Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1375/23.9T8FAR.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: PRINCÍPIO DA DUPLA FILIAÇÃO
CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
PORTARIA DE EXTENSÃO
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- Se a Relação constata que na decisão da matéria de facto proferida pela 1.ª instância ocorreu erro na aplicação das regras de direito probatório e na apreciação dos meios probatórios juntos aos autos, deve fazer uso do poder-dever estatuído no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, e deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
II- No nosso ordenamento juslaboral vigora o princípio da filiação, também designado como princípio da dupla filiação, que se encontra enunciado no artigo 496.º do Código do Trabalho, e que anteriormente já se mostrava previsto nos artigos 552.º do Código do Trabalho de 2003 e 7.º do regime jurídico das relações coletivas de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29/12.
III- Trata-se, porém, de um princípio de carácter geral, sendo a própria lei a prever alguns desvios ao referido princípio nos artigos 496.º, n.ºs 3 e 4, 497.º, 498.º e 514.º, todos do Código do Trabalho.
IV- A portaria de extensão, prevista no artigo 514.º do Código do Trabalho, é um instrumento administrativo de regulação laboral, emanado do Governo, que comporta uma prévia ponderação das circunstâncias sociais e económicas que o justificam, e que se destina a alargar o âmbito de uma convenção coletiva ou de uma decisão arbitral a um universo de trabalhadores e/ou empregadores não originariamente coberto por essa convenção ou deliberação.
V- A cessação da vigência da convenção coletiva não implica automaticamente a caducidade da portaria de extensão, pois estão em causa instrumentos de natureza e finalidade diferentes, continuando a portaria de extensão a produzir os seus efeitos enquanto continuar a ser adequada a satisfazer os fins para a qual foi emitida.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
P.1375/23.9T8FAR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
AA (Autora) intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra Associação ... (Ré), pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 23.478,40, acrescida dos juros de mora que se vencerem após a citação e até integral pagamento.
Alegou, em breve síntese, que manteve com a Ré um contrato de trabalho que vigorou entre 02-10-1992 e 04-08-2022. Todavia, durante a sua vigência, a Ré não lhe pagou as diuturnidades a que tinha direito e que reclama na presente ação.
Na audiência de partes não foi possível obter acordo que colocasse termo ao litígio.
A Ré contestou, invocando que pagou à Autora as diuturnidades a que a mesma tinha direito e que nada lhe deve a tal título.
Em 04-01-2024, foi proferido saneador-sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, foi a Ré absolvida do pedido.
O valor da ação foi fixado em € 23.478,40.
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A Autora interpôs recurso da sentença, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:
«1. A Autora AA, (…), intentou a ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Associação ... (…), onde pediu que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia global de € 23.478,40 (vinte e três mil quatrocentos e setenta e oito euros e quarenta cêntimos), acrescida dos juros de mora que se vencerem após a citação e até ao integral pagamento.
2. Resulta dos factos assentes que a Recorrente exercia as suas funções ao serviço da Ré/Requerida, sob a direção e fiscalização desta.
3. E fê-lo entre 02/10/1992 e 04/08/2022 inclusive.
4. A categoria profissional da Recorrente não admitia progressão de carreira.
5. Em Março de 2013, foi pago à Recorrente a 1.ª diuturnidade, no montante de € 33,15.
6. Após esta data, as diuturnidades não voltaram a ser atualizadas.
7. O CAE da Ré é CAE 85520 - Ensino de Atividades Culturais e o Contrato Coletivo de Trabalho aplicável é o com a FNE Federação Nacional de Educação.
8. Segundo o referido Contrato Coletivo Aplicável, quanto a diuturnidades as remunerações mínimas estabelecidas pela presente convenção para os trabalhadores não docentes será acrescida uma diuturnidade, até ao máximo de cinco, por cada cinco anos de permanência em categoria de acesso não obrigatório e automático ao serviço da mesma entidade patronal.
9. Alegou, a Recorrente que não lhe foram pagas as diuturnidades previstas no CCt que invoca e que considera ser aplicável, por força do Contrato Coletivo Aplicável - FNE, acessível em: https://fne.pt/uploads/noticias/edicao_1579793495_4092.pdf e in casu o seu Artigo 54.º D.
10.A Ré defendeu que o mesmo CCt não seria aplicável, assente no pressuposto da cessação da vigência da Convenção Coletiva em relação à Portaria que estende a sua vigência a entidades não abrangidas por ela.
11.A Recorrente defende que a Convenção e a Portaria da sua Extensão são instrumentos diferentes e que,
12.Ainda que cessando a Convenção não cessam em entender da Recorrente os efeitos da Portaria de Extensão.
13.Tratam-se de direitos adquiridos ao abrigo da mesma.
14.Entende a Recorrente que por força do seu vínculo contratual com a Ré, lhe são devidas as diuturnidades peticionadas, como indicou.
15.Em seu entender, trata-se de um direito que foi adquirido com o início, decurso vigência e execução do seu contrato de trabalho,
16.Direito que não findou e que em nada foi afetado com a alegada cessação da Vigência da Convenção Coletiva invocada pela Ré em sede de contestação.
17.Conforme explanado, deve reconhecer-se o direito da Recorrente às invocadas diuturnidades, e
18.Deve em consequência ser a Ré/Recorrida condenada a pagar à Autora a quantia global peticionada na P.I., referente às diuturnidades vencidas.
19.No mais, deve a sentença ora recorrida ser revogada, substituindo-se a mesma por outra que dê provimento ao peticionado pela Autora aqui Recorrente.».
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Contra-alegou a Ré, propugnando pela improcedência do recurso.
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A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Após a subida do processo à Relação foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer favorável à manutenção da decisão recorrida.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido nos seus precisos termos.
Após a elaboração do projeto de acórdão, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, agora, em conferência, apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a única questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se são devidas à Autora as diuturnidades peticionadas.
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III. Modificabilidade da decisão de facto, ao abrigo do artigo 662.º do CPC
Estatui o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Ora, compulsados os autos constata-se o seguinte:
No artigo 5.º da petição inicial, a Autora alegou: « Em Março de 2013, foi pago à Autora a 1.ª diuturnidade, no montante de € 33,15».
