Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ANA PESSOA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO RENOVAÇÃO DO CONTRATO LEI IMPERATIVA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 12/18/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, I. Relatório ZIP REOCO RESI PORTFOLIO, SA. intentou procedimento especial de despejo contra AA, pedindo, atenta a não restituição do Locado no prazo estipulado por Lei, a admissão do presente procedimento especial e a notificação da Requerida nos termos do artigo 15.º-D do NRAU, seguindo-se as regulares diligências e procedimentos com vista à emissão de um título para desocupação do locado. Alegou, em resumo, que por meio de carta registada com aviso de receção remetidas para a morada do locado enquanto domicílio convencionado pelas partes, o Fundo comunicou a Requerida, ao abrigo do artigo 1097.º n.º 1 alínea b) do Código Civil, e da cláusula 3.ª n.º 1 do referido contrato de arrendamento, a oposição à renovação do contrato de arrendamento para habitação permanente com prazo certo, com efeitos a partir de 31 de Janeiro de 2022, que no termo do contrato deveria a Requerida entregar o locado livre de pessoas e bens, e no mesmo estado em que o recebeu, bem como proceder a entrega das respetivas chaves, e que a Requerida não proceder à restituição do Locado livre e desocupado de pessoas e bens, A Requerida veio apresentar Oposição, pedindo que o procedimento especial de despejo seja julgado improcedente por não provado, sendo a Oponente absolvida do pedido. Alegou, em síntese, que em Agosto de 2021 enviou carta à anterior proprietária dizendo ter interesse no exercício do direito de preferência na venda da fração objeto do contrato de arrendamento, pedindo prazo para recorrer ao financiamento bancário, não tendo tido qualquer resposta, que posteriormente à venda que se realizou à Requerente, diligenciou junto da mesma a continuação do arrendamento pelo menos até 31/07/2022, não tendo obtido qualquer resposta. Por fim, alegou que o locado destina-se à sua casa morada de família, onde reside com os dois filhos estudantes, não tendo logrado encontrar outro arrendamento com renda adequada ao seu rendimento. Notificada, a Requerente reafirmou a eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento, sendo alheia à questão relativa ao direito de preferência, inexistindo a intenção de permitir que a mesma permanecesse no locado até 31/07/2022. * Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada e, em consequência determino o prosseguimento do procedimento especial de despejo, com vista à emissão do título de desocupação do locado pelo Balcão Nacional do Arrendamento.” * Inconformada, veio a Requerida interpor o presente recurso, apresentando, após alegações, as seguintes conclusões: 1- Trata-se de casa morada de família. 2- Impõe-se ao Tribunal a aplicação das leis em vigor, mesmo sem serem suscitadas pelas partes, nos termos do nº 2 do artº 608º do CPC. 3- A lei 13/2019 alterou o nº 1 do artº 1096º e o nº 3 do artº 1097º do C.C. impondo uma renovação por 3 anos, quando seria de 1 anos. Vide também a Lei 1A/2020 de 19/3. 4- O A actuou sempre com reserva mental, fazendo crer que ia acordar com a R., para finalmente nada acordar. Há pois clara violação do principio da boa-fé, imposto pelo artº 227º do C.C.. 5- A actuação da ora A. Atenta a situação profissional e familiar da ora R. constitui um claro e completo abuso de direito proibido pela lei civil e constitucional. Nestes Termos Deve a douta sentença ser revogada ou anulada concedendo provimento à Oposição deduzida, ordenando-se o não prosseguimento do despejo. Assim é de Justiça! * A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação. * Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II. Questões a decidir. Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente que, como é sabido, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil importa apreciar e decidir da eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento e, no caso de se concluir pela validade da mesma, apreciar da violação pela Apelada do princípio da boa fé. *** III. Fundamentação. III.1. De facto. III.1.1. O Tribunal recorrido considerou assentes, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos: 1) Em 1 de Fevereiro de 2015 entre Arrendamento Mais - Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional e a Ré foi celebrado um contrato de arrendamento para habitação com prazo certo de cinco anos. 2) Renováveis por iguais e sucessivos períodos de 1 (um) ano, salvo se por qualquer uma das partes fosse denunciado. 