Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | HELENA BOLIEIRO | ||
Descritores: | DESOBEDIÊNCIA NÃO ENTREGA DA CARTA DE CONDUÇÃO PRISÃO EFECTIVA | ||
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Data do Acordão: | 09/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - A incriminação do artigo 348º, nº 1, al. b), do Código Penal, é aplicável à não entrega do título de condução, no prazo legal previsto, para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tendo sido fixada jurisprudência (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 2/2013) no sentido de que a obrigação de entrega do título de condução derivada da lei, nos termos estipulados nos artigos 69º, nº 3, do Código Penal, e 500º, nº 2, do C. P. Penal, deve ser reforçada, na sentença, com a ordem do juiz para entrega do título, no prazo legal previsto, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência em causa. II - O arguido revela uma personalidade refratária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito, sendo certo que a aplicação de sucessivas penas não privativas e privativas da liberdade não têm obstado à prática de crimes de vária natureza, e sendo também certo que o arguido não apresenta um projeto de vida assente na criação de estratégias normativas de interação comunitária. As vulnerabilidades do seu percurso de vida tornam imprevisível a sua capacidade de efetivação de mudança no sentido pró-social. Por tudo isso, não é possível concluir que o não cumprimento efetivo da pena de prisão, fosse de que forma fosse, seja capaz de realizar de modo adequado e suficiente as finalidades da punição. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal (2.ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal do Entroncamento - Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, do arguido P, com os demais sinais dos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. Realizado o julgamento, na ausência do arguido, foi proferida sentença na qual a 1.ª instância julgou a acusação totalmente procedente e, em consequência, decidiu condenar P pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, numa pena de 10 (dez) meses de prisão. 2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido P que, no termo da respetiva motivação, formulou as seguintes conclusões (transcrição, com exclusão da reprodução do texto da sentença recorrida): “A. O presente recurso nasce da inconformidade do arguido/ ora recorrente, com a sentença proferida em 21 de Janeiro de 2025, que é objeto do presente recurso, na qual o ora recorrente foi condenado como autor material e na forma consumada numa pena de dez meses de prisão efetiva pela prática, de um crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348,º nº 1 alínea b) do Código Penal, condenação essa que teve por base a seguinte factualidade constante da acusação pública e dada como provada na sentença, para lá do mais, a seguinte no que respeita ao crime de que vinha acusado: (…) B.- A factualidade constante da acusação pública e os factos dados como provados na douta sentença não consubstanciam a prática de um crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º, alínea b) do Código Penal. C.- Para a verificação do crime, para além do que se estabelece no corpo do nº 1, é necessário que, em alternativa, se verifique ainda o condicionalismo de alguma das alíneas desse número. D.- O tipo objetivo de ilícito fica preenchido com o ato de falta de obediência, por ação ou omissão, desde que esta seja devida, designadamente por a ordem ser legítima, emanada de quem tenha competência para o efeito e regularmente chegada ao conhecimento do destinatário, entendendo-se aqui que terá de haver condições para que este último se possa inteirar efetivamente da ordem emitida, por forma a fundar-se o respetivo dolo. E.- Pelo que tem que existir assim uma disposição legal que expressamente comine a incriminação ou, na ausência de tal norma, a autoridade ou o funcionário que emite a ordem tem de realizar de forma expressa a referida cominação, tendo de ser legitima essa ordem. F. A cominação feita pela Mmª Juiz na sentença não cumpre o critério de legalidade em virtude de nem o artigo 500º, n.º 2 do CPP nem o artigo 69º, n.º 3 do Código Penal, cominarem a não entrega da carta de condução com a prática do crime de desobediência. G. Os aludidos preceitos normativos que regulam a execução da proibição de conduzir, não sancionam com o crime de desobediência a falta de entrega da carta de condução, pelo que resulta assim claramente de tais normas que o legislador previu expressamente para a falta de cumprimento da entrega voluntária da licença de condução, a sua apreensão. H.- Ora se o legislador prevê que a não entrega voluntária da carta de condução, tem como consequência a sua apreensão, parece-nos que a cominação da prática de um crime de desobediência para a conduta da sua não entrega, contraria manifestamente o sentido da norma, uma vez que o intérprete deve presumir na determinação do sentido e alcance da lei, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e consagrou as soluções mais acertadas. (artigo 9.º Código Civil). I.- Significa isto claramente que no caso em análise se fosse intenção do legislador, cominar o crime de desobediência para a não entrega da carta de condução, tê-lo-ia dito expressamente, pelo que, estando pois na disponibilidade do arguido a entrega voluntária da carta, não podia a Mmª juiz, substituir-se ao legislador, fazendo a referida cominação, não sendo quanto a nós válido o argumento de que tal incriminação consta do artigo 160º, n.º 3 do Código da Estrada, e que como tal a legitimidade da Mmo. Juiz em cominar com a prática do crime de desobediência, decorreria desta norma, e que por isso poderia haver lugar à punição nos termos da alínea a) do artigo 348º, n.º 1 do Código Penal. J.- Neste sentido vide Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/04/2010, Proc. 253/08.6TVAGS.C1, de 14/10/2009, Proc. 513/05.8TAOBR.C1, 22/10/2008, Proc. 43/08.6TAALB.C1, L.- Daí que se conclua que a cominação feita pela Mma Juiz na sentença proferida no processo carece de suporte legal pelo que terá de concluir-se que não está demonstrada a legalidade substancial ficando por preencher um dos elementos objetivos do crime de desobediência, devendo o arguido ser absolvido da prática do crime pelo qual foi condenado. Sem prescindir, M.- No âmbito dos presentes autos, não resulta provado que no processo n.º 69/23.0GAENT que correu termos pelo Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica do Entroncamento do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi aplicada a sanção acessória de proibição de conduzir, o arguido tenha sido notificado para audição a fim de se apurar as razões do incumprimento da pena acessória que lhe foi aplicada nos autos, em cumprimento do que preceitua o artigo 495º, n.º 2 do Código de Processo Penal. N.- A observância do princípio do contraditório, estabelecido no artigo 32º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, consubstancia-se no dever do juiz ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido a intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e argumentos jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os atos suscetíveis de afetarem a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica. O.- A falta de audição pessoal e presencial do arguido, naquele processo, e no que se refere à não entrega da carta de condução no prazo fixado na sentença constitui nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal, que expressamente se invoca. P.- O presente recurso visa ainda a pena aplicada ao recorrente pela prática do crime, com a qual não se conforma por considerar a pena aplicada excessiva, desproporcional, desajustada e contrária aos princípios que regem o direito penal, violando o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, parecendo-nos, com o devido respeito, que o Tribunal “a quo” deu maior ênfase às razões de prevenção especial em detrimento das de prevenção geral, fundamentando para tanto que é necessário neutralizar a conduta do arguido e reinseri-lo socialmente. Q.- Os factos que deram origem às condenações anteriores, bem como os factos em causa nos presentes autos, não tiveram grande impacto na comunidade e no meio, por terem ocorrido fora da área de residência do arguido, que apresentava uma postura discreta, sendo a sua presença tolerada pelos vizinhos, com quem mantinha uma atitude cordial. R.- Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor, do arguido e contra ele, designadamente o modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao arguido (grau de ilicitude do facto); a intensidade do dolo; os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e os sentimentos manifestados as condições pessoais e económicas do agente; a conduta anterior e posterior ao facto e ainda a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. S.- O arguido sofreu apenas uma condenação em pena de multa pelo mesmo tipo de crime em que veio a ser condenado nos presentes autos, por sentença proferida em 4 de Julho de 2016, portanto quase há dez anos. T.- O Tribunal na sentença consignou que as necessidades de prevenção geral são medianas e que as necessidades de prevenção especial é que são já elevadas, no sentido de neutralizar a conduta do arguido e reinseri lo socialmente. U.