Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1343/23.0T8STB-B.E1
Relator: FILIPE CÉSAR OSÓRIO
Descritores: DOCUMENTOS
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
INQUISITÓRIO
PRECLUSÃO
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:

I. Tendo a audiência final iniciado a 17/02/2025 e o requerimento para junção de documentos apresentado em 21/02/2025, já nos situamos fora do âmbito de aplicação do disposto no art. 423.º, n.º 1 e 2, do CPC.


II. Ao caso é aplicável o n.º 3 do art. 423.º, portanto, para a admissibilidade dos documentos em causa exige-se a verificação dos seguintes pressupostos:


- documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, ou seja, documentos que não tenha sido possível apresentar até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final) [1.ª parte do n.º 3 do art. 423.º],


- ou documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior [2.ª parte do n.º 3 do art. 423.º].


III. No caso concreto os documentos não são objectivamente supervenientes nem foram alegados factos relativos a eventual superveniência subjectiva, nem resultou verificada qualquer ocorrência posterior.


IV. Finalmente, não basta simplesmente invocar a necessidade de “descoberta da verdade” porque o principio do inquisitório não pode ser instrumentalizado pelas partes para contornar a preclusão dos direitos processuais à proposição da prova ou às limitações probatórias, emergente da sua falta de diligência, sob pena de se subverterem os princípios da igualdade substancial das partes (art.º 4.º, do CPC), do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, com os quais aquele coexiste e que não anula nem invalida.

Decisão Texto Integral: *

*

Apelação n.º 1343/23.0T8STB-B.E1

(1.ª Secção Cível)

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral

2.º Adjunto: Ricardo Miranda Peixoto

*


*


ACORDAM OS JUÍZES NA PRIMEIRA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


*


I. RELATÓRIO


Ação Declarativa, Processo Comum


1. As partes:


Autores – PONTES- HOTELARIA E TURISMO, LDA.


– AA


Interveniente Principal – XL INSURANCE COMPANY, SUCURSAL EN ESPAÑA


*


2. Objecto do litígio – Responsabilidade civil contratual da Ré decorrente de mandato forense, consubstanciada no seguinte pedido de condenação desta:


«i. Pagar à A. a quantia de 8.000,00 € (oito mil euros), resultante do valor penhorado à ordem do processo que corre termos no Juízo do Trabalho de Almada- Juiz 2, proc. N.º 4287/22.0..., que representa uma execução da sentença condenatória no âmbito do processo que correu termos no Juiz 2, proc. N.º 4287/22.0... na Comarca Judicial de Lisboa, Juízo do Trabalho de Almada;


ii. Pagar à A. a quantia de 3.500,00 € (três mil e quinhentos euros) acrescido de IVA, num total de 4.305,00 € (quatro mil trezentos e cinco euros), a título de dano patrimonial, resultante dos honorários pagos ao mandatário subscritor; Subsidiariamente ao peticionado em i,:


iii. Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de 1.000,85 € (mil e oitenta e cinco euros) que já havia sido liquidada à trabalhadora BB e não puderam ser contemplados na ação laboral por falta de contestação:


iv. A pagar juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento sobre os valores peticionados em i., ii., e iii.».


Para fundamentar o seu pedido, a Autora alegou essencialmente que constituiu a Ré como mandatária para sua representação e patrocínio no âmbito do processo que correu termos na Comarca Judicial de Lisboa, Juízo do Trabalho de Almada- Juiz 2, proc. N.º 4287/22.0...; a R. não requereu o adiamento da audiência de partes aprazada para 08/09/2022, não compareceu na mesma, e só juntou procuração forense aos autos, datada de 29/07/2022, em 04/10/2022, estando já, por essa altura, esgotado o prazo para apresentação de contestação; a R. nunca informou a A. das consequências da falta à audiência de partes e das consequências do decurso do prazo para apresentação da Contestação; Em consequência da inexistência de contestação, os factos aduzidos na PI foram julgados provados e a aqui A. condenada; a R. não deu conhecimento do teor da sentença condenatória à A.; a A. acabou surpreendida com os desenvolvimentos do processo referido quando foi informado da penhora da sua conta.


A Ré contestou e deduziu Incidente de Intervenção Principal Provocada da Seguradora XL INSURANCE COMPANY SE, que foi admitido.


A interveniente XL Insurance Company, Sucursal en España apresentou a sua Contestação.