Esta factualidade foi impugnada no artigo 36.º da contestação, tendo a Ré alegado, no artigo 29.º do mesmo articulado: «A A foi atribuída, voluntariamente, uma diuturnidade em Janeiro de 2007, no valor de 32,50€, a qual foi atualizada em Janeiro de 2008, para o valor de 33,15€.».
Foram juntos aos autos diversos recibos de vencimento – cf. requerimentos apresentados em 02-11-2023 e documentos juntos com a contestação -, que não foram impugnados, entre eles os recibos de vencimento de janeiro a dezembro de 2007, onde consta o pagamento de uma diuturnidade no valor de € 32,50, e os recibos de janeiro a agosto e de outubro a dezembro de 2008, em que a diuturnidade foi paga pelo valor de € 33,15.
Ora, é manifesto que não houve acordo das partes, nem foi oferecida prova documental que comprovasse o alegado no artigo 5.º da petição inicial.
Assim, ao ter dado como provada a factualidade descrita no referido artigo 5.º (cf. alínea D) dos factos provados constantes da sentença recorrida), o tribunal a quo errou na aplicação das regras de direito probatório e na apreciação dos meios probatórios juntos aos autos.
Como tal, fazendo uso do poder-dever conferido pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, impõe-se corrigir tal erro, alterando-se o teor da alínea D) do elenco dos factos provados, que passará a ser o seguinte:
- À Autora foi atribuída, voluntariamente, uma diuturnidade em janeiro de 2007, no valor de 32,50€, a qual foi atualizada em janeiro de 2008, para o valor de 33,15€.
O agora decidido em nada altera a fundamentação de direito da sentença recorrida, porquanto [curiosamente (!)] acabou por ser esta a factualidade que foi considerada para aplicar o direito.
Por uma questão de coerência da matéria de facto, também se altera, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a alínea F) do acervo de factos provados constante da sentença da 1.ª instância, que passará a ter a seguinte redação:
- As diuturnidades não voltaram a ser atualizadas.
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IV. Matéria de Facto
Elencam-se, assim, em definitivo, os factos provados:
A) A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 02/10/1992, por contrato escrito, para lhe prestar a sua atividade profissional como empregada de limpeza, sob a direção e fiscalização desta;
B) E fê-lo entre 02/10/1992 e 04/08/2022 inclusive, altura em que se aposentou;
C) A categoria profissional da A. não admitia progressão de carreira;
D) À Autora foi atribuída, voluntariamente, uma diuturnidade em janeiro de 2007, no valor de 32,50€, a qual foi atualizada em janeiro de 2008, para o valor de 33,15€.
E) Antes desta data, nada foi pago a este título;
F) As diuturnidades não voltaram a ser atualizadas;
G) Após a data supra referida, a Autora não recebeu o pagamento referente a mais nenhuma diuturnidade;
H) O CAE da Ré é CAE 85520 - Ensino de Atividades Culturais;
I) A R Associação ... – CRAMC é titular de um estabelecimento de ensino especializado de música e dança, que funciona em regime de ensino particular e cooperativo, gozando de autonomia pedagógica, administrativa e financeira, ao abrigo do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior;
J) A Associação ... – CRAMC não é associada de qualquer associação patronal nem nunca o foi;
K) A A não é associada de qualquer sindicato.
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V. Enquadramento jurídico
Como anteriormente referimos, a única questão que importa analisar e decidir é a de saber se são devidas à Autora as diuturnidades peticionadas na ação.
A 1.ª instância entendeu que não, com apoio na seguinte fundamentação:
«Importa saber da aplicação do Acordo Coletivo invocado pela A. e se a Ré deve ser condenada aos pagamentos peticionados pela A. Pelas diuturnidades que deveria ter pago e não pagou ao longo da relação laboral.
A convenção coletiva do trabalho pode definir-se como o acordo celebrado entre um empregador ou uma associação de empregadores e uma ou mais associações sindicais, em representação dos trabalhadores membros, com vista à regulação das situações juslaborais individuais e coletivas numa determinada profissão ou sector de atividade, e numa certa área geográfica ou empresarial.
A convenção coletiva é um acordo que deve ser escrito sob pena de nulidade (em Portugal esta regra está prevista no artigo 477.° do Código do Trabalho) e embora os empregadores possam negociar isoladamente na celebração da convenção coletiva, pelo lado dos trabalhadores deve intervir necessariamente uma organização representativa. Esse acordo é um meio apto a produzir todos ou só alguns dos efeitos consoante a vontade das partes outorgantes direito do trabalho, tal como definido por Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte I.
Assumem as convenções coletivas especial relevância uma vez que o contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho, assim como os usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé.
São fontes próprias do direito do trabalho e que, por isso, não são compartilhadas pelos demais ramos jurídicos. O caráter vinculante destas práticas é-lhes intrínseco, e pode ser, ou não, explicitamente reconhecido pela lei. Parece ser este o alvo principal de menção constante do artigo 1.° do Código do Trabalho.
Nos termos do artigo 496º. do Código do Trabalho, as convenções coletivas de trabalho vinculam por um lado as empresas associadas nas associações patronais delas subscritoras (ou as empresas subscritoras no caso dos AE ou ACT) e por outro, os trabalhadores ao seu serviço que sejam associados dos sindicatos que subscreveram a convenção em causa, valendo o princípio da filiação.
A convenção coletiva do trabalho vigora pelo prazo dela constante e renova-se nos termos nela expressos, considerando-se que se renova sucessivamente por iguais e sucessivos períodos de um ano se nada for estabelecido (artigo 499º. nº 1 e 2 do Código do Trabalho).
E caducam nos termos do artigo 501º. do Código do Trabalho.
