Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
302/11.0 GBCCH.E1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 10/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Inexiste um qualquer prazo autónomo de prescrição para a pena suspensa, distinto do aplicável à pena de prisão originária, tal qual vem entendendo a jurisprudência ultimamente, em face dos resultados verdadeiramente inaceitáveis a que vinha conduzindo a tese interpretativa, segundo a qual todas as penas suspensas se regeriam pelo prazo previsto no art. 122º, nº 1, al. d), do Código Penal.
As penas de prisão suspensas na sua execução não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária.

O prazo de prescrição da pena afere-se, pois, pela pena originária (pela pena inicialmente aplicada na decisão condenatória).

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora
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I- Relatório

No dia 10-12-2013 foi proferida sentença (transitada em julgado em 25-1-2014) que condenou o arguido AA pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, al. b) e art. 204º, 2, f), todos do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, suspensão essa acompanhada de regime de prova.

Em 31-10-2016 o Tribunal revogou a suspensão da execução da pena de 3 anos e 6 meses de prisão, determinando o cumprimento da mesma.

O arguido foi notificado pessoalmente desta decisão em 22-10-2021, interpondo recurso da mesma em 22-11-2021.

Em 23-11-2021 o arguido fez entrar requerimento no qual invocava o que já havia mencionado no recurso e ainda, a nulidade insanável decorrente do facto da audição do condenado ter sido efectuada sem a sua presença, nos termos do disposto no artigo 119º, al. c) do CPP.

Por despacho de 18-7-2022 o Tribunal indeferiu tal nulidade.

Em 14-9-2022 o arguido vem, igualmente, interpor recurso deste despacho.

Nos dois recursos vêm suscitadas, em síntese, as seguintes questões:

- falta de notificação do despacho homologatório do plano de reinserção social;

- nulidade insanável por não notificação do arguido para a respectiva audição e momento da extinção do TIR, anterior à Lei 20/2013;

- prorrogação do período de suspensão.

O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu aos recursos, pugnando pela respectiva improcedência.

Nesta Relação, a Exª PGA emitiu parecer no mesmo sentido.

Entretanto, na pendência dos autos nesta Relação, veio o arguido em novo requerimento pugnar pela extinção da pena por prescrição e pelo arquivamento dos autos.

Sobre o mesmo pronunciou-se a Exª PGA (fls. 575 a 578), pugnando pelo respectivo indeferimento, no entendimento de que não se verifica a prescrição da pena.

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II- Fundamentação

Despacho que revogou a suspensão (31-10-2016)

“Por sentença proferida nos presentes autos datada de 10 de Dezembro de 2013, transitado em julgado, foi o arguido AA condenado na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos e 2 (dois) meses, sujeito a regime de prova a delinear pela DGRS, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2 alínea b) por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal.

O Ministério Público a fls. 288 a 289, promove a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos.

Foram efectuadas diligências tendentes à notificação do arguido, para se proceder à sua audição, as quais se mostraram infrutíferas.

Por despacho datado de 8 de Abril de 2016 (fls. 290), e pelos fundamentos aí vertidos, foi determinada a notificação do Ilustre Defensor do arguido, o qual nada disse.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 56º, nº1, alínea a) do Código Penal, que «1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social )»

Decorre assim do mencionado normativo legal que o incumprimento de um dever ou regra de conduta imposta não constitui, só por si, motivo legal de revogação da suspensão da execução da pena, dependendo esta da culpa do condenado.

Segundo a jurisprudência perfilhada pelos nossos tribunais superiores a apreciação sobre a falta de cumprimento dos deveres impostos em sentença como condição da suspensão da execução da pena deve ser cuidada e criteriosa, de modo que apenas uma falta grosseira determina a revogação, ou seja, o condenado apenas verá a suspensão revogada por falta de pagamento da indemnização, se tal falta de pagamento lhe for de todo imputável.

Na interpretação de Simas Santos e Leal Henriques, in "Código Penal Anotado", I Volume, 2a Edição, Editora Reis dos Livros, página 481 «as causas de revogação não devem ser entendidas como um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período de suspensão. O réu deve ter demonstrado com 0 seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena».

