades Parentais rege-se pelo princípio basilar do respeito pelo superior interesse do menor.
J) Sendo de jurisdição voluntária (cfr. art° 150° da O.T.M.), o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adotar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna, podendo investigar livremente, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes (cfr. art°s 1409°, n° 2 a 1410° do C.P.C.).
K) In casu, deverá ser analisado por este Douto Tribunal, toda a prova gravada e deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto.
L) E deve ser alterado o regime de visitas atualmente em vigor, e que apesar de não ter transitado em julgado.
M) Pois, foram testemunhas que depuseram de forma clara, segura, coerente, imparcial e equilibrada.
N) Em face das visitas com o progenitor anteriormente em vigor, deverão estas voltar a ser acompanhadas.
O) Deveria o douto Tribunal, assegurar a plena proteção da menor, devendo esta permanecer com a progenitora.»

Contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
Também contra-alegou o requerido progenitor, defendendo a rejeição liminar do recurso, «por violação de todos os requisitos legalmente impostos», ou caso assim não se entenda, que seja negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir consubstancia-se em saber:
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto;
- se deve ser alterado o regime de visitas fixado e a criança AA ser entregue à guarda e cuidados da requerida/recorrente.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. A criança, AA, nasceu em .../.../2015, sendo filha dos Requeridos, CC e BB e contando actualmente com 6 anos de idade.
2. Antes de tal relacionamento com a mãe da AA, o progenitor teve um primeiro casamento que terminou em divórcio;
3. Casamento esse do qual resultaram 3 filhos, adoptados durante o matrimónio pelo então casal: FF, GG e HH, actualmente, com 19, 17 e 12 anos, respectivamente;
4. Sendo que o mais velho, FF, reside com o Requerido por via de acordo de alteração de regulação homologado por sentença de 20220, antes, pois, de aquele atingir a maioridade;
5. E que os mais novos, GG e HH, visitam o progenitor em fins-de-semana, por regra, mensais, para além de almoçarem regularmente com o mesmo, encontrando-se, no entanto, a residir e à guarda da sua progenitora.
6. Por sua vez, a progenitora também teve um primeiro relacionamento, do qual resultou o seu primeiro filho, II, actualmente, com 22 anos de idade, o qual vive com o pai, deslocando-se 3 ou 4 vezes por ano ao Algarve para estar com a mãe e a irmã mais nova.
7. Os Requeridos namoraram a partir de Setembro / Outubro de 2014 coabitando durante alguns meses;
8. Tendo-se separado em início de 2015 antes de a progenitora saber que estava grávida da criança.
9. Durante a gravidez, o progenitor acompanhou as consultas da mãe da criança, tendo estado presente no parto.
10. Na sequência de tal gravidez, os pais tentaram reconciliar-se no Verão de 2015;
11. Aquando do nascimento da filha, o progenitor procurou que os seus filhos (FF, GG e HH) pudessem conhecer a irmã, AA, e visitá-la no hospital;
12. Não tendo a progenitora permitido que tal acontecesse.
13. Nessa sequência e por essa razão, os pais voltaram a separar-se, desta vez, de forma definitiva.
14. Durante o primeiro ano de vida da AA, por via de acordo parcial de regulação do exercício das responsabilidades parentais homologado por sentença em 29/6/2016 no âmbito do processo principal, a residência da criança foi fixada junta da mãe, competindo ao progenitor o pagamento de prestação de alimentos no valor de € 100,00 mensais até ao dia 8 de cada mês; por não haver acordo dos pais quanto aos convívios do progenitor com a criança, foi fixado regime provisório, segundo o qual o pai visitaria a AA, pelo menos, 3 vezes por semana, no final da tarde, no infantário que a criança frequentada e dentro das regras de funcionamento de tal estabelecimento ou então em casa da tia paterna, JJ, sem prejuízo das horas de descanso e das horas de refeição da menor, competindo ao progenitor avisar a mãe com 24 de horas de antecedência sobre o local e o horário da visita e competindo à progenitora, no caso de o convívio ocorrer na casa da tia paterna, comparecer com a filha na referida residência e recolhê-la no mesmo local no final do convívio.
15. Não obstante o referido em 14), o regime de convívios aí mencionado não foi cumprido em razão de a progenitora alegar que não podia assegurar os convívios em casa da tia paterna em dias úteis – entendendo que haveria lapso na acta e que tais convívios seriam apenas aos fins-de-semana, apesar de o Tribunal não ter fixado tal limitação – e de o progenitor e o infantário terem entrado em conflito, entendendo o pai que o infantário não lhe permitia visitas porque a avó materna da criança fazia parte da Direcção da IPSS gestora do estabelecimento, estando assim este alinhado com a mãe da criança, e uma vez que o infantário entendia que o progenitor não respeitava as regras de funcionamento do infantário, tendo um comportamento agressivo e autoritário quando aí procurava conviver com a filha.
16. Em razão do referido em 15), em 11/10/2016, no âmbito de nova conferência de pais em que estiveram presentes ambos os progenitores, o Tribunal de Família de Matosinhos determinou que os convívios do progenitor com a criança passariam a ter periodicidade bissemanal, ocorrendo uma das visitas ao sábado ou ao domingo e a outra durante a semana, no CAFAP, competindo ao técnico desta entidade determinar a sua duração.
17. No início dos convívios do pai com a criança no CAFAP e até 14/12/2016, ambos os pais foram pontuais e assíduos, mostrando o progenitor uma atitude empática e de afectividade com a criança, promovendo uma vinculação positiva com esta através de brincadeiras adequadas para a idade da bebé e demonstrando competências ao nível dos cuidados básicos, nomeadamente, no que concerne a higiene, a alimentação e a segurança da filha.
18. Não obstante, a progenitora queixou-se, em 18/12/2016, que o relatório do CAFAP de 14/12/2016 estaria errado, não confiando a criança no pai, chorando a AA convulsivamente quando ia para o colo do progenitor, vomitando, nessas ocasiões, a refeição ou lanche anteriores, mantendo-se o choro durante quase todo o convívio, sendo que, após parar de chorar, a criança se manteria apática e triste na presença do pai.
19. No mesmo requerimento dirigido ao Tribunal, a progenitora imputava aos convívios da criança com o progenitor o facto de a filha ter regredido na aprendizagem andante e na verbalização de palavras, remetendo-se agora ao silêncio, demonstrando um semblante triste e raramente sorrindo, o que teria a ver com o facto de o progenitor viver em permanente conflito com outras pessoas, algo que a criança já teria presenciado.
20. Por despacho de 23/12/2016, foram mantidos os convívios supervisionados pelo CAFAP, os quais foram renovados em 20/3/2017 por mais 3 meses.
21. Sendo que, em 23/1/2017, tal entidade informou que o progenitor continuava a demonstrar uma postura empática e proactiva, promovendo uma vinculação positiva com a criança e demonstrando as mesmas competências parentais ao nível da alimentação, higiene e segurança durante as visitas, apesar de ainda não ter decorrido tempo suficiente para o estabelecimento de efectivos vínculos afectivos e de não ter sido ainda alcançado o objectivo de uma comunicação assertiva entre os pais, apesar de a progenitora estar a colaborar na realização dos convívios e a facilitar os mesmos.
22. A partir de 4/3/2017, o CAFAP tentou promover junto dos pais a realização de convívios no exterior, tendo-se a progenitora pronunciado contra tal possibilidade, uma vez que, na sua perspectiva, a criança só estaria bem na sua presença, continuando o progenitor a demonstrar debilidades ao nível das competências parentais.
23. Nas datas de 15/2/2017, 22/3/2017, 19/4/2017 e 10/6/2017 não existiram convívios supervisionados em razão de a progenitora ter comunicado que não tinha condições para se deslocar, uma vez que o progenitor estaria atrasado no pagamento da prestação de alimentos e aquela não teria dinheiro para se deslocar.
24. Em Julho de 2017, a progenitora comunicou que ia tirar férias pessoais entre 21/7 a 31/7 e 26/8 a 11/9, períodos esses durante os quais entendia que não existiriam convívios, tendo somado a esses períodos de indisponibilidade para a realização das visitas, o período de férias que o pai havia comunicado a pedido do CAFAP (de 24/7 a 11/8), não obstante o progenitor ter manifestado que pretendia que existissem convívios nesse espaço de tempo.
25. Em 26/7/2017, o Tribunal determinou que os convívios supervisionados continuariam em período de férias nos exactos termos anteriormente definidos, o que pressupunha necessariamente que tais convívios ocorressem também nos períodos de férias pessoais dos progenitores.
26. Não obstante, em 5/8/2017, o CAFAP comunicava que a mãe estava a faltar reiteradamente aos convívios agendados desde o dia 19/7/2017, referindo, mais tarde, em 1/9/2017 que só então a progenitora havia comunicado ter fracturado o perónio e lesionado a tíbia e os ligamentos em 31/7/2017, o que, segundo a própria, a impedia de comparecer nos convívios por ter a mobilidade reduzida e não poder conduzir durante um período de, pelo menos, mais 5 semanas (a contar de 1/9/2017).