- Neste sentido a jurisprudência refere também que, à culpa, nos termos dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, não cabe fornecer a medida da pena, mas o limite máximo que em caso algum pode exceder, funcionando como antagonista da prevenção, pois que quaisquer que sejam as necessidades de prevenção, jamais estas poderão superar a medida da culpa. V.- A culpa fornecerá assim a moldura punitiva de topo, dentro dela atuando as submolduras da prevenção geral e especial, e bem assim todas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depõem a favor ou contra o agente. X.- Constituindo as exigências de prevenção geral o limite mínimo da pena e a culpa do agente o seu limite máximo, a medida concreta da pena deve ter em consideração a finalidade de prevenção especial, de ressocialização do arguido ou de suficiente advertência, no sentido de retirar este agente do caminho criminoso. X.- Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos e da reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe só o mal necessário, em homenagem ao princípio da subsidiariedade do direito penal, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura penal assim encontrada. Z.- E por mais repugnante que seja o crime, por mais dramáticos que sejam os seus efeitos, por maiores que sejam as necessidades de prevenção, nunca pode ser infligida ao arguido uma pena que vá para além dos limites impostos pela medida da sua culpa. AA.- E nos presentes autos, com o devido respeito por opinião diversa, parece-nos que a pena em que o arguido foi condenado ultrapassa largamente os limites da sua culpa. BB.- O Tribunal deveria ter condenado o recorrente numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, que deveria ter sido uma pena de multa, e não pena de prisão. CC.- Com efeito, o Tribunal salientou factos importantes para esta opção, entre os quais: - que entre todas as suas condenações existe um significativo lapso temporal, - o arguido não evidencia uma personalidade frontalmente desconforme ao Direito, - beneficiando ainda da sua inserção familiar. DD.- Pelo que foram violados os artigos 40º, 70º, 71º, n.º 1 do Código Penal. EE.- De todo o modo e mesmo que os Venerandos Juízes Desembargadores entendam ser de aplicar pena de prisão, deveria a mesma ter sido aplicada uma pena de substituição. FF.- Com efeito, o artigo 58.º, n.º 1, dispõe que «Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição». GG.- Esta pena consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade (artigo 58º, n.º 2 do Código Penal). HH.- Exigindo-se a adesão do arguido a esta pena, ela só pode ser aplicada com aceitação do mesmo (artigo 58º, n.º 5 do Código penal), que o Recorrente manifesta desde já aceitar e que sempre poderia ser obtido através da notificação do mesmo para o prestar, pessoalmente. II.- A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção integral das suas ligações familiares, profissionais e económicas, ou seja, a sua integração social; por outro lado, com não menor importância, esta pena tem um conteúdo socialmente positivo, enquanto se traduz numa prestação ativa a favor da comunidade. JJ. Afigura-se-nos, que se verificam os pressupostos materiais, essencialmente pelas mesmas razões que conduziram ao afastamento da multa de substituição, realçando-se a profunda insensibilidade do arguido ao efeito das penas não detentivas anteriormente aplicadas. LL.- A substituição da pena de prisão, quer por multa, quer por prestação de trabalho a favor da comunidade, cumprem, no caso concreto, o objetivo de intimidação e aprofundamento da validade e eficácia das normas penais pelos cidadãos em geral e pelo arguido em partícula. MM.- No entanto, caso os Venerandos Juízes Desembargadores entendam não estar verificados os requisitos para aplicação das aludidas penas de substituição, resta a possibilidade de suspender a execução da pena de prisão. NN.- De acordo com o regime jurídico dessa pena de substituição, previsto nos artigos 50º a 57º do Código Penal e nos artigos 492º a 495º do Código de Processo Penal, a pena de prisão fixada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa na execução se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. OO.- Significa isto que pressuposto material da aplicação dessa pena de substituição é a existência de um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu comportamento futuro. PP.- Para decidir sobre a suspensão da execução da pena, o tribunal começará, pois, por um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente, decidindo depois em conformidade com o que resultar dessa previsão, só devendo decretar a suspensão da execução quando concluir, face aos apontados elementos, reportados ao momento da decisão, que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. QQ.- No caso concreto, há que ponderar que o arguido está inserido profissionalmente, RR.- Cremos que, perante o conteúdo intimidatório inerente à ameaça de execução da pena de prisão, o mesmo terá capacidade para se manter afastado do cometimento de novos crimes, havendo, pois, uma esperança suficientemente fundada de que a ressocialização em liberdade poderá ser alcançada. SS.- A aplicação do instituto da suspensão, atento o efeito intimidatório que lhe está associado, não constituirá motivo de apreensão comunitária, pelo que as exigências de prevenção geral não se opõem determinantemente a tal opção. TT.- Justifica-se, assim, a formulação de um juízo de prognose favorável, com a consequente suspensão da execução da pena de prisão. UU) Pelo exposto, o tribunal “a quo” violou e não observou o disposto nos artigos 50.º, 70.º; 71.º e 72.º al. c) todos do Código Penal. VV) Em face do exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, ser revogada a douta decisão que condenou o arguido na pena de dez meses de prisão efetiva, por ser excessiva, desproporcional e desajustada às finalidades da punição. Nestes termos e nos mais de direito V.Exas., doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada absolvendo-se o Recorrente da prática do crime de desobediência. Se assim, não for o entendimento de V.Exas, , deverá a douta sentença ser revogada e proferido acórdão que aplique pena de multa ou em caso de pena de prisão, efetuar a substituição da pena de prisão por pena de multa ou trabalho a favor da comunidade. E ainda, V. Exas., assim não entendam, estar verificados os requisitos para aplicação de penas de substituição, deverão V.Exas., dar provimento ao recurso, ainda que parcialmente, substituindo a pena de prisão pela suspensão com regime de prova. Assim, se fazenda a acostumada Justiça!”. 3. Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou resposta em que pugna pelo seu não provimento e formula as seguintes conclusões (transcrição): “1. Encontra-se preenchido o elemento objetivo do crime de desobediência; 2. A condenação do arguido na pena de 10 meses de prisão mostra-se conforme às exigências punitivas cabidas ao caso; 3. Os antecedentes criminais do arguido revelam a total ineficácia de qualquer outra pena que não a prisão efetiva para satisfazer as necessidades punitivas; 4. Com efeito do comportamento do requerente não se extrai qualquer facto que permita concluir por um prognóstico favorável em relação ao mesmo pois o mesmo não demonstrou qualquer arrependimento pelos factos por que foi condenado nem deu qualquer sinal de onde o Tribunal possa extrair a conclusão de que interiorizou, finalmente, a gravidade, ilegitimidade e absoluta reprovação de que a sua reiterada conduta é merecedora. 5. A opção pela pena de prisão efetiva mostra-se, assim, plenamente justificada e fundamentada”. 4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (doravante, CPP), emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida. 5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não foi apresentada resposta. 6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre agora decidir. * II – Fundamentação 1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[1], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[2]. Atentas as conclusões apresentadas no recurso, as questões a decidir são as seguintes: - Preenchimento dos pressupostos do imputado crime de desobediência. - Opção pela pena alternativa de multa. - A excessiva medida da pena de prisão. - Substituição da pena de prisão pela de multa ou, se assim não se entender, pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. - Suspensão da execução da pena de prisão. * 2. A sentença recorrida. 2.1. Na sentença proferida pela 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): “Da acusação pública 1. No dia 19 de maio de 2023, no âmbito do processo n.º 69/23.0GAENT, que correu termos no Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica do Entroncamento do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena acessória de proibição de condução de veículos a motor, pelo período de 4 meses e 15 dias. 2. Naquela decisão o arguido foi advertido que tinha de entregar a sua carta de condução no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão, sob pena, de não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência. 3. A sobredita sentença, proferida na presença do arguido, transitou em julgado no dia 19 de Junho de 2023. 