Em caso de concorrência de IRCTs de base negocial aplicam-se as seguintes regras dos artigos 481º a 484º do Código do Trabalho:
a) IRCT negocial de um sector de atividade afasta a aplicação de instrumento da mesma natureza cujo âmbito se define por profissão ou profissões, relativamente àquele sector de atividade, isto é dá-se preferências aos IRCT negociais de natureza vertical.
b) IRCT negocial afasta IRCT de base não negocial.
c) Acordo de empresa, em regra, afasta Acordo Coletivo ou Contrato Coletivo.
d) Acordo Coletivo afasta, em regra, Contrato Coletivo.
e) Nos restantes casos de concorrência entre IRCTs negociais, os trabalhadores podem escolher no prazo de 30 dias a contar da publicação do último, comunicando a escolha ao empregador e à autoridade inspetiva.
f) Não escolhendo os trabalhadores aplica-se o mais recente e se forem da mesma data o que regular a atividade principal da empresa.
Concorrendo IRCTs de base não negocial observam-se os seguintes critérios:
a) Decisão arbitral afasta a aplicação de outros IRCT
b) Portaria de Extensão afasta a aplicação de Portaria de Condições e Trabalho.
c) Concorrendo Portarias de Extensão observam-se os critérios previstos para a concorrência de convenções coletivas de trabalho.
Por força do artigo 496.º do Código do Trabalho, vigora o princípio da dupla filiação, segundo o qual a convenção coletiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como, os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante.
E nos termos do artigo 514.º do mesmo Código, a convenção coletiva em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento (n.º 1), mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere (n.º 2).
Como bem refere a R. , ao sector do ensino particular e cooperativo aplicaram-se desde 2007, as seguintes Convenções Coletivas do Trabalho, todas publicadas no BTE nº 11, de 22/03/2007:
a) CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF – Federação Nacional dos Professores e outros (BTE n.º 11 de 22/03/2007 - Data de Distribuição: 23/03/2007). Revisão Global, com alterações subsequentes publicadas nos BTE n.º 10, de 15/03/2008, n.º 13, de 8/04/2009 e n.º 30, de 15/08/2011, esta última não foi objeto de portaria de extensão;
b) CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FNE – Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e outros (BTE n.º 11 de 22/03/2007 - Data de Distribuição: 23/03/2007) Revisão Global, com alterações subsequentes publicadas nos BTE n.º 10, de 15/03/2008, n.º 5 de 8/02/2009, com retificação in BTE n.º 14/2009, n.º 30 de 15/08/2011, n.º 10 de 15/03/2014, n.º 30 de 15/08/2014, n.º 29 de 8/08/2015, e n.º 31 de 22/08/2017, que não foram objeto de portaria de extensão no que respeita aos instrumentos de 2011, 2014 e 2017;
c) CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e o SINAPE – Sindicato Nacional dos Professores de Educação (BTE n.º 11 de 22/03/2007 - Data de Distribuição: 23/03/2007) Revisão Global, com alteração salarial in BTE n.º 8 de 28/02/2009.
d) CCT entre a AEEP – Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e o SPLIU – Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades (BTE n.º 11 de 22/03/2007 - Data de Distribuição: 23/03/2007). Revisão global, com alterações subsequentes publicadas nos BTE n.º 10, de 15/03/2008, n.º 8 de 28/02/2009, n.º 30 de 15/08/2011, n.º 4 de 29/01/2015, n.º 30 de 15/08/2015, e n.º 40 de 29/10/2017, que não foi objeto de portaria de extensão, no que respeita aos instrumentos de 2011, 2015 e 2017.
Todos esses CCT (na versão inicial) foram objeto de extensão, pela Portaria de Extensão nº 1483/2007, de 19 de novembro, com efeitos a partir de 1 de setembro de 2006 e 24 de novembro, pela Portaria n.º 25/2010, de 11 de janeiro, e ainda, pela Portaria de Extensão nº 462/2010, de 1 de julho, que estendeu as referidas convenções a todos os estabelecimentos de ensino particular não superior e trabalhadores ao seu serviço não abrangidos pela Portaria 1483/2007.
Os instrumentos posteriores a 2010, mas os posteriores não foram objeto de portaria de extensão.
Sucede que conforme BTE n.º 30 de 15 de agosto de 2011, em 25 de junho de 2011 foi celebrado Contrato Coletivo entre a AEEP e a FNE e outros — Alteração salarial e outras, convencionando-se um novo texto consolidado de tal instrumento, que não foi objeto de portaria de extensão.
O referido Contrato Coletivo procede à 1.º Revisão Parcial do CCT celebrado entre a AEEP e a FNE e outros, e do CCT celebrado entre a AEEP e o SINAPE, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, e ainda, à Revisão, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2011, das tabelas salariais acordadas entre as mesmas partes, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 2009, com a retificação publicada no Boletim do trabalho e Emprego, n.ºs 14, de 15 de Abril de 2009, e 8, de 28 de Fevereiro de 2009.
Este contrato coletivo foi outorgado entre outros, pela AEEP, FNE e pelo SINAPE e não foi objeto de portaria de extensão.
Conforme BTE n.º 29 de 8 de agosto de 2015, em 15 de julho de 2015, foi celebrada Revisão Global, que altera o contrato coletivo de trabalho celebrado entre a AEEP e a FNE e outros publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de março de 2007, com as revisões parciais (alterações salariais e outras) publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 10, de 15 de março de 2008, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de fevereiro de 2009, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 30, de 15 de agosto de 2011, a deliberação da comissão paritária publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 10, de 15 de março de 2014, e no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 30, de 15 de agosto de 2014.
Esta Revisão Global foi outorgada entre outros, pela AEEP, e pelo SINAPE e não foi objeto de portaria de extensão.
Conforme BTE n.º 31 de 22 de agosto de 2017, foi celebrado Acordo de Revogação do CCT celebrado entre a AEEP e a FNE e outros, cuja revisão global foi publicada no BTE n.º 29, de 8 de agosto de 2015.
O Acordo de Revogação foi outorgado entre outros, pela AEEP, FNE e pelo SINAPE.
Quanto ao contrato coletivo entre a Associação dos Estabelecimentos de Ensino particular e Cooperativo - AEEP e a FENPROF, a AEEP denunciou validamente a convenção junto da FENPROF, em 14 de maio de 2013, ao abrigo do artigo 500.º do Código do Trabalho (CT), na redação aprovada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com efeitos a partir de 13 de maio de 2013.
