Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3584/21.6T8STB-B.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE CRIANÇAS
INTERESSE DA CRIANÇA
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em processos de promoção e protecção, e perante decisões de entrega de crianças, é vital expurgá-las de preconceitos contra ou a favor da sua retirada aos progenitores, ou de considerações de natureza ideológica, assim se buscando é a solução que, em cada caso e sempre na perspectiva do Tribunal, melhor acautele o superior interesse das mesmas – que deverão ser ouvidas, naturalmente, caso a sua idade o permita, mas nem tendo que ser seguidas as suas pretensões.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: RECURSO Nº 3584/21.6T8STB-B.E1 – APELAÇÃO (JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE SETÚBAL)


Acordam os juízes nesta Relação:

A Apelante (…), residente na Rua (…), n.º 3, 6º-Dto., em (…), vem, enquanto progenitora do menor, interpor recurso do douto Acórdão proferido em 12 de Março de 2024 (no citius), no Tribunal de Família e Menores de Setúbal-Juiz 3, nestes autos de promoção e protecção instaurados a favor do menor (…), nascido a … (filho da Apelante e de …, residente na Rua …, n.º 13, 7º-A, em …) – que decidiu “aplicar à criança (…) a medida de apoio junto dos pais (na vertente progenitor) pelo prazo de 1 ano com revisão obrigatória no final de prazo de 6 meses” –, intentando ver revogada tal decisão e que a criança lhe seja entregue, para o que apresenta alegações que remata com a formulação das seguintes Conclusões:

1 – Decorre dos presentes autos que o progenitor (…), nos seus requerimentos sob a Referência 7575529, do dia 28/10/2023 e sob a Referência 7761638, do dia 24/01/2024, nem em sede da última audiência de julgamento, o pai nunca declarou que queria viver com o seu filho, contrariamente do que foi decidido nos presentes autos.
2 – Verificando-se que o douto Tribunal a quo decidiu além do que foi declarado pelo pai em sede de audiência e requerido quando a requerida mãe requereu o cancelamento da medida acordada nos presentes autos, porque o requerido pai deixou de agendar reuniões.
3 – Deve a douta sentença ser anulada neste segmento, quando se verifica que foi a medida decidida em sentido diverso das propostas apresentadas por ambos os progenitores:
a) Quando a requerida mãe requereu o cancelamento da medida nos termos do artigo 9.º, n.º 3, da LRGPTC, depois da requerida e o seu filho terem cumprido todas as obrigações impostas pelo CAFAP no mês de Maio de 2023, conforme documentos juntos sob a Ref.ª 7227690.
b) E o requerido pai requereu o regime de visitas, de dois fim-de-semana por mês, conforme email junto como sendo o doc. n.º 3, sob a Ref.ª 7808896 e depois do mesmo ter demonstrada em sede de audiência a sua impossibilidade de poder deixar o seu filho na 2.ª-feira na escola, por razões de ser hora de ponta.
4 – Tendo o douto Tribunal a quo decidido em termos diversos do que foi apresentado para ser acordo entre os progenitores, enferma assim a douta sentença de uma nulidade e, por essa razão, deve ser anulado nesse segmento da douta sentença, nos termos dos artigos 609.º, n.º 1 e 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), ambos do CPC, por aplicação subsidiária do artigo 126.º da LPCJP.
5 – Verifica-se que foi desrespeitada a vontade expressa destes em dois seus requerimentos, sendo um deles aquele que consta na douta sentença, aonde o menor declara ao Mm.º Juiz a sua vontade de não querer estar com o seu progenitor, porque é vítima de violência doméstica. E contra a vontade do mesmo menor (…). Deve ser nula a douta sentença e de nenhuns efeitos a mesma produzir, por se ver violado o disposto nos artigos 10.º e 11.º, n.º 1, alínea e), conjugado com o artigo 107.º, todos da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, do artigo 195.º, 196.º e 197.º, conjugado com os artigos 615.º, alíneas c) e d), n.º 4, todos do CPC, por aplicação subsidiária do artigo 126.º da LPCJP.
4 (n.º repetido) – Decorre da prova junta nos presentes autos que à requerida mãe nunca lhe foi diagnosticada nenhuma doença mental com sofrimento de raiva, irascibilidade, de estados delirantes, agressividade, nunca foi sujeita a nenhum internamento compulsivo, tendo-se dado por provado que a requerida não sofre de nenhum transtorno mental, não toma medicação psiquiátrica, conforme decorre dos Relatórios médicos juntos sob a Refª 7227690, da perícia médico-legal junta aos autos da Regulação das Responsabilidades Parentais, sob a Refª 6575570.
5 (n.º repetido) – Verificando-se que o Mm.º Juiz e porque não é médico, ao decidir conforme decorre dos presentes autos, mas passou a ser diagnosticado à ora requerida doenças do foro mental, quando para o efeito não existe nos presentes autos nenhum relatório médico a diagnosticá-la nenhuma doença mental e que a impeça de poder ter a guarda do seu filho, quando o pai do menor é o verdadeiro agressor.
6 – Atendendo ao que foi referido no ponto anterior, deve a douta sentença ser declarada nula, por se ter verificado que foi decidido em abuso de direito e fora das competências para o efeito, quando o douto Tribunal de Família e de Menores de Setúbal não pode diagnosticar nenhuma doença do fora psiquiátrico, quando inexistem relatórios médicos que atestem essa doença na pessoa da requerida. Consequentemente, deva ser decidido nestes termos o afastamento da requerida (…) do seu filho (…), quando todas as provas juntas aos presentes autos não atestaram nenhum tipo de doença mental e conforme se dá por reproduzido, nos documentos sob a Ref.ª 72277690, com a Ref.ª 6575570 e com a Ref.ª 6575556, Citius. E assim enferma a douta sentença das nulidade previstas nos artigos 489.º, 609.º, 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil e, consequentemente, de nenhum efeito deve produzir.
7 – Demais deve ser declarada nula e de nenhum efeito produzir a medida que o Tribunal a quo decidiu retirar o menor (…) à sua mãe, com a proibição de contactos ao seu filho, e demais visitas assistidas, perícias médicas, por se verem violadas as medidas que dão prevalência à integração no seio da família e que desatende a vontade da requerida e do seu filho (…). E inexiste uma situação de perigo da mãe (…) para o menor (…) porque a requerida não sofre de nenhuma doença mental, nem se verifica nenhuma situação prevista nos termos dos artigos 62.º, n.º 2 e 63.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 147/99, de 1/09, conjugado com o artigo 615.º, alínea c), do CPC. E demais, esta mãe e o seu filho de 13 anos de idade opuseram-se à aplicação de uma qualquer medida, nos termos dos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 147/99.
8 – E demais se verifica que a medida aplicada nos presentes autos e porque já vigora por período superior a um ano, está, assim, a ser violado o disposto no artigo 60.º, n.º 1 e n.º 2, da LPCP.
Apesar do menor dos presentes autos ainda não se considerar notificado da douta sentença e tendo o mesmo requerido a nomeação de patrono para interpor recurso da mesma, apesar da ora recorrente beneficiar por essa razão do disposto do artigo 569.º do CPC, por aplicação subsidiária do artigo 126.º da LPCJP, junta-se uma DUC nos presentes autos, pela prática de acto no dia seguinte.

O menor (…) vem responder ao recurso (a fls. 16 a 17 e, naturalmente, através da sua ilustre defensora oficiosa) para dizer que não deve ser mantido o douto Acórdão proferido na 1ª instância, devendo continuar a viver com a progenitora, ora recorrente, para o que remata a respectiva alegação com a formulação das seguintes Conclusões:

1 – Tendo sido o processo de promoção e protecção instaurado com o propósito de conferir ao jovem a protecção necessária e adequada para o perigo que para a sua saúde, educação, integridade física, segurança e equilíbrio emocional resultava dos constantes conflitos parentais.
2 – O superior interesse da criança, enquanto critério decisório, identifica, de modo inequívoco e claro, o concreto interesse do jovem em desfrutar de estabilidade e equilíbrio emocional, de fruir de ambiente livre de violência.
3 – A medida de apoio junto dos pais, a executar junto da mãe, é assim a única que se mostra conforme aos princípios orientadores da decisão e respeitador da escolha da criança, adolescente de 13 anos, quanto à medida que melhor se adequa a proporcionar-lhe um ambiente propício ao seu harmonioso desenvolvimento.

