Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | SÓNIA MOURA | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA LEGITIMIDADE ARRENDAMENTO SOCIEDADE COMERCIAL SÓCIO | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário:
É parte legítima em execução para entrega de coisa certa o sócio da sociedade que foi condenada na entrega de imóvel cujo arrendamento foi declarado cessado por via judicial, mas que, posteriormente a esta decisão, foi extinta (artigos 163.º, n.º 1 e 197.º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, conjugadamente com o artigo 54.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). (Sumário da responsabilidade do Relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil) | ||
| Decisão Texto Integral: | ***
Apelação n.º 483/21.5T8MMN-A.E1 (1ª Secção) *** Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. AA deduziu oposição mediante embargos de executado, por apenso à execução para entrega de coisa certa contra si instaurada por BB e CC, formulando o seguinte pedido: “Termos em que nos mais de direito deve a presente execução ser julgada improcedente, como se aduziu, absolvendo- se os executados do pedido que não é suficientemente conhecido, condenando-se exequente e seu mandatário em multa e indemnização de € 20.000,00 a favor dos executados.” 2. Os Embargados contestaram, pugnando pela improcedência da oposição. 3. Em sede de despacho saneador foi apreciada, designadamente, a exceção dilatória da ilegitimidade passiva invocada na oposição, a qual foi julgada improcedente. 4. Inconformado com esta decisão, veio o Embargado apelar da mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1-Os executados são parte ilegítima na presente execução 2-a certidão junta aos autos consta uma parte que e falsa, quando se refere ao saneador sentença. 3-A execução não faz sentido pois herdade já foi entregue aos exequentes há muito 4-não há nem nunca ouve transito em julgado do saneador sentença pelo que deve ser declarada procedente a oposição.” 5. Não foram apresentadas contra-alegações. 6. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Questões a Decidir O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Consequentemente, cumpre apreciar se deve ser revogada a sentença recorrida e declarada a ilegitimidade processual do Executado. III – Fundamentação de facto 1. O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: “1. Em 06.05.2021, BB intentou execução e CC contra AA e DD, para entrega de coisa certa, que corre termos neste juízo sob o n.º 483/21.5...; 2. No requerimento executivo, no espaço dedicado ao “Valor da Execução” consta “64 155,00€ (…)”; no espaço dedicado à “Finalidade da Execução:” consta “Entrega de coisa certa (…)” e no espaço dedicado aos “Factos:”, pelos exequentes foi alegado o seguinte: “1º Por saneador-sentença de 13.SET.2010 do então 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Évora, proferido a fls. … dos autos da acção declarativa que está na génese da presente execução, foi julgado “improcedente o pedido de prorrogação do prazo de arrendamento formulado pela A.” (a sociedade M... – Comércio de Cereais e Rações e Exploração Agrícola, Lda., doravante designada apenas por M...), e julgados “procedentes os pedidos de”: a. “Declaração de inadmissibilidade da dedução de oposição à denúncia remetida pelos RR. (os ora Exequentes) em 21 de Fevereiro de 2007, condenando-se a A. a reconhecê-lo, e de” b. “Condenação da A. a desocupar o locado a partir do trânsito em julgado do presente saneador-sentença”, Tudo conforme melhor decorre da decisão dada à execução (v. Doc. 1 – certidão com o código de acesso nº O8KZ-54BL-G1M6-IHXA, em particular, a fls. 16 a 33 – título executivo); 2º Por não se ter conformado com esta decisão, a M... interpôs recurso de apelação do saneador-sentença ora dado à execução para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão