Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
120/19.8T8CTX.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
REVOGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 02/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. A revogação do contrato por mútuo acordo dos contraentes tem acolhimento na lei ao abrigo da autonomia da vontade e corresponde ao que os autores designam por mútuo dissenso (contrarius consensus) ou distrate, que opera pelos próprios contraentes, de forma livre e sem necessidade de invocação de causa justificativa, correspondendo a um novo contrato com efeito extintivo do anterior, desde que este não esteja integralmente executado, podendo ter, ou não, efeito retroativo.
II. O ónus de alegação e prova dos pressupostos do acordo revogatório impende sobre aquele que invoca o correspondente direito.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
F.G. intentou a ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra RUBROPROD, UNIPESSOAL, LDA pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €15.000,00, acrescida de juros de mora vencidos, que liquidou em €2.931,99, e vincendos até integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que no exercício da sua atividade de agricultor, adquiriu à Ré uma máquina colhedora de tomate pelo preço de €40.000,00 e que, não conseguindo proceder ao seu pagamento integral, tendo apenas pago €15.000,00, entregou a máquina à Autora, no pressuposto de que esta lhe devolveria o que tinha já pago.

Contestou a Ré impugnando os factos alegados pelo Autor, pugnando pela sua absolvição do pedido, porquanto aceitou a entrega da máquina para pagamento da quantia em dívida pelo Autor (€25.000,00), nada mais tendo sido acordado entre as partes, ficando, assim, com a entrega da máquina, paga a dívida do Autor.
Deduziu pedido reconvencional pedindo a condenação do Autor no pagamento do valor de €25.175,89 pelo aluguer da máquina pelo período de 8 meses, decorrente da utilização feita pelo mesmo no período compreendido entre setembro de 2015 a abril de 2016, pelo recondicionamento da máquina feito pela Ré após a sua entrega pelo Autor, com vista à sua preparação para uma futura venda; e, por último, pela frustração do negócio e desvalorização do valor da máquina colhedora de tomate por a revenda só ter ocorrido 2 anos após ter sido entregue pelo Autor.

O Autor apresentou réplica, impugnando o pedido reconvencional, pedindo a condenação da Ré como litigante de má-fé.
Foi proferida sentença, cuja parte dispositiva tem o seguinte teor:
«Pelo exposto, julgo:
- a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condeno a Ré no pagamento ao Autor do valor de €5.000,00, acrescidos de juros mora à taxa legal, vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento.
- a reconvenção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo o Autor do pedido reconvencional.
- o pedido de condenação da Ré em litigância de má-fé, totalmente improcedente, dele absolvendo a Ré.»