4. Apesar da cominação efetuada, de que ficou ciente, o arguido não acatou tal ordem e não entregou a sua carta de condução no prazo de 10 dias, que terminou em 29 de junho de 2023, tendo sido ordenada a sua apreensão. 5. Ao não proceder à entrega da sua carta de condução no prazo que lhe foi fixado para o efeito, quando tal lhe havia sido ordenado em sentença criminal proferida por Juiz de Direito e após ter sido advertido de que incorria em responsabilidade criminal se o não fizesse, estava o arguido ciente de que não acatava uma ordem que lhe tinha sido regularmente transmitida por quem para tal tinha legitimidade, assim pondo em causa a autoridade subjacente à mesma, o que representou e realizou. 6. O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Dos confrontos com o sistema de Justiça 7. Ao arguido são conhecidas as seguintes condenações: a) Por decisão proferida em 27 de fevereiro de 2003 e transitada em julgado em 14 de março de 2003 no proc. n.º 215/00.1PAENT foi condenado pela prática, em 9 de junho de 2000, de um crime de falsificação de documentos, numa pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 2,00 €, extinta por prescrição em 29 de abril de 2011. b) Por decisão proferida em 12 de dezembro de 2003 e transitada em julgado em 9 de janeiro de 2004 no proc. n.º 265/02.3GCABF foi condenado pela prática, em 14 de outubro de 2002, de um crime de ofensa à integridade física simples, numa pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, extinta pelo cumprimento em 16 de Abril de 2007. c) Por decisão proferida em 16 de Fevereiro de 2004 e transitada em julgado em 2 de Março de 2004 no proc. n.º 25/01.9GAENT foi condenado pela prática, em 5 de Fevereiro de 2001, de um crime de falsificação de documentos, numa pena de 420 dias de multa, à taxa diária de 3,00 €, extinta por prescrição em 1 de Outubro de 2010. d) Por decisão proferida em 26 de Outubro de 2004 e transitada em julgado em 10 de Novembro de 2004 no proc. n.º 267/02.0GCABF foi condenado pela prática, em 13 de Outubro de 2002, de um crime de ameaça e de um crime de burla, numa pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 4,00 €, extinta pelo cumprimento em 27 de Junho de 2007. e) Por decisão proferida em 22 de Dezembro de 2004 e transitada em julgado em 20 de Abril de 2006 no proc. n.º 116/01.6PAENT foi condenado pela prática, em 20 de Abril de 2001, de um crime de falsificação de documentos, um crime de furto e um crime de burla na forma tentada, numa pena de 550 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, extinta por prescrição em 28 de Março de 2011. f) Por decisão proferida em 10 de Outubro de 2011 e transitada em julgado em 11 de Novembro de 2011 no proc. n.º 351/11.9GBTNV foi condenado pela prática, em 1 de Outubro de 2011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 75 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, convertida em 49 dias de prisão subsidiária, por decisão transitada em julgado em 22 de Setembro de 2014 e extinta pelo cumprimento em 4 de Novembro de 2015, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses e 15 dias, extinta pelo cumprimento em 29 de Abril de 2013. g) Por decisão proferida em 18 de Junho de 2012 e transitada em julgado em 3 de Setembro de 2012 no proc. n.º 58/12.0GBGLG foi condenado pela prática, em 13 de Março de 2012, de um crime de roubo, numa pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova por 4 anos. h) Por decisão proferida em 17 de Abril de 2013 e transitada em julgado em 17 de Maio de 2013 no proc. n.º 44/12.0GAACN foi condenado pela prática, em 15 de Fevereiro de 2012, de um crime de detenção ilegal de arma, numa pena de 8 meses de prisão, a qual, em cúmulo jurídico com a pena do proc. n.º 58/12.0GBGLG foi fixada numa pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, com sujeição a deveres. i) Por decisão proferida em 30 de Setembro de 2013 e transitada em julgado em 28 de Novembro de 2013 no proc. n.º 151/12.9PATNV foi condenado pela prática, em 1 de Março de 2012, de um crime de furto, numa pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade. j) Por decisão proferida em 21 de Abril de 2016 e transitada em julgado em 23 de Maio de 2016 no proc. n.º 151/12.9PATNV foi condenado, em cúmulo jurídico com as penas aplicadas nos proc. n.º 44/12.0GAACN e 58/12.0GBGLG, numa pena de 4 anos e 4 meses de prisão efetiva, tendo tal pena sido declarada extinta pelo cumprimento em 8 de Março de 2023 com efeitos a 26 de Abril de 2022, no proc. n.º 522/14.6TXEVR-A. k) Por decisão proferida em 22 de Novembro de 2013 e transitada em julgado em 6 de Janeiro de 2014 no proc. n.º 483/12.6PAENT foi condenado pela prática, em 22 de Março de 2013, de um crime de ofensa à integridade física, numa pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, convertida em 133 dias de prisão subsidiária, por decisão transitada em julgado em 20 de Abril de 2016 e extinta pelo cumprimento em 21 de Novembro de 2016. a. Por decisão proferida em 8 de Abril de 2014 e transitada em julgado em 3 de Setembro de 2014 no proc. n.º 376/13.0PATNV foi condenado pela prática, em 20 de Setembro de 2013, de um crime de detenção de arma proibida, de um crime de sequestro e de dois crimes de roubo qualificado, numa pena única de 6 anos e 10 meses de prisão, sendo que por decisão proferida em 23 de Fevereiro de 2023 no proc. n.º 522/14.6TXEVR-A foi concedida liberdade condicional desde essa mesma data e com duração igual à do tempo de prisão a cumprir, até 26 de Março de 2025. l) Por decisão proferida em 4 de Julho de 2016 e transitada em julgado em 19 de Setembro de 2016 no proc. n.º 490/14.4TATNV foi condenado pela prática, em 31 de Outubro de 2013, de um crime de desobediência, numa pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, convertida em 60 dias de prisão subsidiária, por decisão transitada em julgado em 6 de Março de 2019 e extinta pelo cumprimento em 15 de Janeiro de 2020. m) Por decisão proferida em 19 de Maio de 2023 e transitada em julgado em 19 de Junho de 2023 no proc. n.º 69/23.0GAENT foi condenado pela prática, em 3 de Maio de 2023, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, numa pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 horas de trabalho e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 4 meses e 15 dias. Das condições de vida do arguido 8. Para elaboração do relatório social solicitado nestes autos, não tendo sido possível à DGRSP encontrar o arguido na morada fixada, a mesma entidade contactou a GNR de Alcanena, em 10 de Setembro de 2024, tendo sido obtida resposta de que o arguido não tem sido visto no concelho pelos elementos daquele posto. 9. Na sequência do relatório de incumprimento no âmbito de acompanhamento da liberdade condicional do arguido, datado em 9 de Setembro de 2024, nomeadamente no que diz respeito à fixação de residência e a não se ausentar da mesma por mais de 10 dias, a DGRSP sugeriu ao TEP averiguar o paradeiro do arguido via SIRENE, tendo obtido informação em 15 de Outubro de 2024 de que naquele Gabinete nada consta. 10. A ex-companheira do arguido referiu à DGRSP que não o vê desde Agosto de 2024. 11. Paulo Gaivoto, de 49 anos de idade, é o mais novo de quatro irmãos e desenvolveu a sua personalidade num ambiente de escassos recursos económicos. O pai apresentava problemas de alcoologia, tendo vindo a falecer devido a cirrose hepática, situação análoga a um dos irmãos. Ainda assim, apesar dos comportamentos aditivos do pai, o arguido tem recordações positivas da infância. 12. Em termos de relacionamentos, o arguido viveu em união de facto, durante cinco anos e meio, com S. No âmbito deste relacionamento teve uma filha. O término desta relação veio a ocorrer aquando da prisão preventiva do arguido no âmbito do processo n. º 58/12.0GBGLG, altura em que a filha e a companheira vão integrar o agregado da mãe desta. 13. Posteriormente, em contexto de reclusão e desde 1 de Maio de 2021, iniciou relacionamento afetivo com F, através da rede social Facebook. Este relacionamento decorreu ainda durante o benefício de licenças de saída administrativa e na liberdade condicional do arguido, cujo término ocorreu balizado por um processo judicial por crime de violência doméstica, na pessoa de F, tendo P sido absolvido. 14. O arguido e F reataram o relacionamento em Junho de 2024, cujo fim veio a ocorrer definitivamente em Agosto de 2024. 15. O arguido residiu na Rua (…..), em Alcanena, morada do agregado familiar de origem, onde coabitavam também a mãe e um irmão. Posteriormente, em situação de liberdade condicional, foi viver para a casa arrendada da namorada, F, sita na Rua (……), concelho de Alcanena. Nesta morada coabitavam também dois filhos menores desta, de um anterior relacionamento. 16. P encontra-se habilitado com o 6.º ano de escolaridade, altura em que abandonou os estudos. No seu percurso escolar registou duas retenções no 4.º ano e no 5.