Conforme BTE n.º 40, de 29 de outubro de 2015, o CCT entre a AEEP e a FENPROF e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª série, n.º 11, de 22 de março de 2007, e alterações subsequentes publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 10, de 15 de março de 2008, n.º 13, de 8 de abril de 2009, e n.º 30, de 15 de agosto de 2011, cessou a sua vigência no âmbito da AEEP e da FENPROF, por caducidade, em 13 de maio de 2015.
No caso em apreço, a Associação do Conservatório Regional do Algarve não é associada da AEEP, signatária das convenções coletivas de trabalho outorgadas entre a mesma associação e a FNE, o SINAPE e a FENPROF, e Autora não tem filiação sindical.
Sabe-se que a caducidade e a denúncia são causas de cessação das Convenções Coletivas de Trabalho, nos termos do artigo 500.º e 502.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
A caducidade ocorre com a verificação do prazo da sua vigência.
A denúncia ocorre com a comunicação escrita de uma à outra parte, acompanhada de proposta negocial global.
Tudo nos termos dos artigos 499.º e 500.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
Pode, também, ocorrer em situações particulares de sobrevigência do CCT (art.º 501.º do Código do Trabalho).
Passemos, agora a apreciar o estabelecido no artigo 501.º do Código do Trabalho.
Estabelece este artigo que:
"1.A cláusula de convenção que faça depender a cessação da vigência desta da substituição por outro instrumento de regulamentação coletiva de trabalho caduca decorridos cinco anos sobre a verificação de um dos seguintes factos:
a)Última publicação integral da convenção;
b)Denúncia da convenção;
c)Apresentação de proposta de revisão da convenção que inclua a revisão da referida cláusula.
2.Após a caducidade da cláusula referida no número anterior, ou em caso de convenção que não regule a sua renovação, aplica-se o disposto nos números seguintes.
3.Havendo denúncia, a convenção mantém-se em regime de sobrevigência durante o período em que decorra a negociação, incluindo conciliação, mediação ou arbitragem voluntária, ou no mínimo durante 12 meses.
4.Sempre que se verifique uma interrupção da negociação, incluindo conciliação, mediação ou arbitragem voluntária, por um período superior a 30 dias, o prazo de sobrevigência suspende-se.
5.Para efeitos dos n.os 3 e 4 o período de negociação, com suspensão, não pode exceder o prazo de 18 meses.
6.Decorrido o período referido nos n.os 3 e 5, consoante o caso, a convenção mantém-se em vigor durante 45 dias após qualquer das partes comunicar ao ministério responsável pela área laboral e à outra parte que o processo de negociação terminou sem acordo, após o que caduca.
7.Na ausência de acordo anterior sobre os efeitos decorrentes da convenção em caso de caducidade, o ministro responsável pela área laboral notifica as partes, dentro do prazo referido no número anterior, para que, querendo, acordem esses efeitos, no prazo de 15 dias.
8.Após a caducidade e até à entrada em vigor de outra convenção ou decisão arbitral, mantêm-se os efeitos acordados pelas partes ou, na sua falta, os já produzidos pela convenção nos contratos de trabalho no que respeita a retribuição do trabalhador, categoria e respetiva definição, duração do tempo de trabalho e regimes de proteção social cujos benefícios sejam substitutivos dos assegurados pelo regime geral de segurança social ou com protocolo de substituição do Serviço Nacional de Saúde.
9.Além dos efeitos referidos no número anterior, o trabalhador beneficia dos demais direitos e garantias decorrentes da legislação do trabalho.
10.As partes podem acordar, durante o período de sobrevigência, a prorrogação da vigência da convenção por um período determinado, ficando o acordo sujeito a depósito e publicação.
11.O acordo sobre os efeitos decorrentes da convenção em caso de caducidade está sujeito a depósito e publicação".
Este artigo tem aplicação ao caso dos autos na medida em que se refere a efeito de factos não integralmente passados à data da sua entrada em vigor.
Dispõe, ainda, o artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro:
"(…) 3.O regime estabelecido no Código do Trabalho, anexo à presente lei, não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor e relativas a:
(…) b)Prazos de prescrição e de caducidade.
(…)".
Neste contexto, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão datado de 13-10-2016, disponível em www.dgsi.pt: "O artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009 dispõe sobre os efeitos (sobrevigência e caducidade de convenção coletiva) emergentes dos factos que discrimina, pelo que só se aplica aos ocorridos depois da sua entrada em vigor" e, por outro, "a norma do art.º 501.º do CT/2009, ao estabelecer a caducidade pelo mero decurso do tempo, é inovadora, pelo que, nos termos do art.º 12.º, n.º 1, do CC, só dispõe para o futuro".
Concluiu o citado Acórdão que "o prazo de 5 anos previsto no n.º 1 do art.º 501.º do CT de 2009, na redação anterior à introduzida pela Lei 55/2014 de 25/08, apenas se inicia com a entrada em vigor do CT/2009".
Mas qual a natureza da publicação do aviso de caducidade da convenção coletiva?
Terá natureza constitutiva ou meramente declarativa?
Vejamos.
Não há dúvida que a publicação serve os fins da certeza e segurança jurídicas.
A doutrina, mais concretamente Monteiro Fernandes e Pedro Romano Martinez, entendem que o ato administrativo em causa não tem um efeito constitutivo mas sim meramente declarativo, não estando a eficácia da caducidade subordinada a essa publicação, algo que resulta claro de disposições como a do art.º 501.º, n.º 4, do CT.
A solução difere nos casos de publicação ou revogação de uma CCT, pois, conforme dispõem os art.º 494.º, n.º 1 e 519.º, n.º 1, ambos do CT, a eficácia desses atos depende do depósito e publicação por parte dos serviços administrativos competentes".
E o mesmo foi admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão referido supra, num caso em que a sua atenção incidiu no CCT que aqui também nos ocupa.