Inconformada, apelou a Ré arguindo a nulidade da sentença e, caso assim não se entenda, a sua revogação e substituição por outra que julgue a ação totalmente improcedente, apresentando para o efeito as seguintes CONCLUSÕES.
«I) A Recorrente interpõe o presente recurso apenas da parte da douta sentença que decidiu pela procedência parcial da ação intentada pelo Autor/Recorrido e, em consequência condenou a Ré/Recorrente “no pagamento ao Autor do valor de €5.000,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento.”
II) Ora, compulsado o pedido formulado pelo Autor, os factos dados como provados e não provados na douta sentença proferida e, bem assim, a fundamentação da mesma, a Recorrente não consegue vislumbrar, de modo algum, com que base factual e/ou fundamentação é que o Tribunal a quo decidiu neste sentido.
III) O Autor peticionou a condenação da Ré no pagamento da quantia de €15.000,00 por conta de um alegado acordo efetuado entre ambas as partes no âmbito do qual a Ré alegadamente se havia comprometido a entregar ao Autor essa quantia após a restituição do equipamento por parte do Autor à Ré.
IV) Ora, compulsados os factos dados como provados e não provados, facilmente se constata que, e bem, o Tribunal a quo deu como não provado, nas alíneas c) e d) que:
“c) Acordaram que o equipamento adquirido pelo autor seria entregue à Ré, que, em contrapartida restituiria o cheque que perfazia o montante €25.000,00 euros; d) Entregando ainda ao Autor, a quantia de €15.000,00.”
V) Ora, salvo o devido respeito, resulta daqui por demais evidente que o pedido formulado pelo Autor resultou totalmente (e não apenas parcialmente) NÃO PROVADO.
VI) O Autor formulou o seu pedido no sentido de a Ré/Recorrente ser condenada a liquidar-lhe a quantia de €15.000,00 por conta de um alegado acordo efetuado entre ambas as partes no âmbito do qual a Ré alegadamente se havia comprometido a entregar ao Autor essa quantia após a restituição do equipamento por parte do Autor à Ré.
VII) O Autor nunca alegou que entregou a máquina à Ré para que esta vendesse e com o dinheiro da venda satisfaria o crédito que detinha sobre o autor no valor de €25.000,00.
VIII) Pelo que ter-se-á que concluir que o Tribunal a quo condenou em objeto diverso do pedido nos moldes em que o mesmo foi formulado pelo Autor/Recorrido, violando, deste modo, a norma contida no artigo 609.º, n.º 1 do CPC.
IX) Assim, a sentença proferida enferma de NULIDADE, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC, devendo tal nulidade ser declarada com as demais consequências legais.
Acresce ainda que,
X) Em nenhum dos factos dados como provados resultou provado que a Recorrente/Ré tenha procedido à venda da máquina assim como não consta dos factos dados como provados que a Recorrente/Ré tenha procedido à venda daquela máquina pelo montante de € 30.000,00.
XI) Aliás, compulsados os factos dados como provados e os factos dados como não provados resulta precisamente o inverso:
“f) A Ré alienou o equipamento ainda no ano de 2016, por volta do mês de junho do citado ano.
[…]
o) A Ré não conseguiu no imediato concretizar a venda da aludida máquina, o que somente ocorreu em 19 de setembro de 2018, decorridos mais de dois anos após a entrega da máquina pelo Autor à Ré.”
Mais,
XII) Em sede de fundamentação no que em concreto concerne ao facto dado como não provado na alínea o) menciona o Tribunal a quo que:
“Quanto ao facto inserto na alínea o) o mesmo foi dado como não provado, desde logo porque a fatura de venda refere uma máquina da marca Barigelli-Crima, sendo que a máquina que foi vendida ao Autor era da marca Bargam. […]”
XIII) Assim, e em face de tudo o anteriormente exposto, a Recorrente não consegue vislumbrar, porque inexiste, os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão final “condenação da Ré no pagamento de € 5.000,00” por conta da quantia que alegadamente excedeu o seu crédito aquando da venda da máquina quanto, como se viu, não foi dado como provado que a Recorrente tenha vendido a máquina e muito menos o valor pelo qual o fez, tendo, aliás, resultado o contrário na alínea o) dos factos dados como não provados.
XIV) Pelo que, não se concebe que Tribunal a quo se tenha baseado na fatura de venda junta pela Recorrente como Doc. 3 com a sua Contestação para dar como não provado o facto constante da alínea o) dos factos dados como não provados e, simultaneamente, - pese embora tal NÃO CONSTE DOS FACTOS PROVADOS – conclua que “[…] porque a Ré vendeu a máquina por € 30.000,00, tem que devolver ao Autor a quantia de € 5.000,00.”
XV) Temos assim que, a douta sentença proferida padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, uma vez que não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão de ter julgado a ação parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a Ré/Recorrente a liquidar à Recorrida a quantia de € 5.000,00 nos termos acima expostos.
XVI) Nulidade que expressamente se invoca e que deverá ser declarada com as demais consequências legais.
Acresce ainda que,
XVII) Compulsados os factos dados como provados, factos dados como não provados e respetiva fundamentação, facilmente se conclui que existe uma clara oposição entre a fundamentação (dos factos dados como provados e não provados) e a decisão proferida, assim como se verifica que a decisão proferida a final em nada se coaduna com os factos dados como provados e não provados.
XVIII) Na verdade, e pese embora o Tribunal a quo tenha andado bem ao dar como provado os factos que foram dados como provados e ao dar como não provados os factos dados como não provados, o que é facto é que de tais premissas não possível retirar a conclusão que a final foi retirada pelo Tribunal a quo (“[…] porque a Ré vendeu a máquina por € 30.000,00, tem que devolver ao Autor a quantia de € 5.000,00, valor este que excede o seu crédito”.
XIX) Limitou-se, pois, o Tribunal a quo, sem que tal tenha sido dado como provado ou se encontre fundamentado, a concluir, SEM MAIS E SEM NENHUMA REFERÊNCIA ANTERIOR a tal facto, que “porque a Ré vendeu a máquina por € 30.000,00, tem que devolver ao Autor a quantia de € 5.000,00, valor este que excede o seu crédito”.
XX) Ou seja, estamos perante uma decisão que se encontra em clara oposição com os factos dados como provados e não provados e com a própria fundamentação da douta sentença que, com em exceção da referência que é efetuada na penúltima página.
XXI) Pelo que, a Recorrente desconhece, em absoluto, o que motivou o Tribunal a quo a proferir tal decisão, o que, necessariamente, inibe a Recorrente de exercer cabalmente o seu direito de defesa.
XXII) Temos assim que, por tudo o anteriormente exposto, e também por via da aplicação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, a douta Sentença proferida padece de nulidade, seja porque a mesma está em clara oposição e até contradição com a fundamentação e factos dados como provados e não provados, seja porque, por força da inexistência de qualquer facto ou fundamentação capaz de retirar tal conclusão, a decisão se torna obscura e ininteligível.
XXIII) Nulidade que expressamente se invoca e que deverá ser declarada com as demais consequências legais.
XXIV) O Tribunal a quo ao ter decidido julgar a ação parcialmente procedente e, consequentemente, ter condenado a Recorrente/Ré no pagamento ao Autor/Recorrido da quantia de € 5.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento violou o disposto no artigo 609.º do CPC e, bem assim, fez um aplicação errada do artigo 840.º do Código Civil e do instituto da dação “pro solvendo” sendo que, na nossa modesta opinião, a factualidade assente nos autos integra a figura da dação em cumprimento, prevista no artigo 837.º do Código Civil.
XXV) Fazendo uma à aplicação correta da norma contida no artigo 609.º do CPC impunha-se decisão diversa daquela que foi proferida porquanto, tendo resultado não provados os factos que estavam subjacentes ao pedido formulado e não tendo o Autor/Recorrido formulado qualquer outro pedido subsidiário ou cumulativo no sentido em que foi proferida a douta sentença recorrida, a única decisão que poderia ter sido proferida em cumprimento do disposto no artigo 609.º do CPC passaria por julgar a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré/Recorrente do peticionado pelo Autor/Recorrido.
XXVI) O Tribunal a quo errou ao ter determinado aplicação ao caso sub judice da norma contida no artigo 840.º do Código Civil.
XXVII) Em sede de Fundamentação de Direito da douta sentença proferida, pode ler-se, além do mais, que:
“O que se demonstrou foi que a entrega da máquina à Ré pelo Autor foi para pagamento dos € 25.000,00 ainda em dívida à Ré, uma vez que o Autor não conseguia de outro modo pagar este valor.”
XXVIII) O caso em apreço, atento o facto dado como provado no ponto 16 dos factos dados como provados e, bem assim, tendo presente a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo, tem total enquadramento na figura da dação em cumprimento prevista no artigo 837.º do Código e não na figura da datio pro solvendo prevista no artigo 840.º do Código Civil.
XXIX) Na verdade, e tal como resultou provado “[…] o Autor procedeu à entrega à Ré, da máquina do tomate que tinha adquirido em Setembro de 2015, para pagamento dos € 25.000,00 ainda em dívida à Ré, uma vez que não conseguia pagar de outro modo”
Ou seja, “O que se demonstrou foi que a entrega da máquina à Ré pelo Autor foi para pagamento dos € 25.000,00 ainda em dívida à Ré […]”
XXX) Temos assim que, o Autor prestou à Ré coisa diversa da que era devida (era devido o preço pela compra da máquina e o Autor não pagou a totalidade do preço e, como tal entregou a máquina para pagamento do montante em dívida), tendo a Ré (credora) dado o seu assentimento.
XXXI) Assim, ter-se-á necessariamente que concluir que a factualidade assente integra, sem dúvida, a figura da dação em cumprimento (artigo 837.º do CC) e, como tal, impunha-se que o douto Tribunal a quo tivesse proferido decisão distinta daquela que se encontra plasmada na douta sentença recorrida.
XXXII) Pelo que, o Tribunal a quo não poderia ter aplicado a figura da datio pro solvendo assim como, de igual modo, não poderia ter concluído (em face de todos os elementos careados para os autos e atentos os factos dados como provados e não provados) pela condenação da Ré/Recorrente no pagamento ao Autor/Recorrido do valor de € 5.000,00 mencionado que” […] porque a Ré vendeu a máquina por €30.000,00, tem que devolver ao Autor a quantia de €5.000,00, valor este que excede o seu crédito.”».