º ano. Em contexto de reclusão veio a concluir o EFA 2/3, no ano letivo 2014/2015 e frequentou o curso profissional de canalização – FMC. 17. O arguido iniciou o seu percurso profissional aos 15 anos como empregado fabril, interrompendo essa atividade quando foi cumprir o serviço militar obrigatório. Posteriormente trabalhou numa empresa de distribuição e nos vários períodos interpolados de desemprego, exerceu atividades profissionais indiferenciadas, nomeadamente na base da entidade comercial denominada Mini Preço, através de empresas de trabalho temporário. A sua sustentabilidade económica dependia da sua mãe. 18. Aos oito anos inicia a prática de futebol, modalidade desportiva que desenvolveu, até à idade adulta, em vários clubes. Posteriormente não lhe são conhecidas atividades estruturadas. 19. No que respeita aos comportamentos aditivos, é referenciado relativamente a consumos de bebidas alcoólicas, cujo hábito passou a ser mais intenso as partir do ano de 2011. 20. Esses consumos limitavam a capacidade do arguido ao nível do autocontrolo e pensamento consequencial, não conseguindo avaliar antecipadamente os resultados dos seus atos, o que o levou à situação de reclusão. No âmbito desta problemática o arguido beneficiou de apoio e acompanhamento do CRI – Equipa de Tratamento de Abrantes. 21. Iniciou período de reclusão em 24 de Setembro de 2013, à ordem do processo 376/13.0PATNV. 22. No histórico do período de reclusão afere-se que adotou uma postura de adequação comportamental, refletindo sobre os danos causados. Participou no grupo de trabalho da realização do jornal do Estabelecimento Prisional e do grupo de teatro. Trabalhou como faxina da zona prisional, na lavandaria e no setor da padaria. Revelou assiduidade e empenho nas tarefas confiadas. Em todas estas atividades demostrou empenho, interesse e motivação. 23. P em contexto de reclusão foi verbalizando um discurso com capacidade de censura face ao seu comportamento delituoso, conseguindo refletir acerca das consequências do mesmo para a as vítimas e quanto aos bens jurídicos. Verbalizou ainda sentimentos de arrependimento, assumindo os danos emocionais que causou a si próprio e à sua dinâmica familiar. Neste contexto visualiza e desculpabiliza a sua prática criminal como uma sucessão de episódios circunstanciais, associada a constrangimentos de ordem financeira resultantes de situação de desemprego e fase aguda de consumos alcoólicos, que segundo o arguido se encontravam ultrapassados. 24. Posteriormente, beneficiou da liberdade condicional, concedida à ordem do processo nº 522/14.6TXEVR-A, de 23 de Fevereiro de 2023 a 26 de Março a 2025. Neste âmbito, bem como no processo n.º 69/23.GANT, onde foi condenado a prestação de trabalho comunitário, esteve em acompanhamento pela DGRSP, com a equipa do Médio Tejo, desde o dia 27 de Fevereiro de 2023 até 9 de Setembro de 2024, data a partir da qual se desconhece a residência e paradeiro do arguido. 25. A última entrevista presencial nos serviços de reinserção foi realizada em 5 de Agosto de 2024. 26. Em termos comunitários e no concelho de Alcanena, onde sempre viveu, a imagem de P é desfavorável, os seus registos criminais são perfeitamente identificáveis na comunidade e existe a imagem de ser um individuo muito influenciável por alguns elementos da rede de convivialidade que frequentava aquando em liberdade. 27. P apresenta como características pessoais algumas dificuldades ao nível da antecipação mental das consequências dos seus comportamentos e revela escassa capacidade de tolerância à frustração, principalmente em situações complexas em termos emocionais. 28. De acordo com informação do Núcleo de Investigação Criminal da PSP de Santarém, não foram detetados factos dignos de nota, relativamente ao arguido, desde Maio de 2023. 29. O arguido consta como proprietário dos veículos com matrícula (…...), (…..) e (…..), não lhe sendo conhecido património imóvel. 30. Ao arguido não são conhecimentos rendimentos de trabalho dependente nem de benefícios sociais”. 2.3. Por sua vez, o tribunal a quo escreveu na sentença recorrida que não existem factos não provados. 2.4. Por fim, na sentença recorrida consta a seguinte motivação da decisão sobre a matéria de facto (transcrição dos aspetos relativos ao caso concreto): “(…) Assim, na formação da sua convicção o Tribunal teve em consideração os elementos documentais constantes dos autos, mais concretamente, a certidão extraía do proc. n.º 69/23.0GAENT, a fls. 3 a 13, que suporta integralmente a matéria de facto tal como descrita, nomeadamente a condenação sofrida pelo arguido, a advertência que lhe foi feita quanto à entrega da carta de condução e a ausência de entrega da mesma até ao dia 2 de Novembro de 2023. Analisado tal elemento, numa ótica daquelas que são regras da lógica e da experiência comum, não teve o Tribunal dúvidas em fixar a matéria de facto nos termos em que o fez. Mais, não foram trazidas quaisquer razões, nomeadamente por parte do arguido, para concluir de forma diversa. Já no que se refere aos factos provados atinentes ao conhecimento e vontade do arguido no cometimento dos factos, é certo que os mesmos traduzem uma manifestação de consciência apenas percetível pelo próprio sujeito. Contudo, a mesma tem-se por evidente, lógica e necessária em face da análise dos factos objetivos que o antecedem. Com efeito, entende-se que «a verificação de estados psíquicos atinentes ao preenchimento dos elementos subjetivos dos tipos de ilícito criminal não é passível, por norma, de qualquer demonstração direta: não existindo confissão do próprio agente, tais estados são apenas revelados por indícios que as regras da experiência e da lógica permitem associar» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Dezembro de 2012, proc. 497/08.0GAMCN.P1). Relativamente às condições de vida do arguido teve-se em consideração o teor do relatório social junto aos autos em 13 de Janeiro de 2025 e as pesquisas às bases de dados efetuadas em 20 de Janeiro de 2025. Na determinação dos antecedentes criminais valorizou-se o certificado de registo criminal obtido em 16 de Janeiro de 2025”. * 3. Apreciando. Alega o recorrente que os factos dados como provados na sentença recorrida não consubstanciam a prática do crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. Para tanto sustenta que o tipo objetivo do ilícito fica preenchido com o ato de falta de obediência, por ação ou omissão, desde que esta seja devida, designadamente por a ordem ser legítima, emanada de quem tenha competência para o efeito e regularmente chegada ao conhecimento do destinatário, entendendo-se aqui que terá de haver condições para que este último se possa inteirar efetivamente da ordem emitida, por forma a fundar-se o respetivo dolo. Ora, segundo o recorrente, a cominação feita pela Mma. Juíza na sentença em questão não cumpre o critério de legalidade em virtude de, nem o artigo 500.º, n.º 2 do CPP, nem o artigo 69.º, n.º 3 do Código Penal, cominarem a não entrega da carta de condução com a prática do crime de desobediência. Assim, para o recorrente, os aludidos preceitos que regulam a execução da proibição de conduzir não sancionam com o crime de desobediência a falta de entrega da carta de condução, pelo que resulta claramente de tais normas que o legislador previu de forma expressa para a falta de cumprimento da entrega voluntária da licença de condução a sua apreensão. Ora, se o legislador prevê que a não entrega voluntária da carta de condução, tem como consequência a sua apreensão, afigura-se ao recorrente que a cominação da prática de um crime de desobediência para a conduta da sua não entrega, contraria manifestamente o sentido da norma, uma vez que na determinação do sentido e alcance da lei o intérprete deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9.º Código Civil). Estando, pois, na disponibilidade do arguido a entrega voluntária da carta, não podia a Mma. Juíza substituir-se ao legislador, fazendo a referida cominação, não sendo, portanto, válido o argumento de que a incriminação consta do artigo 160.º, n.º 3 do Código da Estrada e que, como tal, a sua legitimidade em cominar com a prática do crime de desobediência decorreria desta norma, podendo, por isso, haver lugar à punição nos termos da alínea a) do artigo 348.º, n.º 1 do Código Penal. Concluindo-se, assim, no recurso que a cominação feita na sentença em questão carece de suporte legal, pelo que resulta não demonstrada a legalidade substancial da ordem e fica por preencher um dos elementos objetivos do crime de desobediência, devendo o arguido ser absolvido da sua prática. Pois bem. * Nos presentes autos o tribunal a quo entendeu que, tal como vinha acusado, o recorrente P incorreu na prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, o qual é constituído pelos seguintes elementos típicos: Quanto ao tipo objetivo, - Que o agente falte à obediência devida a uma ordem ou mandado legítimos; - Que a ordem ou mandado tenham sido regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente; - Na ausência de disposição legal a cominar a punição da desobediência, que a autoridade ou o funcionário tenham feito a correspondente cominação. Quanto ao tipo subjetivo, - O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, em qualquer uma das modalidades legalmente previstas (artigo 14.º do Código Penal). Para fundamentar a conclusão a que chegou, no sentido de que os factos que se provaram preenchem os elementos típicos do crime imputado, o julgador indicou as seguintes razões: “Baixando ao caso dos autos e analisando os elementos do tipo de crime, no que se refere ao elemento objetivo, constata-se que o arguido, na leitura da decisão proferida no proc. n.