Neste sentido defendeu Figueiredo Dias in ('Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas do Crime", Coimbra Editora, páginas 356 e 357 que qualquer que fosse a natureza do incumprimento culposo a suspensão só seria revogada «se nascesse dali a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão», entendendo este Autor que o mesmo será dizer que, «manter o delinquente afastado da criminalidade, no futuro».

Ademais, e simultaneamente, tem a jurisprudência afirmado que, a par desta condição, deve acrescer uma outra, qual seja a de que «a revogação da suspensão da pena só deve ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências previstas no arto 550», in Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Novembro de 2005, Relator António Gama, no processo nº 0542196, acessível in www.dgsi.pt.

Assim sendo, dispõe o artigo 55º do Código Penal que «se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, Ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das Obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº 5 do artigo 50º.»

Ora, compulsados os autos constata-se que o arguido AA não cumpriu o plano de reinserção, ausentou-se para parte incerta, e não mais deu qualquer informação ou contactou com os serviços de reinserção social que o acompanhavam, tendo em consequência sido efectuadas todas as diligências com vista à sua audição, por forma a averiguar o motivo da sua não colaboração com os serviços de reinserção social, sem qualquer resultado.

E quando assim é, torna-se evidente que as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão não puderam por essa via ser alcançadas, uma vez que o arguido/condenado se recusou desde logo a colaborar com a DGRSP.

Por tal razão, foi determinada, em última ratio a notificação do seu Ilustre Defensor, o qual nada disse.

Ora, de todos os elementos constantes dos autos, resulta manifesto que, a conduta do arguido revela uma total indiferença pela condenação de que fora alvo, "infirmando definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, da esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade" (Fig. Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 357), o que claramente não sucedeu.

Face ao exposto, decido revogar a suspensão da execução da pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão a que o arguido, AA, foi condenado nos presentes autos e, em consequência, determinar que o arguido cumpra a mesma.

Notifique, sendo o arguido através de OPC.

Após trânsito deste despacho:

Passe os competentes mandados de detenção e condução do arguido ao Estabelecimento Prisional.

Remeta boletim ao registo criminal”.

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Despacho que indeferiu a nulidade (18-7-2022)

“Por requerimento de referência 8214460, veio o arguido alegar a existência de nulidade insanável, invocando para tanto que o Termo de Identidade e Residência era anterior à entrada em vigor da Lei n.º 20/2013, tendo por isso sido extinto na data do trânsito em julgado da sentença. por esse facto, não foi o condenado notificado do plano de reinserção social, da data da audição de condenado, nem do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, não tendo estado presente, sendo a sua presença obrigatória na diligência.

Cumpre decidir.

Nos presentes autos, verifica-se que o arguido prestou Termo de Identidade e Residência no dia 28.02.2013.

Na referida data encontrava-se em vigor a versão do artigo 196º, do Código de Processo Penal fixada pela Lei n." 320-C/2000, mediante a qual a medida de coacção se extinguiria com o trânsito em julgado da sentença proferida. A partir da entrada em vigor da Lei nº 20/2013, o Termo de Identidade e residência, nos termos das disposições conjugadas do artigo 196º, nº 3, alínea d) e 214º, nº 1, alínea e), ambos do C.P.P., passou a extinguir-se textualmente apenas com a extinção da pena.

Não obstante, à referida data encontrava-se já fixada Jurisprudência, através, do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 6/2010 no sentido de que as obrigações do TIR apenas se extinguiam com a extinção da pena:

"i - Nos termos do nº 9 do artigo 113º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.

li - O condenado em pena de prisão suspensa continua «afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou â sua extinção e, com ela, â cessação da eventualidade da reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de "as posteriores notificações serão feitas por via posta/ simples para a morada indicada

lii - A notificação do condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ''contacto pessoal" como a "via postal registada, por meio de carta ou aviso registados " ou, mesmo, a "via simples, por meio de carta ou aviso " [artigo 113º. nº 1. alineas a), b). c) e d), do Código de Processo Penal]. "

Ora, o Tribunal concorda integralmente com o entendimento do Acórdão transcrito, uma vez que a nova redacção do artigo se limitou a esclarecer a solução já preconizada pelo mencionado AUJ. Com efeito, nenhum sentido faria que com o trânsito em julgado da sentença o arguido deixasse de estar sujeito às regras do Termo de Identidade e Residência, e para fazer cumprir a condenação fosse necessário ao Tribunal voltar a procurá-lo, caso resolvesse, como muitas vezes acontece, furtar-se à pena, ausentando-se da residência, e vir depois invocar tal facto para referir que não fora notificado.