3) No contrato consta na clausula 3.1 que «O senhorio poderá opor-se à renovação automática do contrato mediante comunicação, remetida ao arrendatário por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 120 dias do termo do prazo de duração inicial do contrato, ou de qualquer uma das suas eventuais renovações». 4) Em 21 de Julho de 2021 o anterior proprietário e senhorio enviou uma carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento, com efeitos em 31 de janeiro de 2022. 5) Carta essa que veio a ser recebida pela Requerida em 27 de fulho de 2021. 6) Por carta enviada pela Requerida ao ARRENDAMENTO MAIS em 06/08/2021, a mesma manifestou intenção de exercício do direito de preferência na aquisição da fração, que o primeiro senhorio tencionava transacionar, numa operação imobiliária envolvendo centenas de prédios, sem qualquer resposta à requerida sobre a possibilidade, no caso dela, de se adiar a escritura, tendo em conta que a mesma teria de recorrer a financiamento bancário. 7) Por carta datada de 30/09/2021, a Requerida é informada da venda da fração onde habita, pelo ARRENDAMENTO MAIS à ZIP REOCO, bem como a informação da forma de pagamento das rendas, acrescentando que “para efeito de quaisquer comunicações que se mostrem necessárias ao abrigo do Contrato de Arrendamento em causa, solicitamos que as mesmas passem a ser enviadas para a seguinte entidade e contactos: Entidade: HG PT, SA (Hipoges) Morada: Avenida José Malhoa, nº 27 11º Andar, 1070-156 Lisboa. 8) Acto continuo, a Requerida, através de carta registada de 19/10/2021, expõe a sua situação familiar, o quadro pandémico e a dificuldade, a curto prazo, de arranjar outro arrendamento, solicitando a continuação do arrendamento, ainda que com acerto do valor da renda. 9) Em 08/11/2021, a representante da requerente, HIPOGES, remete um ofício com notificação para avaliação do imóvel. 10) A requerida expõe, através de email datado de 01/12/2021, enviado para a HIPOGES, a sua situação familiar, alertando que apesar dos esforços, não tinha conseguido um arrendamento na zona de Palmela, solicitando que se aguardasse até 31/07/2022. 11) Após a avaliação do imóvel, a requerida envia um email, em 14/04/2022, com a proposta de aquisição para o sr. BB, por sugestão deste, com o fim de encaminhar para a HIPOGES. 12) Em 22/04/2022, por correio normal, recebe uma carta da HIPOGES/Departamento Real Estate, endereçada ao “ocupante do imóvel sito na Rua ..., ..., ..., ... Palmela”, a conceder um prazo de 15 dias para a desocupação amigável de pessoas e bens”, a que responde a 29/04/2022, reencaminhando todo o processo. 13) A requerida sempre pagou pontualmente as rendas mensais do locado. 14) O locado arrendado destina-se a casa de morada de família, nele residindo, conforme supra exposto, a Requerida, tendo no seu agregado familiar e sob a sua dependência, dois filhos, uma menor de 11 anos e um maior de 20 anos, ambos estudantes (família monoparental). 15) Estudando a mais nova CC, nascida a .../.../2011, música no Conservatório Regional de Palmela. 16) E o mais velho DD, nascido em .../.../2002 é estudante universitário na Universidade Lusófona. 17) A ora Requerida é professora do ensino básico, a lecionar em Almada. 18) A Requerida e seu agregado familiar vivem do seu salário de professora, donde têm de prover ao seu sustento, a renda de casa, água, luz e gás e às propinas dos filhos e transportes de todos, não restando no fim do mês nada para amealhar, havendo por vezes necessidade de recurso ao apoio familiar dos pais. 19) A Requerida não conseguiu em Palmela uma habitação para arrendar estando agora à procura em Setúbal e Pinhal Novo, mas onde os arrendamentos são já bastante caros havendo grande dificuldade em conseguir uma renda suportável. * III.1.2. Factos não provados: O Tribunal recorrido considerou que não resultaram por provar quaisquer factos essenciais à decisão da causa. * III.2. Apreciação jurídica. Quer a sentença quer as partes convergem quanto à qualificação do contrato entre as mesmas celebrado, não vindo colocado em causa que nos encontramos perante um contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais, com termo certo. Também não vem controvertido que o contrato foi celebrado em 1.02.2015, pelo prazo de cinco ano, renovável por iguais e sucessivos períodos de um ano, salvo se por qualquer uma das partes fosse denunciado. Tendo sido celebrado no dia 1 de fevereiro de 2015, o mesmo renovou-se em 1 de fevereiro de 2020. Sucede que, por carta registada com aviso de receção datada de 21 de julho de 2021, recebida em 27 de julho