Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO LUÍS NUNES | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA | ||
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Data do Acordão: | 03/29/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE PORTIMÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Área Temática: | TRABALHO | ||
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Sumário: | (i) quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente não só especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, como também indicar os concretos meios probatórios constantes do processo que imponham decisão diversa da recorrida; (ii) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, deve o recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda; (iii) em conformidade com as proposições anteriores, invocando o recorrente como fundamento do erro na apreciação das provas os depoimentos genéricos (gravados) de testemunhas, mas não concretizando qualquer passagem da gravação em que se funda, deve rejeitar-se o recurso quanto à impugnação da matéria de facto; (iv) é de considerar lícito, por com justa causa, o despedimento do trabalhador, vendedor, que, estando incumbido, além do mais, de visitar clientes tendo em vista a venda de produtos da empregadora e o recebimento do pagamento do preço, se constata que não efectuava tais visitas ou as efectuava com grandes atrasos, constatando-se ainda que perante uma reclamação de um cliente e na presença do mesmo, não procurou resolver o “problema” do cliente e afirmou de imediato “[o] cliente estava muito bem a comprar noutra empresa e fomos buscá-lo para não cumprir/falhar”. Sumário do relator | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório J… apresentou, no Tribunal do Trabalho de Portimão, formulário a que aludem os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro), em que declarou opor-se ao despedimento promovido por V…, Lda. e requerendo, subsequentemente, a declaração de ilicitude ou de irregularidade do mesmo, com as devidas consequências. Designada e realizada a audiência de partes, na mesma não se logrou obter o acordo destas. Após, veio a empregadora nos termos e para os efeitos previstos no artigo 98.º-I, n.º 4, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, apresentar articulado no qual justifica o despedimento do trabalhador. Para tanto alegou, em síntese, que o trabalhador, sendo seu vendedor, violou os deveres de obediência e de realização do trabalho com zelo e diligência: designadamente não contactava e não se deslocava aos clientes e faltou à verdade quanto aos motivos do não recebimento de cheques dos clientes. Tal conduta – prossegue – constitui justa causa de despedimento. O trabalhador contestou o articulado da empregadora, negando, em suma, a prática dos factos que lhe são imputados e, bem assim, a existência de justa causa para o despedimento. Em reconvenção pede a condenação da empregadora a pagar-lhe uma indemnização correspondente a retribuição base de 30 dias, em substituição da reintegração (aqui considerando que os valores pagos a título de comissões fazem parte da retribuição a ter em conta no cálculo da indemnização), as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, a remuneração correspondente a 5 dias de Novembro de 2010, 18 dias úteis de férias não gozadas respeitantes ao trabalho prestado em 2009 e 20 dias úteis de férias não gozadas referentes ao trabalho prestado em 2010. Respondeu a empregadora, a reafirmar o já constante do articulado em que justificou o despedimento, e a pugnar pela improcedência do pedido reconvencional. Seguidamente foi dispensada a realização da audiência preliminar, admitida a reconvenção e dispensada a fixação da matéria de facto assente e da base instrutória. Após, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto, que não foi objecto de reclamação, e foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor: «Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em conformidade: 1. Não se considera ilícito o despedimento do autor, absolvendo-se em conformidade, a ré dos pedidos decorrentes da ilicitude do mesmo; 2. Condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 912,24 (novecentos e doze euros e vinte e quatro cêntimos), a título de remunerações correspondentes ao trabalho prestado em 5 dias do mês de Novembro de 2010, a 18 dias úteis de férias não gozadas respeitantes ao trabalho prestado no ano de 2009 e a 20 dias úteis de férias não gozadas respeitante ao trabalho prestado no ano de 2010; 3. Condena-se autor e ré no pagamento das custas, na proporção do respectivo decaimento». Inconformado com a decisão, o Autor/trabalhador dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas respectivas alegações formulado as seguintes conclusões: «1 – Que em 03.08.2010 a ré decidiu instaurar um processo disciplinar ao Autor, tendo este ficado imediatamente suspenso. 2 – Em 22.09.2010 foi elaborada Nota de Culpa onde se encontravam entre outros, descritos os factos elencados no ponto 3 do capítulo da Fundamentação, III A) – Factos Provados – da douta sentença, e para os quais nos remetemos por questão de economia processual. 3 – Que o processo disciplinar terminou com aplicação da sanção de despedimento com justa causa por ter assumido comportamentos violadores dos deveres de zelo e diligência, de obediência e de não guardar lealdade ao empregador, previstos nas alíneas c), e) e f) do n.