Assim, indefere-se a nulidade invocada pelo arguido”.

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Apreciando

Da prescrição da pena

Como já vimos no dia 10-12-2013 foi proferida sentença (transitada em julgado em 25-1-2014) que condenou o arguido AA pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, al. b) e art. 204º, 2, f), todos do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, suspensão essa acompanhada de regime de prova.

Entende o arguido que tal pena se encontra prescrita por se lhe aplicar o prazo de 4 anos previsto no art. 122º, 1, al. d) CP, entendimento que segundo refere constitui entendimento unãnime da jurisprudência.

A Exª PGA opõe-se a tal entendimento, considerando ser de aplicar ao caso o regime da pena principal e não o da pena de substituição que foi revogada.

Analisando o caso, afigura-se-nos evidente que o arguido não tem razão.

De facto, o relator do presente escreveu o seguinte no Ac. TRE de 26-10-2021, pr. 321/08.4 TASLV-G.E1, a propósito da mesma questão:

“No tocante à prescrição da pena de prisão (pela qual pugna a recorrente), resulta de igual forma manifesto que a mesma jamais poderia ter prescrito, uma vez que o respectivo prazo de prescrição é de 10 anos (art. 122º, nº1, al. c) CP), já que a arguida (ora recorrente) foi condenada na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, por decisão transitada em julgado em 14-6-2012, não se mostrando sequer ingente ponderar nas respectivas causas de suspensão e interrupção, previstas nos arts. 125º e 126º do CP eventualmente aplicáveis ao caso, para que tal conclusão se imponha.

Acresce que inexiste um qualquer prazo autónomo de prescrição para a pena suspensa, distinto do aplicável à pena de prisão originária, tal qual vem entendendo a jurisprudência ultimamente, em face dos resultados verdadeiramente inaceitáveis a que vinha conduzindo a tese interpretativa, segundo a qual todas as penas suspensas se regeriam pelo prazo previsto no art. 122º, nº 1, al. d), do Código Penal.

Podem ver-se, a propósito, por exemplo, o Ac. STJ de 28-2-2018, pr. 125/97.8IDSTB-A.S1, rel. Vinício Ribeiro, o Ac. TRL de 21-2-2019, pr. 387/07.4PEAMD.L1-9, rel. Abrunhosa de Carvalho, ou, o mais recente, Ac. TRE de 8-9-2020, pr. 612/07.1GCFAR-A.E1, rel. João Amaro, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt.

Neste último escreveu-se o seguinte:

“o prazo de prescrição da pena afere-se pela pena originária (pela pena inicialmente aplicada na decisão condenatória).

Depois, e também em nosso entender, apenas cabem na previsão do artigo 122º, nº 1, al. d), do Código Penal, as penas de prisão inferiores a 2 anos (quer sejam de prisão efetiva, quer sejam de prisão suspensa na sua execução), bem como penas de multa.

Com efeito, e por um lado, o legislador não distingue as duas situações (prisão efetiva e prisão suspensa), não cabendo ao intérprete fazer tal distinção, e, por outro lado, diferente entendimento conduziria, com o devido respeito pela opinião contrária, a situações injustas, desadequadas e desequilibradas (por exemplo, teria um tratamento igual, em termos de prazo de prescrição da pena, um arguido condenado numa pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, e um outro arguido condenado numa pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos).