Sendo esta uma questão reconhecidamente controversa, cremos poder dizer que as referidas razões de certeza e segurança jurídicas apontam para que se considere a publicação do aviso da caducidade como constitutiva, relevando, não o esqueçamos, a circunstância do CCT também ser um repositório de normas dirigidas a um universo pessoal que transcende o dele subscritor e que, a ser de outro modo, ficaria praticamente impossibilitado de a conhecer.
Por outro lado, a equiparação da relevância entre o início dos efeitos do IRC e o da sua cessação é por demais evidente, o que de resto vem assim evidenciado por Luís Gonçalves da Silva: "A suspensão e a revogação estão sujeitas a depósito, bem como a publicação no Boletim do Trabalho e Emprego (n.º 4 do artigo 502.º, cfr. anotação aos artigos 494.º, 495.º e 519.º), o que facilmente se compreende, uma vez que se trata de suspender ou fazer cessar os efeitos da convenção, cuja relevância é idêntica ao início de vigência"; daí que, conclui, "isso mesmo explica que o aviso de cessação seja também publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (n.º 6)".
A extensão da aplicação de uma convenção pressupõe, obviamente, a sua existência e validade.
Se a convenção deixa de vigorar entre as partes originárias não fará qualquer sentido que ela continue a ser aplicável a outras empresas e trabalhadores que não a negociaram e que só foi achado conveniente que lhe fosse aplicável porque os outros empregadores e trabalhadores institucionalizados, nas suas associações, acharam bom o respetivo regime.
Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-11-2016, disponível em www.dgsi.pt.
Assim, ainda que a R estivesse abrangida pelas Portarias n.ºs 1483/2007, de 19/11, 25/2010, de 11/01 e 462/2010, de 01/07, com a cessação da vigência das convenções celebradas entre a AEEP, por um lado e com a FNE e FENPROF, em Agosto de 2015 por outro, caducaram, também, as portarias que as estendiam, face à substituição por novo instrumento, não estendido.
O mesmo sucede com o CCT celebrado entre a AEEP e o SINAPE publicado no BTE n.º 11 de 22/03/2007, com alteração salarial in BTE n.º 8 de 28/02/2009, cuja aplicação foi estendida ao Associação ... pelas Portarias 1483/2007, de 19/11, Portaria 25/2010, de 11/01 e Portaria 462/2010, de 01/07, já que o CCT foi substituído pelo CCT celebrado com a FNE, na medida em que, conforme resulta da alínea a), do ponto 10, o SINAPE outorgou os CCT celebrados entre a AEEP e a FNE, conforme BTE n.º 30 de 15 de agosto de 2011, bem como, BTE n.º 29 de 8 de agosto de 2015, sendo certo que nenhuma desta convenções foi objeto de portaria de extensão.
Pelo referido, todos os CCT publicados no BTE n.º 11, de 22 de março de 2007, deixaram de se aplicar ao Conservatório réu, desde 2011.
E isto porque, tendo em conta que: conforme BTE n.º 30, o referido Contrato Coletivo procede à 1.º Revisão Parcial do CCT celebrado entre a AEEP e a FNE e outros, e do CCT celebrado entre a AEEP e o SINAPE, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 11, de 22 de Março de 2007, e ainda, à Revisão, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 2011, das tabelas salariais acordadas entre as mesmas partes, publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 5, de 8 de Fevereiro de 2009, com a retificação publicada no Boletim do trabalho e Emprego, n.ºs 14, de 15 de Abril de 2009, e 8, de 28 de Fevereiro de 2009.
Antes de 2007 não havia qualquer contrato coletivo que haja sido objeto de portaria de extensão, designadamente a indicada pela A..
À A. foi atribuída uma diuturnidade em Janeiro de 2007, no valor de € 32,50€, a qual foi atualizada em Janeiro de 2008, para o valor de € 33,15.
O direito à diuturnidade pressupõe a passagem do período de cinco anos e tal período conta-se a partir da Portaria de extensão de 2007 e termina em 2012, altura, a partir da qual a A teria direito à primeira diuturnidade.
Sucede que a R deu-lhe uma diuturnidade em 2007, pelo que, em 2012 já a trabalhadora auferia desse direito, não lhe sendo devida outra diuturnidade.
Em 2017, altura em que se venceria a segunda diuturnidade, já não vigorava a norma que lhe atribuía tal diuturnidade, como supra ficou dito
Resulta prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
Não pode, pelo exposto, deixar de improceder a presente ação.».
Apreciemos.
Na petição inicial, a Autora arrogou-se titular do direito às diuturnidades peticionadas, no valor total de € 23.478,40, por entender que a Ré estava sujeita à aplicação do CCT celebrado entre a FNE – Federação Nacional de Educação e a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, e por aí se consagrar o direito do trabalhador não docente auferir uma diuturnidade por cada 5 anos de permanência na categoria, até um máximo de 5 diuturnidades.
Ora, como é sabido, no nosso ordenamento juslaboral vigora o princípio da filiação, também designado como princípio da dupla filiação, que se encontra enunciado no artigo 496.º do Código do Trabalho.
De acordo com este preceito legal, a convenção coletiva é aplicável ao empregador ou empregadores membros da associação patronal outorgante e aos trabalhadores membros da associação sindical outorgante.
Embora o artigo mencionado respeite ao Código do Trabalho atualmente em vigor, isto é, ao Código do Trabalho de 2009, o princípio nele consagrado há muito que se encontra estabelecido no nosso ordenamento juslaboral – vejam-se os artigos 552.º do Código do Trabalho de 2003 e 7.º do regime jurídico das relações coletivas de trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29/12 –, pelo que se pode afirmar, com segurança, que sempre vigorou enquanto durou a relação laboral que uniu as partes processuais.
No caso que se aprecia nos autos, é manifesto que o CCT que a Autora pretende aplicável à sua (cessada) relação laboral, não poderia ser aplicável por via de tal principio, uma vez que resultou demonstrado que a Ré nunca foi associada de qualquer associação patronal e a Autora não era associada em qualquer sindicato.