27. Em função do referido em 24) e 26), o pai esteve sem ver a filha durante um período de cerca 2 meses, só sendo os convívios retomados em 9/9/2017 (cfr. fls. 202).
28. Sendo que, a partir de Setembro de 2017, a progenitora comunicou que não iria comparecer nos convívios às quartas-feiras, justificando tal facto, a pedido do Tribunal e em requerimento de 18/10/2017, com a circunstância de ter a mobilidade reduzida, não se podendo fazer substituir à quarta-feira por indisponibilidade dos familiares e por não ter dinheiro para táxi.
29. Na informação prestada pela progenitora em 18/10/2017, a mesma informava ainda que esperava retirar o gesso e o material ortopédico no final desse mês e que, com o auxílio da fisioterapia, recuperaria plenamente a mobilidade.
30. A progenitora apresentou atestados de incapacidade temporária absoluta até 19/12/2017, tendo, após essa data, justificado nas alegações no apenso C) apresentadas em 2/3/2019, ter faltado aos convívios supervisionados às quartas-feiras em razão de uma alteração do horário de trabalho.
31. Na altura, conforme informação prestada posteriormente pela entidade patronal, Matosinhoshabit, na qual a progenitora prestava serviços, em 20/12/2019, tal empregador não impedia a progenitora de comparecer nos convívios às quartas-feiras, apesar de tal lhe não ser conveniente, como havia reportado ao Tribunal anteriormente.
32. Mais referia tal empregador que, em face de o Tribunal não ter alterado os convívios às quartas-feiras às 16h00 sempre havia autorizado a progenitora a comparecer nos mesmos, incluindo no período após 19/12/2017, altura em que, à partida, a Requerida já não estava com incapacidade temporária absoluta.
33. Em 19/7/2017, o progenitor apresentou queixa criminal contra a progenitora, alegando, em síntese, que, durante um convívio no CAFAP e quando o mesmo tentou tirar uma foto á filha, a mãe irrompeu na sala, tentou tirar-lhe o telemóvel à força, dizendo-lhe que não o autorizava a tirar fotografias da criança, e empurrou-o contra as grades de um berço que aí existia.
34. Na ocasião, o CAFAP apenas observou que o progenitor tinha contactado a Dra. KK, directora de tal entidade, gritando que havia sido agredido pela progenitora quando estava a tentar tirar uma foto à criança.
35. Em 21/3/2018, na sequência de envio do processo da CPCJ de Matosinhos que entendia não poder tratar dos autos, uma vez que a progenitora aí havia trabalhado como psicóloga em 2015, o Ministério Público comunicou que não iria instaurar processo de promoção e protecção com base na queixa criminal referida em 33) por entender que se tratava de situação de mero conflito parental a ser dirimido no processo tutelar cível.
36. Em 14/3/2018, a progenitora apresentou queixa de violência doméstica contra o pai, dizendo que a vítima seria a criança e acusando o progenitor de ter gritado com a filha, tentando-a retirar da mãe à força quando a criança se refugiou na progenitora numa das visitas do CAFAP, tendo-a, nessa sequência, o Requerido agarrado pela roupa e parte do cabelo para que esta regressasse à sala dos brinquedos, abanando-a.
37. Mais referia a progenitora na referida queixa que a criança revelaria instabilidade psicológica, não querendo estar com o pai e tendo o sono perturbado, razão pela qual apresentaria um comportamento agressivo por não querer estar com aquele.
38. No referido inquérito criminal que correu termos sob o nº 402/18.6PBMTS, a progenitora queixou-se igualmente de que o progenitor a perseguia e a insultava.
39. Por despacho de arquivamento datado de 16/10/2018, o DIAP – 1ª Secção do Porto, no âmbito do inquérito criminal nº 402/18.6PBMTS arquivou a queixa referida em 36), baseando-se, para tanto, no facto de o relatório pericial não indiciar quaisquer lesões na criança e de a testemunha, LL, técnica do CAFAP ter negado a versão da progenitora, sendo que não se teria feito igualmente prova de quaisquer perseguições ou insultos da parte do progenitor contra a progenitora, sendo apenas evidente, à face da prova produzida, o conflito parental entre ambos.
40. Nas declarações prestadas pela técnica do CAFAP no referido inquérito, tal técnica constatou que a filha estava bem com o pai nas ocasiões em que a mãe não estava por perto, esclarecendo que, em nenhum momento, o pai teria abanado a filha ou insultado a mãe na ocasião referida em 38), algo que, de resto, a depoente não teria deixado que acontecesse
41. Por sua vez, em data incerta, mas situada em 2016, a progenitora havia apresentado queixa criminal contra o avô paterno da criança, acusando-o de a agredir num episódio ocorrido em 22/4/2016, ao final da tarde, junto ao café “...”, propriedade do arguido.
42. Com efeito, segundo a versão da progenitora, a mesma aguardava na esplanada do café a chegada do progenitor para que este lhe entregasse um boneco que a AA necessitava para dormir, altura em que este, chegando com o avô paterno, teria elevado a voz, chamando-a de “louca”, nessa sequência, tendo o avô paterno agarrado a ofendida nos ombros desta, gritando com a mesma e abanando-a, sendo impedido pelo progenitor de continuar a agressão.
43. Na sentença absolutória do avô paterno proferida no proc. 2482/16.0T9MTS que correu termos no Juízo Local Criminal de Matosinhos – J1, o Meritíssimo Juiz fez constar o seguinte: “A assistente (progenitora) veio para o julgamento mostrar uma posição de uma mulher passiva, que vai falar calmamente para lhe entregarem um boneco e que depois é agredida verbalmente pelo “MM” e depois agarrada e abanada pelo arguido. Neste movimento, a assistente só chora. Mas não é verdade. O Tribunal conclui antes que a assistente foi para o café do arguido e dos seus filhos armar um escândalo. Como foi referido pela testemunha NN, existem problemas relacionados com a rotura do relacionamento que duram há anos. Chegado àquele local, trouxe um problema que não tinha nada a ver com o arguido, mas que a assistente quis ali fazer uso, sabendo perfeitamente dos efeitos que tem na clientela do café. (…) E quando o MM chega ao local, com ele grita. A imagem de vítima coitadinha não convenceu o Tribunal.”
44. Em data incerta, mas situada em 2016 e em tempo próximo da apresentação da denúncia aludida em 41), a progenitora havia apresentado ainda uma outra queixa criminal contra o progenitor, segundo a qual o denunciado lhe teria dito no dia 22/4/2016: “Vais pagar-me por este desprezo. Vou humilhar-te no teu trabalho. Hei-de denegrir a tua imagem. Vais sofrer tanto.” e ainda no mesmo dia “Vou-te foder.”
45. Tal queixa foi também apreciada no proc. 2482/16.0T9MTS, tendo sido arquivada pelo Ministério Público no que respeita ao crime de ameaça, bem como, por falta de legitimidade processual, quanto ao crime de injúria.
46. Nessa sequência, mantendo-se o conflito parental, em 17/1/2018, a ATT, em relatório social junto no processo de promoção e proteção da criança em apenso, constatava que não tinham existido convívios supervisionados entre Julho e Setembro de 2017 e que, depois disso, só ocorriam aos sábados, não tendo lugar às quartas-feiras, sendo que, quando as visitas ocorriam, a progenitora resistia em sair do espaço da mesma, colocando-se, quando o fazia, em local onde a AA a conseguiria ver, o que, a par dos sucessivos incumprimentos dos convívios por parte da mãe, dificultaria o processo de vinculação da criança ao progenitor, sem prejuízo de este revelar também algumas dificuldades em cativar a filha e interagir com a mesma nas ocasiões em que tais convívios, de facto, aconteciam.
47. Nos convívios agendados para os sábados anteriores ao Natal e ao Ano Novo, a progenitora faltou igualmente, alegando não ter meios económicos para se deslocar.
48. O CAFAP entendia, por sua vez, que os incumprimentos verificados por parte da progenitora, bem como uma atitude não facilitadora da parte da mesma na criação de espaço necessário para a relação entre pai e filha (mostrando-se aquela resistente em abandonar o espaço de convívio e ficando no exterior, mas em local onde a criança a via), dificultavam o processo de vinculação da filha ao pai, o qual não era ideal.
49. Independentemente disso, em 26/3/2018, o CAFAP apresentou parecer no sentido de que os convívios podiam deixar de ser supervisionados, uma vez que o pai tinha condições para estar com a criança num contexto externo e sem supervisão técnica, devendo o tempo dos convívios ser alargado progressivamente numa primeira fase.
50. Em nova conferência de pais de 11/6/2018, o Tribunal determinou que os convívios passariam a ser não supervisionados, aos sábados, pelo tempo que o CAFAP entendesse adequado, mas incluindo uma refeição, cabendo a tal entidade supervisionar a entrega e recolha da criança pelo pai.
51. Em 25/6/2018, apenas 14 dias depois da conferência de pais em que o Tribunal havia determinado a realização de convívios não supervisionados entre o pai e a criança todos os sábados, a progenitora, alegando dificuldades económicas e o valor reduzido da prestação de alimentos fixada, comunicou que iria aceitar uma proposta de trabalho sazonal no Algarve, passando a residir nos meses de Verão em Tavira, sem prejuízo de esclarecer que inscreveria a filha numa creche em Matosinhos a partir de Setembro.