Como muito bem se escreve, a este propósito, no Ac. do T.R.L. de 21-02-2019 (relator Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt), o entendimento segundo o qual a todas as penas de prisão suspensas na sua execução é aplicável o disposto no artigo 122º, nº 1, al. d), do Código Penal - prazo de prescrição de 4 anos -, “levaria a soluções inaceitáveis, do ponto de vista da unidade do sistema jurídico e tendo em conta que se presume que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9º do Código Civil). Basta pensar no caso de uma pena de cinco anos de prisão (o prazo de prescrição desta pena é de 15 anos – art.º 122º/1-b) do CP), cuja execução foi suspensa por igual período. Se se entender que se aplica à pena suspensa o prazo de prescrição previsto no art.º 122º/1-d) do CP (quatro anos), isso levará a que, na prática, o prazo de prescrição da pena principal seja de nove anos, caso a suspensão não seja revogada nos quatros anos seguintes ao decurso do prazo da suspensão. Ora, não foi certamente isso que quis o legislador e não é isso que resulta de uma interpretação sistemática da lei, tendo em conta a sua letra”.

O mesmo entendimento é explicitado, com inteira pertinência, no Ac. do S.T.J. de 28-02-2018 (relator Vinício Ribeiro, in www.dgsi.pt), onde lapidarmente se refere: “não se nos apresenta defensável a posição que, em abstrato, defende a aplicação do disposto na alínea d) do artigo 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão). Meter no mesmo caldeirão, da citada alínea d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (artigo 50º, nº 5, do Código Penal - prazos de suspensão -), e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (nº 1 do citado artigo 50º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa. Na referida alínea d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a dois anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas alíneas anteriores. Com a revogação ressurge, reaviva, a pena de prisão substituída, que é a pena originária. E é a esta (pena de prisão/pena originária) que deve atender-se, como vimos atrás, para efeitos de prescrição. Sendo de atender à pena principal, o regime é o da pena principal e não o da pena de substituição, que foi revogada”. Como se assinala nesse mesmo Ac. do S.T.J. de 28-02-2018, “a pena de suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição, pode terminar pelo seu cumprimento após o decurso do prazo (artigo 57º do CP) ou pode terminar por força da sua revogação (artigo 56º do CP). Uma pena só é de substituição enquanto subsiste, enquanto substitui. A partir do momento em que é revogada (é a hipótese a considerar nestes autos), estamos perante uma pena de prisão pura e simples, isto é, perante a pena substituída.”

Em suma: as penas de prisão suspensas na sua execução não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária, não lhes sendo aplicável, sem mais (ou seja, a todas elas - mesmo às iguais ou superiores a 2 anos -), o disposto no artigo 122º, nº 1, al. d), do Código Penal”.

Em suma, não se mostra prescrita qualquer pena no presente caso”.

Ora, tais razões ali explanadas aplicam-se de igual forma ao presente caso, ademais quando o arguido aqui foi condenado em pena até bem superior (3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período).

Ou seja, o respectivo prazo de prescrição é de 10 anos (art. 122º, nº1, al. c) CP), não se mostrando sequer ingente ponderar nas respectivas causas de suspensão e interrupção, previstas nos arts. 125º e 126º do CP eventualmente aplicáveis ao caso, para que se conclua que não se verifica a dita prescrição.

Improcede, por conseguinte, tal questão.

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Das questões relativas aos recursos

Cuidemos agora das questões decorrentes dos recursos:

- falta de notificação do despacho homologatório do plano de reinserção social;

- nulidade insanável por não notificação do arguido para a respectiva audição e momento da extinção do TIR, anterior à Lei 20/2013;

- prorrogação do período de suspensão

Antes, porém, importa fixar alguns factos relevantes de índole processual, com vista a tal apreciação:

O arguido prestou TIR no dia 28-2-2013 (fls. 128 e 129 dos autos), do qual constam, entre o mais, os seguintes deveres:

a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;

b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;

c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no nº 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento;

d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º.

No dia 10-12-2013 foi proferida sentença (transitada em julgado em 25-1-2014) que condenou o arguido AA pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, al. b) e art. 204º, 2, f), todos do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, suspensão essa acompanhada de regime de prova.