º 1 do art. 128º do CT/2009. 4 – Da factualidade que suportava tais imputações por parte da Ré ao Autor, em sede de discussão e julgamento, veio a constatar-se que alguns dos comportamentos atribuídos ao Autor ou não ocorreram nos exactos moldes descritos pela Ré em sede de processo disciplinar e articulado motivador, ou a terem efectivamente ocorrido não se revestiram de uma gravidade tal que possa concluir ter o Autor violado os seus deveres enquanto trabalhador, mencionados no art. 128º do CT de molde a tornar impossível a subsistência da relação laboral. 5 - No entanto, algumas imputações subsistiram, tendo o MMº Juiz à quo considerado que o Autor teria violado os deveres a que estava adstrito, existindo infracção disciplinar. 6 - E é precisamente da factualidade dada como assente pelo MMº Juiz relativamente a determinados comportamentos do Autor e da interpretação que faz dela (até em contradição com depoimentos prestados) que o Autor discorda e sustenta o presente recurso, considerando incorrecta a interpretação da matéria de facto com base na prova produzida, o que afecta, ainda que parcialmente este caso, devendo pois ser feita a devida correcção e consequentemente a correcta aplicação do Direito, para que não seja afectado o real e verdadeiro apuramento da verificação no caso sub judice, da questão principal, que é da existência ou não de justa causa para despedimento. 7 - Que em Julho de 2010, o Autor se excedeu no seu direito de crítica, porque fez um comentário depreciativo relativamente à empresa na frente do cliente, violando dessa forma o dever de zelar pela boa imagem da sua entidade patronal perante os clientes da mesma. 8 - Acontece porém que o legal representante dessa cliente, o Sr. L…, no seu depoimento declarou nada ter ouvido com esse conteúdo na conversa ocorrida entre o Autor e a Colega C…. 9 - Assim sendo, e perante este facto, o MMº Juiz não deveria ter concluído, como fez, que nesta situação, o Autor teria violado um dos seus deveres enquanto trabalhador. 10 - Que nos finais de Julho de 2010 o ora Recorrente teria violado os seus deveres de zelo e diligência ao não ter ido ainda cobrar determinadas facturas ao cliente "A… Lda." nem ter visitado um novo cliente indicado pela colega administrativa. 11 - Foi dado como provado que a firma "A… Lda" era até Maio de 2010 visitada por outro vendedor, que entretanto deixou as vendas, passando o Autor a ser o único vendedor que a Ré tinha, havendo um aumento substancial das tarefas a realizar e clientes a visitar a partir de tal data. 12 - Que o Autor foi suspenso a 03 de Agosto de 20 10. 13 - Que as situações relatadas pela Ré ocorreram nos últimos dias de Julho de 2010, pelo que, e tendo sido o Autor suspenso a 03 de Agosto, tais tarefas estariam por executar (a ter sido efectivamente transmitido tal ao Autor, o que este sempre negou) há não mais do que 4 a 5 dias úteis. 14 – Tais factos são, no entender do Recorrente, adequados a excluir a verificação da violação dos referidos deveres, pelo que deveria ter sido essa a decisão do MMº. Juiz e não a contrária, como explanado na sua sentença. 15 - Igualmente considerou o MMº. Juiz que o Autor teria violado os deveres de obediência, zelo e diligência, pois nem sempre visitava os clientes da zona a que estava adstrito e mentia à sua entidade patronal sobre o motivo do não recebimento dos cheques. 16 - E considerou tal com base apenas no depoimento da testemunha A…, funcionária administrativa da Ré, dando no entanto como assente (sublinhado nosso) que efectivamente havia clientes que, na realidade, eram previamente contactos e alertados para a cobrança e outros que não o eram. 17 - Que em número de vezes não apurado o Autor recebeu telefonemas do escritório da Ré para aí se deslocar e apresentava-se nesse lugar em 5 minutos, em dias em que tinha que visitar clientes da zona de Olhão e Vila Real de Santo António (factos 3.15 e 3.16). 18 - Acontece que a Ré não logrou fazer prova em que altura do dia tais telefonemas ocorreram, pelo que não foi possível determinar (como se impunha à Ré) se o Autor tinha iniciado a sua volta havia pouco tempo e estaria próximo ou se já estaria igualmente de regresso após um dia de trabalho, pelo que deveria o MMº. Juiz ter concluído neste caso pela inexistência de qualquer infracção disciplinar por parte do Autor. 19 - Que as convicções da cliente H… relativamente à montagem dos vidros e sua demora não tiveram nada a ver com incorrectas informações transmitidas pelo Recorrente, mas por conhecimento pessoal desta. 20 - Como tal, nunca deveria o MMº. Juiz neste caso concluído pela verificação de uma infracção por parte do Recorrente, e muito menos que este teria violado o dever de zelar pela boa imagem da Ré perante os Clientes, pois que até encaminhou a cliente para a pessoa certa, o Gerente 21 - Quanto aos objectivos que teriam sido impostos pela nova gerência ao Recorrente e restantes colegas vendedores, o Tribunal considerou que o Autor logrou provar que tais objectivos não lhe tinham sido comunicados por escrito, mas que teve deles conhecimento oralmente, que é quanto basta para o vincular aos mesmos. 22 - Reconhece também o MMº Juiz que as cobranças não dependem apenas da vontade do Recorrente, mas também da disponibilidade dos Clientes. 