Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
473/22.0T8BJA.E1
Relator: ANTÓNIO FERNANDO MARQUES DA SILVA
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
QUESTÕES NOVAS INVOCADAS EM FASE DE RECURSO
Data do Acordão: 12/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário (da responsabilidade do relator - art. 663º n.º7 do CPC):

- a falta de consideração de facto essencial alegado não constitui fundamento de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.


- questões novas, não suscitadas perante o tribunal recorrido, não podem, em princípio, ser invocadas em recurso.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora

AA, Lda, intentou a presente acção contra BB e CC, formulando os seguintes pedidos:


«... serem os RR condenados a pagar à Autora:


A quantia de 22 918,03 (vinte e dois mil novecentos e dezoito euros e três cêntimos), correspondente ao valor das faturas vencidas e dos respetivos juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento das faturas até à presente data


Deverão ainda os RR ser condenados a pagar à Autora os juros vincendos até efectivo e integral pagamento.


Deverão ainda ser os RR condenados ao pagamento, à Autora, do montante de € 2550,00 (dois mil quinhentos e cinquenta euros), a título de prejuízos por retenção indevida do quadro de obra nos 17 meses em que o quadro esteve na posse dos RR, já depois de concluída a obra».


Alegou para tanto, no essencial, que:


- os RR. contrataram a A. com vista à construção de uma moradia, por 89.890 euros, a pagar em 5 fases.


- a empreitada realizou-se regularmente, tendo os RR. pago os valores correspondentes às três primeiras fases.


- os RR contrataram ainda, durante a execução da empreitada, trabalhos adicionais no valor de 7.225 euros.


- a obra foi concluída em 09.06.2020.


- por conta dos trabalhos realizados, foram emitidas três facturas, relativas à 4ª e 5ª fase e aos trabalhos adicionais, tendo os RR. pago parte do valor correspondente à 4ª fase.


- os RR. retiveram o quadro de energia eléctrica, desde a conclusão da empreitada até a 20.12.2021, pelo que reclamam 150 euros por cada mês de retenção.


Os RR. contestaram, tendo admitido alguns dos factos invocados pela A.. Alegaram, contudo, que alguns dos trabalhos não foram efectuados de forma correcta, tendo descrito os defeitos relevantes. Em particular, no que mais se relaciona com o objecto do recurso, alegaram que:


- verificam-se infiltrações de água no quarto do casal e na cozinha, e humidades e infiltrações na despensa e casas de banho.


- o painel solar ficou com o tubo danificado, causando infiltrações nos tectos da despensa e da casa de banho do quarto do casal.


- tubagem do painel solar rebentou, inundou a despensa e o quarto do casal, provocando humidades e infiltrações.


- a A. mudou o tubo, mas não efectuou qualquer reparação, pelo que, as infiltrações continuavam quando chovia.


- em Setembro de 2019 o painel solar, deixou de funcionar, devido a deficiente instalação e montagem, tendo os RR. procedido à sua substituição.


- a habitação foi ocupada pelos RR. em Julho de 2020 e no início do inverno seguinte começaram a acentuar-se as infiltrações e o estuque a cair cada vez mais.


- denunciaram os defeitos.


- o telhado tem que ser levantado e tem que ser substituído o ripado, por não cumprir o projecto de construção.


- tem que ser reforçado o vigamento, e que ser demolido o beirado por não ter o desnível correcto.


- o mesmo ficou sujo, foi mal montado e mal alinhado, e as distâncias entre ripas estão incorrectas.


- o isolamento do telhado deveria ser em Roofmate mas foi aplicado um material tipo esferovite, que se tem partido e caído.


- não retiveram o quadro de energia.


- não pagaram parte da 4ª fase e a 5ª fase em virtude dos defeitos existentes.


- os trabalhos adicionais não foram objecto de qualquer orçamento nem acordados valores, sendo que alguns trabalhos neles incluídos pela A. já estavam incluídos no orçamento inicial da obra (roupeiro, móvel para o forno e microondas, porta de correr), pelo que o valor devido ascende a 5.860,95 euros, IVA incluído, não pago em virtude dos invocados defeitos.


- a A. nunca construiu o barbecue na varanda, incluído no contrato.


Deduziram ainda reconvenção, alegando que:


- têm que proceder à reparação dos defeitos e à aquisição de bens em falta, tudo no valor de 24.148,78 euros,


tendo aí formulado os seguintes pedidos:


«a A. ser condenada a pagar aos RR. a quantia de 24.148,28€, acrescida nos juros de mora à taxa legal a contar da notificação e até integral pagamento.


Por outro lado ainda, caso assim não se entenda, e subsidiariamente ,deverá operar-se a compensação de quaisquer quantias eventualmente consideradas como devidas pelos RR. com os montantes a despender por estes na eliminação dos vícios e defeitos supra referidos.».


A A. replicou, tendo-se pronunciado sobre as situações defeituosas alegadas, as quais impugnou, tendo contudo manifestado abertura para deduzir o montante do barbecue e do automatismo do portão.


Foi formulado convite ao aperfeiçoamento:


- da PI, com vista à descrição dos trabalhos em causa nos art. 11º e 15º da PI, e à explicitação do valor diário indicado pela retenção do quadro eléctrico.


- da contestação, com vista à indicação da data em que os RR. tomaram conhecimento das desconformidades e da data em que as comunicaram à A..


Foram apresentadas novas PI e contestação aperfeiçoadas, correspondendo ao convite formulado.


Dispensada a audiência prévia, e admitida a reconvenção, efectuou-se o saneamento da causa, a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.


Após diligências probatórias, realizou-se a audiência de julgamento e foi depois proferida sentença com o seguinte dispositivo:


«i) Julgo parcialmente procedente o pedido da Autora, condenando os Réus no pagamento da quantia de €18.642,55 à Autora, absolvendo-os do demais peticionado;


ii) Julgo totalmente procedente, por provado, o pedido reconvencional, condenando a Autora no pagamento aos Réus de montante indemnizatório no valor de €24.148,28;


iii) Operando a compensação dos créditos supradescritos, ou seja, entre a parte do preço da empreitada ainda não liquidada e trabalhos adicionais prestados e o crédito decorrente da indemnização devida pela Autora, condenado a Autora no pagamento aos Réus do montante de €5.505,73, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento.».


Desta decisão foi interposto recurso pela A., formulando, após aperfeiçoamento, as seguintes conclusões:


I. A sentença recorrida enferma de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC, porquanto apresenta fundamentação insuficiente, lacunar e contraditória, conduzindo a uma decisão que não se mostra devidamente esclarecida nem suportada na factualidade provada.


II. Com efeito, o Tribunal a quo omitiu a apreciação de factos essenciais para a boa decisão da causa, designadamente os relativos à aceitação, pelos Réus, da solução alternativa proposta pela Recorrente para a execução da cobertura, solução essa que divergia do projeto mas foi apresentada como opção menos onerosa e consensualmente aceite.


III. Tal omissão gera uma decisão materialmente deficiente, pois a valoração da responsabilidade da Recorrente relativamente ao telhado depende, de forma central, de saber se a solução técnica adotada foi ou não aprovada pelos Réus – questão que o Tribunal a quo ignorou, apesar de amplamente tratada na prova produzida.


IV. A prova gravada demonstra de forma clara e concordante que:


a) a) o orçamento apresentado pela Recorrente previa uma solução distinta do projeto aprovado;


b) b) essa solução mais económica foi proposta pela Recorrente aos Réus, enquanto alternativa ao projeto;


c) c) a mesma solução foi aceite expressamente pelos Réus, conforme as suas próprias declarações e o depoimento das testemunhas, incluindo o encarregado de obra;


d) d) a solução foi ainda validada pelo engenheiro responsável pelo projeto, conforme testemunho prestado.


V. Estes factos, sendo essenciais para aferir o cumprimento contratual, foram pura e simplesmente desconsiderados pelo Tribunal, constituindo violação expressa do artigo 5.º, n.º 2, al. b), e dos deveres de apreciação integral da prova, previstos no artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC.


VI. O Tribunal incorreu igualmente em erro de julgamento ao considerar como provado que o telhado apresentava deficiente construção e montagem, impondo à Recorrente a sua integral reparação, quando ficou demonstrado que a execução da cobertura correspondeu exatamente ao orçamento acordado, cuja alteração face ao projeto era do conhecimento e da vontade dos Réus.