º 69/23.0GAENT, tomou conhecimento de que foi condenado, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor e que deveria proceder à entrega da sua carta de condução no prazo de 10 dias após trânsito, sob pena de não o fazendo poder incorrer na prática de um crime de desobediência e podendo o Tribunal ordenar a apreensão desse documento. A obrigação de entrega da carta de condução em caso de aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor constitui uma obrigação legal, ínsita nos artigos 69.º, n.º 3 do CP e 500.º, n.º 2 do CPP, segundo a qual uma conduta deveria ser praticada. A ordem foi regularmente comunicada ao arguido, sendo transmitida ao mesmo verbalmente e pela autoridade competente, nos termos dos artigos 202.º da CRP e 375.º do CPP, tendo aquele dela tomado conhecimento. A essa ordem foi acrescida a cominação da prática do crime de desobediência, para a qual não existe qualquer disposição legal, verificando-se, assim, o carácter subsidiário da incriminação próprio do artigo 348.º, n.º 1, alínea b) do CP. Aliás, a esse propósito decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador n.º 2/2013, que «em caso de condenação, pelo crime de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, do art. 292.º do CP, e aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a), do CP, a obrigação de entrega do título de condução derivada da lei (art. 69.º, n.º 3 do CP e art. 500.º, n.º 2 do CPP), deverá ser reforçada, na sentença, com a ordem do juiz para entrega do título, no prazo legal previsto, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, al. b), do CP». A decisão transitou em julgado em 19 de Junho de 2023 e, volvidos 10 dias desde esse momento, o arguido não procedeu à entrega da carta, tanto mais que posteriormente foi ordenada a sua apreensão, o que consubstancia o expresso desrespeito da ordem transmitida nas ditas circunstâncias. No que se refere ao elemento subjetivo, constata-se que o arguido conhecia a ordem que lhe foi dada, da qual tomou conhecimento pessoal e lhe foi transmitida por autoridade que sabia competente, bem como sabia que incorreria na prática do crime de desobediência caso não a observasse, o que, ainda assim, não se coibiu de fazer. Assim, o arguido representou os elementos do tipo, conhecendo a ordem e a cominação quanto ao seu incumprimento, agindo com intenção de a incumprir, o que fez por vontade. Agiu, por isso, com dolo directo (artigo 14.º, n.º 1 do CP)”. * Perante o exposto, a Relação entende que o tribunal a quo decidiu acertadamente ao concluir pelo preenchimento de todos os referidos elementos típicos do crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.Os argumentos aduzidos para sustentar a posição defendida no recurso têm por base uma certa jurisprudência da Relação de Coimbra, citada na motivação recursória (cf. conclusão J), e, bem assim, da Relação de Guimarães[3], que é anterior ao Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2013, no qual tais argumentos foram escalpelizados e o Supremo Tribunal de Justiça veio concluir por um sentido decisório oposto ao do defendido pelo ora recorrente. Com efeito, ao aresto uniformizador subjaz o entendimento de que a incriminação do artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal é aplicável à não entrega do título de condução, no prazo legal previsto, para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, fixando-se para tanto jurisprudência no sentido de que a obrigação de entrega do título de condução derivada da lei, nos termos estipulados nos artigos 69.º, n.º 3 do Código Penal e 500.º, n.º 2 do CPP, deve ser reforçada, na sentença, com a ordem do juiz para entrega do título, no prazo legal previsto, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. Segundo entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, um sistema que conta apenas com a consequência da apreensão do título, face à falta da sua entrega voluntária, e com a possibilidade de o condenado ficar incurso no crime do artigo 353.º do Código Penal, se for encontrado a conduzir, não se revela suficientemente eficaz, sendo que esta tomada de posição assenta numa consideração de fundo que se prende com a situação vivida no nosso país, em matéria de sinistralidade rodoviária. Os números são conhecidos, a condução sob o efeito do álcool responde por muitos dos acidentes ocorridos e esta é uma realidade frequente, de consequências graves, e que reclama, portanto, um combate eficaz. No tocante à previsão do artigo 353.º do Código Penal, o preenchimento do tipo de crime em questão pressupõe uma efetiva condução por parte do condenado, pois só ela viola a proibição imposta a título de pena acessória, pelo que a verificação daquela efetiva condução só poderá resultar, na esmagadora maioria dos casos, de as entidades fiscalizadoras do trânsito toparem com o condenado proibido de conduzir em flagrante delito, não sendo fácil dizer-se que tal constitua uma probabilidade forte. Acresce que essas entidades terão de dispor de uma rede de informação interna que lhes permita saber, na ocasião, que aquele condutor, acompanhado até de título válido de condução, está afinal proibido de conduzir na via pública por sentença judicial. No que concerne à obrigatoriedade de entrega do título de condução, a lei apela à colaboração do condenado, dando-lhe 10 dias para efetivar voluntariamente a entrega. Se aquele não quiser colaborar, a única consequência para si, prevista na lei, é a apreensão, o que significa que, em vez de ficar privado do título no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, poderá só ficar privado do mesmo título mais tarde, situação que, em princípio, até será de sua conveniência. A motivação para a entrega residirá apenas num sentido de civismo que infelizmente não abunda, a que acresce que se não poderão escamotear as dificuldades práticas com que se depararão as autoridades (por regra policiais), para efetivarem as apreensões, tendo em conta o número de casos em que elas são pedidas, tornando-se uma realidade as situações em que o condenado só é encontrado e o título de condução apreendido, já depois de passado o tempo da proibição de conduzir. Trata-se de um conjunto de circunstâncias que reclamam bem mais do que aquilo que a lei especificamente prevê nos artigos 500.º, n.º 3 do CPP e 353.º do Código Penal, impondo-se, por isso, um reforço de meios ao serviço do juiz para que, de facto, o condenado fique privado do título de condução. Porque a privação é essencial para que aquele deixe de conduzir, e porque se pretende que a proibição incida, em termos de prevenção, sobre o condenado e sobre a comunidade. Tudo em nome da segurança rodoviária. Este é o regime que o nosso sistema penal e processual penal permite adotar, pelo que não se deve recorrer ao sistema contraordenacional previsto no direito rodoviário, quando, na presente matéria, as diferenças de regime são evidentes entre o ilícito criminal de justiça (nas vertentes substantiva e adjetiva) e o direito rodoviário regulado no Código da Estrada, sendo certo que não se impõe com toda a clareza outro fundamento de criminalização da conduta desobediente do condenado. A execução de pena acessória de proibição de conduzir imposta em sentença condenatória obedece, pois, a uma disciplina que o legislador quis regular no artigo 500.º do CPP, não fazendo sentido que também se vá buscar ao Código da Estrada a disciplina dessa execução, tentando conjugar ambas, numa articulação que se mostra muito difícil. Concluindo, assim, o Supremo Tribunal de Justiça que, no caso de condenação pelo crime de condução em estado de embriaguez do artigo 292.º do Código Penal, com a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma, a obrigação de entrega do título de condução derivada da lei (artigo 69.º, n.º 3 do Código Penal e artigo 500.º, n.º 2 do CPP), deverá ser complementada com a ordem de entrega do mesmo no prazo legal previsto, por parte do juiz e na sentença, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. * Como é sabido, o recurso de fixação de jurisprudência, regulado no primeiro capítulo do Título II, Livro IX, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Dos recursos extraordinários” (artigos 437.º a 448.º), serve a finalidade específica de evitar contradições entre acórdãos dos tribunais superiores, assegurando deste modo a uniformização da jurisprudência.[4] A decisão é tomada em conferência, pelo pleno das secções criminais (artigo 443.º do CPP), e o acórdão que fixa jurisprudência é publicado na 1.ª Série do Diário da República (artigo 444.º, n.º 1 do CPP). Segundo dispõe o artigo 445.º, n.º 1 do CPP, a decisão que resolver o conflito tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto e nos processos cuja tramitação tiver sido suspensa nos termos do artigo 441.º, n.º 2, sem prejuízo da reformatio in pejus (artigo 403.º, n.º 3, com referência ao artigo 409.º, ambos do CPP). Dispondo ainda o artigo 445.º, desta feita no n.º 3, que a decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão. Contudo, não basta uma qualquer fundamentação divergente da jurisprudência fixada pelo acórdão uniformizador, para se afastar a sua observância, nos termos do sobredito n.º 3, pois os artigos 446.º e 447.