23 – O MMº Juiz considerou igualmente nos factos dados como provados que: " ... a nova gerência da R. informou também o A. dos objectivos que este tinha e caso os cumprisse lhe daria um prémio de produtividade." 24 - Em momento algum foi dito ou ficou dado como assente que o não alcançar dos objectivos unilateralmente (sublinhado nosso) fixados pela Ré seria considerado infracção disciplinar, sendo somente referido que, uma vez alcançados, teria um prémio de produtividade. 25 - Para concluir pela existência de justa causa para que a Ré promovesse licitamente o despedimento do Autor, o MMº Juiz a quo considerou a existência de comportamentos adoptados pelo Recorrente que seriam ilícitos e culposas (os acima referidos) e que global e cumulativamente vistos foram susceptíveis de gerar na Ré uma perda de confiança que conduzem a uma impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral. 26 - Ora a livre apreciação da prova que assiste ao MMº Juiz não pode confundir-se com mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova: a livre apreciação da prova tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. 27 - Deverá ser acompanhada e sustentada nos pressupostos de direito e do senso comum, dos factos concretos do caso em discussão, e da correcta aplicação dos adequados preceitos legais. 28 - Em face da factualidade dada por assente, da prova produzida (ou ausência desta) e da adequada valoração da mesma outra deveria ter sido a decisão do douto Tribunal de primeira instância. 29 - Havendo contradições entre os factos dados como assentes e o que efectivamente as testemunhas disseram sobre os mesmos, conforme supra explanado caso a caso. 30 - Pelo que o MM". Juiz à quo deveria ter concluído pela improcedência da justa causa invocada pela Ré para justificar o despedimento do ora Recorrente e consequentemente, pronunciar-se sobre as restantes questões a resolver nos autos. 31 - Ao assim não se decidir, salvo o devido respeito, o douto Tribunal a quo não fez a devida aplicação da Lei, nomeadamente o disposto no artigo 3420 do Código Civil e artigos 128°, 129° e 351º do Código do Trabalho, nem valorou condignamente, como se impunha, os documentos juntos aos autos e o depoimento das testemunhas arroladas por quem incumbia o ónus da prova em cada situação em concreto». E a rematar as conclusões, pede que seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, «(…) ser a douta sentença em causa substituída por outra em que seja reconhecida a ilicitude do despedimento do Autor por não verificação de práticas infraccionárias que pela sua gravidade e consequências impossibilitassem a manutenção do vínculo laboral e consequentemente a apreciação das restantes questões inerentes a esta decisão e devidamente peticionadas». A recorrida respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência. O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, e com efeito devolutivo. Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Objecto do recurso O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, como resulta do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim, tendo em conta as conclusões de recurso da recorrente, são as seguintes as questões essenciais decidendas: (i) saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto; (ii) saber se existe justa causa para o despedimento do Autor/recorrente e, por consequência, se o mesmo é lícito; (iii) saber se as comissões que eram pagas ao Recorrente pela anterior gerência da Recorrida devem integrar o valor da retribuição a atender na fixação da indemnização de antiguidade. III. Factos A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade: 1. O autor foi admitido ao serviço da ré em data não concretamente apurada, mas não posterior a 2.5.1987, para, sob as suas ordens e direcção, prestar a actividade profissional correspondente à categoria de vendedor; 2. Em 3.8.2010, a ré decidiu instaurar processo disciplinar ao autor, tendo sido inquiridas testemunhas no âmbito do mesmo e tendo o autor ficado suspenso preventivamente desde 17.10.2010; 3. Em 22 de Setembro de 2010, foi elaborada nota de culpa, onde se encontravam descritos os seguintes factos, que, efectivamente, tiveram lugar: 3.1. Em Julho de 2010, a firma "C…, Lda." encomendou à ré vidro laminado, tendo combinado o dia 27.7.2010 para a sua entrega; 3.2. No final daquele dia, um funcionário da cliente foi às instalações da ré para levantar o vidro, contudo os vidros ainda não estavam prontos; 3.3. A Sra. C…, funcionária da ré, telefonou para o Sr. L…, gerente da firma C…, Lda., pediu desculpa por os vidros não estarem prontos, uma vez que tinha acontecido um imprevisto, contudo, no dia seguinte às 8/30 horas estariam prontos; 3.4. No dia seguinte, o Sr. L… chegou às instalações da ré, cerca das 8.30 horas para levantar os vidros, tendo a Sra. C…, na presença do autor, dito ao Sr. L…, que dentro de meia hora os vidros estariam prontos para entregar, porque ao fazer a aresta de um dos vidros, o vidro partiu-se e foi necessário fazer um vidro novo; 3.5. Assim que a Sra. C… deu esta explicação ao Sr. L…, o autor na presença daquele, comentou "O cliente estava muito bem a comprar noutra empresa e fomos buscá-lo para não cumprir/falhar"; 3.6. Em finais de Julho de 2010, em data não concretamente apurada, a Sra. M…, recepcionista da ré, recebeu um telefonema do cliente de alguém que trabalha na firma que já foi gerida por M…, o qual referiu