de 2.JUN.2016, o julgou improcedente e confirmou a decisão proferida em 1ª Instância (v. Doc. 1 – certidão com o código de acesso nº ..., em particular, a fls. 3 a 15); 3º Através da Ap. 291/20151119, Inscrição 3, foram registados a “dissolução e encerramento da liquidação” da M... e, da Inscrição 4, o cancelamento oficioso da sua matrícula no registo comercial (v. Doc. 2); 4º Apesar de já extinta, a M... interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não foi admitido, por despacho de 15.DEZ.2016 do Sr. Juiz Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora, em razão de o acórdão deste Tribunal ter confirmado a decisão da 1ª Instância e de não se tratar de uma revista excepcional (v. Doc. 1 – certidão com o código de acesso nº ..., fls. 2); 5º Inconformada, a extinta M... apresentou reclamação para o STJ deste despacho de não admissão do recurso de revista, tendo o Sr. Juiz Conselheiro relator, por despacho de 19.SET.2017, indeferido a reclamação e confirmado o despacho dela objecto (v. Doc. 1 – certidão com o código de acesso nº ..., fls. 36 e 37); 6º Ainda inconformada, a extinta M... apresentou reclamação para a conferência do STJ, a qual foi indeferida por acórdão de 5.DEZ.2017 (v. Doc. 1 – certidão com o código de acesso nº ..., fls. 34 e 35); 7º Devido à utilização destes sucessivos expedientes dilatórios – ainda que sem efeito suspensivo – por parte da extinta M... e dos Executados, com os objectivos de sangrar a propriedade (Herdade 1) e de obstar à sua devolução aos seus legítimos proprietários, os ora Exequentes, o trânsito em julgado da decisão apenas se verificou em 12.JUL.2018 (v. Doc. 1 – certidão com o código de acesso nº ..., fls. 1); 8º Em 15.JAN.2018, os Exequentes requereram a execução da decisão judicial condenatória de entrega da propriedade contra a M..., acção executiva que correu termos no Juízo de Execução de Montemor-o-Novo sob o nº 113/18.2...; 9º Em 3.JUL.2018, no âmbito desta acção, o Agente de Execução procedeu à entrega da propriedade aos Exequentes, que dessa forma foram restituídos à sua posse, 10 anos após o termo do contrato de arrendamento rural, nos termos preconizados no saneador-sentença de 13.SET.2010 (v. Docs. 1, fls. 16 a 33, e 3); 10º Por sentença de 18.FEV.2021, a Mma. Juiz do Juízo de Execução de Montemor-o-Novo, em razão da extinção da M..., prévia à instauração da execução, julgou oficiosamente verificada a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária, improcedente o pedido de prosseguimento da execução contra os seus antigos sócios, os ora Executados, e consequentemente extinta a execução (v. Doc. 4); 11º Os ora Executados são os antigos sócios da M... (v. Docs. 2 e 4); 12º Nos termos dos arts. 278º, nº 1, al. c), e 279º, nº 2, do CPC, os efeitos civis da primeira acção (a nº 113/18.2...) mantêm-se se a nova acção (a presente) for proposta no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância; 13º A sentença de absolvição da instância proferida no processo nº 113/18.2... transitou em julgado em 13.ABR.2021 (v. Doc. 4); 14º A presente acção executiva é proposta e segue os termos do art. 626º, nº 3, do CPC; 15º A sentença condenatória transitada em julgado constitui título executivo (cfr. arts. 703º, nº1, al. a), e 704º, nº 1, do CPC).”; 3. A exequente deu à execução os seguintes documentos: a. Certidão Judicial que atesta que o trânsito em julgado ocorreu em 12.07.2018, das seguintes peças proferidas no âmbito da acção de processo sumário n.