Findos os articulados, foi proferido despacho saneador e dispensada a enunciação do objecto do litígio e temas da prova.


Foi agendada audiência final de julgamento cuja primeira sessão data de 17/02/2025.


*


3. Requerimento pela Autora em 21/03/2025 (ref.ª 8694869) [transcrição]:


«1.


Na sua Petição Inicial, a A. invocou um dano resultante das omissões processuais da R., no valor de 8.000,00 € (factos 33 e 36).


2.


As R. têm-se vindo a posicionar no sentido de que a documentação junta não prova o dano.


3.


A A. logrou obter documentação de que não dispunha e que atesta:


i. Que a instância executiva do processo n.º 4287/22.0... Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Almada - Juízo Trabalho - Juiz 2, no qual a A. era executada foi extinta pelo pagamento; (cfr. doc. 1 que e junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)


ii. Que a quantia exequenda corresponde à quantia penhorada e ordenada bloquear na conta da A – doc. 21 junto com a PI-, no valor de 8.000,00 € (oito mil euros), foi integralmente liquidada, uma vez que à Exequente foi transferida a quantia de 6.690,29 € (seis mil seiscentos e noventa euros e vinte e nove cêntimos), ao Agente de Execução foram liquidados honorários no valor de 980,74 € (novecentos e oitenta euros e setenta e quatro cêntimos, e devolvida à A. a quantia de 268,27 € (duzentos e sessenta e oito euros e vinte e sete cêntimos ; (cfr. docs 2, 3, 4 , 5 e 6 que se juntam e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)


4.


Como referido, a A. não dispunha da documentação que agora junta porque da mesma não era dado conhecimento à A. como aliás resulta de imposição legal do artigo 849.º n.º 2 do CPC que estatui que: “A extinção é notificada ao exequente, ao executado, apenas nos casos em que este já tenha sido pessoalmente citado, e aos credores reclamantes”.


5.


A Aqui A. não foi citada pessoalmente no processo executivo (cfr. doc., 7 e 8)


6.


Razão pela qual não dispunha da decisão da extinção da instância pelo pagamento nem dos demais documento indicados dos quais não foi notificada e diziam respeito sobretudo à relação entre o Agente de Execução e ali Exequente.


7.


Para além do exposto, o posicionamento das Rés sobre a documentação já junta justifica a presente junção.


8.


Adicionalmente, crê-se que a documentação agora junta não só é fundamental para descoberta da verdade material como dela brotam factos a ser considerados por V. Exa. que são complemento, ou concretização, do que a A. já havia alegado e que o disposto no artigo 5.º n.º 2, alínea b) do CPC permite conhecer Em consequência do aduzido, requer-se a junção de 8 documentos ao abrigo do disposto nos artigos 423.º n.º 3 do CPC e 5.º n.º 2 alínea b) do CPC.».


*


4. A Ré pronunciou-se contra a junção dos documentos.


*


5. Despacho recorrido com a audiência final de julgamento já em curso – Decisão constante do despacho proferido em acta de audiência final de 25/03/2025 (acta com a ref.ª 101634749) que incidiu sobre o Requerimento da Autora de 21/03/2025 (ref.ª 8694869):


«Prevê o legislador, no artigo 423.º, n.º 2 do Código Processo Civil que, após o limite temporal referente aos 20 dias que antecedem a audiência final, apenas poderão ser admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.


Deste modo, pretendeu-se que, ultrapassado tal limite temporal, apenas pudessem ser juntos aos autos documentos relativamente aos quais seja alegada e demostrada factualidade suscetível de enquadrar uma superveniência objetiva ou subjetiva ou ainda uma hipótese em que a junção se tenha tornado necessária por via de uma ocorrência posterior.


Nos presentes autos, veio a autora requerer a junção de documentação com o requerimento de 21/03/2025 e analisando quer a data aposta no mesmo quer a falta de alegação de factos dos quais se possam retirar uma superveniência objetiva ou subjetiva ou ainda por não ter sido alegado que os mesmos se tenham tornado necessários por via de uma ocorrência posterior (designadamente por impossibilidade de produção de prova inicialmente indicada), indefere-se a requerida junção.».


*


6. Recurso de apelação da Autora:


Inconformada com aquele despacho, a Recorrente/Autora interpôs recurso de apelação onde pede a sua revogação e substituição por outro que admita a junção dos documentos juntos com o requerimento da Recorrente de 21/03/2025, com a referência 8694869, com as seguintes conclusões:


«1.