VII. Impõe-se, por isso, o aditamento do facto:


“O telhado foi executado conforme o orçamento apresentado pela Autora, tendo os Réus aceite a alteração do projeto.”,


o qual resulta da prova gravada de forma clara, inequívoca e convergente.


VIII. Também no que toca às infiltrações, o Tribunal a quo incorreu em erro de apreciação: fundamentou a sua decisão na imputação das infiltrações a defeitos de isolamento, quando o próprio perito judicial declarou não ser possível determinar a origem concreta dos fenómenos, admitindo inclusivamente que poderiam ter origem no imóvel contíguo.


IX. Assim, o ponto 23 da matéria de facto deve ser reformulado, expurgando-se a referência conclusiva “resultante da falta de isolamento”, a qual não foi tecnicamente demonstrada e viola a proibição de presunções judiciais sobre matéria não provada.


X. Tal correção impõe igualmente a inclusão, na matéria de facto não provada, da afirmação segundo a qual as infiltrações seriam necessariamente imputáveis à falta de isolamento executado pela Recorrente.


XI. No que respeita ao painel solar, a sentença recorrida incorre em erro manifesto ao acolher a tese de que a avaria decorreu de má instalação, quando:


a) a testemunha que sustenta tal conclusão é a mesma que instalou o novo painel – logo, não isenta;


b) o fundamento técnico invocado (congelação da água) é incompatível com as condições climatéricas de setembro no Alentejo;


c) não existe qualquer prova de que o glicol não tenha sido colocado, sendo certo que o respetivo circuito envolve sempre mistura com água;


d) os Réus nunca deram à Recorrente oportunidade de verificar a avaria, nem a interpelaram durante o período de garantia, substituindo unilateralmente o equipamento.


XII. É, pois, essencial que se acrescente ao facto provado 29 a seguinte referência:


“tendo os Réus procedido à substituição do painel solar sem qualquer comunicação ou interpelação prévia à Autora.”


XIII. Da mesma forma, deve incluir-se nos factos não provados que a avaria decorreu de má instalação imputável à Recorrente, por ausência de prova direta, clara ou tecnicamente sustentada. XIV. Todos estes erros de julgamento conduziram a que o Tribunal a quo acolhesse integralmente o pedido reconvencional dos Réus, incluindo a quantia relativa à reparação total do telhado, quando tal pedido é juridicamente improcedente e desconforme à boa-fé contratual.


XV. Com efeito, os Réus atuam em claro abuso de direito, modalidade venire contra factum proprium (art. 334.º CC), ao exigirem que a Recorrente suporte integralmente os custos de substituição da cobertura quando foram eles próprios que aceitaram a opção construtiva que serviu de base ao preço global acordado.


XVI. Não é legítimo que quem consentiu o desvio ao projeto – obtendo uma redução substancial do preço da obra – venha posteriormente exigir a sua execução de acordo com esse mesmo projeto, transferindo para a Recorrente os custos que inicialmente quis evitar.


XVII. Subsidiariamente, ainda que assim não se entenda, sempre se verificaria uma situação de enriquecimento sem causa dos Réus, proibido pelos artigos 473.º e 1214.º, n.º 3, do Código Civil, já que a Recorrente seria obrigada a custear obra estruturalmente distinta e economicamente superior àquela que contratou e orçamentou.


XVIII. Por este motivo, caso houvesse condenação – o que por direito não deverá suceder –, a mesma sempre teria de ser limitada ao valor orçamentado para a cobertura e nunca ao valor integral indicado pelo perito.


XIX. Pelo exposto, deve a sentença recorrida ser revogada, declarada nula ou, subsidiariamente,


alterada, devendo:


a) ser ampliada e corrigida a matéria de facto;


b) ser a Recorrente absolvida do pedido reconvencional relativo ao telhado;


c) ser reformulada a decisão quanto ao painel solar;


d) em última hipótese, ser reduzido o montante indemnizatório ao limite do valor orçamentado.


A Mma. Juíza pronunciou-se sobre a nulidade invocada, tendo mantido a decisão recorrida.


Os RR. responderam ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.


II. O objecto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 635º n.º4 e 639º n.º1 do CPC), «só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa».


Assim, importa avaliar:


- se ocorre nulidade da sentença, mormente justificando o reenvio do processo ao tribunal recorrido, ou, subsidiariamente, se deve o tribunal de recurso proceder ao aditamento de facto à descrição da matéria de facto.


- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto.


- se ocorre abuso de direito ou enriquecimento sem causa, com reflexos no julgamento do mérito da causa.


III. Foram considerados provados os seguintes factos [1]:


1. Os Réus, que vivem em união de facto, contrataram a Autora para que, no exercício da sua atividade, executasse empreitada de construção de moradia de um piso, no loteamento Local 1, Lote 12, Cidade A.


2. Na sequência de contactos estabelecidos e após manifestação de vontade dos Réus em contratarem a Autora, esta, em 01-02-2019, apresentou aos primeiros proposta para execução da empreitada, a qual lhe foi adjudicada pelos mesmos.


3. Os trabalhos propostos pela Autora para construção da moradia foram:


a. Movimentos de terra, escavação de terras na abertura de fundações para sapatas de pilares e vigas de fundação, incluindo remoção de transporte de produtos sobrantes e vazadouros.


b. Betões (betão de limpeza c12/15 em sapatas e vigas de fundação em camada com 0.10m de espessura, betão armado , vc20/25, a400, incluindo cofragem, escoramento de estrutura em pilares, vigas e lajes pré-fabricadas com blocos de betão no piso e teto do edifício, estrutura de cobertura constituída por varas e ripas em perfis metálicos.


c. Cobertura – telha lusa de barro vermelho hidrofugada assente, incluindo remates e telhões no fileiro, beirado assente constituído por capa e bica de barro vermelho assente com argamassa, construção de duas chaminés em alvenaria de tijolo rebocadas e pintadas, isolamento térmico de cobertura roofmate 4cm de espessura assente sobre a laje.


d. Alvenarias – Alvenaria dupla de tijolo 30x20x15+30x20x11, com isolamento térmico EPS 40mm, assente com argamassa de cimento e areia em paredes exteriores; alvenaria simples de tijolo 30x20x11 assente com argamassa de cimento e areia em paredes interiores; alvenaria simples de tijolo 30x20x15, assente com argamassa de cimento e areia, em paredes do quintal.


e. Revestimento de paredes e pavimentos, concretamente:


i) Reboco de paredes exteriores com argamassa de cimento e areia hidrófugo


ii) Estuque projetado em paredes e tetos interiores, incluindo sancas


iii) Azulejo tipo cinca (Mandaray/Luxor) em paredes, até ao teto, em casas de banho, cozinha, incluindo reboco sarrafado, assentamento, cimento cola e betume


iv) Mosaico cerâmino tipo cinca (Mandaray/Luxor) em pavimentos de cozinha, casas de banho, corredor, despensa, sala, incluindo betonilha, assentamento cola e betume e mosaico anti derrapante na varanda e escada.


v) Peitos e soleiras em mármore cinza, com 4 cm de espessura, bujardados, em vãos de janelas e portas


vi) Pavimento flutuante AC4, com revestimento sintético a madeira de faia, incluindo rodapé, em quartos, assente


vii) Pintura de paredes exteriores, interiores e tetos com tinta plástica branca Stuckomate/equivalente a 3 demãos, incluindo uma demão de primário.


viii) Pavimento do Quintal a pavê de betão com 6 cm de espessura, assente sobre terreno regularizado e camada de areia/pó de pedra com 10 cm de espessura.


f. Carpintarias - Portas de abrir e correr em madeira folheadas a faia, assentes, incluindo aros, guarnições, ferragens e fechaduras, armários roupeiros com portas de correr, nos quartos, em MDF folheado a faia, assentes, incluindo duas ordens de gavetas e ferragens, bancada e armário superior de cozinha em MDF folheado a faia, assente, incluindo ferragens e tampo em gratico com 3 cm de espessura.


g. Serralharias:


i) Caixilharia de alumínio lacado na cor branca com vidro duplo em portas e janelas de abrir oscilo batentes e portas interiores, incluindo ferragens, fechos e assentamento


ii) Portão de correr em perfil tubular e chapa pintada, cor azul, incluindo ferragens, fechos, automatismo do portão de correr com dois comandos e assentamento


iii) Gradeamento de varanda em painel acrílico, transparente, assente.