Assim, a aplicação do identificado CCT, com fundamento no artigo 496.º do Código do Trabalho de 2009 ou nos artigos que o antecederam, está fora de questão.
Porém, importa considerar que o aludido princípio da filiação, ainda que constitua um princípio geral, não é a única via para a aplicabilidade de uma convenção coletiva.
Conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado do Direito do Trabalho – Parte III – Situações laborais Coletivas, 3.ª edição, Almedina, pág. 303, a própria lei prevê alguns “desvios” a tal princípio.
Em causa estão as situações previstas nos artigos 496.º, n.ºs 3 e 4, 497.º, 498.º e 514.º, todos do Código do Trabalho.
De todas, apenas releva, para o caso que se aprecia, a que se mostra prevista no artigo 514.º, pelo que não perderemos tempo a analisar as restantes.
Dispõe o aludido normativo:
1 - A convenção coletiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de atividade e profissional definido naquele instrumento.
2 - A extensão é possível mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.
A portaria de extensão, nas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, obra cit., págs. 389 e 390, «é, pois, o instrumento de regulamentação coletiva emanado do Governo, que alarga o âmbito de incidência subjetiva de uma convenção coletiva de trabalho ou de uma deliberação arbitral em vigor a um universo de trabalhadores e/ou empregadores não originariamente coberto por essa convenção ou deliberação».
Trata-se, assim, de um instrumento administrativo de regulação laboral que comporta uma prévia ponderação das circunstâncias sociais e económicas que o justificam, com o intuito de alargar, com alcance supletivo ou residual, o âmbito de aplicação de uma convenção coletiva.
Ora, o CCT celebrado entre a FNE – Federação Nacional de Educação e a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, publicado no BTE n.º 11 de 22-03-2007, com alterações publicadas BTE n.º 10, de 15-03-2008, n.º 5 de 08-02-2009, com retificação no BTE n.º 14/2009, n.º 30 de 15-08-2011, n.º 10 de 15-03-2014, n.º 30 de 15-08-2014, n.º 29 de 08-08-2015 e n.º 31 de 22-08-2017, não foi objeto de portaria de extensão no que respeita aos instrumentos de 2011, 2014, 2015 e 2017.
A extensão apenas ocorreu em relação à versão de 2007, por força da Portaria de extensão n.º 1483/2007, de 19 de novembro e às versões de 2008 e 2009, por força da Portaria n.º 25/2010, de 11 de janeiro, e da Portaria de extensão n.º 462/2010, de 1 de julho, conforme foi mencionado na sentença recorrida.
Sucede que o CCT estendido já cessou a sua vigência, conforme se apreciou na sentença recorrida, sem que tal decisão tenha sido posta em crise no recurso, pelo que a pergunta que se coloca é a de saber se as referidas portarias de extensão continuam a ter efeito, conferindo à Autora o direito às diuturnidades reclamadas.
Analisemos.
As mencionadas portarias de extensão o que fizeram foi estender o regime jurídico instituído no CCT, que era privado e especificamente negociado, a outros sujeitos distintos dos celebrantes.
Mais uma vez recorrendo aos ensinamentos de Maria do Rosário Palma Ramalho, in obra cit., pág. 411, a portaria de extensão constitui um instrumento normativo muito peculiar.
Escreveu esta autora:
«Do ponto de vista formal, a portaria de extensão tem a natureza de um regulamento administrativo. (…)
No entanto, o que deve ser acentuado em termos substanciais é a absoluta singularidade da figura da portaria de extensão enquanto instrumento normativo.
É que, sendo formalmente um ato normativo emanado de uma autoridade pública, a portaria de extensão não corresponde a uma hétero-regulamentação no sentido clássico do termo, na medida em que não cria um regime jurídico ex nuovo mas se limita a estender o alcance de uma regulamentação convencional e privada já existente. Por outras palavras, trata-se da apropriação de um regime privado e negocial por uma autoridade, para lhe conferir força pública, viabilizando assim a sua aplicação a outros sujeitos.
Com este conteúdo, a portaria de extensão é, na verdade, um instrumento normativo sui generis, uma forma nova e diferente de produzir normas jurídicas. Ela manifesta a maturidade e a suficiência do Direito do Trabalho como ramo jurídico, i.e., a sua capacidade de desenvolver, a partir de recursos do seu próprio sistema, as soluções mais adequadas à prossecução dos seus objetivos (no caso, o objetivo de uniformização das condições de trabalho num determinado universo, através da eficácia geral da convenção coletiva de trabalho)».
Ora, em virtude da portaria de extensão, o regime jurídico consagrado numa determinada convenção coletiva, por ato (e decisão) do Governo, passa a ser, total ou parcialmente, aplicado a determinados trabalhadores e empregadores não celebrantes, passando, assim, a integrar o conteúdo das relações laborais abrangidas.
Afinal, como escreve Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 22.ª edição, Almedina, págs. 914 e 915:
«O conteúdo do contrato de trabalho é “composto” por contributos de várias origens.
Primeiro que tudo, integram-no as estipulações das partes, aquilo que consta das declarações (iniciais ou supervenientes) destinadas a estabelecer a vinculação e a definir, com maior ou menor amplitude, a natureza e a medida das prestações das partes (natureza da atividade, valor e estrutura da retribuição, período normal e local de trabalho). A extensão, o detalhe e a precisão destas determinações são, como se sabe, muitíssimo variáveis.
Depois, há que tomar em conta os factos integrativos que derivam da própria prática das relações de trabalho e que adquirem foros de contratualidade pelo expediente das manifestações tácitas de vontade. Trata-se, em suma, dos «usos laborais», nas suas vertentes integradora e vinculante (art. 1.º CT).
Em terceiro lugar, surgem as condições normativamente definidas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. De acordo do mecanismo de incorporação que, como se disse, rege a relação entre convenção coletiva e contrato individual, é óbvio que uma parte mais ou menos importante do «regulamento contratual» das relações de trabalho concretas deriva ou pode derivar de fonte coletiva (ou, é claro, legal). A usual incompletude das estipulações fixadas pela autonomia individual explica que uma parte importante do conteúdo dos contratos de trabalho acabe por ser preenchido por determinações coletivas.