Foi apresentada resposta ao recurso, pugnando o Apelado pela confirmação da sentença.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do recurso
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir são as seguintes:
- Nulidade da sentença;
- Não sendo nula, do conhecimento do mérito da sentença quanto à condenação da Ré;
- Sendo nula, do conhecimento do objeto do recurso por substituição ao tribunal recorrido, com a correspondente apreciação de mérito da causa.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
FACTOS PROVADOS
«1. A R. é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de máquinas agrícolas e acessórios o que faz com intuitos lucrativos.
2. No âmbito da sua actividade comercial o ano de 2015, concretamente no dia 08-09-2015, o Autor adquiriu à Ré uma máquina colhedora de tomate, da marca Bargam B/RP.
3. Aquando da aquisição do mencionado equipamento acordaram, Autora e Ré que o preço devido pela sua compra ascendia a €40.000,00.
4. Para pagamento da sobredita máquina de apanhar tomate o Autor procedeu à entrega à Ré de três cheques, sacados sobre o Banco Millenium BCP, S.A., datados de 08/09/2015, 08/10/2015 e o terceiro sem data, nos seguintes valores:
a) €5.000,00 Euros – cheque 6129873286;
b) €10.000,00 Euros – cheque 6129873189; e
c) €25.000,00 Euros - 6129873383.
5. Decorridos que foram cerca de seis meses sobre a data da entrega dos cheques que totalizavam o preço pago pela máquina adquirida pelo Autor à Ré e já após terem sido descontados os primeiros dois cheques, que perfaziam o montante de €15.000,00, o Autor solicitou à Ré que procedesse à substituição do cheque no valor de €25.000,00, por forma a que pudesse liquidar a referida quantia por duas vezes, ou seja, através da emissão de novos dois cheques, no valor, cada, de €12.500,00.
Da Contestação:
6. Ao preço de € 40.000,00, acrescia IVA á taxa legal em vigor, o que perfazia o preço total de € 45.200,00.
7. Em 08-09-2015, foi entregue ao Autor a máquina que adquiriu à Ré.
8. O Autor pretendia obter financiamento para liquidar o montante dos € 25.000,00, do preço da compra que tinha realizado com a Ré.
9. A Ré emitiu a fatura proforma e o Autor em contrapartida entregou o cheque no referido valor a título de caução e sem data.
10. O Autor não obteve o financiamento pretendido, por isso, solicitou à Ré que o pagamento do montante do €25.000,00 fosse efetuado por duas vezes.
11. Tendo por conta do pagamento do referido montante, o Autor entregou à Ré o cheque nº 6129874256, sacado sobre o Banco Millennium BCP, no montante de € 12.500,00, datado para o dia 05 de Fevereiro de 2016.
12. No início de Fevereiro de 2016, o Autor como não tinha provisão financeira para pagar o referido cheque, deslocou-se às instalações da Ré e, solicitou a substituição desse cheque, e ainda, entregou outro cheque, por forma a perfazer o montante dos € 25.000,00, que tinha em divida para com a Ré.
13. O Autor entregou, então, à Ré, os seguintes cheques:
- O cheque número 5091292586, sacado sobre o Banco Caixa Geral de Depósitos, com a data de 15-04-2016, no valor de € 12.500,00
- O cheque número 4191292587, sacado sobre o Banco Caixa Geral de Depósitos, com a data de 25-09-2016, no valor de € 12.500,00
14. Nesta ocasião, o Autor perspetivava realizar a campanha de tomate no ano de 2016 e obter o financiamento da campanha por parte do seu Banco, vindo desta forma a obter capacidade financeira para pagar à Ré a quantia ainda em divida, de €25.000,00.
15. Em Abril de 2016, o Autor manifestou junto da Ré que não tinha condições financeiras para realizar o pagamento do cheque no valor de €12.500,00.
16. Nessa altura o Autor procedeu à entrega à Ré, da máquina do tomate que tinha adquirido, em Setembro de 2015, para pagamento dos €25.000,00 ainda em divida à Ré, uma vez que não conseguia de outro modo pagar este valor.»