º do CPP deixam logo antever outro sentido, ao estabelecer um conjunto de exigências apertadas para o reexame, pelo Supremo Tribunal de Justiça, de determinada jurisprudência fixada, o qual apenas pode ter lugar com o fundamento de que essa jurisprudência está ultrapassada. Assim, se é certo que a jurisprudência fixada pelo acórdão que resolveu o conflito não é obrigatória para os tribunais judiciais, certo é também que estes só se podem afastar da sua aplicação se fundamentarem as divergências relativamente ao decidido e fixado pelo Supremo Tribunal de Justiça. Quer isto dizer que, quando o artigo 445.º, n.º 3 do CPP estabelece que devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada, os tribunais judiciais não podem “limitar-se ao desacato da jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer relevante argumento novo não ponderado ainda ou sem percepção de alteração notória nas concepções ou da composição do Supremo, v.g., através de arestos publicados, baseando essa divergência tão-somente na convicção de que aquela não é a melhor solução legal”.[5] Donde “os tribunais só devem divergir da jurisprudência uniformizada quando haja razões para crer que ela está ultrapassada (que carece de reexame), isto é, tendo em conta os seguintes critérios: a) o tribunal tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador, suscetível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada; b) se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na atualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou, finalmente, c) a alteração da composição do STJ torne claro que a maioria dos juízes das secções criminais deixou de partilhar fundadamente da posição fixada”.[6] * Ora, no caso em apreço o recorrente não apresentou qualquer argumento novo relevante, não equacionado ainda, nem indicou qualquer perceção de alteração notória no sentido de se mostrar ultrapassada a ponderação feita no Acórdão n.º 2/2013, pelo que se torna evidente a ausência de razões para divergir do sentido decisório nele consagrado. Aliás, conforme acima já foi referido, os argumentos invocados pelo recorrente apoiam-se, no essencial, em jurisprudência anterior à prolação do Acórdão n.º 2/2013 e que corresponde, precisamente, a uma das posições divergentes no âmbito da oposição de julgados que determinou a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça. Os fundamentos dessa jurisprudência (acórdãos da Relação de Coimbra e da Relação de Guimarães) e a posição nela propugnada foram, assim, objeto de apreciação no Acórdão n.º 2/2013, que não os acolheu e fixou jurisprudência em sentido contrário. Termos em que, no que a esta questão diz respeito, a pretensão do recorrente deve improceder. * 3.2. Segundo alega no recurso, no processo onde foi aplicada a pena acessória de proibição de conduzir (processo n.º 69/23.0GAENT), o arguido não foi notificado para a audição destinada a apurar as razões do incumprimento daquela pena acessória, em obediência ao que preceitua o artigo 495.º, n.º 2 do CPP e em observância do princípio do contraditório, consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa. Ora, a falta de audição pessoal e presencial do arguido, naquele processo, e no que se refere à não entrega da carta de condução no prazo fixado na sentença, constitui nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 119.º, alínea c), do CPP, que expressamente invoca. * Com o devido respeito, trata-se de uma pretensão que não tem qualquer respaldo na norma legal invocada – artigo 495.º, n.º 2 do CPP –, a qual nada tem a ver com a matéria em análise, uma vez que se destina à falta de cumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão, sem que o regime da execução da pena acessória de proibição de conduzir faça qualquer tipo de remissão para o mecanismo consagrado naquela norma (cf. artigo 500.º do CPP), como sucede com a execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (cf. artigo 498.º, n.º 3 do CPP). Isto para além de que o recorrente vem arguir uma nulidade, não no processo onde a alegada omissão teve lugar (processo n.º 69/23.0GAENT), mas nos presentes autos, o que, no fundo, constitui mais uma razão para concluir que se trata de um motivo recursório que, sendo infundado, deve improceder. * 3.3. O crime de desobediência praticado pelo arguido P é punido com pena de prisão de um mês a um ano ou multa de 10 a 120 dias (artigos 348.º, n.º 1, 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, todos do Código Penal). Na sentença recorrida, perante a pena abstrata aplicável que prevê multa em alternativa à prisão, o tribunal a quo optou pela aplicação de pena de prisão, por se considerar que era a necessária, adequada e proporcionada às finalidades a prosseguir com a pena, o que fundamentou com base nas seguintes razões: As necessidades de prevenção geral são, no caso concreto, medianas, ultrapassando um patamar de mera moderação, mas sem serem intensas. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2023 (o último divulgado), o crime de desobediência consubstancia mais de metade da criminalidade praticada contra o Estado, com um acréscimo significativo em relação a anos anteriores. É possível afirmar a existência de uma cultura de tendencial desrespeito para com as ordens emanadas pelas autoridades, com a qual o ordenamento jurídico não compactua, sob pena de colocar em crise a validade e eficácia das suas decisões. Com isto, exige-se a afirmação da validade e vigência da norma, para a reposição da paz social. No que respeita às necessidades de prevenção especial, no sentido de neutralizar a conduta do agente e de o reinserir socialmente, as mesmas são já elevadas. Se não só não reconheceu a prática dos factos, o arguido conta já com diversos antecedentes criminas, inclusive pelo mesmo tipo de crime, cometendo a conduta aqui em apreço no período da sua liberdade condicional. O seu passado criminal envolveu condenações por diversos tipos de crimes, sendo que tais decisões, com penas de prisão efetiva, não se mostraram suficientes para o desviar o mesmo de desrespeito relativamente às ordens jurisdicionais que lhe foram transmitidas, demonstrando o seu desprezo pelas decisões proferidas e, com isso, pelas regras de funcionamento de uma sociedade democrática. Assim, a conduta delituosa do arguido não é meramente ocasional. Até agora, o arguido não interiorizou efetivamente o significado da condenação e a pretensão de o dissuadir da prática de novos crimes. Aliás, as penas que lhe têm vindo a ser aplicadas revelam um crescendo de gravidade que, nem assim, o têm demovido do cometimento de delitos. Por tudo isto, é premente a necessidade de consciencialização para o desvalor da sua conduta, da dissuasão da prática de crimes e de reorientação para o respeito pelos bens jurídicos infringidos. * Alega-se, no entanto, no recurso que o arguido P sofreu apenas uma condenação em pena de multa pelo mesmo tipo de crime, por sentença proferida em 4 de julho de 2016, portanto, há quase dez anos. Para além disso, na sentença recorrida o tribunal a quo fez constar que as necessidades de prevenção geral são medianas e que as de prevenção especial é que são já elevadas. Acontece que nestes autos a pena ultrapassa largamente os limites da culpa, pelo que deveria o tribunal a quo ter aplicado uma pena de multa, e não de prisão, por se tratar de uma pena mais harmoniosa, proporcional e justa, face às circunstâncias do caso. Na sentença recorrida o julgador salientou factos importantes para esta opção, como seja o de que, entre todas as suas condenações, existe um significativo lapso temporal, que o arguido não evidencia uma personalidade frontalmente desconforme ao direito e que beneficia de inserção familiar. Assim, segundo conclui no recurso que, tendo presentes as circunstâncias que depõem a seu favor, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que aplique uma pena de multa. Pois bem. * Como é sabido, na operação de escolha da pena, a lei estabelece que o tribunal dê preferência à pena não privativa da liberdade aplicável ao caso, sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 70.º do Código Penal. As finalidades que subjazem ao princípio da preferência pela pena não privativa de liberdade, reconduzem-se à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial) – artigo 40.º do Código Penal. A culpa, enquanto limite da pena (artigos 40.º, n.º 2 e 70.º do Código Penal), apenas funciona ao nível da determinação da medida concreta, como prevê o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, não estando, pois, subjacente à escolha da pena qualquer finalidade de “compensação da culpa”.