52. Mais propunha a progenitora que os convívios do progenitor com a criança ocorressem no Algarve durante esse período e no CAFAP de Faro ou, em alternativa, na casa do pai em Vilamoura por um período de 2 dias em cada 15 dias.
53. O pai opôs-se à mudança de residência da criança para o Algarve mediante requerimento de 26/6/2018.
54. Durante o mesmo período, a progenitora faltou ao convívio não supervisionado no sábado de 30/6/2018, avisando no dia anterior, pelas 20h50 de que não estaria presente.
55. O progenitor apresentou queixa criminal quanto ao não cumprimento pela progenitora dos convívios supervisionados às quartas-feiras nos dias 11/4/2018, 18/4/2018, 2/5/2018, 9/5/2018, 16/5/2018, 16/5/2018, 23/5/2018, 30/5/2018, 6/6/2018 e 13/6/2018, bem como quanto ao facto de a progenitora ter levado a criança para o Algarve sem autorização paterna a fim de aí residir por tempo indeterminado, não cumprindo, por esse motivo, o regime de convívios não supervisionados estabelecido em 11/6/2018.
56. Em 12/7/2018, o Tribunal determinou que, em face da ida da progenitora para o Algarve, os convívios não supervisionados da criança com o pai ocorreriam aos sábados de 15 em 15 dias no CAFAP e nos termos já determinados, competindo à progenitora trazer a criança ao Norte sob pena de, havendo incumprimento de qualquer um deles, o incumpridor ser condenado em multa de 2 UC por cada falta de comparência.
57. Em 10/9/2018 - e ao contrário do que havia comunicado ao Tribunal em 25/6/2018 quanto a pretender inscrever a filha em creche em Matosinhos a partir de Setembro -, a progenitora informou que havia aceite proposta de trabalho no Algarve (Castro Marim) na empresa S... e que pretendia mudar-se definitivamente para esta região, mas para Vila Nova de Carcela (e não para Tavira, como inicialmente anunciado), requerendo a modificação do regime provisório por entender constituir uma “violência para a criança” vir a Matosinhos de 15 em 15 dias, propondo antes que tais convívios tivessem frequência mensal.
58. A proposta de trabalho para a função de gestora comercial implicava auferir a progenitora significativamente menos do que auferia em Matosinhos (salário de apenas € 600,00 ilíquidos vs. os anteriores € 1048,00 auferidos na Matosinhoshabit – fls. 29 do apenso C)), mas garantia acesso a habitação gratuita, bem como o pagamento das despesas de água, eletricidade e gás por parte da entidade patronal, tudo sem prejuízo de a Requerida continuar a pagar o empréstimo de habitação para aquisição da sua casa no Porto (prestação, na altura, de € 620,00 mensais).
59. Tal proposta de trabalho exigia ainda que a mesma trabalhasse aos fins-de-semana e se deslocasse com frequência aos Açores nessas alturas, o que impedia o cumprimento do regime
de convívios do pai com a criança tal como fixado pelo Tribunal, razão pela qual não ocorreram convívios do progenitor com a AA entre 9/9/2018 e 29/10/2018.
60. Paralelamente, ainda sem autorização do progenitor ou do Tribunal para a mudança de residência da AA, a progenitora inscreveu a filha em escola ....
61. O progenitor opôs-se à mudança definitiva de residência da filha para o Algarve por requerimento de 23/9/2018.
62. Entre Julho e Dezembro de 2018, a progenitora solicitou o acompanhamento psicológico da criança, alegando perante a psicóloga que a AA havia sido agredida pelo pai em 24/2/2018 num dos convívios com o progenitor e que a mesma apresentava pesadelos, sendo estes caracterizados por um choro brusco e inesperado, acompanhado de uma expressão de medo intenso, suores frios, muita agitação e incapacidade de ser consolada, ficando a criança, depois de acordar, confusa e desorientada, solicitando, de seguida, à mãe que a escondesse e que não a deixasse levá-la e que não a deixasse nunca, segundo a psicóloga.
63. Segundo a referida psicóloga, a criança estaria exposta a um forte indicador de ansiedade;
64. Sendo que, em testes projetivos, nunca havia incluído o pai ou os outros filhos deste (irmãos da AA) no desenho de família, o que sugeriria, segundo a mesma, que a aproximação da filha ao progenitor deveria ser gradual, sem pernoitas.
65. Sem prejuízo, o referido acompanhamento psicológico não foi informado pela mãe ao pai, não tendo este conhecimento do mesmo até a progenitora juntar relatório de avaliação psicológica encomendado pela mesma à referida especialista;
66. Especialista essa que nunca falou com o pai, nem obteve deste o consentimento para tal intervenção, tratando-o no referido relatório por “CC”.
67. Na conferência de pais de 7/2/2019 não foi possível alcançar acordo entre os pais relativamente ao regime de convívios da criança com o progenitor.
68. Por despacho de 25/2/2019, o Tribunal determinou que a criança conviveria com o pai no primeiro fim-de-semana se cada mês entre final de quinta-feira e final de domingo, competindo à progenitora conduzir a criança a casa daquele e a este entregá-la em casa da mãe no fim da visita.
69. Aquando do julgamento no processo principal, em 4/2/2020, os pais alcançaram acordo homologado por sentença (posteriormente retificada em 9/3/2020), nos termos do qual, até à entrada da criança no ensino básico, o pai conviveria com a filha 1 semana a cada 2 meses, sendo que todas as deslocações ficariam a cargo do progenitor, aceitando a progenitora poder vir a trazer e a recolher a AA a casa do pai, mas ficando, nessa hipótese, este encarregue de tais despesas de deslocação da mãe da criança. Mais ficou estipulado que, a partir da entrada da AA no 1º ciclo, o pai conviveria com a mesma 1 fim-de-semana por mês de sexta a domingo, exceto nos meses de Agosto e Dezembro, sendo que as despesas de deslocação ficariam nos meses ímpares a cargo da mãe e nos meses pares a cargo do pai. Nas férias escolares do Verão, o pai conviveria com a criança na primeira quinzena de Agosto (de 1/8 a 15/8), sendo responsável pela viagem o progenitor que iria ficar com a menor. No Natal, bem como na Páscoa, cada progenitor passaria uma semana de férias com a filha, alternando de ano para ano quem ficaria com a quadra do Natal (24/12 e 25/12) e do Ano Novo (31/12 e 1/1).
70. Na sequência de tal acordo, o progenitor desistiu dos incidentes de incumprimento que corriam termos nos apensos C) e E).
71. Em 29/4/2020, o progenitor solicitou o acordo da progenitora para a alteração da quinzena de férias da 1ª para a 2ª quinzena de Agosto por não conseguir tirar férias pessoais no trabalho na 1ª quinzena desse mês.
72. A progenitora respondeu que aceitaria tal proposta, desde que a criança estivesse com a mãe nos dias 23/8 e 24/8, sugerindo que o pai estivesse com a filha de 8 a 22 de Agosto ou de 25/8 a 8/9.
73. Por o pai não concordar com a referida contraproposta, no dia 1/8/2020, depois de avisar a progenitora na semana anterior de tal deslocação, o mesmo viajou de Matosinhos para ... a fim de recolher a filha, tendo combinado com a mãe da criança que a recolha ocorreria na Praça ... nessa localidade.
74. No momento da entrega e não obstante várias tentativas, a criança que, quando avistou o pai, se encontrava a andar de trotineta, pôs-se a gritar e foi imediatamente para o colo da progenitora, recusando ir com o pai, não obstante este tentar, por diversas vezes, que esta saísse do colo da mãe e fosse consigo, nesse seguimento, gerando-se uma discussão entre os progenitores;
75. Nessa sequência, tendo sido chamada a PSP ..., chegados ao local, os agentes policiais e não conseguiram que houvesse um entendimento entre os intervenientes, tendo, de seguida, encaminhado as pessoas para a esquadra e tentando, nessa sequência, que a criança fosse voluntariamente de férias com o progenitor;
76. Tendo, nessa altura, a AA dito que não queria ir com o pai, que não gostava dele e que só tinha um irmão (o irmão do lado da mãe, II);
77. Não tendo justificado por que razão não gostava do pai, nem por que razão não queria ir com ele ou por que razão só tinha um irmão quando, na verdade, tem quatro (três do lado paterno e um do lado materno).
78. Durante todo o período descrito em 73) a 77), a progenitora não fez qualquer esforço para que a criança aceitasse ir com o pai para Matosinhos a fim de passar férias com este;
79. No final das tentativas levadas a cabo pela PSP para convencer a criança, o pai aceitou voltar para Matosinhos sem levar a filha;
80. Não tendo querido tentar de novo no dia seguinte (como proposto pela PSP), porque entendia que o mesmo aconteceria nessa altura, ou seja, que a criança se voltaria a recusar ir de férias com ele.