h. Equipamento sanitário e de cozinha:


i) Sanita e Tanque, compacto, em louça branca Sanitana, modelo Alfa/equivalente, assente, incluindo todos os acessórios.


ii) Bidé em louça branca Sanitana, modelo Alfa/equivalente, assente, incluindo todos os acessórios e misturadora Zenite, modelo Luna/equivalente


iii) Lavatório em louça branca Sanitana, modelo Alfa/equivalente, incluindo bancada em MDF em lacada com tampo em mármore brancom de frente, com 1,00 m de frente, acessórios e misturadora Zenite, modelo Luna/equivalente.


iv) Banheira em fibra, esmaltada a branco com 1,70x0,70m, assente, incluindo acessórios e misturadora Zenite, modelo Luna/equivalente.


v) Lava Louça Rodi em aço inox de duas curvas e escorredor, assente incluindo acessórios, sifão e misturadora Zenite.


i. Instalações Elétricas e ITED - Redes de iluminação, de tomadas ITED constituído por quatro circuitos elétricos com 18 pontos de luz com interruptor, 32 tomadas de eletricidade mais duas tomadas estanques no quintal e 5 tomadas de sinal audiovisual, executado com material certificado.


j. Redes de Águas e Esgotos, concretamente:


i) Redes de águas frias e quentes, com isolamento, executadas em tubagem PPR, incluindo abertura e tampamento de roços, válvulas, caixa para contadores e torneira de rega no quintal.


ii) Redes de esgotos executada em tubagem PVC, incluindo abertura e tampamento de roços, caixas sifonadas e acessórios.


iii) Sistema de termosifão de aquecimentos solar de água tipo Junkers 150, assente, incluindo tubagens, válvulas e acessórios.


k. Diversos, concretamente fornecimento e montagem na varanda de “barbecue” construído em alvenaria de tijolo refractário.


4. De acordo com o estipulado na proposta aceite pelos RR, o valor da empreitada seria de €89.890,00, acrescido de IVA à taxa legal vigente, num total de €110.564,70.


5. O pagamento do valor da empreitada processar-se-ia, segundo a proposta aceite pelos RR., em cinco fases ou situações, correndo as licenças por conta do dono da obra e a eletricidade por conta do empreiteiro, com ramais de ligação a expensas do dono da obra.


6. Assim, de acordo com o acordado, os pagamentos seriam feitos nos seguintes valores e do seguinte modo:


1ª Situação – adiantamento e princípio de pagamento: €24.600,00.


2ª Situação – movimento de terras, betões, laje do piso R/C e alvenarias: €25.830,00.


3ª Situação – betões, laje do teto do R/C, alvenarias, chaminés e estrutura de cobertura: €25.830,00;


4ª Situação – revestimento da cobertura com telha lusa, redes de águas, esgotos, instalações elétricas, tubagens, revestimento de paredes e guarnecimento de vãos: €24.600,00;


5ª Situação – instalações elétricas e de termossifões, carpintarias, serralharias, equipamentos sanitários e de cozinha e conclusão - €9.704,70.


7. Os Réus pagaram os valores correspondentes às três primeiras situações e, relativamente à 4ª situação pagaram a quantia de €21.740,00, não tendo sido pago o montante de €2.860,00, não tendo sido paga a Fatura n.º 1 2000/000011.


8. Os Réus contrataram, na sequência da execução da empreitada, trabalhos adicionais, no montante de €4.975,00, acrescidos de IVA à taxa legal, num total de €6.077,85, sem determinação prévia de valores, sendo estes:


a. Instalação de painel de 200 litros ao invés de 150 litros;


b. Modificação da caixilharia para o exterior de alumínio lacado branco para PVC na cor cinza;


c. Alteração do pavimento do quintal de pavê assente sobre camada de areia sobre terreno regularizado para camada de messame de betão sobre terreno regularizado, armado com malhasol, com 0,10m de espessura, com acabamento de betonilha de cimento de areia, sarrafada e passada a talocha;


d. Massame de betão no pavimento da cave, compartimento não previsto na proposta, executado com 0,10 m de espessura sobre terreno regularizado, armado com malhassl e acabamento a betonilha de cimento e areia, sarrafado e passado a talocha, bem como instalação elétrica da cave e porta em alumínio lacado branco no acesso à cave;


e. Exaustor de marca TEKA na cozinha;


f. Alteração do tampo da bancada da cozinha de tampo em pedra de granito por material compacto (branco compósita, tipo Silistone);


g. Rede elétrica para alimentação de 3 pontos de luz e não dois na fachada da moradia virado para o quintal, constituída por tubagem, caixa de aparelhagem, enfiamentos e interruptor;


h. Mão de obra de instalação e assentamento de duas cabines de duche, espelho e luminárias, material fornecido pelos RR.


9. Procedeu a Autora à emissão de faturas relativas aos montantes descritos da empreitada e trabalhos adicionais:


a. Fatura n.º 1 2000/000010 no valor de €24.600,00, com data de vencimento a 20-06-2020 e correspondente à 4ª situação;


b. Fatura n.º 1 2000/000011 no valor de €9.704,79, com data de vencimento a 27-06-2020 e correspondente à 5ª situação;


c. Fatura n.º 1 2000/000014 no valor de €8.886,75, com data de vencimento em 29-07-2020 correspondente aos trabalhos adicionais.


10. A fatura n.º 1 2000/000014 viu-se apresentada pela Autora aos RR. a 29-07-2020, tendo sido objeto de reclamação pelos mesmos.


11. As faturas foram enviadas à primeira Ré.


12. Os Réus mantiveram o quadro de obra desde 09-06-2020 e até 20-12-2021.


Da contestação:


13. No dia 14 de setembro de 2020, pelas 20:34, viu-se remetido pela Ré BB para o legal representante da Autora comunicação eletrónica com o seguinte teor:


«Bom dia eng.


Envio-lhe este mail para o informar que mantêm-se as situações por regularizar na nossa casa. Para não falar já das anomalias que estão a aparecer.


As fotos que lhe envio é uma infiltração que está a aparecer no nosso quarto junto à parede para o wc.


O painel solar tem um tubo danificado o que está a fazer infiltrações nos tectos da despensa, esta que chega quase ao chão e no tecto do wc do nosso quarto.


O seu encarregado esteve aqui no sábado, disse que regressaria na segunda feira ou terça o que não se verificou.


Mas também hoje ainda e segunda!


Como já lhe havíamos dito ficaram pequenas coisas por acabar:


- telhas todas sujas


- 2 de mãos no interior e no exterior da causa o que é insuficiente. No orçamento constam 3 de mãos.


- automatismo do portão


- a pintura do portão está russa e existem sítios com ferrugem.


- Os espelhos das torneiras de segurança da cozinha e wcs nenhum está fixo, caiem para o chão.


- há portas da cozinha que nunca ficaram afinadas e assim continuam.


- existem 2 ou 3 buracos nos móveis da cozinha que não foram tapados.


- tabuas por pregar/fixar nos moveis inferiores da cozinha.


Para não falarmos das portas dos roupeiros que estão a ficar todas desalinhadas. Temos bastante cuidado ao abrir e fechar mesmo para evitar tais situações mas mesmo assim acontecem.


Não foi colocada uma tomada estanque no quintal tal como estava previsto no projecto de eletricidade.


Peço, por favor que se tente, o mais breve possível regularizar estas situações».


14. No dia 22 de outubro de 2020, pelas 11h20, remeteu a Ré BB ao legal representante da Autora a seguinte comunicação eletrónica:


«Bom dia Sr. Engenheiro


É nossa intenção pagar os valores em atraso o mais breve possível. Referente à tranche que falta do que consta em orçamento, o banco só a disponibiliza aquando da entrega da licença de habitabilidade.


No entanto, sabe o senhor Engenheiro que a obra não está concluída efectivamente. E nós também temos urgência em que as situações pendentes se resolvam.


Neste sentido, mencionarei abaixo o que está pendente.