[7] Assim, perante a previsão abstrata de uma alternativa entre prisão e multa, como sucede com o crime dos autos, o tribunal deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência, face às finalidades de prevenção geral e especial, nomeadamente de socialização. Se o juízo for negativo, deverá preterir a multa a favor da prisão. * As razões consideradas pelo tribunal a quo, que acima transcrevemos, são, no essencial, fundadamente justificativas da opção pela prisão, uma vez que as indicadas necessidades de prevenção especial e também geral (ainda que em menor grau, relativamente às primeiras), não lograriam obter suficiente satisfação com a pena de multa. Os argumentos invocados no recurso, centrados no menor grau de culpa revelada, no significativo lapso temporal entre as condutas delituosas que caracterizam o seu passado e ainda nas circunstâncias relativas à sua personalidade e inserção familiar, para além de as necessidades de prevenção geral serem “apenas” medianas, não põem minimamente em causa o juízo formulado pelo tribunal a quo, relativamente às prementes necessidades de prevenção especial que a multa não consegue satisfazer. Isto sendo certo que não estamos perante uma situação em que as necessidades de prevenção geral apresentam reduzida relevância, muito menos ao ponto de se poder considerar que o respetivo conteúdo mínimo, visando a defesa do ordenamento jurídico, ficaria, no caso, suficientemente acautelado com a aplicação de uma pena não privativa da liberdade. Ao invés, impõe-se que a prisão seja a pena a aplicar porquanto esta é efetivamente indispensável para assegurar a necessária tutela do bem jurídico violado com a apurada prática do crime de desobediência e, concomitantemente, para garantir que o arguido interioriza do desvalor da conduta empreendida e significado da condenação, procurando dissuadi-lo da prática de novos ilícitos. Não há qualquer fundamento para considerar que o arguido tem condições para se deixar influenciar pela pena de multa, sendo, pois, fundadas as reservas quanto à capacidade de entender e fazer repercutir na condução da sua vida futura o significado ressocializador de uma punição de natureza pecuniária, pelo que o quadro factual dos presentes autos exclui qualquer suporte que possa ser dado à opção pela multa e exige a aplicação de uma pena de prisão. Termos em que a pretensão que a este respeito foi formulada no recurso, deve também improceder. * 3.4. A determinação da medida da pena deve obedecer aos critérios da prevenção e da culpa (artigos 40.º, n.os 1 e 2 e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal), tendo presente que a prevenção reflete a necessidade comunitária da punição do caso concreto e que a culpa, dirigida ao agente do crime, funciona como “limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas”[8]. A pena deverá, pois, resultar da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto, ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – prevenção geral positiva ou de integração – conjugada com a necessidade de prevenção especial positiva ou de socialização, dentro da referida fronteira intransponível ditada pela culpa, em que a prevenção geral constitui a finalidade primordial a prosseguir e funciona como limite à prevenção especial. Na determinação o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o respetivo modo de execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando se destina a reparar as consequências do crime, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, tudo conforme previsto no artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal. * Ao fixar em 10 meses de prisão a dosimetria concreta da pena que impôs ao arguido, a 1.ª instância não só ponderou as necessidades de prevenção geral e especial anteriormente explanadas (cf. 3.3.), como ainda sopesou as seguintes circunstâncias: Contra o arguido, o mediano grau de ilicitude da conduta e da violação dos deveres que lhe eram impostos, a intensidade do dolo, os motivos que o determinaram na prática do crime e os seus antecedentes criminais. Com efeito, o arguido não ignorava que se encontrava obrigado a proceder à entrega da sua carta de condução, no prazo legal estabelecido para o efeito, na sequência de decisão final condenatória e da sua consolidação no ordenamento jurídico, sabendo que o respetivo incumprimento consubstanciava a prática do crime de desobediência, o qual veio cometer, evidenciando um manifesto desrespeito pela solene advertência que lhe foi dirigida. Quanto ao grau de violação dos deveres impostos ao arguido, era exigido que este atuasse de forma diferente, nada justificando a sua conduta. O arguido nada fez que evidenciasse a consciencialização do ilícito cometido ou a reparação do mesmo, através da entrega voluntária da sua carta. Possui diversos antecedentes criminais, em lesão de diversos bens jurídicos, não sendo primário na prática do crime de desobediência. Ainda que entre todas as suas condenações exista um significativo lapso temporal, a tal não é indiferente o facto de ter estado recluído, sendo certo que, ao longo do tempo, foi reiterando e mantendo a conduta criminosa, apresentando, assim, uma postura de desrespeito pelos bens jurídicos, prolongada no tempo. Ao arguido aplica-se a grave censura ético-jurídica que é própria do dolo. A sua consciência ética estava orientada para o desvalor da ação, que quis realizar, o que fez com dolo direto (artigo 14.º, n.º 1 do Código Penal). Quando praticou os factos, representou todos os elementos do tipo objetivo e, ainda assim, quis praticá-los. O arguido não evidencia uma personalidade frontalmente desconforme ao direito, mas, simultaneamente, não consegue agir em sua observância, deixando transparecer a incapacidade para manter uma conduta lícita. A favor do arguido, o tribunal a quo indicou sua inserção familiar. Por fim, quanto à culpa do agente reportada ao facto praticado e ao momento temporal em que se verificou, aquela é, no caso concreto, intensa. O arguido agiu em contrariedade às regras de conduta que lhe eram impostas, sendo-lhe exigível um comportamento diferente, pois tinha consciência e vontade de realização dos factos, sabendo que os mesmos eram proibidos por lei. Podia e devia ter agido de outra forma. * Analisadas as razões que fundamentaram a fixação da pena imposta a P pela prática do apontado crime de desobediência, verifica-se que a 1.ª instância procedeu, no essencial, a uma correta identificação das circunstâncias a considerar na determinação daquela dosimetria concreta. Precisando-se, no entanto, que, em relação ao enquadramento familiar, a situação do arguido sofreu as alterações descritas nos pontos provados 13 e 14 (terminou a relação afetiva com a companheira) e o mesmo passou a estar sem paradeiro certo e em condições adversas à estabilidade, conforme se apurou nos pontos 8, 9, 10, 24, 25, 26 e 27 da sentença recorrida. Seja como for, sopesados todos os fatores a considerar, ponderada a ilicitude global do facto, o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido (segundo um juízo de culpa reportado ao crime em concreto[9]) e as exigências de prevenção que a situação demanda, tendo ainda em conta que a moldura penal apresenta o mínimo de um mês e o máximo de um ano, entende a Relação que a dosimetria de 9 (nove) meses de prisão é mais ajustada ao caso concreto, à medida da culpa do agente e às necessidades de prevenção especial, satisfazendo ainda esse quantum, na justa proporção, a duração que a prevenção geral reclama para o caso. Em suma, face ao exposto, a pena concreta fixada pelo tribunal a quo deve ser reduzida para nove meses de prisão, procedendo, nesta parte, a pretensão formulada no recurso. * 3.5. Tal como se entendeu na sentença recorrida, no caso em análise não se revela adequado substituir por multa a pena de prisão aplicada a P, cuja duração se fixa agora em nove meses, atendendo a que em condenações anteriores lhe foi aplicada pena de multa e esta não exerceu o necessário efeito dissuasor, no sentido de prevenir o cometimento de futuros crimes (artigo 45.º, n.º 1 do Código Penal). Do mesmo passo, também não se mostra adequado substituir a prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, uma vez que, ainda que tivesse sido possível obter a aceitação do condenado (artigo 58.º, n.º 5 do Código Penal), sempre seria de considerar que esta pena de substituição não permite realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, atendendo aos antecedentes criminais de P e ao facto de, em condenações anteriores (mormente na última), ter sido aplicada a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade sem que a mesma tivesse conseguido prevenir a prática do novo delito julgado nos presentes autos. * 3.6. Na sentença recorrida o tribunal a quo decidiu ainda não suspender a execução da pena que aplicou a P, por entender que, perante a factualidade provada, não é possível efetuar um juízo de prognose favorável à sua socialização em liberdade. Concretizando as razões desse juízo negativo, o julgador aponta que o arguido colocou sucessivamente em crise o bem jurídico tutelado pela incriminação. Já beneficiou de penas substitutivas, sem que estas tenham exercido qualquer efeito útil, pois mantém a mesma prática criminosa, tendo, aliás, a factualidade aqui em causa ocorrido em pleno período de liberdade condicional. Não foram apurados quaisquer factos quanto à vida do arguido que tornem compreensível conceder-lhe uma nova oportunidade, nem a sociedade iria entender como é que, tendo em conta o momento em que cometeu os factos dos autos, reiterando o cometimento de crime pelo qual já havia sido condenado, aquele poderia beneficiar de uma nova oportunidade. Não é possível concluir que se está perante factos pontuais na vida de P, pois, mesmo com as penas de prisão que lhe foram aplicadas, o arguido não tem conseguido a reorientação para a conformidade jurídica. Se é certo que os antecedentes criminais não são, por si