E a Digna Magistrada do Ministério Público vem, também, responder ao recurso (a fls. 20 verso a 28) para dizer que deve ser mantido o douto Acórdão proferido na 1ª instância, não assistindo qualquer razão à progenitora / recorrente (que é a defender que a medida mais adequada é a de lhe ser entregue a criança) para o que remata a sua alegação com a formulação das seguintes Conclusões:

I. No dia 12/03/2024 foi proferido Acórdão, na sequência do debate judicial realizado no dia 26/02/2024, o qual determinou, entre o mais, a aplicação de medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na vertente progenitor, a favor da criança (…), pelo prazo de 1 ano, com revisão obrigatória no final do prazo de 6 meses.
II. De acordo com as disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam.
III. Pelo que a resposta ao recurso apresentada cinge-se às conclusões formuladas pela recorrente.
IV. Alega a recorrente, em súmula, que o tribunal decidiu além do que foi declarado pelo progenitor, tendo decidido em sentido diverso das propostas apresentadas pelos progenitores, concluindo pela nulidade do Acórdão.
V. A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01 de setembro, estabelece no seu artigo 100.º, que “O processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, doravante designado processo judicial de promoção e proteção, é de jurisdição voluntária”.
VI. Conforme ensinamentos de Alberto dos Reis, a jurisdição voluntária implica o exercício de uma atividade essencialmente administrativa, diferentemente da jurisdição contenciosa, que implica o exercício duma atividade verdadeiramente jurisdicional.
VII. Nos processos de jurisdição contenciosa há um conflito de interesses entre as partes, cabendo ao tribunal competente dirimir o litígio de acordo com critérios estabelecidos no direito substantivo. Diversamente, nos processos de jurisdição voluntária há um interesse fundamental tutelado pelo direito que ao juiz cumpre regular nos termos mais convenientes e oportunos (cfr. Varela / Bezerra / Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, págs. 69-70).
VIII. Tendo em consideração o que se referiu, deve improceder o recurso, nesta parte, porquanto, por se tratar de um processo de jurisdição voluntária, o tribunal pode decidir conforme entenda ser a solução mais conveniente e oportuna, não estando circunscrito ao que é pedido pelos progenitores.
IX. Mais alega a recorrente que foi desrespeitada a vontade da criança, uma vez que o Duarte indicou não querer estar com o progenitor, concluindo pela nulidade do Acórdão.
X. O superior interesse da criança é um princípio orientador e transversal, não só no âmbito da promoção e proteção, mas a todas as matérias do direito das crianças.
XI. Apesar de o legislador não ter consagrado uma definição legal para o superior interesse da criança, estamos perante um conceito geral e abstrato que deverá ser preenchido caso a caso, atendendo às especificidades de cada processo e daquela criança. Apenas deste modo se poderá afirmar perante cada situação e atendendo ao caso concreto, qual será a decisão que será mais conforme e que melhor respeita o superior interesse da criança.
XII. Sucede, porém, que a audição obrigatória da criança não vincula o tribunal a decidir conforme a vontade da criança, prevalecendo o princípio do superior interesse da criança.
XIII. Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 08/07/2021 (Relator Carla Mendes, proferido no âmbito do processo com n.º 2733/18.6T8CSC-C.L1-8, disponível em www.dgsi.pt), no qual se pode ler que “a audição da criança cede face à defesa do seu Superior Interesse, i. é, estando este em causa, afastada / desaconselhada está a audição da criança. A audição pressupõe duas vertentes, a saber: uma relacionada com a opinião da criança e outra para a tomada de declarações como meio de prova”.
XIV. Revertendo para o caso concreto, o superior interesse da criança impunha a decisão proferida. Vejamos.
XV. A criança foi ouvida pelo Tribunal pela primeira vez em setembro de 2021, tendo referido que o pai batia na mãe, porém, quando ouvida em setembro de 2023 referiu não ter visto agressões ente os pais, ouvindo apenas discussões com gritos de ambos, mais do pai do que da mãe. Relativamente aos maus tratos perpetrados contra si, a criança referiu em setembro de 2021 que o pai lhe batia muitas vezes, palmadas, e que a mãe tentava protegê-lo, mas quando ouvido em setembro de 2023 e após ter sido questionado sobre o assunto, apenas referiu um puxão de orelhas, não tendo relatado quaisquer episódios relativos a nomes chamados à criança ou outras situações, que foram indicadas pela progenitora e pela avó materna.
XVI. Resulta da perícia realizada à progenitora que “Em relação aos questionários de personalidade, no MCMI-III, que avalia a presença de perturbações de personalidade e sintomatologia grave com base nos critérios do sistema nosológico DSM, conseguiu-se identificar respostas associadas às escalas paranoide e pensamento delirante, podendo indicar a presença de um individuo com uma atitude defensiva e tensa face às críticas, que revela uma excessiva desconfiança face aos demais, que apresenta uma elevada irritabilidade, tendendo a provocar nos outros a exasperação e a raiva, revelando uma clara imutabilidade nos seus sentimentos, uma inflexibilidade nos seus pensamentos, e um pensamento não bizarro de natureza persecutória. No questionário Mini-Mult (versão reduzida do MMPI-2), surgiram valores elevados nas escalas de hipocondria, histeria, paranoia e esquizofrenia, podendo indicar indivíduos resistentes à mudança, com tendência para a somatização, que podem apresentar um quadro de histeria, que se caracterizam por uma excessiva hipersensibilidade e rigidez cognitiva, que exibem muita desconfiança, que parecem sempre ressentidos, sendo capazes de expressar hostilidade de forma indireta e contante, revelando um perfil marcadamente neurótico.
XVII. Concluindo-se que “Com base nas entrevistas, na observação clínica e nos dados psicométricos obtidos, podemos afirmar que existem indicadores para levantar a hipótese da presença de traços de personalidade paranoides, marcados por excessiva desconfiança, irritabilidade, ressentimento, hostilidade, inflexibilidade / rigidez cognitiva, e um pensamento persecutório muito intenso. Este perfil de funcionamento encontra-se sobre a influência de um sentimento de stress reativo ao processo de separação, podendo facilmente evoluir para um quadro psicopatológico grave. Face ao exposto, sugere-se tratamento psicológico / psicoterapêutico e/ou psiquiátrico obrigatório (com um psicólogo/psiquiatra externos à igreja que frequenta), de forma a salvaguardar a segurança psicológica do menor”.
XVIII. Mais ali se refere, na resposta ao quesito formulado, que a progenitora apresentou “alterações na personalidade que podem limitar um exercício adequado das responsabilidades parentais”.
XIX. Resulta das perícias realizadas ao progenitor que “Durante o primeiro ano e meio de vida do filho, e apesar de terem empregada, a mãe de (…) ia todas as semanas para lá ajudar, e ela maltratava a mãe, era agressiva, eu pensava que era depressão pós-parto”.
XX. Mais resulta que “No que concerne à avaliação de sintomas, apresenta alguns sinais e sintomas depressivos e ansiosos, ainda que com baixa intensidade. Daquilo que é referido em entrevista, considera-se que esta sintomatologia será reativa ao presente processo e ao afastamento face ao filho. (…) Não se apuram indicadores de ansiedade, depressão, comportamentos antissociais ou problemas associados ao consumo de álcool ou drogas. Observa-se alguma desconfiança relacional e suspeição. Sem indicadores de perturbação da personalidade. (…) Os resultados indicam, assim, capacidade para cuidar de forma sensível e afetuosa, com sensibilidade face aos outros.
XXI. Concluindo-se que “Do ponto de vista das principais variáveis que influenciam a parentalidade, não se apuram fatores de risco que possam comprometer a capacidade para reconhecer e satisfazer todas as necessidades do seu filho. Ao nível cognitivo, emocional e comportamental, e tendo por base a descrição efetuada pelo examinando e os resultados de toda a avaliação, considera-se que o mesmo possui competências ajustadas para exercer a parentalidade”.
XXII. Resulta da perícia efetuada à criança (…) que “Com base nas entrevistas, na observação clínica e nos dados psicométricos obtidos, podemos afirmar que não existem indicadores para levantar a hipótese da presença de alterações psicopatológicas muito significativas, nem mesmo uma resistência estruturada ao convívio com o progenitor, tendo manifestando o menor, contudo, muita dificuldade em adaptar-se ao processo de separação dos pais, particularmente, face à necessidade de lealdade para com a mãe. (…) O atual perfil de funcionamento persecutório apresentado pela progenitora (ver relatório 2022-000732/SB-C) leva a que o menor não consiga expressar a sua opinião em relação ao convívio com o pai, pois percebe, face à instabilidade da mãe, que se o fizer esta vai reagir de forma desadequada e hostil”.
XXIII. Ora, tendo-se concluído nas perícias que a progenitora apresentou indicadores de traços de personalidade paranoides, marcados por excessiva desconfiança, irritabilidade, ressentimento, hostilidade, inflexibilidade/rigidez cognitiva, e um pensamento persecutório muito intenso, podendo facilmente evoluir para um quadro psicopatológico grave, tendo-se sugerido tratamento psicológico / psicoterapêutico e/ou psiquiátrico obrigatório (com um psicólogo / psiquiatra externos à igreja que frequenta), de forma a salvaguardar a segurança psicológica da criança, não tendo sido identificados no progenitor quaisquer fatores de risco que possam comprometer a capacidade para reconhecer e satisfazer todas as necessidades do seu filho, sendo, ainda, referido que os resultados indicam, assim, capacidade para cuidar de forma sensível e afetuosa, com sensibilidade face aos outros, e, ainda, quanto à criança que o perfil de funcionamento persecutório apresentado pela progenitora leva a que a criança não consiga expressar a sua opinião em relação ao convívio com o pai, pois percebe, face à instabilidade da mãe, que se o fizer, esta vai reagir de forma desadequada e hostil, é forçoso concluir, por um lado, que a criança está melhor aos cuidados do progenitor e, por outro, que ficando aos cuidados da progenitora poderá comprometer o seu bem estar emocional e psicológico, pelo que o seu superior interesse impunha que a criança fosse retirada do agregado familiar da progenitora, onde se encontra em perigo, e entregue ao progenitor, resultando provado que este detêm as capacidades parentais necessárias para ter o filho aos seus cuidados.
XXIV. Quanto às alegações da recorrente referentes à doença mental da progenitora referidas pelo Douto Tribunal, entende-se que se mostra respondido quanto a este ponto, com base nas considerações que antecedem.
XXV. Relativamente à alegação de violação do disposto no artigo 60.º da LPCJP, refira-se que, nos termos do disposto no n.º 2 do referido preceito legal, a medida aplicada não pode ter duração superior a 1 ano, podendo, contudo, ser prorrogada até 18 meses.
XXVI. Ora, foi aplicada medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na vertente mãe, por acordo homologado por sentença no dia 12/12/2022, pelo que o prazo máximo apenas se mostrava ultrapassado no dia 12/06/2024, sendo certo que mostra-se aplicada nos autos nova medida de promoção e proteção, na sequência do Acórdão proferido, pelo que, também neste ponto, falece de fundamento o alegado pela recorrente.
XXVII. Por fim, refira-se que foi dada prevalência às medidas de promoção e proteção de integração da criança na família, de acordo com o disposto no artigo 4.º, alínea h), da LPCJP, uma vez que a decisão visa precisamente isso, tendo o Douto Tribunal decidido pela aplicação de uma medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na vertente pai.
XXVIII. Ademais, e não obstante não constar das alegações de recurso, mas considerando, contudo, o Ministério Público, ser relevante, até porque agrava a situação de perigo a que a criança se encontra exposta, diga-se que, até à presente data, a criança não foi entregue pela progenitora ao progenitor, mostrando-se, assim, em incumprimento do Douto Acórdão proferido, não obstante ter já o Tribunal a quo se pronunciado pela fixação do efeito meramente devolutivo do recurso, tendo já as autoridades se deslocado à casa da progenitora e da avó materna e ao estabelecimento de ensino frequentado pela criança, encontrando-se em paradeiro incerto, e não estando a frequentar a escola desde o dia 14/03/2024.
XXIX. Destarte, afigura-se-nos que em função dos elementos constantes do processo, o decidido pelo Douto Tribunal foi conforme ao superior e melhor interesse do (…), interesse este que, como vimos, deve prevalecer sobre qualquer outro, nomeadamente de qualquer um dos progenitores.
XXX. Aderimos em absoluto ao Acórdão proferido, ora colocado em crise pela progenitora e recorrente, salientando que o mesmo é o resultado de uma correta análise dos elementos probatórios existentes, na sua globalidade, de forma crítica e concertada entre si, tendo o Tribunal a quo ponderado convenientemente todos os fatores em juízo, tomando a decisão que melhor salvaguarda o superior interesse da criança, não merecendo, a nosso ver, qualquer censura, devendo o mesmo ser mantido na íntegra.
Termos em que se requer que o recurso seja julgado totalmente improcedente, dando-se provimento à presente resposta nos estritos termos supra requeridos e, deste modo, seja confirmado, na íntegra, o Douto Acórdão recorrido.
Vossas Excelências, porém, e como sempre, decidirão conforme for de DIREITO e de JUSTIÇA!