O arguido foi notificado pessoalmente da sentença, em 12.12.2013, vide fls. 192 destes autos.

Foi elaborado plano de reinserção social pelas Técnicas da DGRSP, junto aos autos a 11.12.2014 e que consta de fls. 203 e segs., e que foi homologado pelo Tribunal a 22-1-2015 (fls.212).

Consultado o plano nele pode ler-se a fls. 205:

“Para a elaboração do plano de reinserção social foi realizada entrevista com o condenado nas suas instalações da Equipa em …, contacto com a GNR de …, consulta do seu dossiê individual existente neste serviço e consulta das peças processuais.

Compareceu para entrevista no dia 11-11-2014, após ter faltado a 21-10-2014 e ter sido entregue convocatórias nas moradas constantes no processo.

AA tomou conhecimento do conteúdo deste plano tendo concordado com o mesmo, ainda que se antecipem dificuldades na comparência às entrevistas por evidentes dificuldades económicas”.

Constata-se que, embora ordenada a notificação da homologação do plano, o aludido despacho não foi cumprido (fls. 212 e segs.).

A 20 de Maio de 2015, a DGRSP envia ao Tribunal relatório de incumprimento no âmbito da suspensão da execução da pena (fls. 215) no qual informou que, o arguido manteve a morada da progenitora para receber a correspondência mas foi pernoitando em casa de terceiros sem indicar os endereços…

Encontrava-se a cumprir uma medida de trabalho a favor da comunidade na Junta de Freguesia de … que interrompeu.

Compareceu em entrevista pela última vez em 23-3-2015, transmitiu por telefone estar envolvido na prática de outros ilícitos e recear perder a liberdade, tendo desligado, após, o seu telemóvel.

A progenitora afirmou desconhecer o paradeiro do filho, o arguido deixou de cumprir com o regime de prova e ausentou-se para parte incerta, incumprimento esse que se verificou também em vários outros processos (cfr. fls. 216 e segs.).

Devido ao facto de o arguido não estar a cumprir o plano foi designada data para a sua audição que teve lugar no dia 25-9-2015 na ausência do arguido, que havia sido notificado para a morada do TIR, encontrando-se, contudo, presente a sua ilustre defensora (cfr. fls. 279 a 281).

Em 31-10-2016 o Tribunal revogou a suspensão da execução da pena de 3 anos e 6 meses de prisão, determinando o cumprimento da mesma.

O arguido só viria a ser notificado pessoalmente desta decisão em 22-10-2021 pela PSP de … (fls. 488), após mais de 6 anos de incessantes buscas pelo mesmo (bem retratadas nos autos).

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Perante as múltiplas ocorrências supra-descritas, detecta-se que o arguido cumpriu o plano da DGRSP entre Novembro de 2014 e fins de Março de 2015, altura em que se ausentou para parte incerta, só voltando o Tribunal a conseguir contactar com o mesmo em 22-10-2021.

Invoca agora o arguido, em manifesto abuso de direito, que como não lhe foi expressamente notificado o despacho homologatório do plano - que bem conhecia, com o qual concordou, e cumpriu ao longo de vários meses – não podia ter incumprido tal plano de reinserção social, nem o Tribunal acabar por revogar-lhe a suspensão com base em tal incumprimento.

Trata-se, por isso mesmo, de mera retórica inconsequente, quando é certo que a ausência de notificação do dito despacho homologatório nada acrescentava ou retirava à situação em concreto verificada.

O arguido conhecia o plano, concordou com o mesmo e cumpriu-o inclusivamente ao longo de vários meses, até 23-3-2015, ausentando-se, de então em diante para local desconhecido e só voltando a ser detectado em 22-10-2021 (mais de 6 anos depois), quando bem sabia que tinha a pena suspensa por 3 anos e 6 meses, com sujeição a regime de prova.

No campo dos vícios processuais evidencia-se uma mera irregularidade (no facto do despacho homologatório não lhe ter sido expressamente notificado), irregularidade essa há muito sanada, uma vez não esgrimida no prazo previsto no art. 123º, nº1 CPP.