O despacho recorrido viola os artigos 423.º n.º 3 e 5.º n.º 2, alínea b), ambos do CPC.


Já que,


2.


A recorrente invoca a superveniência quando justifica que a documentação que pretendia juntar era documentação que não lhe havia sido notificada no âmbito do processo executivo, no qual era executada, mas que desconhecia existir e, por essa razão, dela não dispunha, só a logrando obter no momento em que requereu a sua junção.


3.


Ou seja, a impossibilidade de junção dos referidos documentos até à presente data ocorreu por força da lei - 849.º n.º 2 do CPC - que não impunha que aquela documentação fosse notificada a todas as partes processuais.


4.


Adicionalmente, sempre se adiantou que, em virtude do posicionamento das Rés, se justificou a necessidade de juntar a documentação constante daquele requerimento, uma vez que aquelas entendem que o documento junto como doc. 21 com a PI não prova o dano alegado.


5.


Ora tal posicionamento representa precisamente o que o Tribunal a quo define como aceitável para se juntar documentação adicional, ou seja, “por via de uma ocorrência posterior”.


6.


Por fim, ainda se fundamentou com a necessidade da pertinência para descoberta da verdade material porque da prova que se pretendeu juntar brotam factos a ser considerados pelo Tribunal a quo que são complemento, ou concretização, do que a Recorrente já havia alegado e que o disposto no artigo 5.º n.º 2, alínea b) do CPC permite conhecer.».


*


7. Resposta:


A Interveniente Principal apresentou contra-alegações onde considera essencialmente que deve ser julgado improcedente o recurso e mantida a decisão recorrida.


*


8. Admissão do recurso:


O recurso de apelação foi admitido.


*


9. Objecto do recurso – Questões a Decidir:


- Reapreciação jurídica do fundamento do despacho em crise: Verificação dos pressupostos para admissão ou rejeição de documentos.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

10. Os factos a ter em conta constam do relatório.


*


11. Reapreciação jurídica do fundamento do despacho em crise: Verificação dos pressupostos para admissão ou rejeição de documentos:


A Recorrente insurge-se contra o despacho que rejeitou a junção de documentos, apresentando argumentos que em seu entender justificavam que fossem admitidos e que, afinal, se reconduzem essencialmente aos seguintes:


- justifica que a documentação que pretendia juntar era documentação que não lhe havia sido notificada no âmbito do processo executivo, no qual era executada, mas que desconhecia existir e, por essa razão, dela não dispunha, só a logrando obter no momento em que requereu a sua junção;


- Em virtude do posicionamento da Ré e da Interveniente Principal por estas entenderem que o documento junto como doc. 21 com a PI não prova o dano alegado;


- Descoberta da verdade material.


A Recorrida/Autora discorda do entendimento daquela Recorrente porque considera essencialmente que não se verificam os pressupostos legais para o efeito, mormente, os previstos no art. 423.º, n.º 3, do CPC.


Apreciando.


Nos termos do disposto no art. 423.º, do CPC,


1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.


2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.


3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.


Daqui resulta desde logo, no caso concreto em apreciação, tendo a audiência final iniciado a 17/02/2025 e o requerimento para junção de documentos apresentado em 21/02/2025, já nos situamos fora do âmbito de aplicação do disposto no art. 423.º, n.º 1 e 2, do CPC, sendo aplicável o n.º 3 do art. 423.º, portanto, para a admissibilidade dos documentos em causa exige-se a verificação dos seguintes pressupostos:


- documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, ou seja, documentos que não tenha sido possível apresentar até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final) [1.ª parte do n.º 3 do art. 423.º],


- ou documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior [2.ª parte do n.º 3 do art. 423.º].


Para entender melhor o sentido destas exigências, Abrantes Geraldes1 diz-nos o seguinte:


«4. Ultrapassado esse limite [com referência ao limite de 20 dias previsto no art. 423.º, n.º 2], apenas são admitidos documentos cuja junção não tenha sido possível, atenta a verificação de um impedimento que não pôde ser ultrapassado em devido tempo, ou quando se trate de documentos objetiva ou subjetivamente supervenientes, isto é, que apenas foram produzidos ou vieram ao conhecimento da parte depois daquele momento (RE 25-6-20, 3013/11).