A 18 de Abril de 2024, foi proferido douto despacho na 1ª instância sobre as nulidades assacadas ao douto Acórdão recorrido, como segue, conforme fls. 30 a verso dos autos:
Das alegadas nulidades do acórdão proferido:
Veio a progenitora, nas suas alegações de recurso, arguir, além do mais, nulidades da sentença que a mesma subsume juridicamente às alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (doravante designado por ‘CPC’).
Se bem se compreende, alega, em síntese, a progenitora que o Tribunal, ao determinar a aplicação da medida de apoio junto do pai teria excedido o pedido do progenitor, o qual nunca teria solicitado que a residência da criança fosse fixada junto do mesmo, antes pretendendo apenas a fixação de convívios, sendo que também teria desrespeitado a vontade manifestada pela criança aquando da sua audição.
Cumpre apreciar.
Como referido pelo Ministério Público nas suas alegações de resposta, o processo de promoção e protecção constitui um processo de jurisdição voluntária (cfr. artigo 100.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, doravante designada por ‘LPCJP’), o qual se caracteriza, nos termos dos artigos 986.º e segts. do CPC, pelos seguintes princípios: a) da simplificação processual (artigo 986.º do CPC); b) do inquisitório por contraponto com o princípio do dispositivo, cabendo ao juiz um papel ativo na indagação e apuramento dos factos (artigo 986.º, n.º 2, do CPC); c) da não sujeição do Tribunal a critérios de legalidade estrita, devendo o mesmo adotar em cada caso a solução mais conveniente e oportuna (artigo 987.º do CPC); d) da livre modificabilidade das decisões (artigo 988.º do CPC).
Decorre do que se vem de expor, bem como dos próprios objectivos do processo e promoção e protecção elencados, desde logo, no artigo 34.º da LPCJP (a saber: (a) Afastar o perigo em que a criança se encontra; b) Proporcionar-lhe as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) garantir a recuperação física e psicológica da criança ou jovem vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso), que o Tribunal não está evidentemente vinculado a qualquer pedido dos pais no âmbito deste processo, sob pena, evidentemente, de não poderem ser aplicadas medidas de promoção e protecção que não contassem com o consentimento de algum dos progenitores.
Assim, mesmo que, por hipótese, o progenitor não tivesse pedido a aplicação da medida de apoio junto do pai, sempre o Tribunal concluindo – como concluiu – que tal medida era e é aquela que afasta o perigo em que a criança se encontrava, que lhe garante a sua segurança, saúde, educação, bem-estar e desenvolvimento e que assegura a recuperação física e psicológica de que necessita, pode e deve aplicar a referida medida.
Note-se que o progenitor nunca rejeitou expressamente que a criança lhe fosse confiada e que a referência ao pedido para que os convívios não supervisionados fixados pelo Tribunal ocorressem em fins-de-semana (alternados) e não às terças e quartas-feiras, como anteriormente estabelecido, se deveu apenas a dificuldades de conciliação de tais convívios com a vida laboral do pai num contexto em que evidentemente não estava em causa a substituição imediata da medida, uma vez que estava agendado o debate judicial em que, então sim, tal questão se colocaria.
Com efeito, bem pelo contrário, no requerimento de 27/9/2023 por si apresentado em que se pronunciou sobre a manutenção ou extinção dos autos (esta última pedida pela progenitora em sentido aparentemente contraditório com a queixa de violência doméstica por si apresentada contra o progenitor), este disse o seguinte: “Assim exposto, e, novamente, sem pretender menosprezar a importância que uma sentença no processo-crime possa vir a assumir, não pode admitir que a incerteza sobre uma tal decisão, e decurso de tempo que a mesma tomará a ser proferida, impeça o Tribunal de reconhecer a sua competência e capacidade de poder ter o menor a seu cargo, assim reconhecendo a urgência que a revisão da medida em vigor justifica”.
Finalmente, também não se vê a que propósito é que se fundamenta a nulidade da sentença no facto de a criança ter expressado uma vontade de residência com a mãe contrária à decisão que foi proferida, pois que, como é evidente, uma coisa é a vontade manifestada do (…), outra é a sua vontade real e outra ainda é o seu superior interesse. O Tribunal está vinculado a decidir a questão de acordo com o melhor interesse da criança, não de acordo com a vontade manifestada pela criança, a qual poderá – como se julga ser o caso – ser contraditória com o seu superior interesse.
Pelo exposto, julga-se não verificadas as nulidades da sentença previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, sempre sem prejuízo de melhor entendimento por parte do Venerando Tribunal da Relação” (sic).
*

I – Vêm dados por provados os seguintes factos:

1. A criança, (…) é filho da Requerida, (…), e do Requerido, (…), tendo nascido em (…).
2. Os pais da criança conheceram-se em 2004, tendo namorado durante 2-3 anos e, na sequência da compra da casa por parte do progenitor, vivido juntos durante 2-3 anos até ao nascimento do (…).
3. Em 20 de Dezembro de 2012, o casal contraiu matrimónio.
4. A 3 de Junho 2021, o progenitor saiu de casa, separando-se de facto da progenitora.
5. Instaurando, em 02 de Julho de 2021, o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais em apenso e alegando na Petição Inicial que “estava a ser impedido pela requerida de poder conviver com o menor, o qual estaria a sofrer de pressões inusitadas e inaceitáveis por parte de sua mãe”.
6. Aquando da audição da criança, (…), no processo de regulação em 14/9/2021, o mesmo disse o seguinte: “Está na escola do (…), dá-se bem com a mãe, com o pai dá-se mais ou menos, a parte do menos é quando o pai bate na mãe e nele. No último mês almoçou com o pai, em Agosto, foi a última vez que esteve com ele. Não confia no pai, o pai já o deixou sozinho, bate-lhe, começa a gritar, chama-lhe nomes, diz que a mãe é maluca. Queria ficar na casa da mãe, não tem muita confiança no pai. O pai saiu de casa, ainda por cima no dia da criança. Ele já tinha dito à mãe para deixar o pai. O pai batia-lhe muitas vezes, palmadas, a mãe tentava protegê-lo. Não ficou triste quando o pai saiu de casa. Uma vez foi almoçar com o pai e as coisas correram bem. Quando ele nasceu a avó paterna tirou-lhe dinheiro. O pai arrendou uma casa em Lisboa, mas ele nunca foi lá. Não vai a Lisboa porque Lisboa é muito longe”.
7. Na sequência da referida audição da criança e da subsequente conferência de pais na mesma data, foi fixado o seguinte regime provisório: “a) O menor (…) ficará à guarda e cuidados da progenitora, sendo as responsabilidades parentais, quanto a questões de particular importância, exercidas por ambos os progenitores. b) O pai conviverá com o menor no sábado à tarde, de 15 em 15 dias, das 12h30min. às 19 horas, período no qual poderá tomar uma ou duas refeições com o menor, almoço e lanche, bem como conviver com o mesmo em programas que o mesmo poderá organizar para o seu filho. c) O pai contribuirá com a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais, a título de pensão de alimentos, a qual será paga até ao dia 8 de cada mês, através de transferência bancária para a conta da mãe, cujo NIB o progenitor já conhece”.
8. Inicialmente, tais convívios foram realizados entre o mês de Setembro e Novembro de 2021, salientando o pai que fazia programas em conjunto com o filho, mas que a mãe não deixava a criança dormir em sua casa.
9. No âmbito da referida audição técnica especializada realizada nos autos em apenso entre Setembro e Novembro de 2021, foi notada a existência de conflito parental significativo entre os pais, fazendo a técnica da EMAT constar no relatório junto em 16 de Novembro de 2021 o seguinte: “No que concerne à disponibilidade relacional e comunicacional existente entre o casal parental, verifica-se um difícil processo de comunicação entre ambos. A sessão conjunta realizada com os progenitores foi pautada por momentos de elevada tensão, denotando uma acentuada conflituosidade existente na relação entre requerente e requerida. Durante a referida diligência, o requerente evidenciou consternação diante da postura mais ‘irascível’ da requerida. No decurso daquela intervenção e em ulteriores momentos, a requerida expressou a sua discordância e a sua falta de confiança no trabalho e nas diligências desenvolvidas pelo Tribunal e pela Segurança Social (EMAT) relativamente ao presente processo de Regulação das Responsabilidades Parentais”.
10. Referia-se, neste contexto, no relatório da EMAT que, aquando da sessão conjunta, a progenitora teria proferido as seguintes declarações: “o sr. (…) é uma pseudovítima, é um cínico, faz teatro, vive na sua bolha, não tem educação, tem deseducação”. Disse que o requerente é “implicativo, provocador, intimidativo, não tem qualquer sentimento. E um santinho que aqui está à sua frente”. Na sequência de algumas palavras proferidas pelo requerente aquando a sessão conjunta, a requerida amiúde disse-lhe: “Estás louco! Vai ao médico”. Segundo a requerida, “levei com as mãos desta criatura duas vezes no meu pescoço; a APAV tem consciência da minha situação”, pese embora nunca tenha apresentado queixa por agressão/violência doméstica junto das competentes autoridades policiais. A requerida referiu que o requerente abandonou o lar conjugal, a si e ao filho de ambos, no dia da criança (01 de Junho de 2021). Acrescentou que “não queria” separar-se do requerente, afirmando que “queria levar este casamento até ao último dia, porque é isso que eu aprendo na Igreja”. A progenitora disse que o progenitor “nunca cuidou do filho, fui sempre só eu”, afirmando que “eu não confio no pai do meu filho”.
11. Por sua vez, na mesma sessão conjunta, o progenitor declarou o seguinte: “fui eu que saí da minha própria casa e tive de deixar o meu filho, para que o (…) não continuasse a estar sujeito àquilo”. Especificando, disse que saiu de casa “porque já não estava a aguentar mais aquele ambiente, estava no meu limite e só não levei o (…) comigo para não ser acusado de rapto do meu próprio filho”. O requerente mostrou-se muito perplexo com as palavras que a requerida proferiu a seu respeito durante a sessão conjunta, assim como com as declarações do seu filho (…) em sede de Audição da Criança, realizada em tribunal no passado dia 14 de Setembro de 2021, e das quais tomou conhecimento. O requerente disse que “a (…) tem uma enorme capacidade para mentir. Ouvi aqui coisas que não imaginava, são só mentiras. A (…) diz que eu lhe apertei o pescoço e bati, mas é mentira; eu é que sofri um terror psicológico nas mãos da (…), ao longo destes anos”. Acrescentou que “as pessoas têm medo dela. Isto que a Dra. (…) está agora a presenciar é apenas uma pequena amostra. O requerente informou que a requerida “pertence à (…) – Igreja (…)” e que leva o filho de ambos a sessões da referida Igreja, contra o seu consentimento. O (…) referiu que, por ser descendente de judeus, se interessou e começou a pesquisar sobre a cultura judaica, tendo, entretanto, se aproximado de um “judaísmo reformista, não ortodoxo”. Acrescentou que “a (…) fez-me uma perseguição religiosa e está a levar o nosso filho para esse caminho: muitas vezes quando eu chegava a casa vindo do trabalho, deparava-me com a televisão “aos altos berros” ligada no canal (…), com a (…) a assistir e o meu filho também. Era terrível, um espectáculo de gritos e horror!”.
12. Na sequência de nova conferência de pais e tendo em conta o conteúdo do relatório de audição técnica especializada, o Tribunal determinou a realização de perícias de avaliação psicológica a ambos os pais e à criança.
13. Na perícia do progenitor realizada pelo INML em Fevereiro/Março de 2022, aquele contou que os convívios com o filho continuavam a ser obstaculizados pela progenitora, sendo os seus contactos com a criança intermitentes e imprevisíveis, podendo estar 2 semanas ou 2 meses sem ver a criança, sendo que esta não lhe atenderia o telefone, nem responderia às suas mensagens.
14. No relatório pericial relativo ao pai, o INML fez constar o seguinte: “De acordo com os resultados, observa-se a presença de alguns sinais e sintomas depressivos e ansiosos, ainda que com baixa intensidade. O examinando refere, por exemplo, tristeza, sentimentos de culpa e de inferioridade, bem como preocupação em demasia. Reconhece ainda alguma desconfiança relacional. Daquilo que é referido em entrevista, considera-se que esta sintomatologia será reativa ao presente processo e ao afastamento face ao filho. (...) No que respeita à avaliação de personalidade, os resultados devem ser interpretados com alguma cautela, atendendo à elevada desejabilidade social, podendo minimizar ou negar eventuais dificuldades ou comportamentos mais desajustados. Não se apuram indicadores de ansiedade, depressão, comportamentos antissociais ou problemas associados ao consumo de álcool ou drogas. Observa-se alguma desconfiança
15. relacional e suspeição. Sem indicadores de perturbação da personalidade. Os resultados indicam ainda um sujeito que reconhece as necessidades dos outros e os auxilia quando considera ser adequado, compreendendo a perspetiva dos outros de uma forma empática. Revela uma aceitação adequada de si mesmo. Em certas ocasiões, porém, pode descrever-se com poucas qualidades. Adapta-se bem às mudanças, mantendo um equilíbrio entre o novo e o conhecido e uma boa adaptação social, com gosto por atividades que envolvem a presença de outras pessoas. Habitualmente, consegue defender os seus direitos, respeitando os dos outros, reagindo com assertividade perante situações conflituosas, evidenciando capacidade em manter a calma, regular as emoções, aceitar o erro e resolver as situações com objetividade. Mostra-se ainda um sujeito flexível, que lida bem com as contrariedades, paciente, perspicaz e perseverante. Boa tolerância à frustração e capacidade para estabelecer vínculos afetivos do tipo seguro – sente-se confortável com a aproximação física e emocional das outras pessoas e revela capacidade adequada para cuidar de terceiros. Evidencia ainda capacidade adequada para reconhecer e expressar os sentimentos associados às perdas, que elabora de forma ajustada”.
16. No relatório de avaliação psicológica da progenitora foi feito constar o que se segue: “Em relação aos questionários de personalidade, no MCMI-III, que avalia a presença de perturbações de personalidade e sintomatologia grave com base nos critérios do sistema nosológico DSM, conseguiu-se identificar respostas associadas às escalas paranoide e pensamento delirante, podendo indicar a presença dum individuo com uma atitude defensiva e tensa face às críticas, que revela uma excessiva desconfiança face aos demais, que apresenta uma elevada irritabilidade, tendendo a provocar nos outros a exasperação e a raiva, revelando uma clara imutabilidade nos seus sentimentos, uma inflexibilidade nos seus pensamentos, e um pensamento não bizarro de natureza persecutória. No questionário Mini-Mult (versão reduzida do MMPI-2), surgiram valores elevados nas escalas de hipocondria, histeria, paranoia e esquizofrenia, podendo indicar indivíduos resistentes à mudança, com tendência para a somatização, que podem apresentar um quadro de histeria, que se caracterizam por uma excessiva hipersensibilidade e rigidez cognitiva, que exibem muita desconfiança, que parecem sempre ressentidos, sendo capazes de expressar hostilidade de forma indireta e constante, revelando um perfil marcadamente neurótico. (...) Com base nas entrevistas, na observação clínica e nos dados psicométricos obtidos, podemos afirmar que existem indicadores para levantar a hipótese da presença de traços de personalidade paranoides, marcados por excessiva desconfiança, irritabilidade, ressentimento, hostilidade, inflexibilidade / rigidez cognitiva, e um pensamento persecutório muito intenso. Este perfil de funcionamento encontra-se sobre a influência de um sentimento de stress reativo ao processo de separação, podendo facilmente evoluir para um quadro psicopatológico grave. Face ao exposto, sugere-se tratamento psicológico/psicoterapêutico e/ou psiquiátrico obrigatório, com um psicólogo/psiquiatra externos à igreja que frequenta), de forma a salvaguardar a segurança psicológica do menor.
17. Por sua vez, no relatório de avaliação psicológica da criança junto em Junho de 2022, o INML fez constar o seguinte: “Com base nas entrevistas, na observação clínica e nos dados psicométricos obtidos, podemos afirmar que não existem indicadores para levantar a hipótese da presença de alterações psicopatológicas muito significativas, nem mesmo uma resistência estruturada ao convívio com o progenitor, tendo manifestando o menor, contudo, muita dificuldade em adaptar-se ao processo de separação dos pais, particularmente, face à necessidade de lealdade para com a mãe. O atual perfil de funcionamento persecutório apresentado pela progenitora (ver relatório 2022/000732/SB-C) leva a que o menor não consiga expressar a sua opinião em relação ao convívio com o pai, pois percebe, face à instabilidade da mãe, que se o fizer, esta vai reagir de forma desadequada e hostil. Face ao exposto, sabendo da evidência que crianças expostas a conflitos parentais pós separação superiores a 2 anos podem desenvolver sintomas graves de stress, ansiedade e depressão, bem como alterações nas relações sociais (este último já evidente no menor em forma de isolamento), sugere-se a retoma ao convívio com o progenitor (preferencialmente sem que o menor tenha de expressar uma opinião como forma de o proteger), e a obrigatoriedade de tratamento da progenitora, procurando assim salvaguardar a segurança psicológica do menor. Foi possível identificar uma relação de proximidade entre o menor e a progenitora, com troca afetiva franca e uma vinculação segura do menor com a mãe. Foi ainda evidente uma postura de lealdade excessiva do menor para com a mãe. Este comportamento do menor não deve ser interpretado como reativo a alegada ‘alienação parental’ materna, pois não existe uma intervenção direta da progenitora, mas sim uma necessidade do menor tentar proteger a mãe, confirmando o seu funcionamento marcadamente persecutório”.
18. Em 4/10/2022, por acordo provisório dos pais alcançado no processo de regulação em apenso e tendo em conta a ocorrência de novos incumprimentos em face da renitência da criança em estar com o progenitor, foram fixados convívios supervisionados semanais (aos sábados) entre pai e filho no CAFAP com possibilidade de passarem a não supervisionados no final do período de 2 meses, o que não chegou a acontecer, pois que, como informado no relatório do CAFAP de 12/4/2023 e nos relatórios da EMAT de 28/6/2023 e de 2/8/2023, a criança continuava a rejeitar tais convívios, informando tais entidades que a progenitora não estaria a colaborar no sentido de o menor aceitar estar com o progenitor.