81. Em 21/9/2020 e em razão do episódio ocorrido em 1/8/2020, o Ministério Público junto deste Tribunal instaurou o presente processo de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
82. A partir de 1/8/2020, na sequência do episódio supra descrito e por entender que, ao fim de 4 anos (desde 2016), a mãe nunca lhe permitiria ter convívios com a filha, sendo episódios como o referido prejudiciais à saúde mental da criança e muito desgastantes do ponto de vista emocional para si, o progenitor deixou de conviver com a AA nos termos fixados no acordo de 4/2/2020, só em Dezembro de 2021, por determinação deste Tribunal, voltando a existir convívios presenciais entre pai e criança.
83. Em 10/4/2021, a progenitora comunicou nos autos que iria mudar de residência com a criança para Ayamonte, a 7 Km de distância da fronteira portuguesa, informando na altura que a filha continuaria a frequentar a Escola ... em ....
84. Aquando da audição técnica especializada, a criança, quando ouvida pela técnica da ATT, referiu que “o pai bate muito às pessoas”, não conseguindo explicar a frase, sendo que, quando questionada, mencionou: “ não vi (referindo-se às supostas agressões do pai), porque sei, eu e a mamã sabemos.”, ao que a progenitora, apesar de advertida para não falar sobre tal assunto na presença da filha, referiu, na presença desta, o seguinte: “a menina lembra-se das coisas, assistiu a muita coisa, calei-me até agora e agora já não me vou calar, a minha obrigação é proteger a minha filha.”
85. Em 3/5/2021, o DIAP do Porto – 4ª Secção proferiu despacho de arquivamento no inquérito nº 1761/17.3PBMTS decorrente de queixa do progenitor relativamente aos incumprimentos de convívios nos dias 11/10/2017, 18/10/2017, 25/10/2017, 1/11/2017, 8/11/2017, 15/11/2017, 22/11/2017, 29/11/2017, 6/12/2017, 13/12/2017, 27/9/2017, 4/10/2017, 22, 26 e 29 de Julho de 2017, dias 2, 5, 9, 12, 16, 19, 23, 26 e 30 de Agosto de 2017, 2, 6, 13 e 20 de Setembro de 2017, 20, 23, 27 e 30 de Dezembro de 2017, 3, 10, 17, 24, 27 e 31 de Janeiro de 2018, 7, 10, 14, 21, 28 de Fevereiro de 2018, 7, 14, 21, 28 de Março de 2018, 4, 11 e 18 de Abril, 2, 9, 16, 23 e 30 de Maio de 2018, 6 e 13 de Junho de 2018, dias 7 e 14 de Julho, 18/8/2018, 15, 22 e 29 de Setembro de 2018, 6, 13, 20 e 27 de Outubro de 2018, 10, 17 e 24 de Novembro de 2018, 1, 8, 15 e 22 de Dezembro de 2018, bem como à ida da progenitora para o Algarve sem o consentimento daquele ou de autorização judicial.
86. No referido despacho de arquivamento, o DIAP considerou que os convívios não tinham, de facto, ocorrido nas referidas datas em razão de faltas da progenitora, bem como que esta tinha ido para o Algarve sem aparente autorização do progenitor, mas que havia dúvidas sobre se tais ausências e deslocação da criança para esta região representariam uma tentativa por parte da progenitora de impedir a vinculação da criança com o pai, razão pela qual entendia não existirem indícios suficientes da pratica pela mãe do crime de subtração de menor que lhe era imputado pelo progenitor na queixa por este apresentada.
87. Aquando da conferência de pais realizada em 24/11/2021, na sequência da junção do relatório de audição técnica especializada, a progenitora informou que a criança estava, desde Setembro de 2021, a frequentar o 1º ano do ensino básico numa escola em Espanha (Colegio Público de Educação Especial, Infantil y Primaria "...", em ..., Huelva), admitindo que não tinha informado o pai, nem o Tribunal de tal facto, nem tampouco da circunstância de ter cancelado a inscrição da filha na Escola ... em Maio de 2021;
88. Não tendo garantias, no entanto, de que iria continuar a viver em Espanha.
89. Em função do referido em 87) e 88) e por entender que tal decisão unilateral da progenitora configurava um incumprimento do acordo de regulação em vigor, uma vez que a inscrição da filha em escola espanhola constituía questão de particular importância, o Tribunal, perante a recusa do pai em aceitar tal inscrição, determinou que a mãe inscrevesse a criança em escola portuguesa (de preferência, na mesma antes frequentada em ...), notificando a progenitora para comprovar a inscrição da filha em escola portuguesa até ao final do mês de Dezembro de 2021.
90. O que a mesma fez, inscrevendo a AA na Escola Básica ..., uma vez que a anterior Escola ... frequentada pela criança já não dispunha de vaga.
91. Quando a criança frequentava a anterior Escola ..., a progenitora, quando confrontada com a circunstância de AA dizer algumas vezes “Não ter pai”, contou à educadora da criança que tinha sido vítima (conjuntamente com a criança) de violência doméstica, violência doméstica essa que teria motivado a sua vinda com a filha para o Algarve, não obstante o respetivo inquérito ter sido arquivado.
92. Tendo justificado a tal educadora que havia retirado a criança da escola em Maio de 2021 porque o estabelecimento de ensino havia falhado na supervisão da filha, deixando-a sozinha com uma técnica na rua dentro do horário de funcionamento da componente de apoio à família, o que, segundo a educadora, não teria acontecido.
93. Aquando da audição da criança no dia 4/1/2022, a AA referiu que não tinha gostado de estar com o “CC” no Natal, admitindo, quando questionada, que o “CC” era o seu pai. Referiu que não festejaram o Natal, mas que recebeu duas prendas de que gostou. Esclareceu que o pai vivia com a OO (“sua marida”, querendo dizer “mulher”) e com o FF, sendo que a GG e o HH também iam lá aos fins-de-semana. Perguntada, esclareceu que o FF, a GG e o HH eram “filhos dele”, referindo-se ao pai. Mencionou que não gostava de estar com o pai, porque este não brincava com ela e que começava aos gritos, estando sempre a gritar. Disse que contou isso à mãe. Perguntada sobre o que a mãe tinha respondido, respondeu: “Nada”. Referiu depois que não “queria estar com o pai” e que “a mamã é que dizia que tinha de estar, porque o Tribunal mandava”, mas que ela não queria. Para justificar tal resposta, disse que o pai a entregava à mãe “sempre cansada e doente”. Quando perguntada por que razão ficava doente quando estava com o pai, respondeu: “não sei”. Esclareceu, nesse contexto, que, em casa do pai, comia sempre “arroz com carne” e mais nada. Quando questionada se queria dizer mais alguma coisa ao Tribunal, respondeu: “A mãe estava sempre a dizer-lhe que era bonita, mas que o CC nunca lhe dizia que era bonita.” Depois, quando o Tribunal a questionou sobre a escola que frequentava, esclareceu que andava numa escola espanhola, mas que o “CC” a havia mandado tirar dessa escola, dizendo, de seguida, o Juiz que não tinha sido o pai a fazer isso, mas o próprio Tribunal, ao que respondeu: “Quero andar na escola espanhola, ponto final”. No final, quando perguntada sobre o desenho que tinha estado a fazer durante a inquirição, respondeu que era um arco-íris e, quando questionada sobre quantas cores tinha o arco-íris, respondeu acertadamente: 7.
94. Aquando da entrega da criança ao pai para as férias do Natal em 20/12/2021 (até 27/12/2021), a mãe compareceu com a avó materna e o irmão mais velho da criança, II, tendo a AA aceite ir com a técnica de ATT, Dra. PP, para uma sala diferente, desde que acompanhada do irmão, tendo este saído e a criança ficado a brincar um pouco.
95. Quando informada que iria com o pai passar férias, a criança, que até então estava comunicativa e alegre, começou a chorar e a dizer de forma repetitiva em direção ao progenitor: “tu não és meu pai, arranja outra menina…eu só tenho um irmão, o II”, apesar de aceitar de pronto a boneca (Frozean) que o pai lhe havia dado. Perante a situação, o pai reagiu de forma calma, tendo, após as referidas dificuldades, a criança aceite acompanhar o pai na viatura deste, mostrando-se a progenitora, depois de comunicada a ida da filha com o progenitor, “alterada, impaciente e ansiosa”, questionando a intervenção da técnica de ATT e referindo-lhe: “levaram mais de uma hora para entregar a AA ao pai…isso são maus tratos; foi obrigada; a AA não sabia ao que ia; a AA quando voltar vai-me contar tudo.”
96. Ao longo da estadia da criança junto do pai entre 20/12/2021 e 27/12/2021, a técnica de ATT falou várias vezes com os pais, tendo a AA falado quando aquela ligou para o progenitor, referindo-lhe: “olá, estou a brincar, sim, está tudo bem.”