- Telhas sujas. Ou são limpas ou pintadas;


- A habilitação levou no interior e no exterior 2 de mão de pintura. No orçamento constam 3. Não está bem pintada, basta olharmos;


- O portão está ferrugento e a pintura desbotada (ficou logo assim aquando da pintura);


- Automatismo do portão;


- Os espelhos das torneiras de segurança da cozinha e wcs nenhum está fixo, inclusive a torneira de segurança da água quente da cozinha temos de a ter fechada porque se fica aberta alaga a bancada toda com água;


- Há portas da cozinha que nunca ficaram afinadas e as tábuas das portas do canto da cozinha não foram pregadas.


- Há 2 ou 3 buracos nos móveis da cozinha que nunca foram tapados;


- Não foi colocada uma tomada estanque no quintal tal como estava previato no projecto de eletricidade.


O painel solar deita água pelo telhado que escorre para a varanda. Faz isto desde que foi ligado. Temos de ter sempre um balde na varanda.


Como é do conhecimento do senhor engenheiro esta situação não é normal.


Rompeu-se um tubo do painel há tempos e começamos a ter infiltrações na despensa, wc do nosso quarto e no quarto.


Hoje está a pintura toda a sair e as paredes todas amarelas. O fernando esteve cá.


Uma situação que também me está a preocupar bastante e o facto de, por exemplo ontem que choveu bastante ter aparecido um repasse no tecto da cozinha.


Por fim uma última situação geave, é o facto de em praticamente todas as divisões da casa estar o estuque a abrir fendas junto às vigas. Mando doto para o engenheiro ver.


Neste contexto, peço-lhe que analise ponto por ponto e nos dê uma solução para cada um deles.


Cumprimentos,


BB».


15. O encarregado da obra, na sequência das denúncias feitas, esteve na obra, fazendo a substituição da tubagem do painel solar.


16. A pintura do exterior e interior da morada viu-se mal aplicada.


17. O automatismo do portão não foi fornecido nem colocado no mesmo, tampouco tendo sido entregues os comandos do portão, o que foi comunicado ao legal representante em setembro e outubro de 2020.


18. A pintura do portão começou a ficar desbotada e ruça, tendo começado a aparecer vestígios de ferrugem, em virtude da má qualidade da tinta e deficiente aplicação, situação da qual os Réus tiveram conhecimento e denunciaram ao legal representante da Autora em setembro e outubro de 2020.


19. Os espelhos das torneiras da casa de banho e da cozinha não foram fixados e caíam para o chão, uma vez que foram colocados muto dentro da parede e as torneiras da água quente não foram afinadas, vícios denunciados via email em setembro e outubro de 2020.


20. As portas da cozinha não chegaram a ser afinadas e não funcionam corretamente e as portas dos roupeiros ficaram desalinhadas, situação denunciada à Autora através de emails de setembro e outubro de 2020.


21. Os móveis da cozinha apresentavam e apresentam buracos que nunca foram tapados, situação denunciada pelos Réus à Autora em setembro e outubro de 2020.


22. Não foram fixadas ou pregadas as tábuas nos móveis interiores da cozinha, situação denunciada à Autora através de emails de setembro e outubro de 2020.


23. Verificaram-se infiltrações de água no quarto do casal, junto à parede da casa de banho, resultante da falta de isolamento, bem como humidades e infiltrações na despensa e casa de banho e infiltrações na cozinha, vícios detetados pelos Réus e denunciados ao legal representante da Autora em setembro de 2020.


24. O painel solar ficou com o tuno danificado, causando infiltrações nos tectos da despensa que ocorreram até ao nível do chão e da casa de banho do quarto do casal, situação detetada pelos Réus e denunciada ao legal representante da Autora em setembro de 2020.


25. Não foi colocada tomada estanque no quintal, situação detetada pelos Réus e denunciada ao legal representante da Autora em setembro e outubro de 2020.


26. Em todas as divisões da moradia, com exceção da sala, o estuque abriu fendas junto aos tetos e aos rodapés com falta de massa de acabamentos, situação detetada pelos Réus e denunciada ao legal representante da Autora em outubro de 2020.


27. Os azulejos da casa de banho ficaram com manchas de betume de cor amarela.


28. Em setembro de 2020 a tubagem do painel solar rebentou, provocando inundação na despensa e quarto do casal, provocando humidades e infiltrações.


29. O painel solar deixou de funcionar em setembro de 2021, o que determinou a substituição do mesmo.


30. O chão do quintal foi deixado sujo, com manchas de ferrugem e pingos de tinta, o que se viu comunicado ao legal representante da Autora em data não determinada, mas posterior à entrega da obra.


31. Na cozinha não foram colocadas duas torneiras, as quais se encontram tamponadas.


32. Na habitação ocupada pelos Réus evidenciam-se sinais de infiltrações e deterioração do estuque.


33. Na sequência da deficiente construção e montagem do telhado, este tem de ser levantado e substituído todo o ripado, tem de ser reforçado o vigamento, demolido o beirado por não ter o desnível correto, suficiente e necessário para um bom escoamento.


34. O telhado ficou com telhas sujas, tendo estas sido mal colocadas e com incorreta distância entre ripas.


35. Encontrando-se contratado que o isolamento térmico do telhado seria em Roofmate, procedeu a Autora à colocação de material tipo esferovite, o qual se tem partido.


36. A Autora não instalou ou construiu o barbecue na varanda, a construir com tijolo refratário.


37. A Autora não entregou aos Réus documentação necessária à ligação elétrica da moradia, nomeadamente o termo de responsabilidade e ficha eletrotécnica, a elaborar pelo Encarregado de Obra, documento necessário para a obtenção da licença de habitualidade.


Da reconvenção:


38. Na limpeza e pintura dos parâmetros exteriores do imóvel terão os Réus de despender da quantia estimada de €1.818,00


39. Tendo em vista a reparação da pintura dos parâmetros interiores, deverão os Réus despender do valor estimado de €2.500,00.


40. Para limpeza, tratamento antiferrugem a pintura do portão, deverão os Réus despender do valor estimado de €360,00.


41. Tendo em vista a reparação das torneiras da casa de banho e da cozinha, aplicando casquilho de aumento para colocar à face do azulejo e reparação das torneiras, deverão despender do valor estimado de €100,00.


42. Tendo em vista a reparação da bancada da cozinha, roupeiros e porta de correr, reparação dos buracos nos móveis da cozinha, fixar ou pregar as tábuas nos móveis interiores da cozinha, deverá despender-se o valor estimado de €740,00.


43. Colocação de tomada estanque no quintal, valor aproximado de €50,00.


44. Limpeza dos azulejos €50,00 e limpeza do pavimento do quintal com produtos adequados €100,00.


45. Colocação de duas torneiras na cozinha €100,00.


46. Reparação do telhado, através de levantamento da cobertura existente, execução de estrutura conforme projeto aprovado, recolocação telhas, demolição do beirado e reconstrução do desnível, no valor estimado de €14.469,70.


47. Substituição do isolamento térmico por Roofmate no valor de esferovite, é no valor estimado de €2.214,75.


48. Na montagem do automatismo do portão, incluindo mão de obra, acessórios, comandos e kit de automatização, os Réus terão de despender a quantia de €2.126,00, acrescida de IVA à taxa de 23%, o que ascende ao total de €2.614,98.


49. Com a substituição do painel solar, descrita em 29, despenderam os Réus do montante de €797,90.


E foram tidos por não provados os seguintes factos:


a. Que configurassem trabalhos adicionais, a faturar pela Autora;


i. Armário roupeiro fixo no compartimento 4 da planta;


ii. Alteração de armário fixo previsto na planta com diversa compartimentação para instalação de micro-ondas, forno e outros;


iii. Alteração da porta para porta de correr interior com 1,20x2,00 por condicionamento do pilar de estrutura, tendo para tanto sido necessário proceder à demolição parcial da parede feita para o seu assentamento e ligação à parede.


b. No exterior e interior da morada foi aplicada apenas uma demão de tinta.


c. Que tenha sido comunicado à Autora a necessidade de levantamento e substituição do telhado em data anterior à da presente ação.


d. A retenção do quadro de energia elétrica pelos RR., de 09-06-2020 até 20-12-2021 representou para a Autora despesa de €2.550,00, uma vez que a última teve de proceder à construção de novo quadro de obras, com as inerentes despesas de aquisição de material para suprir a privação do material retido.


e. Que o quadro de energia elétrica se tenha mantido na obra com assentimento da Autora.


f. Os vícios e defeitos foram denunciados logo em junho de 2020.


g. Os Réus solicitaram ao legal representante da Autora para se deslocar à obra para constatar os defeitos e ordenar a sua reparação, mas o mesmo aí nunca se deslocou.


h. Sempre foi referido pelos Réus à Autora que, logo que fossem reparados todos os vícios e defeitos, pretendiam pagar os valores em dívida.


i. Que os Réus tenham desistido do automatismo do portão ou da construção do barbecue.


j. Que o material marca PS e de marca Roofmate sejam materiais equivalentes.