de 2021, o anterior proprietário e senhorio enviou uma carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento, com efeitos em 31 de janeiro de 2022. À data da celebração do contrato de arrendamento sub judice, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 31/2012, de 14-08, estipulava do seguinte modo: «1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2 - Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos celebrados por prazo não superior a 30 dias. 3 - Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.» Assim, nesta versão da lei, nenhum obstáculo existia à consagração de um período de renovação contratual inferior a três anos, como previsto no contrato. Porém, em 13-07-2019, entrou em vigor a Lei n.º 13/2019, de 12-02[1], que introduziu várias alterações ao regime do arrendamento urbano tendo como escopo, como se diz no preâmbulo da mesma, «(…) estabelece[r] medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade (…)», procedendo a alterações, para além do mais, ao Código Civil, mormente ao seu artigo 1096.º, n.º 1. O n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, por via dessa alteração, passou, então, a dispor em relação aos contratos de arrendamento para habitação, do seguinte modo: «1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior (…).» Na sentença recorrida não foi ponderada a aplicação ao contrato de arrendamento em apreço a redação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, dada pelo artigo 2.º da Lei n.º 13/2019, de 12-02. Porém, tratando-se de questão de direito, nada obsta ao respetivo conhecimento nesta fase, como decorre do disposto no artigo 5º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Segundo o artigo 12º do Código Civil: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispuser sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo-se dos factos que deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor”. Tendo as relações arrendatícias efeitos duradouros, que se prolongam enquanto as mesmas subsistirem, a nova lei do arrendamento é aplicável aos contratos daquela natureza - não obstante ter a sua celebração ocorrido antes da sua entrada em vigor - cujos efeitos se estendem para além do início da sua vigência. A questão que de saber se a redação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, dada pela Lei n.º 13/2019, de 12-02, tem natureza imperativa ou supletiva no que concerne ao prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento, por a norma mencionar expressamente «salvo estipulação em contrário (…)», ou seja, se para além das partes poderem convencionar a exclusão da renovação do contrato, bem como convencionarem um prazo de renovação superior a três anos, se também têm a faculdade de convencionar um prazo de renovação inferior ao mínimo de três anos, caso o período inicial seja inferior a esse período (tendo sempre como limite o prazo de um ano, atento o disposto no artigo 1095.º, n.º 2, do Código Civil), tem, como é sabido, sido objeto de larga controvérsia na jurisprudência e na doutrina. E a posição a assumir perante tal questão constitui o cerne do objeto do recurso, pois, enquanto ao abrigo do clausulado contratual e lei vigente aquando da celebração do contrato de arrendamento em causa nos autos, após o decurso de cinco anos, a renovação automática ocorria ao fim de cada ano de vigência e por igual período, de acordo com as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, e uma vez que as partes não excluíram a possibilidade de renovação, a mesma passou a ocorrer pelo período mínimo de três anos. Deste modo, o que está em causa é se o senhorio se podia opor à renovação que iria ocorrer em 31-01-2022, por o contrato não se ter renovado por um ano, mas sim por mais três, pelo que o próximo termo do contrato apenas de verificaria em 01-01-2023. À semelhança do que tem sido entendido, ao que julgamos, maioritariamente, neste Tribunal da Relação de Évora[2] entendemos que: “I. A Lei n.º 13/2019, de 12-02, que alterou a redação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil (renovação automática do contrato de arrendamento) aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, já antes celebrados e vigentes à data da entrada em vigor deste diploma legal, por aplicação do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil. II. A redação do n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil tem natureza imperativa no que concerne ao prazo mínimo de renovação automática do contrato de arrendamento, sem prejuízo das partes poderem convencionar a exclusão da renovação automática do contrato ou um prazo superior ao prazo mínimo de renovação do contrato legalmente previsto de três anos.” A mesma orientação se encontra expressa em recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que se debruçou sobre a questão, proferido a 20-09-2023 no processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1. Também no recente Acórdão desta Secção proferido em 23-11-2023, no âmbito do processo n.