Isto significa que o conteúdo do regulamento contratual das relações de trabalho – revestido, sob o ponto de vista jurídico-formal, pelo «contrato individual de trabalho» - é, na realidade, um «composto» geneticamente heterogéneo, em que se articulam elementos positivamente «queridos» pelos sujeitos (ainda quando os conteúdos volitivos não tenham tradução expressa), e que exprimem o balanço de interesses e pretensões subjacente ao ato de vinculação (à celebração do contrato), com elementos de origem normativa, «contratualizados» por receção ou absorção».
Posto isto, retornemos à questão que nos ocupa: continuarão as portarias de extensão que estenderam o CCT original de 2007 e as sucessivas versões de 2008 e 2009 a ter efeito, conferindo à Autora o direito às diuturnidades reclamadas?
A Lei n.º 93/2019, de 4 de setembro aditou ao Código do Trabalho o artigo 515.º-A que estatui o seguinte:
Em caso de cessação de vigência de convenção coletiva ou decisão arbitral aplicada por portaria de extensão, é aplicável o disposto no n.º 8 do artigo 501.º.
Sobre esta norma, escreve Luís Gonçalves da Silva, in Código do Trabalho Anotado, 12.ª edição, Almedina, págs. 1106 e 1107:
«II. A presente norma parece estabelecer uma dependência entre a convenção coletiva e a portaria de extensão, no que respeita à vigência. Com efeito, poder-se-ia dizer que o legislador terá considerado que a cessação da convenção objeto de extensão geraria a caducidade do instrumento administrativo, assimilando figuras que são substancialmente diferentes, quer no fundamento, quer nos fins, quer ainda na parametricidade, tomando, aparentemente e indiretamente, posição sobre uma querela jurisprudencial, cfr. sobre a eventual caducidade da portaria de extensão decorrente da cessação ou substituição da fonte convencional objeto de extensão, AC. do TRE, de 16 de maio de 2013, processo n.º 179/12.9TTPTM.E1, www.dgsi.p; Ac. do TRL, de 20 de abril de 2016, processo n.º 1466/13.4TTLSB.L1-4, www.dgsi.pt; e, em sentido diverso, Ac. do TRG, de 17 de novembro de 2016, processo n.º 6020/15.3T8BRG.G1, www.dgsi.pt.
E se este pode ser o resultado de uma interpretação imediata, o que criaria mais uma situação de comunicabilidade entre as duas fontes (cfr. artigo 493.º, n.º 4), situação que é excecional, não cremos que seja a de seguir. Exatamente por se tratarem de figuras substancialmente diversas, não nos parece defensável a caducidade da portaria de extensão sempre que cessar a fonte objeto desta (convenção coletiva ou decisão arbitral, não obstante o legislador apenas se referir à primeira). Na verdade, sustentamos que perante a cessação da convenção – notando-se que pode ser parcial ou total (artigo 502.º, n.º 1, proémio) e, naquele caso, a norma em análise pode ser inaplicável -, importa apurar se a portaria de extensão continua a ser adequada a satisfazer os fins para o qual foi emitida, pelo que só em caso de resposta negativa se deve preconizar a caducidade do instrumento administrativo».
Ora, ainda que o artigo 515.º A tenha entrado em vigor posteriormente à substituição do CCT original de 2007 e das suas versões de 2008 e 2009, parece-nos que o estatuído no mesmo pode servir de orientação para a solução da questão sub judice, seguindo a linha interpretativa do autor citado, com a qual se concorda.
A convenção coletiva e a portaria de extensão são distintas na sua natureza e finalidade, pelo que entendemos que a cessação da vigência da convenção coletiva não implica automaticamente a caducidade da portaria de extensão.
Nesse sentido, já se pronunciou o Acórdão desta Secção Social de 16-05-2013 (Proc. n.º 179/12.9TTPTM.E1), disponível em www.dgsi.pt.
Escreveu-se neste aresto: «(iii) tendo posteriormente a uma portaria de extensão surgido um novo contrato coletivo de trabalho, que não foi objeto de portaria de extensão, os trabalhadores e empregadores não abrangidos por esta continuam a manter-se vinculados à portaria de extensão».
No mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 20-04-2016 (Proc. n.º 1466/13.4TTLSB.L1-4), igualmente mencionado no excerto citado supra, e que se mostra publicado na mesma base de dados. Pode ler-se neste aresto: «IV. Sendo um CCT objeto de PE substituído por outro que globalmente o revê mas que não foi objeto de PE, os contratos de trabalho continuam cobertos pela PE pois que os direitos decorrentes de um CCT só podem ser reduzidos por outro de cujo texto conste expressamente o seu carácter globalmente mais favorável (art.º 503.º, n.os 2 e 3 do CT).».
Ora, sendo assim, afigura-se-nos que por força das portarias de extensão anteriormente indicadas, a relação laboral que vigorou entre as partes recebeu o direito às diuturnidades estendido pelas ditas portarias[2] [3]– até porque tal não se mostra proibido pelo artigo 3.º do Código do Trabalho/2009 ou pelos artigos 2.º e 4.º do Código do Trabalho/2003, por estar em causa um tratamento remuneratório mais favorável para o trabalhador -, que se mantém sem alteração, por não existir justificação económica ou social para que se deixe de aplicar o instrumento normativo que constitui a portaria de extensão.
Logo, entendemos que a partir da aplicação da Portaria de extensão n.º 1483/2007, de 19/11, as diuturnidades estabelecidas pelo CCT celebrado entre a FNE – Federação Nacional de Educação e a Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, passaram a integrar o direito à retribuição da Autora, desde que preenchidos os pressupostos para a sua atribuição
Cita-se, pela relevância, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-2010 (Proc. n.º 285/07.1TTBGC.P1.S1), consultável em www.dgsi.pt:
«I - As diuturnidades constituem complementos pecuniários estabelecidos para compensar a permanência do trabalhador na mesma empresa ou categoria profissional, e têm como razão de ser a inexistência ou dificuldade de acesso a escalões superiores: assim, vencidas diuturnidades, nos termos convencionalmente fixados, o respetivo montante, tendo carácter regular e certo, integra-se no vencimento como parcela a somar ao salário base, gozando, por isso, da proteção própria inerente à retribuição.