º 1851/07.0..., que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Évora do Tribunal Judicial da Comarca de Évora: i. Despacho de saneamento dos autos, proferido no dia 13.09.2010, onde se decidiu, o seguinte: “Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se improcedente o pedido de prorrogação do prazo de arrendamento formulado pela A., e julgam-se procedentes os pedidos de declaração de inadmissibilidade da dedução de oposição à denúncia remetida pelos RR. em 21 de Fevereiro de 2007, condenando-se a A. a reconhecê-lo, e de condenação da A. a desocupar o locado a partir do trânsito em julgado do presente saneador-sentença”; ii. Acórdão proferido em sede de recurso junto do Tribunal da Relação de Évora, no dia 02.06.2016, onde se decidiu o seguinte: “Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a sentença recorrida.”; iii. Despacho proferido em 15.12.2016, pelo Venerando Juiz Desembargador Relator, que não admite o recurso de revista da decisão mencionada em ii., deduzido por “M... – Comércio de Cereais e Rações e Exploração Agrícola, Lda.”; iv. Despacho proferido em 19.09.2017, pelo Venerando Juiz Conselheiro Relator, que indefere a reclamação deduzida por “M... – Comércio de Cereais e Rações e Exploração Agrícola, Lda.” e confirma o despacho mencionado em iii.; v. Acórdão proferido em sede de reclamação para a Conferência da decisão mencionada em iv., junto do Supremo Tribunal de Justiça, no dia 05.12.2017, onde se decidiu o seguinte: “Em suma, a revista tal como foi interposta não constitui uma revista excecional e não pode ser admitida como revista não excecional por esbarrar na “dupla conforme”, à luz do n.º3 do artigo 671.º do CPC. E não pode o Reclamante pretender transformar na sua reclamação para a Conferência a revista que interpôs em outra que nunca ocorreu. Decisão: Indeferida a reclamação.”; b. Certidão permanente referente a “M... – Comércio de Cereais e Rações e Exploração Agro-Pecuária, Lda” onde se encontra registados: i. segundo inscrição 3, ap. 291/20151119, a Dissolução e Encerramento da Liquidação; ii. segundo inscrição 4, of.2 da ap. 291/20151119, o Cancelamento da Matrícula; iii. segundo inscrição 1, 5/12081997, o Contrato de Sociedade com a indicação de que o capital social estava dividido por duas quotas, de igual montante, uma delas titulada por AA e a outra titulada por DD; c. Auto de entrega efectuado no âmbito da acção executiva que correu termos neste Juízo, sob o n.º 113/18.2..., instaurada pelos aqui exequentes contra “M... – Comércio de Cereais e Rações e Exploração Agro-Pecuária, Lda”, no dia 04.07.2018, onde se atestou que “Aos 03 dias do mês de Julho de 2018 (…) no cumprimento da Douta Sentença, procedeu-se ao arrombamento e substituição de fechaduras da Herdade 1 e casa(s) que compõe(m), freguesia de ... e Concelho de .... Procedi à investidura do exequente na posse do imóvel objecto da presente execução (…)”; d. Sentença proferida no âmbito da acção executiva que correu termos neste Juízo, sob o n.º 113/18.2..., instaurada pelos aqui exequentes contra “M... – Comércio de Cereais e Rações e Exploração Agro-Pecuária, Lda”, onde se decidiu o seguinte: “Atento o exposto, julga-se a) verificada a falta de personalidade judiciária da M... - COMÉRCIO DE CEREAIS E RAÇÕES E EXPLORAÇÃO AGRO-PECUÁRIA, LDA; b) improcedente o pedido de prosseguimento da execução contra os antigos sócios da M... - COMÉRCIO DE CEREAIS E RAÇÕES E EXPLORAÇÃO AGRO-PECUÁRIA, LDA.; e em consequência, rejeita-se a execução, extinguindo-se a mesma, com todas as consequências legais. (…)”.” 2. As conclusões das alegações, onde cumpre ao Recorrente elencar, de forma sintética, as suas pretensões, servem a finalidade de delimitar o objeto do recurso. Assim, tendo o Recorrente invocado a falsidade de certidão junta aos autos, na parte em que se refere a saneador-sentença, cumpre apreciar esta questão. Percorrendo as alegações do Recorrente, verificamos que a falsidade alegada pelo Recorrente assenta na circunstância dos Exequentes se terem referido ao trânsito em julgado do saneador-sentença no requerimento inicial da ação executiva que correu termos contra a sociedade M..., o que o Recorrente entende que não era uma afirmação conforme com a realidade e que foi feito para enganar o Tribunal. Todavia, esta circunstância não consubstancia a falsidade de qualquer certidão, não assumindo relevância para a decisão da matéria de facto. A decisão da matéria de facto deve, consequentemente, permanecer inalterada. IV – Fundamentação de direito 1. Nos presentes embargos de executado pretende o Executado que se julgue o mesmo parte ilegítima, sustentando que a sociedade M... já foi extinta e que o imóvel objeto da execução já foi entregue. 