97. No mesmo período, no dia 22/12, pelas 14h00, a progenitora ligou para a técnica de ATT, referindo-lhe: “a minha filha está desaparecida, não sei do paradeiro dela, o pai não atende as chamadas, vocês estão com falsidades, são umas mentirosas e falsas, combinámos o dia de ontem para telefonar e ele não atende…”, apesar de o Tribunal ter fixado apenas 1 contacto da mãe com a filha durante a semana em que esta estaria com o progenitor (e vice-versa, um telefonema do pai durante a semana em que a AA estaria com a mãe nas férias do Natal) e de a técnica da ATT ter sugerido aos pais que o telefonema em causa seria efetuado no dia 22/12 (e não no dia anterior) e que aquela falaria ainda com a mãe no dia 23/12 para lhe dar informações sobre a situação da criança.
98. Ainda nesse período, tendo a criança expressado o desejo de ver o seu irmão, II, o progenitor combinou com o pai deste um encontro, tendo a AA estado com o referido irmão.
99. Aquando da entrega da criança no dia 27/12 à mãe, a AA mostrou proximidade afetiva com o progenitor, tendo dito sobre o período de férias que havia sido “superdivertido” e tendo falado, por telefone, com os irmãos (do lado do pai) para se despedir deles, beijando ainda o progenitor com intensidade aquando da despedida e voltando atrás para lhe dar mais abraços e beijos;
100. Alterando, porém, radicalmente de atitude quando viu a mãe, tendo a técnica da ATT dito à progenitora que a filha havia gostado de estar com o pai e dizendo a progenitora, dirigindo-se à criança: “Disseste isso?” e respondendo esta: “Não.”
101. A progenitora pediu à técnica de ATT o contacto da sua superior hierárquica e, no final, dirigiu-se a um dos seguranças do edifício da Segurança Social em Faro, acusando-o de “ter metido a criança à força no carro do pai” aquando da ida da AA com o progenitor no dia 20/12.
102. A progenitora juntou ainda nos autos um email dirigido ao ISS, pedindo a substituição da técnica de ATT, Dra. PP, referindo, em síntese, que a entrega da criança no dia 20/12 teria ocorrido num “cenário de terror”, “onde existiram agressões”, que a AA havia sido levada pela cintura “arrastada” e sido literalmente metida na viatura, enquanto gritava, tendo a criança contado à mãe que havia chorado todo o dia e que tinha sentido muito medo, referindo-lhe: “as senhoras não acreditaram em mim. Elas fecharam-me no carro dele!” Que a criança teria contado que, durante a semana passada com o pai, tinha chorado muito e que não a deixavam falar, gritando-lhe quando falava na mamã.
103. No fim de semana de 28/1/2022 a 30/1/2022 em que a criança deveria ter estado com o pai, sendo levada pela progenitora a Matosinhos, a mãe não levou a AA, não tendo esta podido conviver com o progenitor.
104. Aquando da primeira sessão de julgamento em 15/2/2022, o Tribunal determinou que as entregas nos fins-de-semana em que o pai se deslocasse ao Algarve seriam realizadas nas instalações da Segurança Social de Faro às sextas-feiras, competindo à progenitora levar a criança a tal local e ao pai recolhê-la pelas 17h00, após o que o progenitor regressaria ao Algarve e entregaria a criança na escola na segunda-feira no início das aulas, sendo que no fim-de-semana em que a progenitora se devesse deslocar com a filha ao Porto a entrega seria efetuada nas instalações do CAFAP do Porto às 12h00 de sábado, recolhendo-a na casa do progenitor no domingo às 18h00.
105. A partir de Dezembro de 2020 e até, pelo menos, ao início do julgamento em Fevereiro de 2022, a criança foi acompanhada pelo psicólogo, Dr. DD, tendo em vista ajudar a AA com “dificuldades de ajustamento psico-emocional relativas à separação relacional dos progenitores”;
106. Tal psicólogo, a pedido da mãe, elaborou relatório datado de 6/12/2021, referindo que a criança revelava vários episódios de tristeza excessiva e alguma revolta emocional seguida, por vezes, de atitudes de alguma irritabilidade preocupante do ponto de vista clínico, apesar de, no geral, a AA ser uma menina com forte perspicácia cognitiva, boas capacidades de aprendizagem e apetência para fazer amigos com facilidade, apresentando-se como uma
criança meiga, carinhosa e empática. Apesar de tentar apresentar-se em consulta com sinais de boa disposição, por vezes, seriam notórios indicadores de ansiedade de alguma perturbação no seu humor em algumas das sessões desenvolvidas. Ter a criança depois de ir para Espanha e de frequentar uma escola nesse país, apresentado melhorias significativas ao nível da motivação para o estudo e para as tarefas escolares, apesar de se manterem sintomas com uma intensidade que seria desadaptativa e inconsistente e que teria a ver com um bloqueio emocional face à sua situação familiar e com o regime de visitas imposto, não se revelando a criança segura com a possibilidade de deixar a casa onde está com a sua mãe a maior parte do tempo para se deslocar para lugar onde a progenitora não estivesse presente, ou seja, não se sentindo segura sem a presença da progenitora. Segundo o referido psicólogo, a criança sentiria falta de carinho e apego pelo pai – a quem trataria por “CC” e não por “pai” -, revelando-se desiludida por este não compreender as suas reais necessidades e carências do foro afetivo e emocional, sendo que os seus níveis de ansiedade aumentariam devido ao facto de sentir algum receio de que o pai a fosse buscar contra a sua vontade, apresentando, pois, a AA um quadro clínico que lhe provocava uma significativa angústia e sofrimento psicológico.
107. Aquando da elaboração do referido relatório em 6/12/2021, a AA já não tinha contacto presencial com o pai desde Agosto de 2020, altura do episódio supra descrito datado de 1/8/2020.
108. O psicólogo em causa admitiu em julgamento nunca ter falado com o pai durante o período (entre Dezembro de 2020 e Fevereiro de 2022) em que durou o acompanhamento psicológico, nunca tendo pedido o contacto deste à progenitora.
109. A progenitora não informou o progenitor de que a criança estava a ter acompanhamento psicológico com o referido psicólogo, tendo o pai da AA tido conhecimento de tal facto por via da junção do referido relatório.
110. Aquando do julgamento, o pai tinha em atraso 6 prestações mensais de alimentos em virtude de o Banco onde trabalhava ter deixado de fazer a penhora ordenada pelo Tribunal, tendo sido notificado pelo Tribunal para liquidar tal quantia (€ 600,00) no prazo de 10 dias, o que fez, liquidando a quantia de € 700,00 de forma a incluir a nova prestação de alimentos.
111. Aquando da entrega da criança no fim-de-semana de 26/3 /2022 nas instalações do CAFAP, a AA estava acompanhada da avó materna e da mãe, tendo dito “que não queria ir com o pai, que o pai era mau”, enquanto se agarrava às pernas da progenitora, não tendo esta última uma atitude de facilitar a entrega e de tranquilizar a criança, pelo contrário, referindo que “estavam obrigadas pelo Tribunal” e que a AA teria problemas se não cumprisse com a ordem judicial.
112. Nessa sequência, quando a criança estava num crescendo de choro e recusa, tendo a técnica dito que havia visto vídeos da AA feliz com o pai, a mãe referiu: “Não é bem assim…ela sofre lá muito.”, ao que a técnica do CAFAP pediu que a progenitora e a avó materna saíssem de forma a facilitar a entrega.
113. Continuando a criança a dizer que o pai era mau e questionada por que razão dizia isso, a AA disse, tal como havia dito no Tribunal, “não gosto do pai porque o pai dá-me comida que eu não gosto, dá-me sempre carne com arroz e eu não gosto, gosto da comida da mãe.”
114. A par e passo, a AA foi dizendo que iria com o pai e o que gostaria de fazer durante o dia, tendo seguido pela mão do progenitor, mas ainda um pouco chorosa.
115. Aquando da entrega na Segurança Social no período de férias com o pai (entre 11/4/2022 a 15/4/2022), a criança entrou na sala acompanhada da mãe, tendo recusado ficar o pai e inclusivamente fugido da sala, após o que, continuando a chorar, tendo o pai perguntado se a mesma queria falar com os irmãos, a AA respondeu: “Eu só tenho 1 irmão, o II”;
116. Depois da mãe sair da sala, a AA parou imediatamente de chorar e proferiu a seguinte frase: “Eu não posso dizer que tenho mais irmãos porque a mamã fica chateada.”
117. Nessa sequência, o pai fez uma chamada para os irmãos, tendo a técnica da ATT constatado uma acentuada cumplicidade entre aqueles e a AA.
118. Por fim, a criança acompanhou o pai sem quaisquer reservas, constatando a ATT proximidade afetiva entre ambos.
Sobre o pai:
119. O progenitor vive com o seu filho, FF, de 19 anos de idade, namorando com a companheira, OO, há mais de 4 anos, mas residindo esta maioritariamente em casa própria.
120. É bancário de profissão, auferindo salário variável situado entre € 1783,00 e 2050,00 mensais e tendo durante mais de 10 anos trabalhado para o ..., do qual foi recentemente despedido, tendo impugnado tal despedimento e não estando ainda tal questão decidida.
121. Trabalha ainda no estabelecimento comercial do seu pai (“Café ...”), auferindo € 200,00, € 500,00 ou € 1000,00 mensais adicionais.