5. Também é admissível a junção de documentos cuja apresentação se tenha revelado necessária em virtude de ocorrência posterior, cuja natureza deve ser casuisticamente averiguada (assim aconteceu em RL 11-3-21, 8836/17, perante a apresentação de documentos pela contraparte). Podem constituir exemplos: a transmissão do direito litigioso, determinante da habilitação da parte (art. 357.º) ou a sentença que haja decidido com base em facto novo oficiosamente cognoscível (art. 412.º).


6. O conceito de “ocorrência posterior” que legitima a entrada de documentos no processo não respeitará, por certo, a factos que constituam fundamento da ação ou da defesa (factos essenciais, na letra do art. 5.º), pois tais factos já hão de ter sido alegados nos articulados oportunamente apresentados ou, pelo menos, por ocasião da dedução de articulado de aperfeiçoamento (art. 590.º, n.º 4). Tão pouco respeita a factos supervenientes, pois a alegação desses factos deve ser acompanhada dos respetivos documentos, sendo esse o meio da sua entrada nos autos (art. 588.º, n.º 5). Portanto, no plano dos factos, a ocorrência posterior dirá somente respeito a factos instrumentais ou a factos relativos a pressupostos processuais (neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., p. 241)».


Então, no caso concreto, constata-se que todos os documentos que a Autora pretende juntar aos autos dizem respeito à execução da sentença no âmbito do processo n.º 4287/22.0..., que correu termos no Juiz 2 do Juízo de Trabalho de Almada (processo laboral esse onde alegadamente a Ré AA terá cometido factos que fundamentam a responsabilidade civil profissional que se discute nos presentes autos), são os seguintes e deles constam as seguintes datas (ordenadas cronologicamente):


- Citação após penhora, datada de 05/01/2023 (doc. 8);


- Comprovativo da citação da ora Recorrente para aquele processo executivo, datado de 17/01/2023 (doc. 7);


- Notificação de entrega de resultados ao exequente, datada de 23/03/2023 (cfr. doc. 2);


- Notificação de levantamento de honorários, datada de 23/03/2023 (cfr. doc. 5);


- Notificação da transferência de quantia penhorada em excesso, datada de 23/03/2023 (cfr. doc. 6);


- Comprovativo de transferência da quantia exequenda, datado de 27/03/2023 (cfr. doc. 3);


- Recibo de pagamento da nota discriminativa, datado de 28/03/2023 (cfr. doc. 4);


- Notificação de extinção da instância executiva, datada de 23/03/2023 (cfr. doc. 1).


Daqui resulta desde logo que tais documentos são todos datados de janeiro e março de 2023 e a sua junção foi requerida em 21 de março de 2025, ou seja, praticamente dois anos depois.


Vejamos a aplicabilidade da primeira parte do n.º 3 daquele preceito.


Não tem aplicabilidade no que diz respeito ao documento n.º 8 do requerimento de 21/03/2025, pois o mesmo foi diretamente dirigido à Recorrente e é datado de 05/01/2023, isto é, anterior à propositura da própria ação, o que segundo o formulário da petição inicial ocorreu em 22/02/2023 – por isso, o referido documento n.º 8 podia e devia ter sido junto com a petição inicial, nos termos do artigo 423.º, n.º 1, do CPC ou, o mais tardar, até ao 20.º dia anterior à audiência de julgamento mediante o pagamento de multa, nos termos do artigo 423.º, n.º 2, do CPC.


Quanto aos restantes documentos identificados como n.º 1 a 7 do requerimento da Recorrente de 21/03/2025 estes não são objetivamente supervenientes ao 20.º dia anterior à audiência de julgamento – os documentos em causa estão datados de janeiro e março de 2023 e o 20.º dia anterior à audiência de julgamento, que estava agendada e efetivamente teve início em 17/02/2025, corresponde ao dia 28/01/2025.


Aliás, no requerimento de 21/03/2025 a Recorrente não alega quaisquer factos que demonstrassem tal superveniência objetiva.


Por outro lado, não sabemos se os referidos documentos (1 a 7) são subjetivamente supervenientes ao 20.º dia anterior ao início da audiência de julgamento, porque a Recorrente não alega nada a esse propósito no seu requerimento de 21/03/2025.


Com efeito, a Recorrente limita-se a alegar no requerimento de 21/03/2025 que logrou obter documentos de que não dispunha à data da submissão petição inicial, mas não especifica quando é que tomou conhecimento da existência dos mesmos e/ou quando é que os obteve – então apenas dispomos das datas constantes dos mesmos e já vimos que estas são de janeiro e março de 2023, sendo que a ora Recorrente terá sido citada para essa execução em janeiro de 2023.