II - Sendo uma prestação pecuniária paga como contrapartida da prestação do trabalho, por parte do trabalhador, compete a este demonstrar as circunstâncias fundamentadoras do direito à obtenção das diuturnidades e compete à empregadora demonstrar o seu efetivo pagamento.».
Por conseguinte, a resposta à interrogação colocada ab initio é afirmativa, isto é, as referidas portarias de extensão continuam a ter efeito, pelo que, desde 2007, o direito ao recebimento de diuturnidades, de acordo com o regime que passou a integrar o contrato de trabalho sub judice, foi uma realidade até à data da cessação do vínculo laboral.
Apreciemos então de que forma este direito se concretizou.
Em 2007, por força da Portaria de Extensão n.º 1483/2007, a Autora passou a ter direito a receber uma diuturnidade até ao limite de cinco, por cada cinco anos de permanência na mesma categoria profissional desde que não estivesse prevista nenhuma modalidade de progressão na carreira correspondente – artigo 45.º do CCT publicado no BTE, 1.ª série, n.º 11, de 22-03-2007.
De acordo com o artigo 2.º, n.º 2 do mencionado instrumento normativo, a tabela salarial e as cláusulas de conteúdo pecuniário – onde se integrava a cláusula 45.º - retroagiam os seus efeitos a 1 de Setembro de 2006.
Assim, por força de tal portaria, a Autora teria direito a auferir a primeira diuturnidade em 1 de setembro de 2011.
As portarias de extensão que se sucederam não alteraram esse direito.
Sucede que, a Ré/empregadora, voluntariamente, atribuiu à Autora, a partir de janeiro de 2007, uma diuturnidade valor de 32,50 €.
Em janeiro de 2008, a diuturnidade foi atualizada para o valor de 33,15€, que correspondia ao valor estabelecido no n.º 2 do mencionado artigo 45.º do CCT.
Em face da atribuição de tal diuturnidade, afigura-se-nos que em 1 de setembro de 2011, o direito à 1.ª diuturnidade conferido pela portaria de extensão já estava, em benefício da Autora, concretizado, pelo que, apenas haveria que se contar, a partir dessa data (01-09-2011), mais 5 anos de permanência na categoria profissional.
Assim, o direito à 2.ª diuturnidade venceu-se em 01-09-2016 e o direito à 3.ª diuturnidade em 01-09-2021.
Tendo a relação laboral terminado em 04-08-2022, a Autora não alcançou o direito a uma 4.ª diuturnidade.
Prossigamos agora para o cálculo do valor das diuturnidades devidas.
Até 1-09-2011, nada era devido à Autora por força do regime legal estendido.
Entre 01-9-2011 e 31-08-2016, a sua remuneração integrava uma diuturnidade no valor mensal de € 35,02[4], totalizando a quantia de € 2.451,40[5].
Nesse período de tempo foi-lhe paga uma diuturnidade mensal no valor de € 33,15 (ficou demonstrado que desde 2008, o valor da diuturnidade paga não foi atualizado), pelo que a mesma recebeu o valor de € 2.320,50[6], mostrando-se assim em dívida o montante de € 130,90, em relação ao período entre 01-09-2011 e 31-01-2016.
Quanto ao período decorrido entre 01-09-2016 e 31-08-2021, a Autora adquiriu o direito a receber 2 diuturnidades, cada uma, no valor de € 35,02.
Assim, deveria ter recebido o valor total de € 4.902,80[7], nesse período.
Só recebeu € 2.320,50, pelo que se mostra em dívida o montante de € 2.582,30, em relação a este período temporal.
Por fim, entre 01-09-2021 e 04-08-2022 (data da cessação do contrato), a Autora tinha direito a receber 3 diuturnidades, no valor unitário de € 35,02, o que perfaz o valor de € 1.470,84[8].
Recebeu € 464,10[9], pelo que se encontra em dívida a quantia de € 1.006,74.
Em conclusão, a Autora tem direito a receber o valor total de € 3.719,94, a título de diuturnidades não pagas durante a vigência da relação laboral.
Sobre tal quantia são devidos os peticionados juros moratórios, à taxa legal em vigor, desde a citação e até integral pagamento, nos termos previstos pelos artigos 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil.
Enfim, o recurso deve proceder, com a consequente revogação da sentença recorrida, devendo a ação ser julgada parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 3.719,94, , acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, sendo a mesma absolvida do restante peticionado.
As custas totais da ação deverão ser repartidas pelas partes, na proporção do respetivo decaimento, ao abrigo do artigo 527.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a Autora.
*
VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e, em consequência, revogam a sentença recorrida e declaram a ação parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 3.719,94, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, sendo a mesma absolvida do restante peticionado.
Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a Autora.
Notifique.

Évora, 9 de maio de 2024
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
João Luís Nunes
_________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: João Luís Nunes
[2] O artigo 1.º do Código do Trabalho/2009 e o artigo 1.º do Código do Trabalho/2003, que regulam as fontes especificas nacionais do contrato de trabalho, não distinguem entre instrumentos de regulamentação coletiva negociais e não negociais ou, de acordo com outra terminologia adotada por Maria do Rosário Palma Ramalho, convencionais ou autónomos e heterónomos, pelo que também não compete ao intérprete fazer tal distinção.
[3] A fonte da obrigação de pagamento das diuturnidades estabelecidas não é a convenção coletiva mas a portaria de extensão.
[4] Este foi o último valor de diuturnidade fixado no CCT- cf. artigo 45.º, n.º 2 da versão publicada no BTE n.º 5, 1.ª série, de 08-02-2009.
[5] Fórmula de cálculo: [(14 meses x 5 anos) x 35,02].
[6] [70 meses x € 33,15].
[7] [70 meses x € 70,04].
[8] [14 meses x € 105,06].
[9] [14 meses x € 33,15].