IV.1. A recorrente inicia a alegação de recurso com o seguinte título «II – Da nulidade da sentença».


Nos termos das alegações e conclusões inicialmente apresentadas [2], a invocação assentava nos seguintes passos:


i. a recorrente começou por discutir meios de prova que demonstrariam certa factualidade que tinha por relevante.


ii. depois reproduziu o teor dos n.º1 (incluindo todas as suas alíneas) e 4 do art. 615º do CPC.


iii. de seguida invocou a «deficiência e obscuridade da decisão facto, aliada à necessidade de serem aditados factos à matéria de facto assente», para concluir pela anulação da sentença recorrida, «nos termos dos nos. 2, alíneas c) e d), e 3, alínea c), do art. 662.º, por violação dos artigos 5.º, n.º 2, 607.º, n.ºs 3 e 4, todos do CPC, reenviando-se o processo ao Tribunal a quo, para que supra o vício em causa e, também, para ampliar a matéria de facto, com vista à pronúncia sobre os aludidos factos».


iv. subsidiariamente, para o caso de assim se não entender, solicitou que este tribunal (da Relação) procedesse ao aditamento de facto que descreve (e que derivaria dos meios de prova que discutiu).


v. formulou, após as conclusões, enunciados finais, tendencialmente resumindo as suas pretensões, no âmbito dos quais refere pretender que seja declarada «nula a sentença recorrida por omissão de pronúncia».


A alegação não prima, realmente, pela clareza, sendo até possível sustentar que a recorrente não chega realmente a invocar a nulidade por omissão de pronúncia nas alegações e conclusões originais. Não obstante, e pese embora aqueles enunciados finais não integrem as conclusões (sendo nestas que constam os «pedidos», ou seja, a definição do objecto da impugnação), admite-se que aqueles possam concorrer para a interpretação das alegações e conclusões. Admitindo-se, assim e sequencialmente, que a recorrente ainda expressou a invocação da nulidade por omissão de pronúncia (que corresponde literalmente à previsão da primeira parte da al. d) do n.º1 do art. 615º), a qual derivaria da falta de consideração do facto que, subsidiariamente, pretende ver aditado.


Nas conclusões aperfeiçoadas, a recorrente passa a afirmar que a «sentença recorrida enferma de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC», alegando que a sentença recorrida apresenta «fundamentação insuficiente, lacunar e contraditória».


A referência expressa à nulidade derivada do art. 615º n.º1 d) do CPC não constava de forma expressa das conclusões originais, mas vale o que acabou de se expor.


A menção à nulidade das al. b) e c) do n.º1 do art. 615º do CPC constitui novidade que nem constava das alegações originais nem tem qualquer correspondência ou suporte nas alegações. O mesmo vale, aliás, para a menção à fundamentação contraditória da sentença, também com carácter inovatório (constituindo, aliás, mera qualificação nunca explicitada). O que significa que se trata, nestes aspectos, de alegação inaproveitável nesta sede, quer por o aperfeiçoamento das conclusões não permitir a sua ampliação (a ampliação do objecto do recurso), quer por as conclusões não poderem, de qualquer modo, valer sem uma prévia discussão nas alegações, inexistente no caso.


2. Cabe, assim, avaliar apenas aquela omissão de pronúncia.


Pesem embora os aludidos termos da argumentação da recorrente, ainda se percebe que ela assenta na necessidade de ser aditado facto ao elenco de factos dados como provados (acabando a recorrente, até, por descrever o facto concreto a aditar, quando, em termos subsidiários, sustenta que tal aditamento seja implementado por este tribunal) e, assim, a omissão que invoca analisar-se-ia na omissão da consideração de tal facto.


A omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal deixe de apreciar questões que, nos termos do art. 608º n.º2 do CPC, devia ter conhecido. A noção de questões relevante para este efeito equivale às questões de direito correspondentes aos pedidos, causas de pedir e excepções formuladas (ou, nas excepções, também as oficiosamente cognoscíveis).


Neste sentido imediato, a omissão invocada, atinente a factos, não integra aquela causa de nulidade da sentença, por não estar em causa nenhuma daquelas situações.


De outra banda, e pese embora não seja inteiramente pacífica a questão, entende-se, de forma aliás dominante, que a falta de consideração de factos essenciais alegados não corresponde à omissão de pronúncia, mas a vício da sentença, a considerar no quadro do art. 662º n.º2 al. c) do CPC (regime este que o recorrente, aliás, também invoca), por se tratar de deficiente decisão sobre certos pontos da matéria de facto. O que se justifica porquanto i. não atender à causa de pedir ou à excepção não equivale a não atender aos factos que a constituem, mas, diferentemente, a não atender a tais factos e aos efeitos que produzem (ou seja, a omissão vai para além da fixação dos factos, acabando por radicar na falta de ponderação dos seus efeitos); porque ii. ao juiz cabe o dever de seleccionar os factos que interessam para a decisão, e se ocorre erro nessa selecção trata-se de erro de julgamento, e não de vício formal (por omissão de ponderação); e porque iii. essa omissão se integra no conceito de decisão factual deficiente, vício este integrado no art. 662º n.º2 al. c) do CPC, cujo regime revela assim que tal vício está sujeito a forma própria de controlo e impugnação (sendo seguro que a nulidade do art. 615º não se confunde com a anulação, eventual, que o art. 662º n.º2 contempla: diferenciam-se nos seus pressupostos e no seu regime).


Donde não ocorrer a nulidade invocada.


3. Não obstante, a recorrente invoca em simultâneo o regime do art. 662º n.º2 al. c) do CPC e termina a sustentar (a título subsidiário) o aditamento de certo facto, pelo que, pese embora a confusão de regimes, ainda fica claro que também invoca a deficiência da decisão sobre a matéria de facto (vício que, aliás e ao contrário do vício decorrente do art. 615º n.º1 do CPC, é de conhecimento oficioso, por força de expressa previsão legal).


Quanto ao objecto desta impugnação, estaria em causa a factualidade que a recorrente acaba por descrever no art. 16º da alegação e na conclusão VII (a qual congrega o previamente discutido pela recorrente). Estaria, pois, em causa o seguinte facto:


O telhado foi executado conforme o orçamento apresentado pela Autora, tendo os Réus aceite a alteração do projecto.


Este facto deve, contudo, ser dividido em dois segmentos distintos, a avaliar separadamente.


4. Assim, releva primeiramente a afirmação de que «o telhado foi executado conforme o orçamento apresentado pela Autora».


A deficiência da matéria de facto, contemplada no art. 662º n.º2 al. c) do CPC, pressupõe, em primeira linha, que tenham sido alegados factos relevantes que não foram contemplados na matéria de facto discutida (e tida por provada ou não provada).


Das peças processuais da recorrente, especialmente da réplica, não consta a afirmação, aliás algo genérica, agora invocada (v. o art. 21º da réplica apenas se refere à espessura ajustada, e o art. 22º apenas descreve a alteração efectuada - respeitante ao uso de varas e ripas metálicas). Trata-se, pois, de facto não alegado, cuja falta de consideração pelo tribunal recorrido (omissão) não lhe poderia, por isso e em princípio, ser imputada.


A solução poderia ser diferente caso se considerasse estar em causa facto concretizador ou complementar da causa de pedir da acção ou, mais rigorosamente, da defesa contra a excepção (no que diz respeito à conformidade da construção), facto este que derivava do julgamento da causa, para os termos do art. 5º n.º2 al. b) do CPC – seria este o regime de que a recorrente pretenderia valer-se, dado se reportar expressamente àquele art. 5º n.º2 al. b) do CPC (embora, admitido o relevo do facto para este regime, haveria ainda que avaliar se poderia, e em que termos, ser invocado em recurso, e já que a recorrente não o invocou, como devia, em julgamento).