19. De acordo com o CAFAP, tendo o primeiro e segundo convívios ocorrido em final de Novembro / início de Dezembro de 2022 decorrido de forma satisfatória, não ocorreu o convívio previsto para dia 22/12/2022 por alegada doença da criança, sendo que no terceiro convívio no dia 07/01/2023 o (…) apresentou resistência para entrar, apresentando-se retraído mas depois conseguindo estar com o pai e receber os presentes deste e dos familiares paternos, nessa sequência; no quarto convívio, o (…) apresentou-se retraído, queixando-se de estar doente e não querendo entrar na sala da mediação; no quinto convívio, mostrou igualmente resistência para entrar, tendo o convívio duração reduzida; no sexto convívio, o (…) fugiu, não tendo, dessa forma, ocorrido convívio.
20. O CAFAP, em relatório junto nos autos, considerou que só os dois primeiros convívios decorreram de forma positiva, sendo que, após 10/12/2022, não ocorreu um convívio (22/12/2022) e a partir dessa data, o (…) começou cada vez mais a mostrar resistência em entrar no CAFAP, não justificando porquê, apenas verbalizando que não quer entrar.
21. Paralelamente ainda segundo o CAFAP não se observava por parte da progenitora uma posição de incentivo, de confiança ou tranquilidade, de modo a motivar o (…) a conviver com o progenitor, observando-se sim, por vezes, reivindicação, descontentamento e incompreensibilidade por parte da mesma.
22. Por sua vez, a EMAT juntou aos autos relatório da psicóloga / psicoterapeuta do progenitor com o seguinte conteúdo:
“No que diz respeito ao seu papel enquanto pai, a psicoterapeuta tem como objetivo a autorregulação emocional, na medida em que apresenta uma baixa auto-estima caracterizada por episódios de ansiedade e tristeza, aliado a relatos de pensamentos de insegurança e incerteza em relação ao futuro da sua parentalidade.
Ao longo do processo, (…) tem demonstrado uma enorme preocupação em relação à saúde (física e emocional) de (…), bem como ao seu desempenho escolar. Com um trabalho estável e um ambiente familiar estruturado, (...) tem vindo a enumerar várias tentativas para se aproximar de (…). Todavia, a resistência que tem sentido por parte do filho tem originado um aumento de angústia – ‘Eu nem sabia como agir, o meu filho ignorou-me o tempo todo e foi isso que mexeu’ e ‘Sinto-me destroçado porque o meu filho não está a ter a educação que eu tive e que gostava de lhe dar ... fora tudo aquilo que está a presenciar’. Contudo, revela-se esperançoso com o envolvimento por parte da Equipa Multidisciplinar da Segurança Social traduzindo-se numa postura positiva em relação ao Processo de Promoção e Protecção, procurando criar pensamentos alternativos mais positivos e realistas”.
23. Em sentido contrário, a EMAT juntou igualmente relatório da psicóloga da criança com o seguinte conteúdo:
“O presente relatório foi elaborado a pedido da mãe do (…), para ser entregue à EMAT (Equipa Multidisciplinar de Apoio ao Tribunal) com base na avaliação Clínica resultante de duas consultas de Psicologia Clínica em que o (…) compareceu em Março e Abril do corrente ano.
OBSERVAÇÃO E CONCLUSÕES:
Através de observação e entrevista clínica foi possível concluir que o (…) é um menino inteligente, cognitivamente bem desenvolvido e com discurso fluente. Orientado no tempo e espaço.
No entanto, revela alguma dificuldade de foco e em manter contacto visual com o interlocutor. Revela ainda alguma inquietude e nervosismo (perna constantemente a tremer).
Relativamente às visitas quinzenais para estar com o pai, a que está obrigado pelo e que decorrem nas instalações da CAFAP (Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental), o (…) mostra-se muito contrariado e com um notório sentimento de que a sua vontade e sentimentos não estão a ser tidos em conta, o que lhe traz alguma revolta. O (…) não quer estar com o pai.
A mãe refere que assim que recebem a mensagem a relembrar o dia da visita seguinte, o (…) começa a ficar inquieto, com dores de barriga e de cabeça. É possível que estes sintomas físicos sejam uma somatização de estado de ansiedade”.
24. Em Agosto de 2023, o pai queixava-se à EMAT que não via o filho há 6 meses, sendo que o Tribunal, em Julho de 2023, havia, a sugestão do CAFAP, determinado que a criança passaria o dia de sábado quinzenalmente com o pai.
25. Relativamente à situação escolar, a diretora de turma informou que as notas de (…) haviam melhorado do primeiro para o segundo período lectivo, embora a criança “continuasse com muitas faltas” (cit.), justificadas por questões de saúde, desconhecendo condições / diagnósticos relativos ao menor, sendo que a encarregada de educação teria adoptado uma abordagem desadequada na comunicação com a escola, designadamente acerca de determinadas formas de trabalho nas aulas.
26. Em 8 de Maio de 2023 a progenitora juntou carta alegadamente escrita pelo filho (…), com o seguinte conteúdo:
(segue documento manuscrito e fotografado).
27. O progenitor, (…), de 42 anos de idade, mantém uma vivência em comum com (…), de 48 anos de idade, cujo filho (…) reside alternadamente com a mãe e com o pai. O progenitor exerce a sua atividade profissional, há 5 anos, na Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), com isenção de horário de trabalho e em regime de teletrabalho à 2.a e 6.ª-feira, auferindo a quantia de € 3.000,00 por mês, de remuneração líquida. A companheira do progenitor exerce a atividade profissional, igualmente, na (…) e aufere a quantia de € 1.500,00 de vencimento líquido, aproximadamente. Ambos residem em habitação com adequadas condições de habitabilidade situada numa zona residencial, com boas infraestruturas ao nível do comércio, transportes, escolas e serviços. A residência dispõe de quarto próprio para o (…) com mobiliário necessário para o conforto do mesmo.
28. O progenitor pratica o (…), fazendo parte da Direção da (…) da comunidade que integra, mencionando que a religião é caracterizada por práticas flexíveis, de respeito e liberdade das escolhas.
29. A progenitora, por sua vez, é membro da Igreja (…), frequentando habitualmente as cerimónias religiosas com a criança.
30. O (…) teve acompanhamento psicológico – em razão de ansiedade – até Junho de 2023, tendo tido alta a 19 de Junho de 2023 por já não necessitar de tal acompanhamento, segundo a sua psicóloga.
31. Em Junho de 2022, cerca de um ano depois da separação parental, a avó materna da criança apresentou denúncia de violência doméstica contra o progenitor, alegando, nessa denúncia, que este manipularia a progenitora, exercendo violência financeira e emocional sobre a mesma, para além de torcer o braço frequentes vezes à criança, rindo-se quando o (…) gritava e depois soltando o braço, dizendo que era “a brincar” com “cara de sádico”, bem como puxando-lhe as orelhas sem motivo, dizendo-lhe que ia fazer “mais (…)”.
32. Não obstante tais episódios não estarem descritos na denúncia que deu origem ao inquérito criminal, a progenitora queixou-se à EMAT que, por duas vezes, o progenitor lhe teria agarrado pelo pescoço.
33. No inquérito criminal em causa não foram aplicadas quaisquer medidas coactivas ao progenitor.
34. Não havendo notícia de quaisquer episódios de violência doméstica depois da separação parental em Junho de 2021.
35. Como referido, o progenitor também se queixou à EMAT de ter sido vítima de violência psicológica por parte da progenitora.
36. Em 25 Janeiro de 2024, a criança (…) juntou o seguinte requerimento aos autos:
- Isto é sobre eu estar contente com a minha escola. Com os meus amigos. Com a minha vida. Com a minha mãe. E com a minha avó.
- Ele, é que nunca me cuidou em nada.
- Não gosto de estar com pessoas estranhas. Que são adultos. Que me fazem nervoso, ansioso, triste e inseguro.
- Estou Farto de vocês. Fingirem que não me entendem.
- Não quero saber dele nunca.
- Por vossa causa, já voltei a não conseguir dormir, sem estar ao pé da minha mãe.
- Por vossa causa, já comecei a ter pesadelos.
- A minha mãe é a melhor pessoa. E a mais correta que eu conheço. E me tem dado todo o apoio. Cuidado que eu preciso.
- Deixem-me em Paz e longe dessa pessoa”.
(Vai com: a carta manuscrita pelo … e cópia do estatuto de violência doméstica).
37. Não obstante, a criança já havia sido ouvida pelo Tribunal muito antes disso em Setembro de 2023, não tendo sido determinada a sua audição aquando do debate judicial.
38. Nas declarações prestadas ao Tribunal em 19/09/2023, o (…) disse o seguinte: não ter tido nenhuma negativa; questionado sobre por que razão a Directora de Turma referia que ele faltava muito às aulas, mencionou que, por vezes, tinha dores de barriga ou dores de cabeça, explicando que por vezes não comia (por exemplo, não almoçava na escola) e depois tinha dores de cabeça; quando perguntado sobre as qualidades (boas ou más) do pai, referiu que este por vezes estava bem, por vezes estava mal, às vezes gritava muito e era violento; perguntado sobre quando o pai era violento, referia que o pai, por vezes, lhe puxava a orelha; não viu violência sobre a mãe, mas uma vez viu uma marca no pescoço da mãe que, segundo esta, teria sido de o pai a ter agarrado nessa zona do corpo; ouviu, por vezes, gritos, às vezes, a mãe gritava, mas era mais vezes o pai. Não se consegue lembrar bem das palavras. Questionado sobre por que razão os primeiros convívios no CAFAP tinham corrido bem e depois correram mal, respondeu ter tido pneumonia numa situação que podia explicar as faltas a alguns convívios e que os primeiros convívios “não teriam corrido bem” (que, sim, teriam trocado cromos, que ainda os teria, mas que não teriam falado muito).
[‘Estou muito assustado e preocupado com a carta do Tribunal para mim’; ‘estou farto de falar, de escrever e de ser ignorado’; ‘todos estes meses tenho estado bem e alegre’; ‘vivo em paz e com mais condições do que quando ele vivia cá em casa’; ‘como não me obrigam a estas coisas do Tribunal, não penso nele’; ‘consegui melhorar as minhas notas e deixei de ter falta de ar’; ‘e deixei de ter cólicas’; ‘nem tive mais mal disposição’; ‘quantas vezes vou ter que repetir, que desde os meus 6 anos de idade, que sofri bowling dele’; ‘abandonava-me sozinho no parque desconhecido’; ‘obrigava-me a andar com sapatos furados (rotos)’; ‘fazia-me chorar no supermercado, em casa, e sempre que não fazia as coisas que ele queria’ (Incompreensíveis ou sem nexo); ‘chamava-me nomes’; ‘puxava-me as orelhas sem motivo’; ‘não me deixava escolher o que pensar, o que acreditar, e só me fazia sentir cheio de medo’; ‘roubou o carro que eu andava com a minha mãe, nunca o vou desculpar, não tenho pai, não quero ter nada, nem saber nada dele’; ‘vocês obrigam-me a lembrar de quanto ele me fazia chorar sem motivo’; ‘ou de quando ele me obrigou a ir para o banho de novo’; ‘porque acredito no Deus da Bíblia’ (conforme o mesmo menor teve contacto com o ensino regular britânico, foram-lhe dados princípios morais baseados nos ensinamentos bíblicos, durante os três anos da sua vida); ‘ou quando queria que eu me fosse deitar após o banho, na cama da minha mãe com ele, sem a minha mãe estar em casa’; ‘como já tinha dito, enviei sms à minha mãe e ela veio logo para casa’; ‘lembro-me de quando me obrigou a ver trancado no escritório, filmes de terror com ele, ou como nos dias antes de ele sair de casa não queria que eu comesse na cozinha com a minha mãe’; ‘outras vezes, não me deixava estar na sala com a minha mãe’; ‘lembro-me que ele me ameaçar, que me tirava da minha mãe se não fizesse o que ele queria’; ‘não tenho pensado nisso até hoje’; ‘agora não é ele que me ameaça, são vocês’; ‘eu não quero, eu não vou ver mais ele, não existe para mim’; ‘eu e ele, não vemos a vida do mesmo jeito’; ‘ele é frio e mentiroso’; ‘isto não é sobre a minha mãe’].
A criança explicou que depois do Natal (altura em que tais convívios foram interrompidos, sendo continuados a partir de janeiro) já sabia que o pai teria “tirado os carros” à mãe (referindo-se ao facto de o progenitor ter feito um negócio com o banco por causa de uma dívida da empresa relativa ao veículo automóvel, tendo, nessa sequência, ficado com o referido veículo, o qual era utilizado pela mãe, nomeadamente, para o levar à escola, embora estivesse em nome da empresa). Explicou que tinha sabido também nessa altura pela mãe, pelos relatórios (sic) juntos no processo (relativos ao inquérito de violência doméstica) dos maus tratos (chamar nomes, mentiras) que o pai teria infligido à progenitora. Disse que não se importava que a mãe lhe falasse desses assuntos, ficando feliz por ter esse conhecimento e dizendo que, muitas vezes, era ele que perguntava tais questões. Diz que é conveniente ir à Igreja, mas não é obrigatório. Costumava ir com a progenitora à missa, mas quando a mãe ficou sem o carro, deixou de ir. Questionado novamente sobre as qualidades positivas do pai, referiu que jogava jogos de tabuleiros, jogos de computador e via filmes com o pai e que gostava de brincar com este. Disse que também fazia algumas dessas coisas com a mãe. Quanto à progenitora, referiu que a mãe era sincera, que o apoiava, que era carinhosa. Disse que não tinha preocupações relativamente à mãe. Questionado sobre o relatório pericial que dizia que ele teria dito não se importar de conviver com o pai se o Tribunal assim o ordenasse, mencionou que teria dito que o faria se “o pai melhorasse”. Questionado, referiu que o pai teria de melhorar o “carácter”, “ser menos mentiroso” (nomeadamente, no Tribunal), se resolvesse a questão dos carros (seria uma questão também importante para ele, porque não poderia ir à natação, ao futebol, a aniversários).
39. A mãe encontra-se desempregada, tendo-se candidatado por um partido nas listas para as eleições legislativas de 10/03/2024 e, segundo a própria, sendo provável ser eleita.