FACTOS NÃO PROVADOS
«Da Petição Inicial:
a) O A. dedica-se é agricultor desenvolvendo a sua atividade agrícola no concelho de Alpiarça, o que faz com intuitos lucrativos.
b) O A. acordou com o legal representante da Ré, Pedro Batalha, pôr termo ao negócio, em virtude de o Autor não conseguir liquidar o cheque que estava na posse da Ré e que totalizava € 25.000,00 Euros.
c) Acordaram que o equipamento adquirido pelo Autor seria entregue à Ré, que, em contrapartida restituiria o cheque que perfazia o montante de €25.000,00 euros,
d) Entregando ainda ao Autor, a quantia de €15.000,00.
e) Quantia essa que seria paga pela Ré até final do mês de Maio de 2016.
f) A Ré alienou o equipamento ainda no ano de 2016, por volta do mês de junho do citado ano.
g) A Ré, na pessoa do seu legal representante, acordou verbalmente com o Autor, liquidar, mensalmente, o valor em divida, ainda que de forma prestacional - €1.000,00 Euros -, o que nunca chegou a suceder.
Da Reconvenção:
h) A conduta do Autor causou à Ré, danos patrimoniais, que compreendem o aluguer da máquina, pelo período de 8 meses, decorrente: - da utilização feita pelo Autor no período compreendido entre Setembro de 2015 a Abril de 2016; -do recondicionamento da máquina feito pela Ré após a sua entrega pelo Autor, com vista à sua preparação para uma futura venda; e - da frustração do negócio e a desvalorização do valor da máquina colhedora de tomate na venda, ocorrida somente após 2 anos da data em que esta foi entregue por parte do Autor. i) O aluguer da máquina colhedora de tomate, para a área de cultivo do tomate, custa cerca de € 1000,00/por hectare.
j) O Autor utilizou a máquina cortadora de tomate, durante cerca de 8 (oito) meses, no período compreendido de Setembro de 2015, data em que adquire a máquina à Ré, até Abril de 2016, data em que a entrega à Ré.
l) O Autor, deve à Ré, a título de aluguer, pelo período de 8 (oito) meses, da máquina cortadora de tomate, o valor mensal de € 1.000,00, o que perfaz a quantia total de €8.000,00.
m) Após a entrega da máquina de colher tomate, por parte do Autor/Reconvindo, em Abril de 2016, a Ré com vista a colocá-la novamente em venda, procedeu ao seu recondicionamento, efetuando os trabalhos descritos na folha de obra nº 122, datada de 23-08-2017.
n)No recondicionamento da máquina colhedora de tomate, a Ré/Reconvinte gastou a quantia de € 5.875,89.
o) A Ré não conseguiu no imediato concretizar a venda da aludida máquina, o que somente ocorreu em 19 de Setembro de 2018, decorridos mais de dois anos após a entrega da máquina pelo Autor à Ré.
p) Esta situação implicou um empate de capital sofrido pela Ré durante mais de dois anos até concretizar a segunda venda da máquina cortadora de tomate.
q) E a desvalorização económica da máquina colhedora de tomate verificada entre as duas vendas, no valor de €11.300,00, considerando a diferença entre o valor da venda ao Autor em Setembro de 2015 e o valor da venda em Setembro de 2018, decorridos mais de 2 anos, após a entrega da máquina, pelo Autor.»