O orçamento que a recorrente invoca seria a proposta que consta em 2 e 3 dos factos provados. Quanto ao telhado, aquela proposta não se esgota na estrutura da cobertura que conta em 3.b) dos factos provados, envolvendo directamente ainda o ponto c) daquele facto 3) e indirectamente ao menos também as regras relativas à alvenaria.


Sucede que dos meios de prova que a recorrente invoca (declarações de parte e depoimento testemunhal) não decorre a afirmação factual tão ampla que sustenta (que o telhado foi elaborado em conformidade com o proposto), mas apenas que a utilização de varas/ripas metálicas (em vez de betão) foi acordada [3], tendo aquelas sido efectivamente utilizadas no telhado. O que, manifestamente, não equivale à pretendida afirmação de conformidade absoluta (entre o proposto e o realizado) que a recorrente sustenta, pois o telhado envolve outros dados para além da natureza das vigas. Acresce que existem dados que depõem contra aquela pretendida conformidade absoluta. Assim, de um lado, com o teor dos factos 33, 34 e 35 (que a recorrente não impugnou), quando referem, mormente, que o vigamento tem que ser reforçado, demolido o beirado, que existe incorrecta distância entre ripas e que não foi usado roofmate. E, de outro lado, com os dados recolhidos de outros meios de prova, mormente o documento intitulado «relatório sobre execução de cobertura» junto com a contestação, e que a perícia confirmou (na resposta dada pelo perito ao art. 32º), o qual descreve várias falhas, nomeadamente a falta de execução de empenas em alvenaria ou a existência de perfis com curvatura. O facto que se pretende aditar não deriva, pois, do julgamento (não estando nele suficientemente revelado), para se poder colocar a possibilidade de recorrer ao regime daquele art. 5º n.º2 al. b) do CPC (ficando prejudicada assim a avaliação do modo como este regime poderia condicionar a decisão).


Não pode assim valer a sua pretensão (de anulação ou de aditamento) quanto àquele facto.


5. Cabe ainda notar que se não alcança o relevo do art. 662º n.º1 al. d) do CPC (que a recorrente cita em suporte da sua pretensão), já que em momento algum se invoca a deficiência da fundamentação da decisão quanto a algum facto dado como provado (ou não provado). E, obviamente, se o facto for omitido, inexiste, por inerência lógica, fundamentação que possa ser tida por deficiente: o problema é outro e prévio.


Assim como se não alcança suporte para o enunciado (posterior ás conclusões) em que se reporta uma nulidade por incompatibilidade de factos - nem nas alegações nem nas conclusões, mesmo nas aperfeiçoadas, se descortina qualquer referência a tal nulidade ou contradição entre factos [4] (o que torna aquele enunciado, mesmo para efeitos interpretativos, irrelevante).


6. No que à segunda parte da sua pretensão respeita, estaria em causa a seguinte menção: tendo os Réus aceite a alteração do projecto.


Também aqui se trata de facto em rigor não alegado, pois, como deriva do art. 21º da réplica, a A. alegou que houve uma alteração incluída na proposta apresentada, que os RR. aceitaram: ou seja, alegou que aceitaram a proposta de contrato apresentada, não a alteração ao projecto (art. 21º). Pelo que também aqui o relevo do facto teria que passar pelo regime do art. 5º n.º2 al. b) do CPC


Mas o que se verifica é que os meios de prova que a recorrente invoca não suportam a afirmação, pois as declarações de parte da recorrente e da testemunha que invoca não sustentam que os RR. aceitaram a alteração do projecto (a recorrente, nas suas declarações, diz apenas que a estrutura de metal faz parte da proposta; a testemunha invocada diz que fizeram uma proposta ao recorrido, que a aceitou, sem que se refira ao projecto). Pelo que, em rigor, a afirmação de facto em causa (aceitação da alteração do projecto, coisa diversa da proposta) não deriva destes meios de prova. Quanto aos termos da proposta, com a aceitação da utilização de suporte metálico, já deriva, como referido, do descrito em 2) e 3.b) dos factos provados. Sendo que a aceitação desta proposta não equivale a aceitação de alteração do projectado, por se tratar de realidades diversas. Assim, também este facto não deriva do julgamento, para se poder apelar ao regime do citado art. 5º do CPC.


Donde também não poder ser acolhida, neste aspecto, a pretensão da recorrente.


7. A recorrente pretende depois que seja modificada a decisão sobre a matéria de facto no que ao facto descrito em 23 respeita.


Cumpriu, nesta parte, de forma suficiente os requisitos legais derivados do art. 640º n.º1 e 2 do CPC.


Este facto 23 tem a seguinte redacção:


Verificaram-se infiltrações de água no quarto do casal, junto à parede da casa de banho, resultante da falta de isolamento, bem como humidades e infiltrações na despensa e casa de banho e infiltrações na cozinha, vícios detetados pelos Réus e denunciados ao legal representante da Autora em setembro de 2020.


Pretende que o facto passe a ter a seguinte redacção:


Verificaram-se infiltrações de água no quarto do casal, junto à parede da casa de banho, resultante [sic], bem como humidades e infiltrações na despensa e casa de banho e infiltrações na cozinha, vícios detetados pelos Réus e denunciados ao legal representante da Autora em setembro de 2020.


E que fique a constar como não provado que:


k. Que as infiltrações de água no quarto do casal, junto à parede da casa de banho, resultante [sic], bem como humidades e infiltrações na despensa e casa de banho e infiltrações na cozinha, sejam resultantes de mau isolamento.


Verifica-se assim, a partir da posição da recorrente, que a sua impugnação visa apenas excluir a menção à causa das infiltrações, dando como não provado que tais infiltrações derivaram «de mau isolamento» (asserção esta que foi clarificada nas conclusões aperfeiçoadas: v. concl. IX).


A impugnação é inconsequente. Com efeito, é aceite que ao dono da obra não cabe demonstrar a causa do defeito (ou desconformidade, na terminologia da empreitada de consumo), sendo antes encargo do empreiteiro revelar essa causa para assim demonstrar que ela lhe não é imputável [5] – tal solução compreende-se pois foi o empreiteiro que controlou a execução da obra, e ela deriva, em geral, da distribuição do ónus da prova, quer por, de um lado, o dono da obra apenas ter que demonstrar a desconformidade, e já não a sua causa, funcionando esta como fundamento de exclusão da responsabilidade do empreiteiro, que a deve demonstrar (art. 342º n.º1 e 2 do CC); quer porque perante a desconformidade se presume a culpa do empreiteiro (art. 799º n.º1 do CC) [6] e nesta presunção de culpa vai ínsita a imputação da desconformidade, e por isso da sua causa, ao empreiteiro. Asserção reforçada, no quadro da empreitada de consumo [7], pelo art. 3º n.º1 do DL 67/2003, de 08.04 [8], na medida em que responsabiliza o empreiteiro pela falta de conformidade, sem colocar a causa dessa desconformidade como condição de tal responsabilização, e ainda pelos art. 3º n.º2 e 2º n.º2 do mesmo DL, quando se estabelecem presunções de anterioridade e de desconformidade.


Assim, o que aproveita aos recorridos é a existência do defeito/desconformidade (as infiltrações, no caso), sendo irrelevante, do ponto de vista do seu direito, que se prove ou não a causa dessa infiltração. Deste modo, a exclusão de tal causa, como pretendido pela recorrente seria, como referido, inconsequente.


Ora, tem sido entendido que a impugnação não deve ser avaliada quando se mostre inútil, do ponto de vista da funcionalidade da decisão de mérito [9], dada a sua instrumentalidade. Com efeito, se o facto impugnado não puder alterar o sentido decisório (não se reflectir de modo algum no sentido da decisão final), a avaliação da sua impugnação traduzir-se-ia num mero exercício intelectual, desligado de qualquer relevo concreto. Donde que sendo o facto impugnado inconsequente, sem efeito na decisão, permanecendo, com ou sem ele, inalterada a solução jurídica, a avaliação da impugnação seria contrária ao princípio da utilidade, sendo por isso proibida pelo art. 130º do CPC [10].


