Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
458/15.3T8STR.E1
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: PLANO DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
EFICÁCIA
CRÉDITO DO ESTADO
Data do Acordão: 02/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1. Constitui violação negligenciável dos princípios da indisponibilidade e da legalidade tributária, designadamente do disposto nos artigos 196º, nº 5, e 199º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, a fixação de um número de prestações superior ao legalmente previsto, podendo essa irregularidade ser suprida, negociando-se com a AT o alargamento dos prazos até ao limite legal.
2. Nesse caso, deve o Tribunal fixar prazo para que seja elaborado novo plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, expurgado desse vício, seguindo o processo os seus ulteriores termos.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
Recorrente:
Ministério Público
Recorridos:
F…, Lda.

Relatório

Inconformado com o despacho que homologou o plano de revitalização apresentado pela requerente F…, Lda., veio o MP, interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:

«1ª- Nos autos de Revitalização à margem identificados encontram-se devidamente relacionadas dívidas da insolvente para com o ESTADO, no montante de 13 633,51 euros, proveniente de impostos devidos ao Estado Português, designadamente IVA, IMI; IRC e coimas fiscais.
2ª- Não obstante a natureza dos créditos, o plano apresentado pela requerente prevê uma regularização da dívida no prazo de 150 meses, inadmissivel em face dos valores em divida pelo que, aderindo à proposta apresentada pela AT, o pagamento deve ser efetuado num máximo de 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, no mínimo de 1 uc e no prazo previsto no artº 17º.
3ª- O plano foi homologado pela douta sentença proferida nos autos, sendo que na data de 1.1.2011 entrou em vigor o artº 125º da lei 55-A/2010, de 31.12, aplicável aos processos de insolvência nos quais, nessa data, não tivesse sido ainda proferido despacho de homologação do Plano.
4ª- A relação jurídica tributária é enformada pelo princípio da indisponibilidade e irrenunciabilidade, pois que a incidência de impostos, taxas, formas e tempos de pagamento, bem como os benefícios fiscais são apenas os estabelecidos na lei fiscal, o que se compreende, pela natureza social do tributo.
5ª- Tal significa que não é possível que o Estado possa aderir a medidas que impliquem uma redução dos seus créditos, apenas lhe sendo possível aceitar moratórias no pagamento nos termos da lei, de acordo com esta e dentro dos seus limites.
6ª- Ou seja, salvo lei expressa nesse sentido, não é possível ao próprio Estado conceder perdões ou moratórias no seu pagamento – cfr. artº 103º nº 2 da CRP, artº 85º do CPPT e ainda artº 30º nº 2 e 36º da LGT.
7ª - É apenas nos termos da lei que se podem definir as formas de pagamento, eventuais alterações, reduções ou até mesmo extinção parcial de obrigação contributiva.
8ª- Assim, por maioria de razão, não podem os particulares, ainda que por vontade colectiva, decidir quanto ao regime do pagamento dos impostos pelo que os Planos de Revitalização terão sempre de respeitar os condicionalismos legais de pagamento das obrigações tributárias, sob pena de serem ilegais – artº 294º e 295º do C. Civil.
9ª- E, consequentemente, as normas que regulam a obrigação contributiva devem sobrepor-se às decisões tomadas por uma vontade colectiva, designadamente dos restantes Credores. Não é possível que esta maioria conceda benefícios fiscais, moratórias ou perdões fiscais, obtidos sem fundamento legal mas apenas em resultado de uma vontade colectiva, constituída por credores particulares e em seu próprio benefício.
10ª- Tal constitui violação frontal dos princípios da legalidade e da igualdade.
11ª- A douta sentença homologatória viola, designadamente, o disposto nos artº 196º e 199º do CPPT, na medida em que o plano aprovado em Assembleia não é consonante com as normas que regem as dívidas fiscais, designadamente as citadas do CPPT, pelo que não é possível aos credores perdoar, ainda que parcialmente, os créditos do Estado, nem é possível determinar, como determinou, o pagamento prestacional fora das condições previstas por lei.
12ª- De facto, o plano de Recuperação homologado, sem o voto favorável da Fazenda Nacional, prevê ainda um esquema de pagamento de dívidas fiscais que não se coaduna com o estabelecido nas leis tributárias, designadamente nos artº 196º e 199º do CPPT.
13ª- O regime de pagamento prestacional previsto no plano viola ainda o disposto no artº 196º nº 1 a 5 do CPPT, pelo número de prestações que contempla e sempre teria que haver necessidade de constituição de garantia idónea - real ou bancária - nos termos do disposto no artº 199º CPPT e 623º do C. Civil, bem com teria necessariamente de prever a substituição dos gerentes responsáveis pela não entrega dos impostos, o que não fez – artº 196º nº 3 do CPPT.