que estava há uns 15 dias à espera que o autor o contactasse para fazer uma encomenda de vidro e que o arguido não o contactava; 3.7. A Sra. M… deixou um recado escrito ao autor, junto a fls. 51 dos presentes autos, com o seguinte teor: “M…, espera que o contactem à 15 dias, desconhecendo se o autor contactou o cliente”; 3.8. Ainda em finais de Julho de 2010, a Sra. M… telefonou para o Sr. V… da firma "A…, Lda.", a solicitar pagamentos de facturas em dívida e a resposta que obteve foi que não fez os pagamentos porque o arguido não passava pela oficina para receber; 3.9. Com frequência a gerência da ré e o Sr. F…, superior hierárquico do autor, diziam para o autor passar pelos clientes para receber, uma vez que a empresa estava em dificuldades e a nova gerência estava a tentar ultrapassar as dificuldades e precisava da colaboração de todos; 3.10. Também em finais de Julho de 2010, data que em concreto não se conseguiu apurar, a Sra. M… recebeu um telefonema de um cliente novo (cuja identificação não se pode precisar) a solicitar a visita de um vendedor para fazer uma encomenda; 3.11. A Sra. M… deu o recado ao autor para visitar o cliente e dar-lhe prioridade por ser um cliente novo; 3.12. Em data não concretamente apurada de Agosto 2010, mas anterior a 20.8.2010, o referido cliente telefonou para a empresa a queixar-se que estava há três semanas a aguardar a visita do vendedor; 3.13. Em Julho de 2010, em dia não concretamente apurado, o Sr. J…, trabalhador da V…, Lda, foi contactado por um cliente, o Sr. H…, a reclamar por causa de uns vidros que tinham defeitos; 3.14. O Sr. J… deslocou-se à obra; 3.15. Quase diariamente, a Sra. A…, administrativa da ré, telefonava para os clientes a solicitar o pagamento de facturas em atraso, combinava o pagamento para determinado dia e solicitava ao autor que fosse aos escritórios desses clientes receber os pagamentos; 3.16. O autor, havia dias que regressava sem pagamentos, alegando que os clientes não estavam ou que não haviam sido contactados pela Sra. A…, havendo clientes que, na realidade, eram contactados e outros que não o eram; 3.17. Em número de vezes não concretamente apurado, o autor recebeu telefonemas do escritório da ré, para aí se deslocar, apresentando-se nesse lugar em 5 minutos, em dias em que tinha que visitar clientes da zona de Olhão e Vila Real de Santo António; 3.18. No dia 6 de Agosto de 2010, a Sra. A…, pediu ao autor para se deslocar junto do cliente "A…", em Loulé, para receber um cheque, tendo o arguido respondido que não ia deslocar-se a Loulé, pelas razões referidas em 12; 3.19. No fim do dia o autor regressou ao escritório com um cheque de um outro cliente e sem encomendas; 3.20. No dia 12-8-2010, no período da manhã, cerca das 10 horas, deslocou-se ao escritório da entidade patronal, a Sra. H…, representante da firma M…, para reclamar de uns vidros que estavam em atraso; 3.21. A cliente ao apresentar a reclamação perante o Sr. S… (gerente da ré) referiu a este que o autor lhe tinha dito que para montar vidros tinha que aguardar 2 a 3 meses; 3.22. O Sr. S… ficou bastante aborrecido com a informação do autor e disse à cliente que não era verdade, pois a firma dispõe de 4 equipas de montagem de vidros e que demoraria 2 a 3 dias para montar os vidros, vindo a montagem a ter lugar nesse prazo; 3.23. A nova gerência da V…, Lda., em virtude da empresa estar em má situação financeira, fez uma análise do mercado e porque as condições o permitiam, traçou para o arguido objectivos de vendas, cobranças e visitas a obras para atrair novos clientes; 3.24. No que respeita ao objectivo das vendas, o arguido tinha como objectivo € 100.000,00 de vendas mensais e como objectivo de cobranças, receber entre € 15.000,00 a € 20.000,00 semanais; 3.25. Em cobranças o arguido recebia por semana cerca de € 5.000,00; 3.26. Por diversas vezes, o Sr. S… (gerente da entidade patronal), comentava com o arguido, está uma grua em "tal sítio", está outra acolá, "hoje passei em tal sítio da sua zona e vi uma grua, já visitou estas obras?"; 3.27. O Sr. F…, superior hierárquico do arguido, dava-lhe conselhos e recomendações para aumentar a produtividade; 3.28. A firma "G…", cliente da V…, solicitou ao Sr. F… que quando o atendessem, não fosse o arguido a fazê-lo, pelas razões referidas em 19; 3.29. Em virtude disso, quem atende o cliente "G…" é o Sr. F…; 3.30. O Sr. F… e o Sr. S…, respectivamente, superior hierárquico e gerente da entidade patronal, solicitavam ao autor relatórios semanais da sua actividade; 4. O autor respondeu à nota de culpa e arrolou testemunhas; 5. Algumas das testemunhas do autor foram inquiridas; 6. Terminada a fase instrutória foi proferido relatório final, que considerou provada a factualidade descrita na nota culpa e aplicou ao autor a sanção disciplinar de despedimento sem indemnização; 7. O autor foi funcionário da ré até 5 de Novembro de 2010, data em que recebeu a decisão emergente do relatório final referido em 6, elaborado na sequência do processo disciplinar de que foi alvo; 8. O Sr. M… tem o contacto directo do autor; 9. A firma “A…” era visitada pelo vendedor da ré P… até Abril/Maio de 2010, data em que esse vendedor passou para a secção de produção da ré, ficando aquele cliente entregue ao autor; 10. Em Julho de 2010 era o autor era o único com a categoria de vendedor a prestar serviço para a ré; 11. O autor, em data não concretamente