Sem embargo, e em benefício de efectiva clarificação (e pese embora aquela proibição), ainda se nota que, cabendo à recorrente indicar os meios de prova que impunham a decisão factual que sustenta (art. 640º n.º1 al. b) do CPC), os meios de prova que indica não o sustentam. Pois o perito, nos esclarecimentos escritos prestados e que a recorrente invoca, não sustentou desconhecer a origem das infiltrações. Apenas não verificou se existiam infiltrações com origem no prédio adjacente. Trata-se de causa meramente hipotética, não confirmada. Ora, para se afirmar certa causa não é necessário que se excluam todas as demais causas possíveis ou hipotéticas. Acresce que o perito reportou a causa que, no caso, seria a mais curial ou plausível. E nunca a excluiu - aliás, no esclarecimento escrito, que a recorrente reproduz, o que o perito afirma é que existindo infiltração originada no prédio contíguo, essa seria «mais uma das origens das infiltrações», sem excluir a que já tinha identificado. O que, coerentemente, manteve nos esclarecimentos prestados em audiência, nos quais afirmou que era natural que a infiltração proviesse do telhado, e que sendo natural que haja outra, dela não se apercebeu (sendo que esta segunda afirmação significa, de um lado, que não se diagnostica outra causa e, de outro lado, que, a existir, seria apenas concorrente com a causa afirmada, não excluindo esta). Pelo que as provas indicadas pela recorrente (os esclarecimentos do perito) não permitem ter por não provada aquela origem.


Quanto ao facto de a sentença recorrida ter referido que este facto não teria sido impugnado pela recorrente, o que seria incorrecto, é questão irrelevante porquanto aquela sentença dessa afirmação (seja ou não exacta) não retirou efeitos, pois ainda justificou a fixação de tal matéria com base nas declarações de parte dos RR., depoimentos de testemunhas e dados periciais - como decorre da motivação realizada.


Ainda neste ponto, a recorrente, nas conclusões aperfeiçoadas, realiza duas menções inovatórias, que, por isso, se mostram irrelevantes. Assim quando qualifica a matéria em causa como conclusiva (embora sem explicitar a afirmação) e quando sustenta que a afirmação «viola a proibição de presunções judiciais sobre matéria não provada» (a afirmação não é clara; provavelmente quereria a recorrente reportar-se a presunções a partir de matéria de facto não provada; tal não está, de qualquer modo, em causa).


8. Por fim, dirige ainda sua impugnação ao facto 29, o qual tem a seguinte redacção:


O painel solar deixou de funcionar em setembro de 2021, o que determinou a substituição do mesmo.


Pretendia, originalmente, que tal facto passasse a ter a seguinte redacção:


O painel solar deixou de funcionar em setembro de 2021, tendo os Réus contratado com a sociedade DD Lda para a substituição do mesmo, sem interpelação da Autora para o efeito.


E que fosse dado como não provado que:


l. A avaria do painel solar foi devido a má instalação por parte da Autora.


Nas suas conclusões aperfeiçoadas deixou de fazer referência, no facto que pretende dar como demonstrado, à sociedade contratada pelos recorridos – o que se mostra até justificado pois a menção a tal sociedade era irrelevante.


Assim, perante a posição da recorrente, a sua pretensão dirige-se a duas questões factuais:


- inexistência de interpelação da recorrente antes da substituição do painel solar (o que deveria ser dado por provado), e


- causa da avaria do painel solar (que deveria ser dada por não provada).


Começando por este segundo aspecto da impugnação, deve notar-se que a causa da avaria do painel solar não consta dos factos provados, pelo que a impugnação não o visa eliminar de tal elenco. Por outro lado, a circunstância de certo facto ser dado como não provado não equivale à prova do seu contrário, nem envolve a afirmação da inexistência de tal facto, ou seja, não equivale, no caso, à prova de que a avaria não se deveu a deficiente instalação por parte da A./recorrente. A circunstância de certo facto ser dado como não provado significa apenas isso mesmo, que não está demonstrado, não tendo por isso valor factual: significa que esse facto não pode servir para sustentar alguma presunção, conjectura ou direito, mas também, igualmente, que na inexistência de tal facto se não pode basear nenhuma presunção, conjectura ou direito (sendo que facto não provado não equivale a facto inexistente). O que significa que a introdução de tal facto no elenco de factos não provados é inconsequente e irrelevante, nada alterando. Com ou sem esse facto (no elenco de factos não provados), a situação factual é sempre a mesma: o painel solar deixou de funcionar e foi substituído, ignorando-se a causa. Não se justifica, pois, a pretensão [11].


Quanto ao primeiro aspecto desta impugnação, trata-se de matéria de facto que não foi alegada. Nem os recorridos alegaram que deram conhecimento da situação à recorrente antes da substituição, nem a recorrente alegou que tal não ocorreu (art. 21 da contestação, antes e depois do aperfeiçoamento, e art. 10º da réplica).


Tratar-se-ia também aqui, assim, de matéria de facto que apenas poderia relevar no quadro do referido art. 5º n.º2 al. b) do CPC, o que equivale a exigir que se trate, em primeiro lugar, de facto concretizador ou complementar da causa de pedir ou de excepção invocadas. Estes factos concretizadores ou complementares revestem sempre uma natureza essencial, no sentido de que, não servindo para individualizar a causa de pedir ou o fundamento da excepção (ou contra-excepção), são no entanto necessários para preencher a hipótese da norma que aquela causa de pedir ou fundamento da excepção (ou contra-excepção) reclamam para alcançar o efeito visado pelas partes (autor ou réu, respectivamente) [12].


Ora, de um lado, a recorrente não faz qualquer esforço para demonstrar esta natureza complementar ou concretizadora do facto a aditar, mormente indicando que fundamento de defesa oportunamente alegado estaria em causa. De outro lado, e nessa sequência, também se não alcança que possa ser a tal facto atribuída aquela natureza complementar ou concretizadora. Pois, compulsada a réplica, peça na qual a recorrente se pronunciou sobre as desconformidades alegadas (nela congregando a sua defesa perante tais desconformidades enquanto excepções e enquanto causa de pedir da reconvenção), esta nunca suscitou qualquer questão relacionada com a falta de denúncia ou de interpelação quanto à situação do painel solar. O que significa que o facto a aditar não integra qualquer questão suscitada na defesa da recorrida e assim não é complementar ou concretizador de nenhuma prévia alegação. Pelo que não é possível atender ao facto invocado (independentemente da prova o sustentar ou não), mesmo pela via do referido art. 5º do CPC: a consideração de tal facto ficou precludida por não ter sido oportunamente alegado.


Por outro lado, também se verifica, pela alegação em sede de recurso [13], que a recorrente associa este facto que pretende ver aditado à circunstância de a substituição do painel solar ter ocorrido sem lhe ter sido dada a oportunidade de verificar o estado do painel e de obter a sua reparação junto da marca (art. 45º da alegação e concl. XI das conclusões aperfeiçoadas [14]). O que constitui uma situação completamente nova, que não foi alegada oportunamente nem colocada perante o tribunal de primeira instância, que por isso não apreciou, nem tinha que apreciar, esta questão ou problema.


Isso significa que está em causa uma questão nova, ou seja, uma questão trazida inovatoriamente ao recurso. O que impede que ela possa ser conhecida nesta sede. Tal deriva da natureza do recurso e do seu efeito devolutivo, o qual visa obter uma «decisão sobre decisão», constituindo meio de impugnação de decisão judicial seguindo um sistema de reponderação (visando «a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento»). Deste modo, visa reapreciar questões concretas que se consideram mal decididas e não conhecer questões não suscitadas nem discutidas e apreciadas no tribunal recorrido. De forma complementar, deriva também de uma ideia de preclusão, inerente ao dever de suscitação dos fundamentos da acção e da acção nos respectivos articulados, impedindo que estes fundamentos (salvo quado sejam supervenientes) sejam invocados em momento posterior ao esgotamento da possibilidade de alegação (esgotamento que, quanto à recorrente, ocorre com a réplica). Só não será assim onde a lei disponha diversamente, ou em matéria indisponível, onde a intervenção oficiosa é imposta, situações que não ocorrem [15].


Tal questão não poderia, pois, ser conhecida nesta sede, por estar excluída do objecto do recurso [16]. O que torna irrelevante, também por esta via, a discussão dos factos que a recorrente agora invoca.


9. Carece de sentido a invocação da inexistência de defeitos, que a recorrente enuncia após as conclusões, por absolutamente carecida de qualquer inserção no âmbito do recurso (tal afirmação não é objecto de qualquer discussão nas alegações, nem consta enunciada nas conclusões) – invocação, aliás, manifestamente descabida, face aos factos provados.