II – E vêm dados por não provados os seguintes factos:

Consideram-se não provados os seguintes factos com relevância para a decisão:
A) Que a criança tivesse sido vítima de maus tratos físicos (nomeadamente, com torções do braço ou puxões de orelhas recorrentes) por parte do pai.
B) Que a criança tenha assistido a episódios de violência física da parte do progenitor em relação à progenitora.
C) Que a mãe tivesse sido vítima de agressões físicas por parte do pai durante a convivência comum”.
*

Vejamos, pois, as questões suscitadas pela Apelante (…), e que demandam ainda a apreciação e decisão da parte deste Tribunal ad quem, relacionadas com a situação do menor (…), nascido a … (tem 13 anos e 8 meses de idade) e que é filho da Apelante e de (…) – rectius, se o Tribunal a quo, ao remeter o menor para uma medida de apoio junto dos pais (no caso, o progenitor), decidiu bem ou mal, de acordo ou ao arrepio dos factos e das normas jurídicas que deveriam ter informado a decisão. É isso o que hic et nunc está em causa, como se extrai do teor das conclusões que vêm alinhadas no recurso apresentado e que supra já se deixaram transcritas, in totum, para facilidade de percepção da própria questão solvenda.
Pois, como é sobejamente conhecido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), naturalmente sem prejuízo das questões cujo conhecimento ex officio se imponha (vide o artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, desse Código).