Como a Recorrente nem sequer alegou quando é que tomou conhecimento da existência dos aludidos documentos, ou mesmo quando os obteve, torna-se impossível compreender se existia ou não uma situação de superveniência subjetiva em relação aos mesmos.


Aliás, como considera a Recorrida/Interveniente Principal, nas suas contra-alegações, e que concordamos, a Recorrente esteve assistida por Mandatário Judicial desde o início do processo, pelo que tinha obrigação de saber (até considerando os factos alegados na petição inicial quanto ao processo executivo) que os termos do processo executivo, especialmente a penhora da quantia exequenda, iria levar à emissão dos documentos aqui em discussão, portanto, era obrigação da Recorrente acompanhar o processo executivo, para perceber o mais rapidamente possível quando é que o mesmo foi extinto, para obter cópia dos documentos em causa e juntá-los aos autos, o que poderia perfeitamente ter sido feito dentro do prazo previsto no artigo 423.º n.º 2 do CPC, mas tal não sucedeu.


Por outro lado, a Recorrente ainda alegou que requereu a junção desses documentos em virtude do posicionamento das Rés por estas entenderem que o documento junto como doc. 21 com a PI não prova o dano alegado, contudo, tal alegação é vaga e genérica, não é suficiente para tal efeito, já que não resulta dos autos objectivamente qualquer tomada de posição da Ré ou da Interveniente Principal posterior ao momento previsto no art. 423.º, n.º 3, do CPC, antes pelo contrário, nos artigos 69.º a 71.º da Contestação a Ré já se insurgia contra o alcance do documento 21 e, não obstante, a Recorrente nada fez após ter sido notificada dessa contestação.


Finalmente, a propósito da “descoberta da verdade” invocada pela Recorrente, importa referir que nos termos do disposto no art. 411.º, do CPC, sob a epígrafe “Princípio do inquisitório”, Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.


Esta norma corresponde ao n.º 3 do art.º 265º n.º 3 do CPC na redacção do DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.


No CPC de 1961 o poder inquisitório do juiz estava consagrado no n.º 3 do art.º 264º do CPC, que tinha o seguinte teor: “O juiz tem o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe é licito conhecer.


A substituição da expressão o “juiz tem o poder de” pela expressão incumbe ao juiz“, evidencia uma mudança de paradigma: ali estávamos perante um poder discricionário; agora – desde 1995 - estamos perante um poder-dever. A expressão “diligências necessárias” constitui um conceito indeterminado a preencher em função do caso concreto.


E as referidas “diligências que considere necessárias” devem ser assim orientadas para “o apuramento da verdade” e a “justa composição do litigio”, ou seja, ao juiz apenas caberá ordenar as diligências que sejam funcionalmente orientadas para estas finalidades.


Trata-se então de um poder-dever que conhece um limite inultrapassável: só pode ter em vista os factos alegados carecidos de prova ou de que o tribunal deva conhecer oficiosamente.


Este poder-dever manifesta-se na requisição de documentos (art. 436.º do CPC), na determinação do depoimento de parte (art. 452.º do CPC), no ordenar de perícia (art.ºs 467º n.º 1, 477º e, no que respeita à segunda perícia, o 487º n.º 2, todos do CPC), na realização de inspecção judicial (art. 490.º do CPC), na determinação de verificação não judicial qualificada (art. 494.º do CPC), na inquirição de testemunha no local da questão (art. 501.º do CPC), ou na inquirição oficiosa de testemunhas (art. 526.º do CPC).


Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/05/20232 (JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE, proc. n.º 2352/21.0T8VCT-A.G1, ww.dgsi.pt).


O princípio do inquisitório “no seu sentido restrito”, “que é o rigoroso”, “opera no domínio da instrução do processo” tendo o juiz aí “poderes mais amplos do que no domínio da investigação dos factos, na medida em que pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes”3.


Como bem refere Abrantes Geraldes4 em anotação ao art. 411.º, do CPC, «No preceito aflora o princípio do inquisitório (…), porém, coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova (cf. RC 12-3-19, 141/16). Cf., a propósito da confluência entre a autorresponsabilidade das partes e o inquisitório, RL 21-5-20, 217/18, RP 23-4-20, 6775/19 (falta de junção de documento na posse da parte), RG 15-10-20, 2023/19, RG 14-5-20, 659/18.».