122. Vive em T3 situado em frente ao mar em Matosinhos, estando a casa paga e tendo quarto próprio para a criança quando esta fica consigo.
123. A sua companheira é comercial numa empresa de “health care”, auferindo €1300,00 mensais.
124. Dispõe da ajuda do avô paterno, bem como dos seus tios e da sua cunhada, para além da sua companheira, no caso de ter de deixar a sua filha com familiares ou pessoas próximas.
125. Em Março de 2015 foi instaurado processo de promoção e proteção relativamente aos filhos do progenitor, FF, GG e HH, em razão da existência de conflito parental significativo entre os pais das crianças, bem como alegação de negligência e falta de supervisão da parte do progenitor no que respeita aos cuidados que prestava aos filhos, estas últimas, alegações provenientes da progenitora das crianças.
126. No decurso do referido processo e em 2016, a avó paterna das crianças – avó paterna também da AA, a qual vinha sendo acompanhada em psiquiatria – faleceu em circunstâncias trágicas (suicídio), o que obrigou o progenitor a ter acompanhamento psiquiátrico, tendo, por sua vez, as crianças – as quais estavam em casa da avó no momento do incidente – tido acompanhamento psicológico para lidarem com o sucedido.
127. Pese embora alguma diminuição dos convívios do progenitor com tais crianças – irmãs da AA – nesse período referente ao primeiro semestre de 2017, em Outubro de 2017, o FF, a GG e o HH já tinham convívios regulares com o pai (fins-de-semana de quinze em quinze dias, bem como em 2 dias por semana depois da escola);
128. Sendo que, em Maio de 2018, os irmãos mais velhos – FF e GG – queixavam-se de que o pai trabalhava muito e que, em férias, ficavam, muitas vezes, sozinhos, o que seria aborrecido, razão pela qual aceitavam ter convívios com o progenitor, mas sem pernoita, ao passo que o filho mais novo, HH, continuava a querer ter convívios com o pai nos termos anteriores, ou seja, com pernoita.
129. Por despacho datado de 17/5/2018, o processo de promoção e protecção foi arquivado.
130. Actualmente, na sequência de sentença homologatória de acordo de alteração de regulação proferida em 2020 e por força de desentendimentos do mesmo com a sua mãe, o jovem, FF, encontra-se a residir com o pai, sendo que as crianças GG e HH passam fins-de-semana (geralmente, 1 por mês), bem como almoçam regularmente, com o progenitor, tendo passado com este alguns dias no Natal de 2021.
Sobre a mãe:
131. A progenitora é doutorada em psicologia, tendo trabalhado como psicóloga, cedida pela empresa Matosinhoshabit, na CPCJ de Matosinhos em 2015.
132. Encontra-se em situação de licença sem vencimento desde a altura em mudou de residência com a criança para o Algarve no Verão de 2018, tendo tal licença sem vencimento sido prolongada por mais 2 anos a partir de Janeiro de 2022.
133. Na referida empresa Matosinhoshabit, a progenitora auferia salário de € 1140,00 mensais;
134. Tendo a progenitora, aquando da sua vinda para o Algarve, trabalhado numa empresa de turismo “S...”, onde auferia salário de € 600,00 ilíquidos, usufruindo de habitação gratuita e pagando a empresa as despesas com água, luz e gás.
135. Tendo, no entanto, a Requerida de pagar prestação mensal do empréstimo da sua casa em Matosinhos, a qual foi sendo liquidada com a ajuda da sua família (mãe e tia, tendo o ex-marido ajudado também) até tal habitação ser vendida.
136. Nos cerca de 4 anos – entre 2018 e 2022 – de permanência no Algarve e no Sul de Espanha, a progenitora e a criança residiram em 4 habitações diferentes sitas em Tavira, Vila Nova de Carcela, ... e Ayamonte.
137. Tendo a progenitora trabalhado em duas empresas de turismo, uma das quais a referida em 128), bem como na ...;
138. Após o que ficou desempregada, auferindo subsídio de apoio a trabalhadores independentes (€ 470,00 mensais), realizando serviços pontuais de mediação imobiliária na empresa P... e vivendo ainda em parte dos rendimentos decorrentes da venda, entretanto, do apartamento que possuía em Matosinhos;
139. Venda esta que, em Maio de 2021, lhe permitiu comprar casa em ..., localidade situada a cerca de 40 Km. da fronteira portuguesa.
140. Estando a referida casa ainda em obras.
141. Atualmente, a progenitora e a criança residem provisoriamente em Ayamonte, Espanha, numa casa geminada, propriedade de uma amiga da Requerida, a qual lhe emprestou a referida habitação, contando a progenitora com o apoio da avó materna, a qual reside habitualmente com mãe e filha, sem prejuízo de ainda possuir casa em Matosinhos, donde é originária.
142. A progenitora tinha como intenção frequentar uma formação profissional com início em Abril de 2022 a fim de trabalhar num hotel sito em Espanha, alegando, no entanto, que recusou tal oferta em razão de a AA estar a frequentar escola em Castro Marim por imposição do Tribunal.
Sobre a criança (para além do já referido supra):
143. A AA é tida pelos seus professores e psicólogos como uma criança estimulada em termos intelectuais no contexto familiar, com muitos saberes e competências, dispondo de autonomia nas tarefas escolares e sendo também extremamente sensível e emotiva.
144. Revela, segundo a sua anterior educadora na Escola ..., uma imagem deturpada do pai, referindo, por diversas vezes, “eu não tenho pai.”
Foram considerados não provados os seguintes factos:
A. Que a progenitora tivesse mudado a residência da criança para Ayamonte (Espanha) sem o consentimento do pai ou autorização do Tribunal a fim de garantir à filha melhores condições de vida.
B. Que a progenitora nunca tivesse incumprido os sucessivos regimes de convívios entre pai e filha estabelecidos pelo Tribunal.
C. Que a progenitora estivesse convicta de que, ao mudar a residência da criança para o Algarve e, depois, para Espanha, estivesse a actuar legitimamente sem necessitar de autorização do progenitor ou do Tribunal, na medida em que dispunha da guarda da AA.
D. Que a AA não nutra qualquer confiança ou afecto pelo pai.
E. Que a repulsa e ansiedade que a AA sente pela ideia de estar com o pai tenha a ver com experiências traumáticas que a criança viveu em períodos de convívios com o progenitor.
F. Que a progenitora nunca tenha influenciado a criança contra o progenitor ou que tenha recusado as entregas da AA ao pai.
G. Que o progenitor não tivesse procurado a AA depois do dia 1/8/2020 porque não quis.
H. Que a AA, quando se desloca a Matosinhos, vá sempre visitar a tia paterna, Dra. QQ.
I. Que o progenitor não se tivesse preocupado com o facto de a passagem da AA com o mesmo do Natal na semana de 20/12/2021 a 27/12/2021 decidida pelo Tribunal implicar que a criança perdesse as festas de Natal da escola, as quais seriam realizadas nos dias 20/12 e 23/12.
J. Que o referido em I) tivesse causado grande sofrimento na criança, causando nesta elevado grau de angústia.

O DIREITO
Questão prévia
Nas contra-alegações veio o requerido defender a não admissibilidade do recurso, porquanto a recorrente ignorou completamente os requisitos substanciais, tanto nas alegações como nas conclusões, e quer no que concerne à matéria de facto, como também à matéria de direito.
Ora, ainda que as alegações de recurso não sejam uma peça exemplar – bem longe disso, aliás - o facto da recorrente ter ou não ter cumprido os ónus a cargo do recorrente que impugna matéria de facto e se limitar a falar no superior interesse da criança, não justificam uma rejeição liminar do recurso, devendo antes a questão ser apreciada em sede de fundamentação fáctico-jurídica.
É o que se fará de seguida.

Da impugnação da matéria de facto
O exercício efetivo pelo Tribunal da Relação do duplo grau de jurisdição quanto à decisão da matéria de facto, incluindo a eventual reapreciação de depoimentos gravados, prestados oralmente na audiência de discussão e julgamento, à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607º, nº 5, ex vi do artigo 663º, nº 2, do CPC, tem como contrapartida a imposição aos recorrentes de um rigoroso ónus de impugnação por forma a impedir que «a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo»[1].
Daí dispor o art.º 640º do CPC que:
«1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)».
Neste regime, é possível distinguir dois tipos de ónus, como tem vindo a entender a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[2] e está bem explícito no acórdão de 29.10.2015[3], a saber:
- «um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes» e consta do transcrito n.º 1 do art. 640º; e
- «um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes»[4], previsto no nº 2 do mesmo preceito.
O ónus primário refere-se à exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, conforme previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do citado artigo 640º, visa fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto e tem por função delimitar o objeto do recurso.
O ónus secundário consiste na exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo, e visa possibilitar um acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Os requisitos formais, impostos para a admissibilidade da impugnação da decisão de facto, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso[5].