Ora, sendo o Tribunal que julgou o caso constituído pelo Mm.º Juiz do processo, Dr. (…) e pelos Ex. Juízes Sociais, Drs. (…) e (…), o douto Acórdão impugnado decidiu como segue:
(…) pelo exposto, decide o Tribunal aplicar à criança, (…) a medida de apoio junto dos pais (na vertente progenitor) pelo prazo de 1 ano com revisão obrigatória no final de prazo de 6 meses.
Durante a execução da medida, o pai ficará vinculado às seguintes obrigações:
a) Assegurar que a criança frequenta acompanhamento psicológico por psicólogo a indicar pela EMAT;
b) Garantir que a criança frequenta a escola com assiduidade e pontualidade, esforçando-se por manter bom comportamento em ambiente escolar;
c) Prestar à criança os cuidados de que esta necessita ao nível da alimentação, higiene, vestuário, educação e saúde, assegurando o seu desenvolvimento saudável;
d) Não verbalizar ideias negativas sobre a progenitora, permitindo os convívios do filho com a mãe previstos no presente acordo e preservando a imagem que a criança tem da progenitora.
Durante a execução da medida. a mãe fica vinculada às seguintes obrigações:
a) Comparecer em consultas de psicologia com psicólogo a indicar pela EMAT e que tenha competência para tratar das questões analisadas na perícia de avaliação psicológica da progenitora, tendo tal acompanhamento em vista: 1) que a progenitora ultrapasse sentimentos de revolta / raiva em relação à separação conjugal, aceitando que o filho tenha direito a ter convivência familiar com o pai; 2) a corrigir eventuais crenças fixas e erradas que a mesma demonstre possuir em relação à referida questão familiar; 3) manter estabilidade emocional de forma a permitir, no futuro, que a criança possa ter convívios mais alargados com a mesma. b) Conviver com o filho em convívios supervisionados ou monitorizados (conforme o CAFAP entender mais adequado) com frequência semanal e duração de duas horas nos primeiros 2 meses, período no final do qual o Tribunal poderá alargar tais convívios a convívios com pernoita, o que também ficará dependente da disponibilidade da progenitora para o acompanhamento psicológico supra referido. c) Não verbalizar ideias negativas sobre o progenitor e respeitar o direito da criança à convivência familiar com o pai e a manter uma boa imagem deste.
Durante a execução da medida, a criança fica vinculada às seguintes obrigações:
a) Comparecer nas consultas de psicologia pelo tempo que o psicólogo entender necessário.
b) Frequentar a escola com assiduidade e pontualidade, esforçando-se por ter boas notas e manter bom comportamento em ambiente escolar” – sic.

Eis, pois, o decidido, por unanimidade, pelos membros daquele Tribunal.

E decidiram bem, salva naturalmente melhor opinião que a por nós aqui expendida, face, por um lado, ao extenso circunstancialismo fáctico que foi tido por provado – onde se nota uma preocupação explicativa e demonstrativa da situação da criança, descrevendo-se demoradamente a vivência a que foi sujeita (principalmente nos seus aspectos negativos e de conflitualidade parental com que se viu confrontada ao longo dos anos, já que os pais nunca foram capazes, mesmo ajudados, de assumirem uma postura responsável, poupando o menor aos conflitos entre eles, isto sem se encetarem aqui juízos de valor sobre os seus comportamentos, que a vida é, por vezes, muito dura e amarga) – e, por outro, com um pano de fundo constituído por um quadro normativo-legal que tem no seu cerne o denominado superior interesse da criança, sobre o qual se têm derramado rios de tinta para se saber o que é, mas que nem sequer é muito difícil de perceber, mesmo para o comum dos cidadãos (o superior interesse da criança mais não é do que colocá-la em primeiro lugar, à frente dos interesses que eventualmente com ele possam vir a conflituar, mormente os dos adultos e, dentro deles, os dos próprios progenitores, intentando acharem-se soluções que, em cada caso concreto e em face daquelas concretas crianças, melhor sirvam o propósito de as fazer, e deixar, crescer felizes, e em responsabilidade, que é um direito que elas têm e que todos – rectius, a sociedade – lhes devemos).
Superior interesse da criança que deverá nortear as decisões jurisdicionais a tomar, nos termos do artigo 4.º, alínea a), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro).
Não se trata, pois, de tirar, ou deixar de tirar, os filhos aos progenitores, como, por vezes, são perspetivadas estas situações.
Nem sequer de se tirarem os filhos aos pais por estes serem pobres.
Nada disso.
O foco será sempre aquele superior interesse da criança (tal como o vê o tribunal em cada caso, naturalmente) e, se tiverem que ser tiradas ao pai ou à mãe, ou a ambos, pois sê-lo-ão, sejam estes quem forem, ricos ou pobres.
Naturalmente, este tipo de situações que têm que ver primacialmente com o interesse dos menores e a sua estabilidade em todos os aspectos, não podem ir sendo resolvidas de acordo com as vicissitudes que em cada momento os pais apresentem do caso – sendo, todavia, certo, como é normal nestes casos, que se se alterarem as circunstâncias que estiveram na base desse segmento da decisão, esta questão também poderá vir a ser alterada no futuro (nunca constituindo, portanto, situações imutáveis).
[Veja-se o recente douto Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 20-02-2024, tirado no processo n.º 1008/12.9TBARL-L.E1, consultável na Base da Dados do ITIJ, onde se exara lapidarmente: “É sabido que o conceito interesse da criança, apesar de previsto em inúmeros instrumentos legais – veja-se, assim, o artigo 7.º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU, de 20-11-1959, nos artigos 9.º, n.º 1 e 18.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, a 26-01-1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12-09 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12-09, e no artigo 6.º, alínea a), da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança, adotada em Estrasburgo, a 25-01-1996, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 13-12-2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, de 27-01 –, é um conceito jurídico indeterminado, tem conteúdo indefinido e indefinível, abrangente e complexo, tão variável em função dos tempos, e tão moldável às convicções de quem o invoca, embora seja inquestionável que visa assegurar a solução mais adequada para a criança no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral, especialmente em meio familiar, devendo, por isso, ser aferível em função das circunstâncias de cada caso”.]

Mas, afinal, que fundamentos invocou o douto Tribunal para decidir da maneira como o fez, remetendo esta criança para uma situação de apoio junto dos progenitores, passando-a da tutela da mãe para a do pai? Nada melhor, para elucidação, do que colocar aqui as próprias palavras que aí foram utilizadas, que são sucintas, assertivas e convincentes:
“Neste contexto, importa, pois, referir que estando-se claramente perante uma criança, o (…), muito condicionada do ponto de vista psicológico na sua autonomia relativamente à progenitora, é importante para o seu desenvolvimento saudável que tal autonomia seja fomentada com um período em que o mesmo esteja a residir com o pai e reestabeleça os laços de vinculação com este livre de tais pressões da família materna. E é tal também importante para a saúde psicológica da criança, tendo presente que a mesma revela sintomatologia que dificilmente se pode dissociar da dificuldade de se separar psicologicamente da progenitora, do referido conflito parental prolongando e do afastamento por muito tempo do progenitor, designadamente: 1) isolamento social (referido na perícia); 2) ansiedade (tratada em contexto de acompanhamento psicológico); 3) frequência de sintomas físicos (dores de cabeça, dores de barriga) sem causa conhecida, mas ocorrendo aquando de convívios com o pai ou, na falta destes, em contexto escolar (referindo a criança não almoçar e ter tais dores, o que justificaria as faltas à escola em número significativo, tal como realçado pela directora de turma).
Entende-se, pois, que os sucessivos incumprimentos dos regimes de convívios da criança com o pai têm explicação no comportamento psicológico da progenitora, comportamento este que, tal como referido nos relatórios periciais, constitui, neste momento, o perigo maior para o (…). E também se mostra seguro que, tentados vários regimes diferentes de convívios (com ou sem supervisão), não é a fixação de um novo regime de convívios da criança com o pai que resolverá o problema da falta de licença da criança para se vincular com a figura paterna. Nesse sentido, entende-se que só a mudança da medida para uma medida de apoio junto do pai (artigo 35.º, n.º 1, alínea a), da LPCJP) poderá assegurar, não só o direito da criança à convivência familiar com o progenitor, como também o bem-estar emocional do (…).
Não é a criança que tem de regular as emoções da mãe, é antes esta que deverá compreender o direito do filho de gostar do pai e, para o efeito, obter acompanhamento psicológico que a ajude a lidar com a separação parental e a necessidade de separar a conjugalidade da parentalidade.
Também, por isso, e de modo a evitar que uma eventual descompensação do estado emocional da progenitora desestabilize a criança, o Tribunal determinará que, pelo menos, nos primeiros dois meses, e sem prejuízo de revisão de tal questão no final desse período, os convívios da mãe com a criança ocorram semanalmente por períodos de 2 horas sem pernoita e com a supervisão ou, pelo menos, monitorização do CAFAP, devendo esta entidade verificar se o (…) se mantém emocionalmente estável depois de tais convívios e não é sujeito a pressões nocivas. Mais se determinará que a progenitora obtenha acompanhamento psicológico por psicólogo indicado pela EMAT com experiência no acompanhamento de pessoas com traços de personalidade como aqueles referidos na perícia realizada nos autos, sendo o cumprimento de tal acompanhamento condição para o Tribunal mais tarde poder vir a ponderar convívios mais alargados com a mãe como se afigura desejável que venha a ocorrer, mas apenas se a progenitora for capaz da mudança necessária no sentido de respeitar a autonomia do filho” (sic).
E estas conclusões vêm na sequência da devida e anterior escalpelização dos factos que as sustentam – mormente perícias médicas – também encetada nessa douta decisão.

Eis, pois, o porquê do que foi decidido, pelos membros daquele Tribunal.