14ª- Viola igualmente o disposto no artº 199º do CPPT pois que a entidade competente para apreciar o pedido de prestações, que é também a competente para apreciar as garantias, é o órgão de execução fiscal ou o órgão periférico regional – artº 197º 1 e 2 do mesmo diploma.
15ª- Também não é admissível o perdão de juros de mora, pois que é aplicável o DL 73/99, de 16.03.
16ª- Dispõe o artº 192º nº 2 do CIRE que o Plano (de insolvência) só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados ou interferir com os direitos de terceiros a medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados, o que não sucedeu, por falta de voto favorável do Estado português, representado pelo Ministério Público.
17ª- A letra do artº 194º procurou acolher de forma evidente as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzida na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo do acordo dos credores atingidos em contrário”.
18ª- Desta forma, as deliberações dos Credores para votação do Plano de Recuperação terão sempre de respeitar os condicionalismos legais de pagamento das obrigações tributárias, sob pena de serem ilegais - artº 294º e 295º do C. Civil.
19ª - Mostram-se ainda violados os artº 195º al. e) e 196º do CIRE, cuja ratio é a de que uma vez que estão a ser movidos créditos de várias entidades em derrogação de preceitos legais que em situação normal não permitiram essa movimentação, deve o plano de insolvência indicar com clareza e rigor quais os preceitos legais que não são observados e qual o âmbito dessa não observação ou derrogação, o que não fez.
20ª- Tendo sido homologado o referido plano, mostra-se violado o disposto no artº 215º do CIRE, que confia ao Tribunal a sindicância do cumprimento das normas legais aplicáveis como requisito de homologação do plano e dos princípios a que este deve obedecer imperativamente.
21º- Acresce que o artº 192º nº 2 do CIRE dispõe que o plano de insolvência só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir nos direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados.
22ª- O plano de insolvência foi aprovado sem o voto favorável da Fazenda Nacional, em seu prejuízo e sem o consentimento previsto na lei.
Termos em que a douta sentença que homologou o Plano de Revitalização violou o disposto em normas imperativas, nomeadamente os artº 103º da CRP, 85, 196 e 199 do CPPT e 30º nº 2 e 36º nº 3 da LGT, e ainda nos artº 195º al. e) e 196º do CIRE e 125º da Lei 55-A/2010, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que recuse a homologação do dito plano, no que diz respeito aos créditos fiscais reclamados pela Fazenda Nacional…»
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Respondeu a recorrida sustentando que a violação das normas dos Artº, 195, 196 e 199º do CPP, é negligenciável e que, no caso a sua observância estrita, redundaria em maior prejuízo para o Estado, com os encargos decorrentes do pagamento de subsídios de desemprego e perda de rendimentos de impostos. Por outro lado defende que a interpretação de que tais preceitos não podem ser derrogados em quaisquer circunstâncias, viola o princípio constitucional da proporcionalidade. Pugna pois pela improcedência da apelação ou, no mínimo, que se declare a ineficácia do plano em relação aos créditos da Fazenda Nacional, mantendo-se a homologação do plano.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[1], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[2], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil ).
Das conclusões acabadas de transcrever decorre que a questão objecto do recurso, consiste em saber se é legal a homologação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, que implique redução de créditos da Fazenda Nacional, designadamente juros vencidos, ou alargamento do prazo de pagamento, fora das condições previstas nos art.s 196 e 199 do CPPT e sem o seu consentimento.
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Vejamos.
A questão suscitada nos presentes autos é recorrente e nem sempre tem tido solução unívoca. Propendemos para uma solução menos radical que a defendida pelo MP nas suas alegações. Na verdade esta, ao contrário do que possa parecer, pode ser mais prejudicial aos interesses do Estado, da Fazenda Nacional e dos contribuintes do que a que vem sendo defendida em recente jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, de que são exemplo o Acórdão do STJ de 18/02/2014, Proc. nº 1786/12.5TBTNV.C2.S1, relatado pelo Sr. Cons. Fonseca Ramos e do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25/02/2014, Proc. nº 708/13.0TBPMS.C1. No primeiros aresto apreciando questão idêntica à dos presentes autos, o STJ, discorreu nos seguintes termos:
« “Como se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º40/07, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt, citando o Acórdão n.º 187/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Junho de 2001:
‘O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida’.
Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com uma simples execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos seus créditos, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que, no contexto do PER, o legislador fez introduzir no CIRE.