C- De Direito
1. Nulidade da sentença
A Apelante vem arguir a nulidade da sentença nos termos dos artigos 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC, por a sentença ter condenado em objeto diverso.
Para o efeito alega que a sentença condenou a Ré a pagar ao Autor o valor de €5.000,000 correspondente à diferença do valor em dívida (€25.000,00) e o valor da revenda da máquina a terceiro (€30.000,00).
Porém, o Autor nunca formulou tal pedido, porquanto o pedido de condenação da Ré no valor de €15.000,00 corresponde ao valor que o Autor pagou e que, por acordo com a Ré, esta lhe devolveria por o Autor lhe ter entregue a máquina por não poder cumprir totalmente a obrigação de pagamento do preço ainda em dívida (€25.000,00).
Ou seja, nunca o Autor alegou que entregou a máquina à Ré para que esta a vendesse e com o dinheiro da venda ficasse satisfeito o crédito que detinha sobre o autor no valor de €25.000,00, devolvendo o excedente do preço da revenda ao Autor.
Também a Apelante vem arguir a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC (falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito) por ter condenado a Ré a pagar à Autora a quantia de €5.000,00 que corresponde à diferença entre o preço em dívida e o da revenda, não obstante ter dado como não provado que a Ré tenha revendido a máquina pelo montante de €30.000,00.
Finalmente, também a Apelante arguiu a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC (oposição e até contradição entre os factos provados e não provados e a decisão, e obscuridade e ininteligibilidade da decisão), porquanto condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €5.000,00 sem que tal decorra e até contradiga os factos provados e não provados.
Analisando, seguindo a sequência das alínea do n.º 1, do artigo 615.º do CPC:
As nulidades da sentença encontram-se taxativamente elencadas nas várias alíneas do n.º 1 do referido artigo 615.º, do CPC e correspondem a vícios formais que afetam a decisão em si mesma, mas não se confundem com erros de julgamento de facto ou de direito, suscetíveis de determinar a alteração total ou parcial da decisão proferida.

A falta de fundamentação a que alude o n.º 1, alínea b) do artigo 615.º, do CPC, está em consonância com o dever de fundamentação as decisões, consagrado na CRP e na lei ordinária (artigo 205.º, n.º 1, da CPR, artigos 154.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, do CPC).
Porém, como tem sido entendido de forma consensual, a arguida nulidade só ocorre quando a falta de fundamentação for absoluta, o que não se verifica quando haja insuficiente ou errada fundamentação de facto e/ou de direito, vícios para os quais a lei tem remédios diversos que não passam pela declaração de nulidade do decidido (cfr., assim, artigos 639.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), 640.º e 662.º, n.º 1 e 2, alíneas c) e d), todos do CPC).
No caso em apreciação, a sentença elenca os factos provados e não provados em resultado do julgamento, fundamenta a decisão de facto assente nos meios de prova produzidos, e convoca o regime legal que julgou aplicável, pelo não existe falta total e absoluta de fundamentação, seja de facto, seja de direito.
Coisa diversa é saber se ocorreu erro de julgamento quanto à matéria de facto, que poderia ser analisada em sede de impugnação da decisão de facto, que, no caso, não foi suscitada, ou erro de julgamento quanto à aplicação do direito aos factos provados, a analisar em termos de apreciação do mérito do decidido.
Em suma, em face do modo como o tribunal a quo elencou os factos provados e não provados e fundamentou a decisão de facto e direito, não incorreu na arguida nulidade, pelo que improcede este segmento do recurso.

Estipula o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, primeira parte, que a decisão é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Já a segunda parte prescreve que a sentença é nula quando for ambígua ou obscura de tal modo que a torne ininteligível.
Conforme é comumente aceite, a nulidade prevista na primeira parte da alínea c), verifica-se quando haja uma contradição lógica no processo de decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devam conduzir logicamente ao resultado oposto ao que veio a ser expresso na decisão.[1] Este vício formal não se reporta a situações em que se parte de pressupostos errados (por exemplo, apreciação e interpretação dos factos ou do direito), caso em que existe um vício de conteúdo (“error in judicando”), mas não nulidade da decisão.[2]
Já a ambiguidade ou obscuridade da sentença reporta-se à sua parte decisória e apenas ocorre quando um gera ininteligibilidade, ou seja, quando um declaratário normal, nos termos do artigo 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.[3]
No caso, a sentença fundamenta a condenação da Ré em factos que não se encontram provados. A fundamentação e a correspondente condenação que consta da parte decisória da sentença não é obscura, nem ininteligível. Não há qualquer dúvida interpretativa que legitimamente se suscite em face do texto da sentença.
O que se verifica é que a sentença, por um lado, interpretou juridicamente a devolução da máquina ao vendedor como correspondendo a uma datio pro solvendo, cuja factualidade de suporte (causa de pedir) não se encontra alegada, e, por outro lado, socorreu-se de factualidade referente ao preço da revenda que não se encontra provada.
Ainda assim, o percurso analítico subjacente a tal fundamentação é escorreito e claro, não existe uma contradição lógica nesse raciocínio, o que é diverso do mesmo ter interpretado incorretamente os factos provados (e não provados) e aplicado de forma acertada o regime jurídico que foi convocado para dirimir o litígio.
O que se verifica, não é uma nulidade da sentença, mas sim um error in judicando que deve ser analisado em sede da apreciação do mérito da sentença.
Improcede, assim, a arguida nulidade.