2. Da matéria de facto provada extrai-se a seguinte sucessão de eventos: - a sociedade M... era arrendatária de um imóvel dos Exequentes; - correu termos uma ação judicial onde se declarou a cessação do contrato de arrendamento e se condenou a sociedade M... a proceder à entrega do imóvel aos senhorios; - nesta sequência, veio a ser instaurada execução para entrega de coisa certa, no âmbito da qual se procedeu à entrega do imóvel em 2018; - porém, nessa execução, em 2021, julgou-se verificada a falta de personalidade judiciária da sociedade M..., pelo facto de ter sido registada a dissolução e encerramento da sua liquidação em momento prévio à instauração da execução; - em face desta decisão, os senhorios instauraram a presente execução para entrega de coisa certa, renovando o pedido formulado na execução antecedente, a qual dirigiram contra os sócios da sociedade M..., qualidade que possui o Embargante. 3. Na decisão recorrida mostra-se exaustivamente fundamentada a responsabilidade dos sócios pelo passivo nos casos em que a sociedade se extingue, em conformidade com o preceituado no artigo 163.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, conjugadamente com o n.º 3 do artigo 197.º do mesmo diploma legal, segundo o qual só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade. Mais se aduz aí que a legitimidade para a execução se afere a partir do título executivo, nos termos do n.º 1 do artigo 53.º do Código de Processo Civil, mas deve ser ponderada a sucessão no direito ou na obrigação, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 54.º do mesmo diploma legal. Conclui, assim, o Tribunal a quo que “verificando-se que à data da instauração da acção executiva, a sociedade obrigada já não possuía personalidade jurídica por extinta, teve a embargada que intentar a execução contra a generalidade dos seus sócios, aqui executados, que vieram suceder à sociedade na obrigação de entrega do imóvel. Para por termo à acção e à sua responsabilização, caberia aos sócios provar que o imóvel em causa não estava na posse da sociedade, à data da sua dissolução, o que não se verificou. Nesta senda, os executados são partes legítimas enquanto sucessores na obrigação da sociedade extinta. Consequentemente, não se verifica a excepção dilatória de ilegitimidade passiva.” A argumentação do Tribunal a quo mostra-se irrepreensível, nada sendo alegado no recurso que coloque em causa o acerto da decisão recorrida. Sublinhe-se, aliás, que nas suas alegações o Recorrente verte, essencialmente, considerações sobre os trâmites judiciais deste caso, em termos que revelam a sua discordância a esse respeito. Contudo, tratando-se de decisões transitadas em julgado, as mesmas são imutáveis e o seu cumprimento é obrigatório (artigo 619.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Em conclusão, o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. 4. As custas do recurso são da responsabilidade do Recorrente, que nele decaiu (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), porém, mostra-se dispensado do seu pagamento, por virtude do apoio judiciário de que beneficia. V - Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida. As custas do recurso são da responsabilidade do Recorrido, o qual, contudo, se mostra dispensado do seu pagamento, por virtude do apoio judiciário de que beneficia. Notifique e registe. Sónia Moura (Relatora) Ricardo Miranda Peixoto (1º Adjunto) Susana Ferrão dos Santos Cabral (2ª Adjunta) |