(…) não é de excluir que no plano da insolvência, ao abrigo do art. 196º, nº1, als. a) e c) do CIRE, cabe o perdão ou redução do valor dos créditos da AT ou da Segurança Social sobre o passivo do devedor, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados, aprovado o plano que respeitou o quórum estabelecido no artigo 212°, desde que a intervenção nos créditos do Estado credor não evidencie uma redução injusta e desproporcional, tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que deles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente.
O que dissemos, numa perspectiva de mais lato enquadramento da questão decidenda, terá que ter em conta o que constitui a pretensão recursiva da recorrente; com efeito, apenas pede que se considere ineficaz, em relação à Fazenda Nacional e ao Instituto de Segurança Social, I.P. a eficácia do Plano que foi homologado, ou seja, que não produza quaisquer efeitos relativamente a tais credores, por não respeitar quanto a estes credores, o regime previsto no DL. n°411/91 (recuperação de contribuições em dívida da Segurança Social), e na LGT relativamente aos créditos tributários, solução esta adoptada no acórdão-fundamento que foi confirmado pelo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Maio de 2012 – Proc. 368/10.0TBPVL-D.G1.S1 – in www.dgsi.pt.
Deverá considerar-se nula ou meramente ineficaz a decisão homologatória do Plano de Recuperação que desconsiderou a votação contrária à aprovação por parte da Fazenda Nacional e da Segurança Social que não consentiram na afectação dos seus créditos que consideram intangíveis?
A nulidade, a mais drástica sanção, abreviará em regra – art. 17º-G do CIRE – o caminho para a insolvência nos termos do nºs 2 e 3. Já se for considerada a ineficácia relativa, a devedora pré-insolvente não entra em estado de insolvência.
Tendo em conta os interesses subjacentes jurídicos e sociais imbrincados na recuperação da empresa, em tempos de crise económica, sobretudo, considerando as elevadas taxas de desemprego, a solução mais ajustada, sem ferir princípios jurídicos basilares dos negócios ou atípicos, é a da ineficácia relativa..
No caso dos autos a aprovação do plano não implica qualquer perdão de dívida mas apenas moratória no seu pagamento, prevendo-se a sua liquidação em 150 prestações. Defende o MP que não tendo a AT consentido expressamente no pagamento fraccionado superior a 36 prestações, não poderia ter sido homologado o plano que prevê tal pagamento em 150 prestações.
Dispõe o art.º 196.º do CPPT, nos seus n.ºs 4, 5 e 6 o seguinte:
4 - O pagamento em prestações pode ser autorizado desde que se verifique que o executado, pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização.
5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta.
6 - Quando, no âmbito de plano de recuperação económica legalmente previsto, se demonstre a indispensabilidade da medida e, ainda, quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior.”
Como bem salienta a recorrida, deste preceito, resulta que, “nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores” ou “quando, no âmbito de plano de recuperação económica legalmente previsto, se demonstre a indispensabilidade da medida e, ainda, quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável” o número de prestações poderá ser alargado, no primeiro caso, até 60 prestações mensais e, no segundo, até 150 prestações mensais, desde que, em qualquer um dos casos, a dívida exequenda exceda as 500 unidades de conta e o valor de cada prestação mensal não resulte inferior a 10 unidades de conta, ou seja, € 1.020,00.
Em todo o caso, tal alargamento do número de prestações constitui excepção, prevista para as ditas situações de dificuldade financeira ou plano de recuperação económica, não deixando, porém, nesses casos de aplicar-se, mesmo nessas situações e sempre que seja bastante a adequado para possibilitar a solvência da dívida, o número (geral) máximo de prestações, a que se refere o n.º 4 do artigo 196.º do CPPT.
Além do mais, sublinhe-se, que a própria lei concede a faculdade de “alargamento” (de 36 até 60 ou 150) do prazo geral prescrito – em determinadas situações e mediante a verificação de condições – e, ao contrário, não estabelece um novo e isolado prazo (de 1 até 60 ou 150) para essas situações excepcionais.
Em suma, quando se verifiquem as situações e condições previstas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 196.º do CPPT, poder-se-ão aplicar os números máximos de prestações previstos nesses artigos; ao contrário, sempre que assim não seja e desde que não resulte uma prestação mensal inferior a € 102,00, não está excluída a aplicação do disposto no n.º 4 a essas situações.
Ora, no caso, não só estamos no “âmbito de plano de recuperação económica legalmente previsto”, em que os créditos do Estado excede as 500 UCs, visto que, o valor do crédito do Recorrente, só de capital é de € 54398,88 e não de 13.633,51, como reclama o MP, o que basta para que se verifiquem todos as condições necessárias à aplicação do número de prestações decorrentes do disposto no n.º 5 do artigo 196.º do CPPT.