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Invoca, também, o arguido que prestou TIR nos autos, a fls. 128 e 129, em data anterior à entrada em vigor da Lei 20/2013, de 21-2, pelo que o mesmo se teria extinguido com a data do trânsito em julgado da sentença condenatória (em 25-1-2014). Daí que que quando foi marcada audiência para a sua audição por alegado incumprimento dos deveres o mesmo não se pode considerar notificado por simples envio de carta com prova de depósito para a morada do TIR que já estava extinto.

Ora, no tocante a esta matéria tem inteira razão o despacho recorrido, transcrito acima.

De facto, o Ac. STJ 6-2010 (DR 21-5-2010), incidente sobre questão relativa a revogação de suspensão da execução de pena de prisão, tal qual ocorre nos presentes autos, fixou jurisprudência no sentido de que:

«I- Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.

II- O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de ‘as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada’).

III- A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ (16) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).»

E tal jurisprudência fixada no tocante à comunicação do despacho de revogação deverá aplicar-se por maioria de razão à mera notificação do arguido para a respectiva audição.

Ademais, o relator do presente escreveu o seguinte sobre esta mesma questão no Ac. TRG de 5-11-2012, pr. 46/07.8 PEGMR.G1:

“Na sequência da primeira questão invoca a recorrente a nulidade insanável decorrente da pretensa omissão da respectiva audição presencial nos termos do art. 495º., nº.2 CPP mas mais uma vez lhe falece a razão.

De facto - como mais uma vez responde acertadamente o MP - esta questão entronca com a apreciada e decidida no Ac. de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2010, publicado no DR I Série de 21 de Maio de 2010.

“Na verdade, se no apontado aresto se toma posição a final sobre o modo de notificação do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, o certo é que a doutrina em que se estriba dá uma resposta categórica à questão colocada com o presente recurso.

Com efeito, para quem, como a condenada (ora recorrente) prestou TIR nos autos, se ausentou da residência ali indicada, não indicou outra morada, e a despeito das diversas diligências que se prolongam por mais de três meses com a marcação de duas novas datas para a sua audição não é possível apurar o seu concreto paradeiro, o tribunal não pode ficar refém de tal situação, impedido de extrair as consequências que se impõem, da impossibilidade da sua notificação para efeito da respectiva audição relativamente ao incumprimento das condições a que a mesma estava sujeita pela suspensão da execução da pena de prisão”.

Assim tem sido entendido também nesta Relação de Guimarães tal qual decorre do sumário do Acórdão de 9 de Janeiro de 2012 (processo n.º1343/06.5PBGMR in www.dgsi.pt) “Só haverá violação do preceituado no art. 495º, do CPP, se o arguido não tiver sido ouvido nos autos sendo o seu paradeiro conhecido ou, caso este seja desconhecido, se não tiverem sido efectuadas quaisquer diligências com vista a apurar o local onde o mesmo se encontrava de modo a notificá-lo para declarações” ou, já anteriormente, do Acórdão de 10-7-2008, Pr. 1156/08-2, Rel. Cruz Bucho, in http://www.dgsi.pt/jtrg:

“III- Se é certo que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão não é automática, sendo necessário que o juiz reúna os elementos necessários para, em consciência tomar uma decisão que vai afectar a liberdade do condenado, o Tribunal cumpre todas as obrigações criando as condições necessárias para proferir o despacho a que alude o artigo 56º do Código Penal se enceta várias diligências tendentes a tomar declarações ao arguido e este não é encontrado, não só na morada que consta dos autos como em outras obtidas juntas das autoridades (Ac. da Rel. de Coimbra de 7-5-2003, processo n.º 612/03, Rel. João Trindade, in www.dgsi.pt).

IV- Apesar de o arguido não ser ouvido pessoalmente, é dado o devido cumprimento ao princípio do contraditório se a decisão revogatória só foi proferida depois de o defensor oficioso, notificado para o efeito, se ter pronunciado sobre o incumprimento do dever imposto e sobre a ausência em parte incerta do arguido”.

No mesmo sentido vai a jurisprudência das Relações do Porto ou de Coimbra.