Por sua vez, o citado autor5 esclarece ainda que «O princípio do dispositivo funciona de um modo geral no que concerne à alegação dos factos, mas concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente, o dever de, tanto quanto possível, aferir a veracidade desses factos. Continua a impender sobre as partes o ónus de indicação dos meios de prova, a observar, em regra, nos articulados (arts. 552.º, no 6, e 572.º, al. d)), mantendo-se o normativo do art. 139.º, n.º 3, segundo a qual o decurso de um prazo perentório extingue o direito de praticar o ato. Mas, por outro lado, o preceito faz apelo à realização de diligências que importem à justa composição do litígio, enquanto o art. 526.º impõe ao juiz um verdadeiro dever jurídico que deve exercer sempre que no decurso da ação se revele a existência de testemunhas não arroladas. Da confluência destas e de outras normas e também daquele princípio somos levados a admitir que, pelo menos nos casos em que não haja razões para afirmar a existência de comportamentos processuais abusivos, cumpre ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.».


E, com toda a pertinência o referido autor6 exemplifica como encontrar o equilíbrio entre os referidos princípios aparentemente antagónicos, o inquisitório de um lado e o dispositivo, preclusão e autorresponsabilização por outro: «(…) se acaso uma das partes não apresentar qualquer requerimento probatório, prescindindo a parte contrária da inquirição das testemunhas arroladas, nos termos do art. 498.º, n.º 2, não encontrará justificação a inquirição oficiosa dessas testemunhas. Já nas situações em que cada uma das partes promoveu as diligências probatórias ajustadas à situação litigiosa, cumprindo com diligência o ónus que lhe competia, nada impedirá o juiz de aceder, por sua iniciativa, a outros meios de prova (v.g. documentos na posse de qualquer das partes ou de terceiros, perícia que o caso justifique ou inquirições adicionais que repute indispensáveis para a descoberta da verdade), utilizando um critério objetivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade (cf. RP 8-9-20, 2856/15, RL 4-6-20, 9854/18, RP 21-10-19, 18884/18).».


Em sentido semelhante se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/07/20197 (Conceição Sampaio, proc. n.º 68/12.7TBCMN-C.G1, www.dgsi.pt):


“O disposto no artigo 411º do CPC não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil que é o do impulso processual, competindo às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias.


Em suma, o exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio, não comporta uma amplitude tal que o autorizem a colidir quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e o da preclusão, importando este que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas, entre outros ónus, ao de praticar os atos dentro de determinados prazos perentórios.”


Isto significa que não basta simplesmente invocar a necessidade de “descoberta da verdade” porque o principio do inquisitório não pode ser instrumentalizado pelas partes para contornar a preclusão dos direitos processuais à proposição da prova ou às limitações probatórias, emergente da sua falta de diligência, sob pena de se subverterem os princípios da igualdade substancial das partes (art.º 4.º, do CPC), do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, com os quais aquele coexiste e que não anula nem invalida.


Em consequência de todo o exposto, impõe-se julgar totalmente improcedente o recurso de apelação e confirmar a decisão recorrida.


*


12. Responsabilidade Tributária


As custas da Apelação são da responsabilidade da Recorrente/Autora.


*


III. DISPOSITIVO


Nos termos e fundamentos expostos,


- Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Recorrente/Autora e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.


- Custas da Apelação a cargo da Recorrente/Autora.


- Registe e notifique.


*


Data e assinaturas certificadas

Relator: Filipe César Osório

1.º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral

2.º Adjunto: Ricardo Miranda Peixoto

_______________________________________

1. Geraldes, António, A. et al. Código de Processo Civil Anotado Vol. I - Parte Geral e Ação Declarativa. Disponível em: Grupo Almedina, (3rd Edição). Grupo Almedina, 2022, pág. 541-542.↩︎

2. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/bb499bb3e30ac0ff802589bf0051cbcb?OpenDocument↩︎

3. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição, Almedina, pág 207.↩︎

4. Geraldes, António, A. et al. ob. cit., pág. 523 e ss.↩︎

5. Geraldes, António, A. et al., idem, pág. 523 e ss.↩︎

6. Geraldes, António, A. et al., idem, pág. 523 e ss.↩︎

7. https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/36b07def5f5fc8bf80258472004d65d0↩︎