[Deverá assinalar-se, antes de mais, a necessidade de expurgar este tipo de decisões – que envolvem as crianças – de preconceitos contra ou a favor da sua colocação na família versus da sua institucionalização (ou de considerações de natureza ideológica sobre o tema): tudo muito legítimo, é certo, mas que aqui não ajudará em nada. O problema deve ser colocado da seguinte maneira, sendo o demais desnecessário: primeiro, naturalmente, a família, alargada ou não; mas se ela não se mostrar capaz – apesar de acompanhada/auxiliada por elementos exteriores – não há que titubear e as crianças têm que dela sair, e bem depressa.]

E, efectivamente, volvendo já ao caso sub judicio – e aceitando que todos possam ter uma ponta de razão, embora esta não possa ser reconhecida a todos – se concorda, afinal, plenamente, com a decisão tomada na 1ª instância, que é a que aparenta (certezas não se poderão ter, nestas matérias!) enquadrar melhor o superior interesse da criança, que é o critério da lei nestas circunstâncias.
Pois a última coisa que, com honestidade, a progenitora / recorrente poderá afirmar é que, independentemente da vida que lhe tem calhado em sorte (de tom difícil, certamente), ao longo dos anos, não tenha sido apoiada pelas instituições públicas de solidariedade de que os autos dão notícia – e de que, por isso, lhe não tenham sido dadas já muitas oportunidades para poder criar o seu filho com dignidade. É que tal não bastará se não houver empenho também da sua parte.

A Recorrente vem, agora, aduzir na conclusão 5 (n.º repetido) do recurso: Verificando-se que o Mm.º Juiz e porque não é médico, ao decidir conforme decorre dos presentes autos, mas passou a ser diagnosticado à ora requerida doenças do foro mental, quando para o efeito não existe nos presentes autos nenhum relatório médico a diagnosticá-la nenhuma doença mental e que a impeça de poder ter a guarda do seu filho, quando o pai do menor é o verdadeiro agressor”.
Efectivamente, os juízes não são médicos, nem querem sê-lo. Socorrem-se é dos médicos e de outros especialistas para enquadrarem e tomarem as suas decisões. E nos autos existem variados relatórios médicos que foram ordenados fazer aos progenitores e à própria criança (para além de relatórios sociais de entidades que diariamente lidam com este tipo de situações).
Ora, não foi nenhum juiz que disse relativamente à mãe do menor, agora recorrente: “Em relação aos questionários de personalidade, no MCMI-III, que avalia a presença de perturbações de personalidade e sintomatologia grave com base nos critérios do sistema nosológico DSM, conseguiu-se identificar respostas associadas às escalas paranoide e pensamento delirante, podendo indicar a presença de um indivíduo com uma atitude defensiva e tensa face às críticas, que revela uma excessiva desconfiança face aos demais, que apresenta uma elevada irritabilidade, tendendo a provocar nos outros a exasperação e a raiva, revelando uma clara imutabilidade nos seus sentimentos, uma inflexibilidade nos seus pensamentos, e um pensamento não bizarro de natureza persecutória. No questionário Mini-Mult (versão reduzida do MMPI-2), surgiram valores elevados nas escalas de hipocondria, histeria, paranoia e esquizofrenia, podendo indicar indivíduos resistentes à mudança, com tendência para a somatização, que podem apresentar um quadro de histeria, que se caracterizam por uma excessiva hipersensibilidade e rigidez cognitiva, que exibem muita desconfiança, que parecem sempre ressentidos, sendo capazes de expressar hostilidade de forma indireta e constante, revelando um perfil marcadamente neurótico. Com base nas entrevistas, na observação clínica e nos dados psicométricos obtidos, podemos afirmar que existem indicadores para levantar a hipótese da presença de traços de personalidade paranoides, marcados por excessiva desconfiança, irritabilidade, ressentimento, hostilidade, inflexibilidade/rigidez cognitiva, e um pensamento persecutório muito intenso. Este perfil de funcionamento encontra-se sobre a influência de um sentimento de stress reativo ao processo de separação, podendo facilmente evoluir para um quadro psicopatológico grave. Face ao exposto, sugere-se tratamento psicológico / psicoterapêutico e/ou psiquiátrico obrigatório (com um psicólogo/psiquiatra externos à igreja que frequenta), de forma a salvaguardar a segurança psicológica do menor” (Mais ali se refere, na resposta ao quesito formulado, que a progenitora apresentou “alterações na personalidade que podem limitar um exercício adequado das responsabilidades parentais”).
Quem o afirma é um perito de um organismo público, rectius “consultor de Psicologia do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.”, depois de efectuar exames e diligências de que dá conta no Relatório de fls. 44 verso a 48 verso dos autos.

Depois, não é correcto vir dizer-se, como o faz a Apelante, que haja neste tipo de processos um princípio do pedido, nos termos do qual o Tribunal se não possa afastar do que é requerido pelos progenitores do menor ou por quaisquer outros intervenientes processuais, designadamente pelo Ministério Público.
Este é um processo de jurisdição voluntária norteado por aquele referido princípio do superior interesse da criança, o que conduz a que se possam pensar e aplicar nele as medidas que se entenderem mais adequadas a salvaguardar tal princípio, tenham ou não sido pedidas por quem quer que seja. Isto é, o início do processo e os termos em que ocorre não condiciona os desenvolvimentos e conclusão que terá. E, por isso, é que se fixou no douto Acórdão recorrido uma medida de protecção a ser reavaliada no tempo ali também previsto e poderá sê-lo noutro tempo qualquer se as circunstâncias assim o ditarem, pelo que não há qualquer nulidade formal do Acórdão em não se ter cingido ao que inicialmente os progenitores possam ou não ter querido ou requerido quanto à criança.
[A referida Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo estabelece, com efeito, no seu artigo 100.º: “O processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, doravante designado processo judicial de promoção e proteção, é de jurisdição voluntária”.]

Por outro lado, não se percebe muito bem o alcance da conclusão n.º 8 do recurso, quando se invoca que “se verifica que a medida aplicada nos presentes autos e porque já vigora por período superior a um ano, está, assim, a ser violado o disposto no artigo 60.º, n.º 1 e n.º 2, da LPCP”.
Tal normativo estabelece que Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as medidas previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 35.º têm a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial” (n.º 1); e “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, cada uma das medidas referidas no número anterior não pode ter duração superior a um ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar e desde que se mantenham os consentimentos e os acordos legalmente exigidos” (n.º 2).
Mas o que se está aqui a discutir é uma decisão jurisdicional proferida no passado dia 12 de Março de 2024 que fixou uma medida de protecção a uma criança por um período de um ano a contar daí.
A interpretar-se como se referindo a medidas anteriormente decretadas, a que colocou o menor junto da mãe foi-o por acordo homologado por sentença de 12/12/2022, indo o prazo máximo até 12/06/2024, mas mostrando-se todavia aplicada entretanto nova medida de promoção e proteção no Acórdão proferido.

Como também não existe invalidade formal da decisão tomada por não se ter seguido a vontade da criança – como é invocado no recurso.
Esta foi ouvida no processo até mais do que uma vez. Com isso cumpriu-se a obrigação de audição das suas preocupações e pretensões. A decisão já não compete ao menor, naturalmente, mas sim ao Tribunal que, como consta nesse seu Acórdão, fez uma explanação longa e assertiva sobre as razões pelas quais contrariou a pretensão do menor de não querer ir viver com o pai, crendo que nisso estará, mais uma vez, a excessiva influência e imposição da parte da mãe, que assim o Tribunal quis também afastar. No fundo o que o Tribunal afirmou – e aqui se subscreve – foi que a vontade da criança não está de acordo com o seu superior interesse e, por isso, é este que deverá prevalecer sobre aquela.

E nisso está o mérito intrínseco da decisão, que lhe deve ser reconhecido.

Naturalmente, que não sabemos o que irá acontecer a seguir, rectius se a criança será, ou não, mais feliz no futuro e, assim, qual o êxito da solução agora implementada. Mas essa incerteza – sempre presente – nunca deverá impedir a tomada das decisões que, situadas no seu tempo e espaço, se apresentem mais adequadas, nem sendo nunca motivo para não fazer nada e deixar de intervir em situações que não estão, comprovadamente, bem, sendo que o tempo é muito importante para as crianças, e quanto mais depressa se encontrar para elas uma solução estável, tanto melhor. Pois que têm, realmente, direito à estabilidade de um lar, a crescer no máximo de referências, sem restrições e constrangimentos motivados por egoísmos adultos, que nestas ocasiões fazem sempre indesejável aparição – é um lugar-comum dizê-lo.

E fácil não será, certamente, implementar um regime que contribua para a estabilização dos ambientes em que a criança se venha a mover, debelando as ingerências negativas que os adultos sejam tentados a exercer. Na certeza de que a decisão agora sob recurso interpretou convenientemente, até onde isso é possível, o interesse do menor e não os de qualquer dos adultos envolvidos que o rodeiam.

E foram fixados deveres a todos, ao pai, à mãe e ao filho – não se decidiu apenas mudar a criança de um agregado para outro. Assim eles os cumpram e a mãe poderá vir a dar um maior acompanhamento ao filho, como ali se decidiu.

Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se terá agora que manter, intacto na ordem jurídica, o douto Acórdão da 1ª instância que veio a decidir daquela maneira e improcedendo o presente recurso de Apelação.

Sumário elaborado pelo Relator (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)
*

Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar o douto Acórdão recorrido.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.
Évora, 23 de Maio de 2024
Mário João Canelas Brás (Relator)
Ana Margarida Leite (1.ª Adjunta)
Rui Machado e Moura (2º Adjunto)