A nulidade da alínea e), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, ocorre quando o Tribunal condena em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, ou seja, violando os limites a que se reporta o artigo 609.º do CPC.
A nulidade decorre da violação do princípio do pedido, segundo o qual a sentença não pode desrespeitar os limites quantitativos e qualitativos do pedido (artigo 609.º, n.º 1, do CPC), o que, por sua vez, constituiu corolário do princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância (artigos 5.º e 552.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC).[4]
Sendo que o n.º 2 do artigo 609.º, do CPC, permite, caso não haja elementos para fixar o objeto ou a quantidade, a condenação no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte já liquidada.
No caso, é invocada a condenação em objeto diverso do pedido, que ocorre quando aquela não tem qualquer correspondência com a causa de pedir e/ou pedido apresentado em juízo.
O objeto da sentença há-de ser idêntico ao objeto do processo, ou seja, o tribunal não pode alterar ou substituir a causa de pedir, isto é, o facto jurídico que o Autor invocara como base da sua pretensão, em ordem a decidir o litígio que lhe foi colocado.
Assim, tem de existir identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar.
Tudo isto sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, ou seja, a lei confere ao julgador o poder de qualificar juridicamente a pretensão apresentada em juízo.
No caso sub judice, a causa de pedir da ação consubstancia-se na alegação de factos referentes ao incumprimento do Autor por não ter procedido ao pagamento integral do preço da compra e venda, nem o poder fazer, faltando pagar €25.000,00, tendo acordado com a Ré que lhe devolvia a máquina e esta, por sua vez, devolvia-lhe o valor do preço já pago (€15.000,00).
Nada foi alegado no sentido da Ré receber a máquina para a revender e, caso o valor da revenda fosse superior ao valor em dívida, então devolveria a diferença ao Autor.
Ora, a sentença estribou a decisão condenatória precisamente numa configuração que o Autor não deu à causa de pedir. Ou seja, condenou a Ré a devolver ao Autor a diferença entre o valor em dívida e o preço da revenda da máquina, sem que o Autor tivesse formulado tal pedido e tivesse alegado factos (causa de pedir) que o consubstanciasse.
Não se afigura sequer questionável que a sentença condenou em objeto diverso, não porque tenha condenado num determinado valor pecuniário que até se enquadra dentro do valor do pedido, mas porque a condenação assenta numa causa de pedir não invocada pelo Autor.
Estamos, assim, perante uma condenação ultra petitum que viola o artigo 609.º, n.º 1, do CPC, daí decorrendo a nulidade da sentença por aplicação do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, o que se declara.
A nulidade da sentença não obsta ao conhecimento do objeto da apelação como resulta da regra da substituição ao tribunal recorrido por parte do Tribunal ad quem, prevista no n.º 1 do artigo 665.º, n.º 1, do CPC, tanto mais que objeto do recurso centra-se no direito a aplicar aos factos apurados em sede de julgamento.
Tendo a questão da nulidade sido suscitada no recurso e tendo havido resposta ao recurso onde a contraparte teve oportunidade de se pronunciar, encontra-se assegurado o princípio do contraditório (cfr. artigo 665.º, n.º 4, do CPC), pelo que se passa a conhecer do mérito da sentença.