Cfr., por ex., o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/10/2011 (processo n.º676/08.8 PTPRT) e arestos ali citados, designadamente o processo 612/03 do TR de Coimbra de cujo sumário consta: “…III - O tribunal cumpre todas as obrigações processuais criando a condições necessárias para proferir despacho de apreciação no termos do art.º 56.° do C.P. se enceta várias diligências tendentes tomar declarações ao arguido e este não é encontrado, não só na morada que consta dos autos como em outras obtidas junto da autoridades.”.

É que, muito embora a audição prévia do condenado se revista de carácter obrigatório sempre que haja lugar quer à modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostas (artigo 55.º do Código Penal), quer à revogação da suspensão da execução da pena de prisão (artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal), no caso dos autos, como acima resulta explicitado, foram designadas duas outras datas para audição da condenada nos termos a que alude o artigo 495.º do Código de Processo Penal e a respectiva audição só não ocorreu por facto manifestamente imputável à própria condenada e não ao tribunal, como de igual modo aconteceu também relativamente à sua notificação pessoal da promoção do Ministério Público.

Daí que não se vislumbre qualquer nulidade in casu”.

E, na mesma linha vai a jurisprudência desta Relação de Évora. Vd., por ex., o Ac. TRE de 21-5-2019, proferido no processo 126/09.5PTSTB-A.E1 e a diversa jurisprudência no mesmo referida:

“I- A doutrina e jurisprudência maioritárias acolhem o entendimento de que, previamente à decisão sobre a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, impõe-se, como regra, a obrigatoriedade da audição pessoal e presencial do arguido/condenado e que a preterição dessa audição, integrará a nulidade insanável prevista na al. c) do artigo 119º do CPP.

II- Porém, em situações em que não seja possível proceder àquela audição, por razões que sejam imputáveis ao arguido/condenado (v.g. porque faltou injustificadamente à diligência marcada, porque se ausentou da morada constante do TIR, não sendo conhecida a sua nova morada, etc.), tendo o tribunal diligenciado para que essa audição tivesse lugar, sem êxito, e sendo o defensor do arguido/condenado notificado, para poder pronunciar-se sobre a eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão, há que considerar assegurado, «na sua expressão mínima», o princípio do contraditório, não enfermando a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, proferida, nesse circunstancialismo, da nulidade prevista no artigo 119º, al. c), do CPP”.

Em suma, improcede, igualmente, esta parcela do recurso, não se evidenciando qualquer vício na presente situação.

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Finalmente, propugna o arguido pela prorrogação do período de suspensão da pena nos termos do disposto no artigo 55.º, al. d) do Código Penal.

O MP opõe-se invocando que não sendo automática a revogação da suspensão da execução da pena, para que a mesma ocorra é necessário que, depois de analisada a conduta do arguido, se conclua que no caso, é de afastar o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão.

“Nos autos, o arguido deixou de estar contactável com a DGRSP, o próprio reconheceu ter voltado a cometer novos factos passíveis de consubstanciar crime.

Desta forma, a indiferença pela condenação o facto de se furtar aos contactos com a DGRSP e assim, ao cumprimento do plano para si delineado, tornou evidente que as finalidades subjacentes à suspensão da pena de prisão não poderem ser alcançadas.

Face ao exposto, nenhuma outra decisão poderia ser proferida que não fosse a de revogar a suspensão da execução da pena de prisão”.

E, claramente, o Tribunal e o MP têm razão.

De facto, o juízo de prognose em que se estribou a suspensão resulta claramente colocado em crise perante a actuação do arguido acima descrita.

Donde o Tribunal a quo ter revogado e muito bem a suspensão em 31-10-2016, num momento em que há mais de 1 ano e meio que o arguido se ausentara para parte incerta, estando-se “marimbando” para as decisões do Tribunal e para as obrigações que lhe haviam sido impostas, não se predispondo a cumprir, nem estas, nem quaisquer outras que tivessem sido eventualmente decididas.

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III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Évora em indeferir o requerimento relativo à prescrição da pena e negar provimento aos recursos.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.

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Évora, 24/10/2023