só, automaticamente determinantes da efetividade da pena, não é menos verdade que, se perante eles não se consegue afirmar que não irá ocorrer novo desrespeito pela advertência ínsita na condenação judicial, não poderá esse circunstancialismo fundamentar a decisão de suspender a execução da pena. Por outro lado, argumentar que as condenações do arguido estão espaçadas no tempo é desvalorizar o seu sentido, pois existem penas extintas por prescrição e outras convertidas em prisão subsidiária, o que demonstra um alheamento e desconsideração pelas penas aplicadas, a que acresce um período de tempo em reclusão que, após o seu termo, mantém registos de atividade criminosa, quando, de resto, o agente se encontrava ainda sujeito a obrigações decorrentes da liberdade condicional que lhe foi concedida. O arguido, que conta com 50 anos de idade, nos últimos 25 anos regista já mais de meia dúzia de confrontos com o sistema jurídico-penal, com a aplicação de penas de prisão, sendo que nem a mais gravosa reação penal o desviou do caminho delituoso, muito embora aparentemente possua todas as condições para o fazer. Revela uma personalidade refratária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito e que a aplicação de penas não privativas e privativas da liberdade não têm obstado à prática de crimes de vária natureza, não apresentando um projeto de vida assente na criação de estratégias normativas de interação comunitárias. As vulnerabilidades do seu percurso de vida tornam imprevisível a sua capacidade de efetivação de mudança no sentido pró-social. Por tudo isto, para o tribunal a quo não é possível concluir que o não cumprimento efetivo da pena de prisão, fosse de que forma fosse, seria capaz de realizar de modo adequado e suficiente as finalidades da punição. * Contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, o arguido vem dizer no recurso que a pena aplicada deve ser suspensa na execução, invocando para tanto que está inserido profissionalmente e que, perante o conteúdo intimidatório inerente à ameaça de execução da pena de prisão, terá capacidade para se manter afastado do cometimento de novos crimes. Vejamos, então. * Segundo dispõe o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, a pena de prisão fixada em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa na execução se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto formal da sua aplicação que a medida da pena imposta ao agente não seja superior a cinco anos de prisão e como pressuposto material a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento daquele, em que o tribunal conclua que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as respetivas circunstâncias, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão, daí se extraindo, ou não, que a sua socialização em liberdade é viável. Neste juízo de prognose não se exige uma “certeza”, mas a esperança fundada de que, no caso concreto a decidir, a socialização em liberdade pode ser alcançada, estando, pois, o tribunal disposto a correr um certo risco, um risco prudencial[10], quanto à manutenção do agente em liberdade. Assim, “na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que ele sentirá a condenação como uma advertência e que não voltará no futuro a delinquir. O tribunal deverá correr um risco prudente – esperança não é seguramente certeza –, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa”.[11] Isto tendo sempre presente que a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da execução da pena reside no “afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes”, sendo, pois, decisivo “o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização traduzida na «prevenção da reincidência»”.[12] De referir, por outro lado, que, ainda que razões de socialização imponham ou aconselhem a suspensão da execução da pena de prisão, esta pena de substituição não será aplicada se a ela se opuserem necessidades de prevenção geral, “sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”.[13] * Revertendo ao caso dos autos, e analisados os seus fundamentos de facto à luz dos elementos em que se decompõe o pressuposto material previsto no artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, não pode a Relação deixar de concordar com a posição que a 1.ª instância assumiu na sentença recorrida, no sentido de que é manifesto que as elevadas exigências de prevenção especial não permitem efetuar um juízo de prognose favorável à socialização de P em liberdade. A margem de risco mostra-se no presente caso largamente ultrapassada e não permite sustentar a expectativa de êxito da suspensão da execução da pena de nove meses de prisão imposta a este arguido. Os antecedentes criminais do arguido revelam uma personalidade claramente indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas e às respetivas sanções, com total desaproveitamento destas penas criminais, que não lograram alcançar o fim visado com a sua aplicação, não se deixando aquele determinar pelo juízo de censura subjacente às condenações a que foi sujeito. Características da personalidade que o cometimento do crime agora julgado vem confirmar, fundamentando as necessidades reforçadas de prevenção especial de que temos vindo a falar, a que acresce uma situação pessoal e familiar (cf. pontos provados 8, 9, 10, 13, 14, 24, 25, 26 e 27) em que é patente uma instabilidade claramente contrária à prossecução de um projeto de reinserção em liberdade. Não é, pois, razoável nem fundado concluir que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão serão bastantes para afastar o arguido da prática de futuros ilícitos criminais, se nem as condenações em penas de prisão suspensas na execução lograram alcançar tal efeito. Por outro lado, o sentimento jurídico comunitário na validade e na força de vigência da norma penal violada ficaria afetado se, tendo P protagonizado, no passado, a prática dos mais variados crimes pelos quais foi condenado, não só em penas suspensas, como em prisão efetiva, nos termos acima expostos, com base no que se apurou no ponto 7, alíneas a) a m), da sentença recorrida, se optasse agora por suspender a execução da pena de prisão, mesmo que sujeita a condições ou acompanhada de regime de prova, sendo que a comunidade não consideraria reposta a confiança na validade da norma infringida com a punição do arguido através da referida pena de substituição. * Deve, por conseguinte, ser mantida a sentença recorrida, na parte em que não optou pela suspensão da execução da pena de prisão e determinou que esta seja efetiva e a cumprir em estabelecimento prisional, como fundadamente concluiu o tribunal a quo. * III – Decisão Pelo exposto, acordam as juízas da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em conceder provimento parcial ao recurso e consequentemente: 1. Revogam a sentença recorrida, na parte em que condenou o arguido P pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão. 2. Condenam o arguido P pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão. 3. Confirmam, quanto ao mais, a sentença recorrida. Sem custas, face à procedência parcial do recurso (artigo 513.º, n.º 1 do CPP). * Elaborado pela primeira signatária, revisto e assinado eletronicamente por todas as signatárias – artigo 94.º, n.os 2 e 3 do CPPÉvora, 16 de setembro de 2025 Helena Bolieiro Maria José Cortes Filipa Costa Lourenço __________________________________________________ [1] Na doutrina, cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág. 113. Na jurisprudência, cf., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 25-06-1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03-02-1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28-04-1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193. [2] Cf. Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28 de dezembro de 1995. [3] Acórdão da Relação de Guimarães, de 28 de fevereiro de 2011 (processo n.º 146/11.OGCGMR-A.G1). [4] Cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, págs. 361 a 366. [5] Cf. António Henriques Gaspar et al., Código de Processo Penal Comentado (anotação ao artigo 445.º, por António Pereira Madeira), 2.ª ed., Almedina, 2016, pág. 1486. [6] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque (org.), Comentárito do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (anotação ao artigo 445.º por José Damião da Cunha e Paulo Pinto de Albuquerque), vol. II, 5.ª ed., Universidade Católica Editora, 2023, pág. 747. [7] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora (2.ª reimp.), 2009, págs. 331 e 332, e Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança (reimp.), Coimbra, Almedina, 2020, pág. 77. [8] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 109. [9] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2009, pág. 239: “[A] culpa jurídico-penal não é uma «culpa em si», mas uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”. [10] Cf. Hans-Heirich Jescheck, Tratado de Derecho Penal – Parte General, vol. II, trad. da 3.ª ed. alemã de Mir Puig e Muñoz Conde, Bosch, Casa Editorial, S.A., 1981, págs. 1154 a 1155. [11] Cf. Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Noções de Direito Penal, 5.ª ed., Rei dos Livros, 2016, pág. 210. [12] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime.., pág. 343. [13] Ibid., pág. 344. |