º 1182/23.9YLPRT.E1 se entendeu do mesmo modo, relembrando que: “O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.” Idêntica orientação foi defendida também nos seguintes Acórdãos, que indicamos a título exemplificativo: - Relação de Guimarães, de 11-02-2021, no processo n.º 1423/20.4T8GMR.G1, relatora Raquel Batista Tavares. - Relação de Guimarães, de 10-07-2023, processo n.º 1627/21.2YLPRT.G1, relator Alcides Rodrigues. - Relação de Guimarães, de 23-03-2023, no processo n.º 1824/22.3T8VCT.G1, relatora Raquel Batista Tavares. - Relação de Guimarães, de 26-10-2023, processo n.º 1231/23.0YLPRT.G1, relatora Anizabel Sousa Pereira. Não ignoramos que posição oposta tem sido defendida em outros arestos, e nomeadamente os Acórdãos da Relação de Lisboa de 27-04-2023, processo n.º 1390/22.0YLPRT.L1-6, relatora Maria de Deus Correia, de 10-01-2023, processo n.º 1278/22.4YLPRT.L1-7, relator Luís Filipe Pires de Sousa, e de 17-03-2022, no processo n.º 8851/21.6T8LRS.L1-6, relator Nuno Lopes Ribeiro. Também na Relação do Porto foram proferidos alguns Acórdãos no sentido da supletividade pretendida pela recorrente. É o caso dos acórdãos de 09-10-2023, no processo n.º 1467/22.1YLPRT.P1, relatado por Miguel Baldaia de Morais, de 14-09-2023, no processo n.º 1394/22.2YLPRT.P1, relatado por Judite Pires, e de 12-07-2023, no processo n.º 19506/21.1T8PRT-A.P1, relatado por Ana Paula Amorim. Porém, e ressalvando o devido respeito pelas posições divergentes, em nosso entender a razão está com a posição maioritária, na doutrina e na jurisprudência, expostas nos acima citados Acórdãos da Relação de Évora e do Supremo Tribunal de Justiça. Aderimos, pois, à posição explicada, nomeadamente, por Maria Olinda Garcia (in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, in Julgar Online, março 2019, p. 11-12): “Quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação. Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo. Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos. Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência. Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.os 1, 5 e 9. Por outro lado, quanto ao direito do locador para se opor à renovação do contrato, importa ainda interpretar conjugadamente o artigo 1097.º, n.º 3, com o artigo 1096.º, n.º 1. Assim, na hipótese de o contrato ser celebrado por um ano (sem se excluir a sua renovação), como o artigo 1096.º, n.º 1, diz que a renovação do contrato opera por um período mínimo de 3 anos, o direito de oposição à renovação, previsto no n.º 4 do artigo 1097.º, só produzirá efeito no final de um período de 4 anos.» Acolhemos esta interpretação porquanto a mesma respeita a ratio legis da Lei n.º 13/2019, 12-02, ou seja, que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.” Julgamos ser este entendimento o que melhor se coaduna com a ratio legis da Lei n.º 13/2019, 12-02 - diploma que visava “reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano”, ou seja, que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria (cfr. Ac. Rel. Évora de 25-01-2023, já citado). Por outro lado, nos termos do artigo 15.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), do NRAU, o Procedimento Especial de Despejo só pode ser instaurado quando já ocorreu a cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação automática por parte do senhorio, não tendo o arrendatário desocupado o locado e não antes dessa cessação, ainda que a caducidade do contrato pela razão sobredita possa verificar-se durante a pendência do Procedimento Especial de Despejo[3]. Tendo o procedimento de despejo sido proposto em 25.03.2022, data em que ainda não tinha cessado, impõe-se a revogação da decisão recorrida e a procedência da apelação, o que torna inútil a apreciação de quaisquer outras questões. * IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em julgar procedente a apelaçãoe, em consequência, revogam a decisão recorrida, absolvendo a Requerida do pedido de despejo. Custas pela Recorrida, considerando o decaimento verificado (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC). Registe e notifique. * Évora, 2023.12.18 (Ana Pessoa) (Adelaide Domingos) (Maria José Cortes)
|