2. Do conhecimento do objeto do recurso por substituição ao tribunal recorrido, com a correspondente apreciação do mérito da causa
O contrato celebrado entre Autora e Ré corresponde a um contrato de compra e venda de uma máquina agrícola, pelo valor de €40.000,00, encontrando-se o preço acordado, embora unitário, dividido e escalonado no tempo, considerando-se a prestação do comprador (pagamento do preço) realizada a final. A prestação da Ré (entrega da coisa vendida) encontra-se cumprida.
O contrato de compra e venda, por via do qual se transmite a propriedade de uma coisa ou direito, mediante um preço, como estipula o artigo 874.º do Código Civil (CC), é um contrato real quoad effectum, ou seja, a transmissão do direito real de propriedade opera por efeito do contrato (salvo a situação de reserva de propriedade - artigo 409.º do CC – que, no caso, não vem invocada), sem necessidade de outro negócio posterior (artigos 408.º, n.º 1, e 879.º, do CC), ainda que o preço não seja pago, no todo ou em parte, no ato da celebração do contrato e/ou da entrega da coisa.
Correspondendo a obrigação de pagar o preço a uma prestação pecuniária, aplicam-se as regras gerais do cumprimento (artigos 762.º e ss do CC) e do não cumprimento das obrigações (artigos 790.º e ss do CC).
O comprador que não tenha pago o preço na data do vencimento, entra em mora (artigos 804.º e 806.º do CC). Ao vendedor assiste o direito de obter, por via da ação de cumprimento, o preço em falta e os correspondentes juros de mora, ou em situações de incumprimento definitivo, optar pela resolução do contrato (artigo 801.º do CC).
No caso em apreço, apesar do comprador se encontrar em mora, como se encontra patenteado nos factos provados nos pontos 5, 10 a 15, a vendedora não optou nem pela ação de cumprimento, nem pela resolução do negócio.
Ao invés, foi o comprador que manifestando junto da Ré que não tinha condições financeiras para pagar, procedeu à entrega da máquina à vendedora «para pagamento dos €25.000,00 ainda em dívida à Ré, uma vez que não conseguia de outro modo pagar esse valor» (factos provados sob os pontos 15 e 16).
O Tribunal a quo interpretou juridicamente a entrega da máquina ao vendedor pelo comprador como correspondendo a uma dação em função do cumprimento (datio pro solvendo – artigo 840.º do CC), afastando a dação em pagamento (datio in solutum – artigo 837.º do CC).
No recurso, a Apelante defende que a situação se enquadra na datio in solutum.
Não cremos que seja uma ou outra a figura jurídica aplicável ao caso dos autos.
Pela simples razão que na base da dação (em qualquer das duas modalidades) está uma prestação diversa da devida, correspondendo a uma forma de extinção das obrigações para além do cumprimento, mas mantendo-se a validade e eficácia do negócio e não a sua extinção.
Ou seja, a dação em pagamento ou em função do cumprimento visa exonerar o devedor da sua obrigação dando, assim, satisfação ao crédito do credor, mantendo-se válido e eficaz o contrato celebrado.
No caso, com a entrega da máquina o fim visado pelo Autor não foi o cumprimento do contrato, pois tal até seria incongruente na medida em que já tinha pago uma parte do preço, entregava a máquina para saldar a parte em falta e, veja-se o absurdo, ainda ficava sem o bem, cuja propriedade seria transmitida para o vendedor ou para terceiro que viesse a adquirir a máquina.
Mesmo na perspetiva acolhida pela sentença recorrida, a entrega da máquina serviria para pagar o valor em falta, eventualmente recebendo a diferença entre o valor da revenda e o valor em incumprimento, mas sempre seria transmitida a propriedade da máquina para terceiro. Então seria caso para perguntar, qual seria a razão para ficar desembolsado do valor da prestação já satisfeita?
A solução de direito preconizada pelo Tribunal a quo para dirimir o dissídio, salvo o devido respeito, não tem qualquer sentido.
Afigura-se-nos, antes, que atento o modo como o Autor formulou a causa de pedir e o pedido, o que está em causa é a existência de um acordo revogatório do contrato de compra e venda com efeitos retroativos, ou seja, o Autor entregava a máquina ao vendedor porque não estava em condições de satisfazer a prestação em falta quanto ao pagamento do preço, e, por sua vez, o vendedor recebia a máquina e entregava-lhe o valor da prestação que este já tinha pago, devolvendo-lhe ainda o cheque entregue para pagamento do valor em dívida.
Desse modo, o vendedor readquiria a titularidade (direito de propriedade) da máquina e o Autor, por sua vez, seria reembolsado do valor pago, exonerando-se da parte ainda em dívida. Tudo voltava ao ponto anterior à celebração do contrato de compra e venda.
Esta construção jurídica da situação em apreço corresponde a um acordo revogatório do contrato celebrado (compra e venda).
A revogação constituiu uma forma de extinção dos contratos.
O artigo 406.º, n.º 1, do CC, inserido no capítulo das fontes das obrigações na secção referente aos contratos, que tem como epígrafe «Eficácia dos contratos», estipula: «O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.»
A revogação do contrato por mútuo acordo dos contraentes tem assim acolhimento na lei e é um corolário do princípio da autonomia da vontade, correspondendo ao que os autores designam por mútuo dissenso (contrarius consensus) ou distrate, que opera pelos próprios contraente, de forma livre e sem necessidade de causa justificativa, correspondendo a «(…) um novo contrato (extintivo e não modificativo) que envolve, assim, uma concertação das partes sobre o primitivo contrato – desde que este não tenha sido integralmente executado (…), com eficácia retroactiva ou não retroactiva, o que equivale a relevar o convencionado ou as finalidades do instituto.»[5]
Se tiver efeito retroativo, a revogação aproxima-se quanto aos efeitos, à resolução.[6]
A doutrina tem caraterizado esta figura jurídica de forma consensual, nos termos que se passam a transcrever (exemplificativamente):
- «A revogação do contrato consiste (…) na destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato.
Mas assenta no acordo dos contraentes à celebração do contrato, com sinal oposto ao primitivo (no contrarius consensus)…».[7]