Assim, em tal situação (a de inderrogabilidade das normas previstas no artigo 196.º do CPPT), mesmo não podendo ser tão alargado o número de prestações quanto o que resulta do Plano homologado e agora em crise, não resulta afastada a possibilidade de se estabelecer um número de prestações até 60, desde que daí não resulte uma prestação mensal inferior a 10 UC (€ 1020,00).
Ou seja, no caso, podendo e devendo, por se encontrarem preenchidas as demais condições, ser admitido o pagamento no máximo de prestações, desde que não inferiores a 10Ucs, o que dará no mínimo 54 prestações e mediante a prestação de garantia.
Apreciando uma situação semelhante, mas mais gravosa, porque implicava também perdão de juros, o Tribunal da Relação de Coimbra, no aresto acima referido, considerou-se que «uma modificação do prazo e uma redução de juros que não é à partida e liminarmente inviabilizada pelo disposto nos art. 196.º, do CPPT e 3.º do DL 73/99, de 16/3; os quais “grosso modo” admitem, quando for indispensável à viabilidade do contribuinte e este se encontre em processo de insolvência ou recuperação, que seja autorizado o pagamento prestacional da dívida (até ao máximo de 36 prestações) e a isenção ou redução dos respectivos juros vencidos ou vincendos.
(…) porém, do que aqui se trata, repete-se e salienta-se, não é de apreciar se se verificam todas as condições do pagamento em prestações, mas tão só de considerar se estamos perante violações negligenciáveis ou não negligenciáveis (das normas tributárias).
E – é o ponto – confrontando a previsão de tais normas com a situação de facto da requerente/devedora e com os reflexos, em termos práticos, da modificação do prazo e da redução dos juros, propendemos para considerar (…) que estamos perante uma violação negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação; não havendo assim razão suficiente (…) para recusar a homologação do plano de recuperação aprovado.
Pretendendo o Estado com o processo especial de revitalização favorecer a recuperação de empresas economicamente viáveis, iniciado um concreto processos, não parece, com o devido respeito, que esse mesmo Estado (embora noutra vertente) se possa remeter ao papel ‘cómodo’ de não participar nas negociações, para, aprovado o ‘plano’, ter ‘mãos livres’ para se opor a toda e qualquer, ainda que insignificante, compressão dos seus créditos.
(…) É pois também por isto – para além da compressão do crédito global da Fazenda Nacional não ser significativa, em termos percentuais, e de não ser abstractamente proibida pelas disposições legais aplicáveis – que consideramos, no caso, negligenciável a violação dos princípios da indisponibilidade e da legalidade tributária consagrados nas leis tributárias e até na lei fundamental.».
Em tese concordamos com este entendimento e consequentemente propendemos no sentido de considerar que não deve inviabilizar-se um PER e destruir-se uma unidade económica, considerada viável pelos credores, pelo simples facto de o Estado não flexibilizar o pagamento integral do seu crédito.
A aplicação do direito não pode ser uma tarefa mecânica de subsunção. Cientes disso, norteados pelo sentido de justiça que sempre deve estar presente nas decisões judiciais e pelo princípio da adequação formal e da economia processual, este colectivo e em particular os Exms. Adjuntos, têm decidido em casos semelhantes, de violação negligenciável dos princípios da indisponibilidade e da legalidade tributária, designadamente do «disposto nos art.ºs 196º, n.º5 e 199º, ambos do CPPT», que tal irregularidade « pode ser suprida facilmente», negociando-se com a AT o alargamento dos prazos até ao limite legal e por isso, nesses casos, como o dos autos, tem-se adoptado o procedimento de «revogar a sentença …, determinando-se que o Tribunal “a quo” fixe prazo para que seja elaborado novo plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, expurgado dos aludidos vícios, seguindo o processo os seus ulteriores termos» (vide, entre outros, Acórdão de 19 de Dezembro de 2013, proferido no processo nº 3725/13.5TBSTB.E1).
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Concluindo

Pelo exposto, acorda-se em revogar a sentença sob recurso, determinando-se que o Tribunal “a quo” fixe prazo para que seja elaborado novo plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, por forma a obter o consentimento da AT, no sentido do alargamento do prazo de pagamento dos seus créditos até ao limite máximo legalmente admissível, no caso, nunca inferior a 54 prestações.
Sem custas.
Registe e notifique.
Évora, em 4 de Fevereiro de 2016.
Bernardo Domingos
Silva Rato
Assunção Raimundo
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[1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil hohe 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[2] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.