apurada, deslocou-se ao estabelecimento do cliente J… para receber dinheiro, tendo o cheque já sido levantado pela Sra. A…; 12. No circunstancialismo de tempo e lugar referidos em 3.18 o autor disse que não ia a Loulé nesse dia, mas que iria fazê-lo no dia seguinte, o que veio a fazer; 13. A D. H… antes de se dirigir ao escritório da ré nos termos referidos em 3.20 já se tinha dirigido directamente ao autor para reclamar de uns vidros cuja entrega já estava atrasada; 14. O Autor respondeu que o melhor era dirigir-se ao escritório e pedir para falar directamente com o gerente para resolver a situação; 15. Em encomenda anterior feita à Ré, esta Cliente esperou cerca de dois a três meses por uma montagem; 16. Após a deslocação da D. H… ao escritório da ré os vidros foram montados no prazo referido em 3.22; 17. Não foi comunicado por escrito ao autor os objectivos referidos em 3.24; 18. O autor fazia cobranças quer da V… quer da empresa “V…” que têm um sócio em comum, o Sr. S…, recebendo o autor até Novembro de 2009 percentagem sobre as cobranças; 19. A firma “G…” teve um problema com a anterior gerência da ré, devido ao atraso de uma entrega, mas tal teve a ver com o sector de produção e não o comercial envolvido; 20. O autor fez os relatórios que se encontram junto aos autos; 21. Desde Novembro de 2009 que a viatura de serviço que autor usava para se deslocar de casa para o trabalho e vice-versa, foi a atribuída à Sra. Eng.ª A…, que passou frequentemente a dar boleia ao autor; 22. Em algumas situações, o autor procurou dirimir os conflitos nos atrasos nas entregas; 23. A anterior gerência da ré pagava o autor, além do salário base e subsídio de alimentação, comissões de valor variável, que permitiam ao autor, auferir, em média entre € 1.000 e € 1.500 líquidos; 24. O pagamento dessas comissões foi acordado entre a anterior gerência da ré, o autor e colegas vendedores deste; 25. A partir de Novembro de 2009, momento em que a sociedade ora Ré foi adquirida por novos sócios, estes decidiram, nos termos referidos em 34 e 35 deixar de pagar comissões ao autor e colegas vendedores; 26. As comissões pagas em Dezembro de 2009 reportavam-se a vendas efectuadas antes do mês de Novembro; 27. Apesar da Ré ter deixado de pagar as comissões o Autor continuou a desenvolver a sua actividade de vendedor; 28. A actual gerência da ré nos meses de Março, Abril e Setembro de 2010 pagou ao autor um montante a título de ajudas de custo, tendo recebido, em cada um desses meses, a quantia global de € 1.070,45; 29. No ano de 2009, o Autor auferiu em média a quantia mensal ilíquida de € 1.515,08; 30. Aquando da comunicação ao Autor da decisão que lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento a ré não havia pago ao autor, o que se mantém até à presente data: 30.1. 5 dias de retribuição referente ao mês de Novembro de 2010; 30.2. 18 dias úteis de férias não gozadas respeitante ao trabalho prestado em 2009; 30.3. 20 dias úteis de férias não gozadas respeitante ao trabalho prestado em 2010; 31. Até Outubro de 2009 a gerência da R. era exercida pelo Sr. J… e a partir de Novembro de 2009 a gerência passou a ser a actual; 32. Os documentos designados pelos n.os 4 a 12 juntos com contestação/reconvenção constituem cópia de recibos da anterior gerência da ré e os documentos designados pelos n.os 13 a 16 juntos com contestação/reconvenção constituem cópias de recibos da actual gerência da ré; 33. Quando a actual gerência tomou conta dos destinos da R., estava esta com ordenados em atraso e à beira da insolvência; 34. Devido a tal situação, a actual gerência disse que para manter os postos de trabalho não era possível continuar a pagar comissões; 35. Medida esta que teve a compreensão e aceitação do autor; 36. Quando isso aconteceu a nova gerência da R., informou também o A. dos objectivos que este tinha e caso os cumprisse lhe daria um prémio de produtividade; 37. As anteriores instalações da R. eram na Zona Industrial de Portimão e passaram a ser no Sítio da Mesquita, que se situa entre Portimão e Lagos; 38. Quando o autor não ia de boleia com a Sra. Engenheira A…, ia em viatura própria; * IV. Enquadramento jurídico Delimitadas supra (sobre o n.º II) as questões essenciais decidendas, é então o momento de analisar e decidir cada uma de per si. 1. Quanto à impugnação da matéria de facto Estipula o artigo 685.º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, que quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados [alínea a)] e os concretos meios probatórios constantes do processo que imponham decisão diversa da recorrida [alínea b)]. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, deve o recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda (n.º 2, do mesmo artigo). A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem elementos de prova que imponham decisão diversa [artigo 712.º, n.º 1, alínea b), do mesmo compêndio legal]. No caso dos autos, seja nas alegações de recurso, seja nas conclusões, o recorrente não especifica em concreto os pontos da matéria de facto que impugna. Com um acrescido esforço – face, sobretudo, ao constante das alegações –, parece ser possível concluir-se que ele impugna a factualidade que consta de 3.5. (ou seja que o Autor/recorrente terá afirmado “O cliente estava muito bem a comprar noutra empresa e fomos buscá-lo para não cumprir/falhar”), 3.8. (que a firma “A…, Lda” afirmou que não fez os pagamentos porque o Autor não passava pela oficina para receber), 3.9., 3.10 a 3.12 (em síntese, que apesar de ter sido dito ao Autor para visitar um cliente, este telefonou posteriormente para a Ré a queixar-se que estava há três semanas a aguardar a visita do vendedor/Autor), 3.15., 3.16 (que havia dias em que o Autor regressava sem os pagamentos que haviam sido acordados anteriormente com os clientes pela Sr. D.