- «A revogação consiste na livre destruição dos efeitos de um acto jurídico por vontade do seu ou seus autores, com ou sem retroactividade. É um acto discricionário, porque não depende de funcionamento especial. Resulta do livre querer dos sujeitos, que, assim deram vida ao acto no exercício da sua autonomia, assim também lha tiram, no exercício da mesma autonomia. Por definição, não está subordinada a justa causa, nem requerer, em caso algum, a intervenção do tribunal. A revogação pode ser bilateral ou unilateral: a primeira dá-se quando o contrato se extingue por mútuo consentimento dos contraentes, que de acordo o desfazem, só para o futuro ou também no pretérito (contrarius consensus): Cód. Civil, art. 461.º, n.º 1; a segunda verifica-se quando, excepcionalmente, é reconhecida a uma das partes a faculdade de, por si, dar sem efeito o contrato igualmente com ou sem retroactividade (…).»[8]

- «A revogação consiste na extinção do negócio jurídico por virtude de uma manifestação da autonomia privada em sentido oposto àquela que o constituiu. Consequentemente, se estiver em causa um contrato, a revogação – que nestes caso é também denominada distrate – é necessariamente bilateral, assentando no mútuo consenso dos contraentes em relação à extinção do contrato que tinham celebrado (cfr. art. 406.º, n.º 1)
(…)
Sendo baseada numa autonomia privada, a revogação é de exercício livre, ficando os seus efeitos na disponibilidade das partes que podem inclusivamente estipular ou não a sua retroatividade.»[9]

A jurisprudência igualmente tem delineado a revogação em termos idênticos à doutrina.
Veja-se, exemplificativamente, o Ac. da Relação do Porto[10], com o seguinte sumário:
«É válida a cessação de um contrato, por acordo das partes, atento o princípio da liberdade contratual, expresso no art.° 406°, do C. Civil, usualmente denominada revogação do contrato, podendo as partes também acordar sobre as consequências dessa revogação, nomeadamente quanto ao destino das prestações já efectuadas, tendo em vista o cumprimento do contratado.»
E o Ac. STJ, de 23-03-2006, com o seguinte sumário:
«I - A revogação do contrato traduz-se na destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato e assenta num acordo posterior à celebração daquele, com sinal oposto ao primitivo.»[11]

Competia ao Autor alegar e provar os pressupostos do acordo revogatório que invocou, por os mesmos serem constitutivos do direito que se arroga nesta ação contra a Ré (artigo 342.º, n.º 1, do CC).
O que revela da prova é que o Autor não logrou cumprir esse ónus probatório, pois apenas provou que entregou a máquina à Ré (facto provado n.º 16), e não logrou provar os demais requisitos do acordo revogatório, pois constam dos factos não provados, nas alíneas b), c), d) e e), matéria essencial à comprovação do mesmo.
Ou seja, não se encontra provado que a Ré anuiu em pôr termo ao negócio, em devolver ao Autor a quantia já paga (€15.000,00), nem sequer em devolver-lhe o cheque no montante de €25.000,00.
Nestes termos, a pretensão do Autor não pode ser julgada procedente; ao invés, procede a apelação com a consequente absolvição da Ré do pedido.

Dado o decaimento, as custas nas duas instâncias ficam a cargo do Autor/Apelado (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.


III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, e, consequentemente, anulam a sentença recorrida e, em substituição do tribunal recorrido, absolvem a Ré do pedido.
Custas nos termos sobreditos.

Évora, 24-02-2022
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)

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[1] Cfr. Ac. STJ, de 02/03/1999, proc. nº 709-1.ª Secção, em www.dgsi.pt
[2] Cfr. Ac. STJ, de 03/02/1999, proc. n.º 1216/98- 1.ª Secção, em www.dgsi.pt
[3] Idem, p. 735 (2).
[4] Cfr. Ac. STJ, de 08-02-2018, proc. n.º 633/15.0T8VCT.G1.S1 (Maria da Graça Trigo), disponível em www.dgsi.pt
[5] BRANDÃO PROENÇA, A Resolução do Contrato no Direito Civil Do Enquadramento e do Regime, Coimbra Editora, 1996, p. 47.
[6] MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3.ª edição atualizada, p. 621.
[7] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 3.ª ed., p. 244.
[8] GALVÃO TELLES, Manual dos Contratos em Geral, Coimbra Editora, 4.ª ed., p. 380.
[9] MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. II, Almedina, 6.ª ed., p. 101-102.
[10] Acórdão RP, 24-05-2011, proc. n.º 10533/07.2TBMAI.P1(Sílvia Pires), em www.dgsi.pt
[11] Revista n.º 158/06 - 7.ª Secção (Pires da Rosa) in Sumários do STJ (Boletim) - Cível