Escreveu-se no acórdão do STJ de 02.02.2022[6]:
«Relativamente ao ónus primário, nem sequer é possível recorrer às alegações para suprir deficiências das conclusões, uma vez que são estas que enumeram as questões a decidir e delimitam o objecto do recurso, devendo, quanto à impugnação da decisão de facto, identificar os concretos pontos de facto impugnados e a decisão pretendida sobre os mesmos, bem como os concretos meios de prova que imponham tal decisão.
Daí que, quando falte a especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, deva ser rejeitado o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, o mesmo sucedendo quanto aos restantes dois requisitos, nomeadamente a falta de indicação da decisão pretendida sobre esses mesmos factos» (destaque nosso)
Na verdade, «[e]m quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões»[7] (destaque nosso).
O não cumprimento dos aludidos ónus acarreta a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, de acordo com o estatuído no citado art. 640º, nºs 1 e 2, do CPC, não havendo, nestes casos, lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento.
É o que resulta do disposto naquele preceito e no art. 652º, nº 1, al. a), do CPC, que limita os poderes do relator ao despacho de aperfeiçoamento «das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º», o qual não contempla a inobservância dos mencionados ónus.
Assim tem entendido a melhor doutrina[8], e assim vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça[9].
Analisadas as alegações/conclusões da apelação, acima transcritas, verifica-se que a recorrente não só não indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como não indicou a decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto genericamente impugnadas, o mesmo se verificando relativamente ao sentido da decisão impetrada.
As afirmações contidas nas alegações/conclusões da recorrente, desde logo o vertido na conclusão K), são bem elucidativas de falta de cumprimento dos aludidos ónus, constituindo uma mera manifestação de inconsequente inconformismo com o decidido, sem que a recorrente tenha impugnados os factos que considerou mal julgados reportando-se aos factos provados ou aos factos não provados. Nem tão pouco indicou outros eventuais factos concretos que devessem ser considerados provados.
A recorrente não fez referência, nem sequer de forma sumária, nas conclusões de recurso, aos concretos pontos de facto que pretendia impugnar, incorrendo numa omissão absoluta e indesculpável do cumprimento do ónus primário contido no nº 1 do art. 640º do CPC. Esta omissão não pode ser suprida, nomeadamente com convite ao aperfeiçoamento das conclusões, pela simples razão de não ser admissível, como vimos supra.
Em suma, a inobservância, por parte da recorrente, dos aludidos ónus determina a imediata rejeição do recurso no tocante à impugnação da matéria de facto, pelo que nenhuma alteração será feita à decisão sobre tal matéria proferida pela 1ª instância.

Do superior interesse da criança AA
Permanecendo incólume a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, nenhuma censura há a fazer à sentença recorrida, onde se fez uma correta subsunção dos factos ao direito, tendo em conta o superior interesse da criança AA.
Aí se escreveu, após desenvolvidas considerações sobre a alienação parental:
«(…), retira-se da matéria de facto provada os seguintes comportamentos da parte da progenitora:
1. Incumprimentos dos convívios, quer no primeiro ano de vida da criança (cfr. pontos 14) e 15) dos factos provados), quer, posteriormente, quando tais convívios, em face da impossibilidade de recurso à tia paterna (por alegada falta de disponibilidade da progenitora em dias úteis) e do conflito entre o infantário e o progenitor, passaram a ser supervisionados pelo CAFAP, ocorrendo então aqueles de forma sistemática às quartas-feiras (apesar de a progenitora ter apenas justificação para os mesmos entre final de Julho de 2017 e Dezembro de 2017, altura em que estava em situação de incapacidade temporária absoluta em função de uma fractura de perónio, não havendo tal justificação médica no período anterior a final de Julho de 2017 e posterior a Dezembro de 2017 até Junho de 2018, altura em que o regime foi alterado), bem como, muitas vezes, aos sábados, passando, por exemplo, o progenitor o Verão de 2017 – entre Julho a Setembro - sem poder estar com a filha (uma vez que a mãe alegava ter direito a férias, apesar de o Tribunal não ter alterado o regime nesse período – cfr. ponto 46) dos factos provados), o mesmo acontecendo nas vésperas do Natal e Ano Novo (cfr. ponto 47) dos factos provados). Continuação do incumprimento dos convívios na fase posterior em que a progenitora se deslocou para o Algarve com a criança, altura em que, mais uma vez, em várias ocasiões (6 e 13 de Junho de 2018, dias 7 e 14 de Julho, 18/8/2018, 15, 22 e 29 de Setembro de 2018, 6, 13, 20 e 27 de Outubro de 2018, 10, 17 e 24 de Novembro de 2018, 1, 8, 15 e 22 de Dezembro de 2018) não ocorreram convívios em razão agora das dificuldades – decorrentes da decisão da Requerida de vir para esta região – económicas e laborais inerentes ao cumprimento das referidas decisões judiciais. Verificação, no momento posterior ao acordo de regulação de Fevereiro de 2020, de grande resistência da criança em aceitar ir com o pai (cfr. episódio de 1/8/2020, mas também os episódios posteriores – Natal de 2021 e convívios em Março e Abril de 2022), ao ponto de o Requerido, nem mesmo com a ajuda da PSP, conseguir convencer aquela a seguir consigo no dia 1/8/2020, assim se inviabilizando o convívio de 15 dias previsto nas férias de Verão desse ano.
2. Outros incumprimentos de decisões judiciais, bem como omissão de informações relevantes sobre a situação de vida da criança, quer ao pai, quer ao Tribunal […] – a tomada pela mãe de decisões de questão de particular importância assumidamente sem o acordo e sem o conhecimento do pai ou do Tribunal (quer na mudança de residência da criança para o Algarve, quer na mudança de residência da AA para Espanha e consequente inscrição desta em escola espanhola), acompanhada de estratégias de dissimulação de tal intenção (na conferência de pais do dia 14/6/2018, a mãe omitiu que iria, daí a menos de 14 dias, viver para o Algarve, o que só comunicou passados esses 14 dias, mas referindo então que estaria nesta região apenas no Verão e que regressaria a Matosinhos em Setembro; em Setembro de 2018, já com o ano lectivo prestes a ter início, comunica que, afinal, irá mudar-se definitivamente para o Algarve; em Abril de 2021, comunica ao Tribunal que está a viver em Ayamonte com a filha, mas que esta continuará a frequentar a escola em .... Em Novembro de 2021 – em sede de conferência de pais – informa que a criança está, desde Setembro de 2021, a frequentar uma escola espanhola em ..., sabendo o pai e o Tribunal de tal facto nesse momento. Omissão de informação ao progenitor de que a criança estava a ser avaliada e acompanhada por psicólogos, especialistas esses que, posteriormente e a pedido da progenitora, juntaram relatórios em que defendiam posições sobre os convívios da filha com o pai semelhantes aos da Requerida […].
3. Influência negativa exercida sobre a criança e sobre outros intervenientes relativamente ao progenitor – informação à educadora da criança de que a progenitora e a filha tiveram de fugir para o Algarve em razão de serem ambas vítimas de violência doméstica da parte do progenitor (apesar de o inquérito criminal ter sido arquivado e de aí não terem sido recolhidos quaisquer indícios da prática de tal crime por parte do pai) no sentido previsível de procurar compreensão da parte desta e simultaneamente evitar que a escola contactasse o progenitor; informação à primeira psicóloga da criança de que esta teria sido vítima de maus-tratos pelo pai no incidente de Fevereiro de 2018, apesar de o inquérito criminal ter sido arquivado; informação à ATT na presença da criança e perante a afirmação não justificada desta de que o “pai bateria muito” de que “a menina se lembraria das coisas, teria assistido a muita coisa”, fazendo inculcar na filha que o pai seria uma pessoa perigosa, apesar de não existir um único episódio na matéria de facto do qual se retire qualquer situação de violência verbal ou física da parte do pai a que a criança tivesse assistido ou de que tivesse sido vítima; repetição de tal comportamento na entrega no CAFAP em Março de 2022, altura em que, perante a atitude da técnica de dizer à AA se iria divertir com o pai, a mãe, com a filha presente, responde: “Não é bem assim, ela sofre lá muito.”; tratamento (que se deduz do próprio comportamento da criança) do progenitor pelo nome próprio “CC”, motivando a filha a tratar o seu pai da mesma forma (por exemplo, aquando da audição em Tribunal), estratégia essa habitualmente utilizada para que a criança se esqueça e renegue que tem dois pais; indução na criança da rejeição dos irmãos do lado paterno, ao ponto de a AA confessar à técnica da ATT não poder falar de tais irmãos na presença da progenitora, porque esta ficaria “chateada”, sendo obrigada a renegar publicamente tal relação de fraternidade; referência a que a decisão de saída da escola espanhola e retorno a uma escola portuguesa tinha sido tomada pelo pai quando foi tomada pelo Tribunal, inculcando na filha a ideia de que, mais uma vez, teria sido o progenitor o “mau da fita” (cfr. declarações da criança aquando da sua audição em 4/1/2022).
Por outro lado, e quanto ao comportamento da criança, verifica-se que a mesma sofre de níveis de ansiedade elevados reportados em ambos os relatórios dos dois psicólogos que a acompanharam, mostrando-se o segundo particularmente preocupado com tal situação que atribuía ao conflito parental sem, no entanto, encontrar explicação plausível para a reacção da AA, a não ser uma resistência desta em abandonar a progenitora e sair de perto desta.