ª A…, e que àquele competia cobrar, alegando que os clientes não estavam ou que não haviam sido contactados pela Sr. D.ª A…) e 3.17. (que, por vezes, em dias em que devia deslocar-se a clientes da zona de Olhão e Vila Real de Santo António, o Autor era contactado pela Ré para se deslocar à sua sede e apresentava-se nesse lugar em cinco minutos, o que significa que não se deslocava àqueles clientes e locais). Todavia, se embora com o acrescido esforço é possível descortinar quais os factos que o recorrente impugna – e, assim, que deu cumprimento ao disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 685.º-B, do Código de Processo Civil –, o mesmo já não se verifica em relação à alínea b) do mesmo número e artigo, ou seja, quanto aos concretos meios probatórios que impõem decisão diversa. Com efeito, a este respeito apenas se extrai da alegação do recorrente a existência de discordância entre o constante da matéria de facto dada como provada e a prova (testemunhal) produzida. Ora, como estipula o n.º 2 do artigo 685.º-B, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda. E nos termos do n.º 2 do artigo 522.º-C, do Código de Processo Civil, quando haja lugar a registo áudio – como sucedeu no caso que nos ocupa –, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos. Atente-se que os normativos legais referidos não visam propriamente a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova, tendo antes em vista um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que o recorrente deve assinalar; por isso, não deve o recorrente, quando impugna a matéria de facto fixada na 1.ª instância, limitar-se a fazê-lo de modo genérico, antes se impõe que especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Porém, no caso, o recorrente não indica qualquer passagem da gravação, o que conduz irremediavelmente à imediata rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto. Sem embargo do que se deixa referido, e numa perspectiva de verdade material, sempre se acrescenta que com a impugnação da matéria de facto o que o recorrente parece pôr em causa é apenas o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 655.º do Código de Processo Civil, de acordo com o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Por isso, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal de 1ª instância indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência comum, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado e, então, se for caso disso, proceder à sua alteração. No caso que nos ocupa, como resulta da vasta fundamentação da matéria de facto feita pelo tribunal recorrido, que aqui nos abstemos de transcrever, este indicou, de modo que consideramos exaustivo, o porquê dos factos dados como provados. Assim é que em relação ao facto n.º 3.5. foi afirmado pela testemunha C…, mas negado pela testemunha L…. E procurando esclarecer a divergência dos depoimentos, o tribunal procedeu à acareação das testemunhas em causa, acabando por concluir que o depoimento da testemunha C…, ao contrário do outro depoimento, foi prestado de forma natural, espontânea e com convicção. Para afirmar tal conclusão, o tribunal descreve, inclusive, a postura de cada uma das testemunhas. Pois bem: não competindo a este tribunal, como já se deixou afirmado, proceder a um novo julgamento, mas apenas colmatar eventuais erros pontuais de julgamento e não tendo este tribunal perante si os “participantes” no processo, com uma relação de proximidade que lhe permita obter uma percepção própria e total dos elementos probatórios com vista à decisão, face à fundamentação da 1.ª instância não se vislumbra qualquer motivo para alterar a referida matéria de facto. Atente-se, volta-se a sublinhar, que a 1.ª instância viu e ouviu as testemunhas, apreciou os seus comportamentos não verbais, formulou as perguntas que considerou pertinentes da forma que entendeu ser mais conveniente, após o que respondeu à matéria de facto nos termos em que respondeu. Mas o mesmo se deve concluir em relação à restante factualidade que o recorrente parece impugnar, e em que se verifica contradição entre os vários depoimentos: o tribunal descreveu de modo exaustivo o que foi declarado por cada uma das testemunhas para concluir o porquê de determinados depoimentos (por ex. M…, A… e C…) terem sido considerados isentos e credíveis em detrimentos de outros. Aliás, o recorrente não parece negar que os factos tenham sido afirmados por algumas testemunhas: o que ele pretende é que se desvalorizem esses depoimentos e, em contraposição, se atenda a depoimentos que o tribunal recorrido não considerou credíveis e, assim, se altere a matéria de facto. Porém, tendo em conta o declarado pelas testemunhas, e a fundamentação a este propósito do tribunal recorrido, verifica-se que a matéria de facto encontra suporte na prova produzida, pelo que inexiste fundamento para alterar a mesma. Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. 