10. A recorrente não associa nenhum efeito jurídico preciso à generalidade das alterações factuais que sustenta. De qualquer modo, improcedendo estas, nenhuma avaliação adicional se suscita.


11. A recorrente invoca depois a existência de abuso de direito (questão nova, cuja admissibilidade nesta sede deriva do facto de poder ser oficiosamente conhecida) na modalidade da conduta contraditória (venire contra factum proprio), que constitui, na verdade, modalidade do abuso de direito correntemente integrada no regime do art. 334º do CC.


Esta contraditoriedade derivaria das seguintes circunstâncias:


a) a obra, quanto ao telhado, foi executada conforme o orçamento apresentado pela recorrente,


b) o orçamento contemplava uma alteração ao projecto, da qual resultou um preço inferior ao que resultaria da execução da obra de acordo com o projecto,


c) essa alteração foi aceite pelos recorridos.


Assim, e em último termo, a contradição radicaria na circunstância de os recorridos reclamarem o arranjo do telhado quando este foi realizado nas condições que os recorridos aceitaram.


A pretensão tem que improceder por duas ordens de razões.


De um lado, não está provado que a obra (o telhado) foi executado de acordo com a proposta/orçamento (nem tal afirmação é, na verdade, correcta, como já ficou revelado), pelo que fica por revelar a conduta contraditória que justificaria a existência de abuso de direito (assim como também não consta dos factos provados que da alteração alegada resultava um preço inferior ao que resultaria da execução do projecto).


De outro lado, a argumentação assenta, salvo o devido respeito, num equívoco: tal argumentação poderia ter relevo se a pretensão dos recorridos assentasse apenas na substituição do telhado tal como proposto/acordado por uma realização do telhado nos termos definidos pelo projecto. Mas o que deriva dos factos provados (e mais amplamente da prova, na medida em que foi já referida) é que o telhado padece de desconformidades que excedem tal questão, e que a execução do telhado conforme o projecto é a forma ajustada de eliminar tais defeitos. Ou seja, não se trata de impor o cumprimento do projecto apenas por respeito ao projecto, mas de o impor como forma de eliminação dos defeitos. Notando-se, adicionalmente, que o acordado não se sobrepõe ao projectado se aquele acordo envolver a produção de defeitos (que o projecto evita), pois o empreiteiro responde pelo resultado da execução.


12. Por fim, invoca o enriquecimento sem causa.


Trata-se, de novo, de questão nova, não colocada na primeira instância nem avaliada na decisão recorrida, e que por isso não poderia, em princípio, ser colocada autonomamente no recurso – pelas razões já expostas.


Não obstante, e atendendo à argumentação invocada, verifica-se que esta argumentação não atende tanto ao enriquecimento sem causa, em si, mas antes ao facto de a reparação exceder o valor da construção do telhado, tal como acordado, o que deveria impedir a imputação do valor da reparação à recorrente. Mesmo neste sentido a objecção deveria ser qualificada como uma questão nova, no sentido exposto.


De qualquer modo, a argumentação não poderia proceder por duas razões. De um lado, está por provar que a reparação do telhado exceda o valor da sua construção. Tal não decorre dos factos provados, o que, só por si, elimina a base da argumentação expendida. De outro lado, a eliminação dos defeitos não tem, legalmente, como limite directo o valor da parte da obra a que o defeito diz respeito. O defeito (ou desconformidade) deve ser eliminado por decorrência do dever de realização conforme da obra que o empreiteiro assume, dever que supõe uma execução sem desconformidades, e sem que a eliminação do defeito esteja, à partida, condicionada pelo valor da reparação. O que poderia era, no quadro específico da empreitada de consumo, discutir-se a excessiva onerosidade da reparação, à luz da boa fé (art. 4º n.º5 do citado do DL 67/2003), mas trata-se de questão não invocada e que, em rigor, também não é suportada pelos factos provados.


13. Não procedendo as questões suscitadas no recurso, tem este que improceder, subsistindo a decisão impugnada.


14. Decaindo no recurso, suporta a recorrente as respectivas custas (art. 527º n.º1 do CPC) - avaliação que se reputa exigível, embora, inexistindo encargos e estando paga a taxa de justiça pela recorrente, ela apenas se reflectirá em custas de parte.


V. Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.


Custas pela recorrente.


Notifique-se.


Datado e assinado electronicamente.


Redigido sem apelo ao Acordo Ortográfico (ressalvando-se os elementos reproduzidos a partir de peças processuais, nos quais se manteve a redacção original).


António Fernando Marques da Silva - relator


Ricardo Manuel Neto Miranda Peixoto – adjunto


Filipe Aveiro Marques - adjunto

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1. Em reprodução literal (mas sem negrito ou itálico, onde aplicável).↩︎

2. Em que as conclusões reproduziam integralmente a alegação do recurso.↩︎

3. Este acordo já deriva dos factos assentes, da conjugação do descrito em 2) e 3.b) dos factos provados.↩︎

4. Mesmo a referida menção a uma fundamentação contraditória (indevidamente) aditada nas conclusões aperfeiçoadas não explica este enunciado.↩︎

5. V., por todos e em geral, J. Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina 2020, pág. 71, ou Ac. TRP de 28.04.2020 proc. 2710/18.7T8PRT.P1; para o domínio específico da empreitada de consumo, v. Ac. do STJ de 28.01.2025 proc. 17878/19.7T8LSB.L1.S1 (em 3w.dgsi.pt, sítio dos demais acórdãos doravante citados ).↩︎

6. Nesta afirmação vai pressuposta a ideia de que a responsabilização do empreiteiro deriva do não cumprimento (em sentido amplo) e não de uma função de garantia do regime.↩︎

7. Esta qualificação foi assumida na sentença recorrida, e não vem impugnada, o que a tornaria circunstância assente (embora se mostre, de qualquer modo, ajustada, considerando que, pese embora alguma fragilidade dos factos provados quanto à finalidade da obra, depreende-se que se destinava a habitação dos recorridos, o que a recorrente expressamente sustentou no art. 42º da réplica).↩︎

8. Na redacção do DL 84/2008, de 21.05, aplicável atenta a data dos factos / contrato (art. 53º n.º1 DL n.º 84/2021, de 18.10).↩︎

9. Sendo que, em recurso, já não relevam eventuais possibilidades jurídicas alternativas (que se não vê que ocorram), mas apenas aquela que é definida pelo tribunal.↩︎

10. V. Acs. do TRC proc. 522/20 ou 3713/16.1T8LRA.C3, Acs. do STJ proc. 26069/18.3T8PRT.P1.S1, 4420/18.6T8GMR.G2.S1 ou 8765/16.1T8LSB.L1.S2, ou A. Geraldes, Recursos em processo civil, Almedina 2022, pág. 334 nota 526, in fine.↩︎

11. Para além de, como já referido, a falta de demonstração da causa se ter também irrelevante de um ponto de vista jurídico.↩︎

12. É esta a solução dominante, a que se adere - sendo que, estruturalmente, os factos podem dividir-se em três grandes grupos: principais ou essenciais (à verificação do efeito jurídico visado); instrumentais (que apenas contribuem para revelar outros factos essenciais); ou irrelevantes (por nenhum efeito sustentarem). Destes últimos não quer o regime saber; os segundos são objecto de regime próprio (art. 5º n.º2 al. a) do CPC); pelo que só nos primeiros podem caber os factos concretizadores ou complementares.↩︎

13. Em cujas conclusões aperfeiçoadas a recorrente volta a modificar os termos originais do recurso, alterando a forma como pretendia ver o facto dado como provado (embora, na verdade, sem alterar em substância o facto) - v. concl. XII.↩︎

14. Também aqui inovando, referindo a falta de interpelação num «período de garantia» que no recurso original não referira. A menção é, pois, inaproveitável.↩︎

15. Outras, marginais, são a eventual superveniência de documento ou de lei nova.↩︎

16. V. A. Geraldes, recursos em processo civil, Almedina 2024, pág. 163 e ss., R. Pinto, Manual do recurso civil, vol. I, AAFDL 2020, pág. 350 ss., ou C. Mendes e T. de Sousa, Manual de processo civil, vol. II, AAFDL 2022, pág. 130/131, ou Acs. do STJ de 11.01.2024 proc. 3547/17, e de 15.12.2022 proc. 125/20).↩︎