Ora, os factos dados como provados não suportam tal asserção, desde logo, porque se tal ansiedade se devesse ao receio de separação da mãe, a criança não teria convívios saudáveis com o pai como aconteceu, quer no CAFAP, quer nos poucos convívios não supervisionados, designadamente, nas férias do Natal de 2021 ou nos convívios em fins-de-semana subsequentes, tampouco se acalmaria rapidamente depois de a progenitora sair das instalações da Segurança Social aquando da entrega.
Pelo contrário, entende-se que a reacção posterior da progenitora, quando tal entrega é bem sucedida (cfr., por exemplo, os relatos do CAFAP de que a progenitora se manteria sempre por perto em lugar visível para a criança mesmo quando a sua retirada era pedida por tal entidade ou o relato da ATT quanto à reacção da Requerida em questionar, de forma alterada, o comportamento da técnica quando da entrega no Natal de 2021 ou em Março de 2022, referindo que a filha teria sido “levada à força” e sujeita a um “cenário de terror”), permite, outrossim, inferir ser a criança sujeita a intensa pressão moral e psicológica da parte da sua mãe para rejeitar convívios com o pai, obrigando a que a AA se veja obrigada a assumir uma “dupla personalidade”, consoante se encontra com o progenitor na presença da progenitora ou se encontra com aquele sem a presença desta.
Entende o Tribunal que é, pois, a atitude da progenitora perante a existência de qualquer ligação positiva entre pai e filha que causa receio à AA e não a existência dessa ligação, a qual, de resto, nos momentos em que é possível, se mostra normal e saudável. É, por sua vez, esse receio da atitude da mãe que leva a criança a desenvolver níveis elevados de ansiedade. E que assim se julga ser resulta da circunstância de o psicólogo da criança detectar tais níveis significativos de ansiedade como tendo aumentado em 2021 num contexto temporal (o relatório data de 6/12/2021) em que não existiam convívios da criança com o pai há mais de 1 ano e em que, por isso, estes não poderiam ser a causa de tal aumento.
No que concerne o progenitor, se é certo que o mesmo evitou convívios com a filha no período entre Agosto de 2020 e Dezembro de 2021, tal como, de resto, tinha dito que faria nas suas alegações iniciais deduzidas logo a seguir à instauração do presente processo, verdade não deixa de ser não dever tal comportamento ser encarado como significativo de desinteresse ou abandono da criança, desde logo, porquanto, como comprovado pela matéria de facto provada, tal pai compareceu durante mais de 2 anos em todos os convívios supervisionados, bem como retomou os convívios não supervisionados logo que este Tribunal os reformulou de forma a que as entregas fossem fiscalizadas pela ATT ou pelo CAFAP, tendo tomado tal decisão no contexto de uma situação traumática em que fez 600 quilómetros para estar a filha nas férias e viu esta recusar ir com ele mesmo na presença da PSP.
Nesse sentido, afigura-se ter sido o trauma resultante de 4 anos de incumprimentos de convívios e, em específico, da “gota de água” resultante da não realização do convívio nas férias de Verão de 2020, que justificou tal desistência, não devendo a mesma ser tida como sinal de falta de competências parentais quando ocorrida num contexto de constantes frustrações geradas pela impossibilidade de o progenitor conviver com a filha e de estar presente na vida desta.»
Atenta a factualidade dada como provada e de resto assinalada nalguns dos seus pontos essenciais no trecho da sentença acabado de transcrever, revemo-nos inteiramente nestes fundamentos.
Na verdade, a alienação parental, utilizando a definição de José Manuel Aguilar[10]-[11], «…é um distúrbio caracterizado pelo conjunto de sintomas resultantes do processo pelo qual um progenitor transforma a consciência dos seus filhos, mediante diferentes estratégias, com o objectivo de impedir, obstaculizar ou destruir os seus vínculos com o outro progenitor, até a tornar contraditória em relação ao que devia esperar-se da sua condição».
A simples experiência quotidiana mostra que existem afastamentos de filhos em relação a um ou aos dois progenitores que sendo afastamentos não podem ser incluídos na síndrome de alienação parental.
É perfeitamente adequado que um filho não queira estar junto ou ao alcance de um progenitor que está frequentemente alcoolizado, que abusou sexualmente de si ou é sujeito ativo de ações de violência doméstica.
Nestes e noutros casos menos graves, o afastamento (alienação) do filho em relação ao progenitor tem origem em causas que nada têm a ver com a manipulação de um filho por parte do outro progenitor (ou de terceiro), com o fim de alterar um vínculo parental afetivo, existente até então, entre esse filho e o outro progenitor, qualificável como bom ou normal (de amor), num vínculo negativo (de ódio)[12].
Como refere José Manuel Aguilar, «[a] rejeição que um filho expressa face a um dos seus progenitores, por ter sido vítima dos seus abusos ou agressões sexuais, não deve ser identificada com a SAP. O abuso parental – físico, sexual e emocional – pode gerar uma Alienação Parental, mas o diagnóstico de SAP deve apenas ter lugar se existir uma campanha injustificada por parte de um dos progenitores contra o outro, a que se juntem as contribuições do filho alienado»[13] (sublinhado nosso).
Ora, é justamente esta última situação a que ocorre nos autos, como bem se demonstrou na sentença recorrida, resultando da panóplia de factos apurados sistemáticas atitudes da progenitora no sentido de não permitir que a criança AA conviva com o pai.
No acórdão da Relação do Porto de 09.07.2014[14] escreveu-se no respetivo sumário:
«I - A denominada Síndrome de Alienação Parental (SAP) caracteriza-se pela interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, levada a cabo ou induzida por um dos progenitores, outros familiares ou mesmo terceiros que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância, no sentido de provocar uma quebra ou dano relevante nos vínculos afetivos próprios da filiação existentes até então entre o filho e o progenitor visado, sem que para tal haja uma justificação moral ou socialmente aceitável.
II - Não se trata de uma doença, mas existe como fenómeno social.
III - Esta interferência na formação psicológica do menor constitui abuso moral e é qualificável como maus-tratos».
Entendimento idêntico foi acolhido no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 25.06.2015[15], em cujo sumário se consignou:
«Afastar, sem fundamento a criança do pai significa que a mãe não está a saber exercer as suas funções. Objectivamente é mau trato permitir que um filho seja afastado do pai sem razão que o justifique».
Entendimento, aliás, que havia já sido seguido no acórdão desta Relação de 24.05.2007[16] com o seguinte sumário:
«II - Um pai que sem fundamento, denotando egoísmo e interesse pessoal, faz crer aos filhos que a mãe destes não é uma boa mãe e que os incentiva a não terem contactos com ela, não pode ser considerado um progenitor que assegure o ideal desenvolvimento da personalidade dos filhos a nível afectivo, psicológico e moral.»
Por conseguinte, o recurso improcede.
Vencida, a recorrente suportaria as respetivas custas, de acordo com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527º, nºs 1 e 2, e 529º, nºs 1 e 4, do CPC, as quais não lhe são tributadas por beneficiar de apoio judiciário.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Sem tributação, em face do apoio judiciário de que beneficia a recorrente.
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Évora,13 de outubro de 2022
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso (1º adjunto)
Francisco Xavier (2º adjunto)

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[1] Neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2018, 5ª edição, p. 169.
[2] Cfr., inter alia, o acórdão de 03.10.2019, proc. 77/06.5TBGVA.C2.S2, disponível, como os demais citados sem outra referência, in www.dgsi.pt.
[3] Proc. 233/09.4TBVNC.G1.S1.
[4] No mesmo sentido, citando aquele aresto, o acórdão do STJ de 25.03.2021, proc. 756/14.3TBPTM.L1.S1.
[5] Cfr. acórdãos do STJ de 22.03.2018, proc. 290/12.6TCFUN.L1.S1 e de 18.01.2022, proc. 243/18.0T8PFR.P1.S1
[6] Proc. 1786/17.9T8PVZ.P1.S1 que aqui seguimos de perto.
[7] Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 165.
[8] Ibidem, p. 167.
[9] Como se pode constatar, entre outros, no citado acórdão de 02.02.2022, no qual se transcrevem os sumários de vários arestos do Supremo nesse sentido.
[10] Síndrome de Alienação Parental, Caleidoscópio, 2008, p. 33.
[11] Maria Saldanha Pinto Ribeiro, citada no acórdão da Relação de Coimbra de 21.05.2019, proc. 1262/12.6TBGRD-C.C2, define SAP como «…a criação de uma relação de carácter exclusivo entre a criança e um dos progenitores com o objectivo de excluir o outro» - Amor de Pai. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2006, p. 30.
[12] Cfr. o mencionado acórdão da Relação de Coimbra de 21.05.2019.
[13] Ibidem, p. 63.
[14] Proc. 1020/12.8TBVRL
[15] Proc. 960/11.6TMFAR.E1, relatado pelo aqui 2º adjunto.
[16] Proc. 232/07-3.