2. Da licitude ou ilicitude do despedimento do Autor/Recorrente A 1.ª instância, no que merece o aplauso da apelada, considerou, muito em resumo, que o Autor/apelante violou os deveres de obediência, zelo e diligência, e que sendo tal violação grave, gerou uma impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral. Outro é o entendimento do apelante que sustenta, ao fim e ao resto, que não praticou determinados factos que o tribunal deu como provados – questão já abordada supra – e, enfim, que face à inexistência na relação laboral de factos ilícitos e culposos da sua parte não se verifica justa causa de despedimento. Cumpre decidir. Refira-se, desde logo, que tendo os factos imputados ao Autor/apelante ocorrido em 2010, ao caso é aplicável a Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro de 2009 (Lei que aprova a revisão do Código do Trabalho). Com efeito, resulta do disposto no artigo 7.º, n.º 1 da referida Lei, que ficam sujeitos ao seu regime os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento. Logo, tendo-se os factos que fundamentaram o despedimento passado na vigência da referida lei, é o respectivo regime jurídico aqui aplicável. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 351.º do Código do Trabalho de 2009, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. A referida noção de justa causa corresponde à que se encontrava vertida no artigo 9.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) e, posteriormente, no n.º 1, do artigo 396.º, do Código do Trabalho de 2003 e pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho; (iii) a verificação de um nexo de causalidade entre o referido comportamento e tal impossibilidade. A ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão. Relativamente à culpa, a mesma deve ser apreciada segundo o critério do artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, pela diligência de um bónus pater família, em face das circunstâncias de cada caso, o mesmo é dizer, de acordo com “um trabalhador médio, normal” colocado perante a situação concreta em apreciação. Quanto à impossibilidade de subsistência do vínculo, a mesma deve reconduzir-se à ideia de inexigibilidade da manutenção do contrato por parte do empregador, tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido de que deve relacionar-se com o caso em concreto, e deve ser imediata, no sentido de comprometer, desde logo, o futuro do vínculo. Verifica-se a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. Como assinala a propósito Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 55), «[n]ão se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo(...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (termo aposto ao contrato, sanções disciplinares conservatórias)”. No dizer do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-02-2008 (disponível em www.dgsi.pt, sob doc. 07S3906), «[a] aferição da não exigibilidade para o empregador da manutenção da relação de trabalho, deve, aquando da colocação do problema em termos contenciosos, ser perspectivada pelo tribunal com recurso a diversos tópicos e com o devido balanceamento entre os interesse na manutenção do trabalho, que decorre até do postulado constitucional ínsito no art. 53.º do Diploma Básico, e da entidade empregadora, o grau de lesão de interesses do empregador (que não deverão ser só de carácter patrimonial) no quadro da gestão da empresa (o que inculca também um apuramento, se possível, da prática disciplinar do empregador, em termos de se aquilatar também da proporcionalidade da medida sancionatória imposta, principalmente num prisma de um tanto quanto possível tratamento sancionatório igualitário), o carácter das relações entre esta e o trabalhador e as circunstâncias concretas – quer depoentes a favor do infractor, quer as depoentes em seu desfavor – que rodearam o comportamento infraccional». Importa ter presente, volta-se a acentuar, que se deverá proceder a uma apreciação em concreto da situação de facto, seleccionando os factos e circunstâncias a atender e valorando-os de acordo com critérios de muito diferente natureza – éticos, organizacionais, técnico-económicos, gestionários, de ordem sócio-cultural e até afectiva -, designadamente atendendo, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostre relevantes, e aferindo a culpa e a gravidade do comportamento do trabalhador e o juízo de prognose sobre a impossibilidade de subsistência da relação laboral em consonância com o entendimento de “um bom pai de família” ou de um empregador normal ou médio, em face do caso concreto, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade (cfr. n.º 3 do artigo 351.º). No caso em apreciação, ao trabalhador/ora recorrente foi imputada a violação dos deveres de zelo e diligência, de obediência e de não guardar lealdade ao empregador [alíneas c), e) e f), do nº 1, do artigo 128.º, do Código do Trabalho]. Como resulta da matéria de facto, o recorrente desempenhava na Ré as funções de vendedor, competindo-lhe, além do mais, contactar clientes tendo em vista a realização de vendas da empregadora e receber dos mesmos pagamentos referentes a essas vendas efectuadas. Ora, desde logo, a afirmação do Autor referente a um cliente, e na presença deste, “[o] cliente estava muito bem a comprar noutra empresa e fomos buscá-lo para não cumprir/falhar” (facto n.º 3.5) é reveladora de alguma desconsideração perante a sua entidade empregadora. Na verdade, ao trabalhador incumbia, em primeiro lugar, internamente procurar resolver o “problema” suscitado no fornecimento de bens àquele cliente, tanto mais que, como se extrai da matéria de facto, ele funcionava também como interlocutor imediato entre os clientes que contactava e a empresa. A referida afirmação do trabalhador, sem qualquer outro circunstancialismo apurado que a justificasse, mais não representa do que um desrespeito para com a sua empregadora, susceptível de afectar a imagem desta e até a produtividade e sucesso da mesma. Além disso, tendo o recorrente sido incumbido de visitar determinados clientes, seja para receber encomendas, seja para pagamentos das mesmas (cfr. factos 3.8. a 3.12., 3.15 e 3.16.), o certo é que não cumpria o ordenado com o zelo e a diligência devidas, uma vez que clientes havia que aguardavam durante mais de três semanas pelo Autor/vendedor; verificando-se, cada vez mais, uma grande competitividade das empresas na procura de novos mercados e clientes, a demora do Autor no contacto a clientes (alguns deles novos), ou até o não contacto, são reveladores não só da violação do dever de obediência (ao não cumprir o ordenado), como também da violação dos deveres de zelo e diligência na realização do trabalho, uma vez que a falta de “visitas/contactos” do Autor aos clientes, ou atrasos nas mesmas eram susceptíveis de pôr em causa a manutenção das relações comerciais da Ré com aqueles clientes. Revelador também do não cumprimento dos deveres de zelo e diligência por parte do trabalhador é o facto deste afirmar a um cliente que para a montagem dos vidros tinha que aguardar 2 a 3 meses, quando essa montagem poderia ser feita no prazo de 2 ou 3 dias (cfr. factos 3.20. a 3.22); desempenhando o Autor as funções de vendedor e encontrando-se a Ré em má situação financeira, tem-se por adquirido que o referido comportamento em nada contribuía para a melhoria da empresa, pois com o mesmo, em vez de angariar clientes, o Autor acabava por lesar a imagem da empresa e, assim, afastar potenciais clientes. Concluindo-se, pois, que o apelante violou os deveres de obediência e de realização do trabalho com zelo e diligência, e, assim, que teve um comportamento ilícito e culposo, a questão que ora se coloca consiste em saber se tal violação assume gravidade e consequências que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral. Como já se deixou aludido supra, esta deve reconduzir-se à ideia de inexigibilidade da manutenção do contrato por parte do empregador, no sentido de perante o caso concreto estar irremediavelmente comprometida a manutenção do vínculo no futuro. Para tanto, terá que se ponderar se face ao comportamento em causa existirá suporte psicológico mínimo para a empregadora manter o vínculo laboral; isto é, como assinala Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 384) para determinar se os deveres laborais que o trabalhador violou assumem gravidade que constituam justa causa para o respectivo despedimento, deverá fazer-se um juízo casuístico, “guiado por uma ideia de proporcionalidade e de justiça individualizante”. No caso em apreciação, volta-se a acentuar, o trabalhador desempenhava as funções de vendedor: era ele a “primeira imagem” da empresa. Ora, se ele não contactava com a diligência devida os clientes, se não procurava angariar novos clientes, se não procurava receber dos clientes o pagamento de encomendas, não se vislumbra como pode ser possível à empregadora manter no seu seio o trabalhador. Na verdade, como pode a empregadora fazer um juízo de prognose favorável à manutenção da relação de trabalho, se os vários comportamentos do trabalhador que desencadearam a instauração do procedimento disciplinar põem claramente em causa que este realize o trabalho com zelo e diligência e que zele pelos interesses da mesma? Tais comportamentos, face às funções desempenhadas pelo Autor, não podem deixar de se considerar graves, na medida em que, não obstante a antiguidade do trabalhador na empresa, colocam em causa o cumprimento de deveres essenciais do Autor enquanto trabalhador da Ré. Nesta sequência, não obstante a sanção aplicada ao apelante – de despedimento com justa causa – se apresentar como a mais gravosa, no caso entende-se que não era possível à apelada manter ao seu serviço aquele e, por consequência, que a sanção aplicada (despedimento) se mostra adequada. Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso. E assim sendo, como se entende, fica prejudicada a última questão supra equacionada, ou seja, saber se as comissões que eram pagas ao Recorrente pela anterior gerência da Recorrida devem integrar o valor da retribuição a atender na fixação da indemnização de antiguidade. Não havendo lugar ao pagamento de indemnização, não há que apurar se as comissões que eram pagas integram ou não a retribuição (cfr. artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Vencido no recurso, deverá o trabalhador/apelante suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Isto sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido. V. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por João António do Sacramento Avelino e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas pelo apelante. Évora, 29 de Março de 2012 (João Luís Nunes) (Acácio André Proença) (Joaquim Manuel Correia Pinto) |