Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
414/25.3PAOLH-A.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
Data do Acordão: 09/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Constando dos autos, nomeadamente do auto de notícia, que existem indícios de que o menor poderá estar a ser vítima de maus tratos, acrescendo que estamos perante uma (alegada) vítima especialmente vulnerável em consequência da sua idade e considerando a sua diária coabitação com a arguida, entende-se que estão preenchidos os pressupostos legais para o deferimento do pedido de tomada de declarações para memória futura.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

Nos autos de inquérito n.º 414/25.3PAOLH-A, foi, no Juízo de Competência Genérica de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … (atos jurisdicionais), requerido pelo MP à Juíza de Instrução Criminal (JIC), ao abrigo do art.º 271.º, n.º 1 do Código de Processo Penal1, a tomada de declarações para memória futura a dois menores (irmãos) por suspeitas de agressão pela mãe de um deles, vindo aquela (JIC) a indeferir o requerido.

Inconformado, o MP interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O presente recurso vem interposto da decisão judicial que indeferiu a tomada de declarações para memória futura aos jovens/crianças AA e BB, respectivamente nascidos a ….2012 e a …2017, i.e., com 12 e 7 anos de idade.

2. Em suma, a Mm.a Juíza a quo considerou que não estavam preenchidos os pressupostos para avançar para a tomada de declarações para memória futura à vítima e à testemunha, por entender que “inexistem factos suficientes e minimamente circunstanciados, para que sobre os mesmos possam ser tomadas declarações para memória futura, ademais porque os factos “se a mãe deu socos e pontapés e se a mãe lhe deu com uma sapatilha na cara no Verão de 2024.”, são também depoimento indirecto, porquanto ditos à psicóloga da escola pela vitima, mas nos autos inexiste qualquer auto de inquirição da mesma que corrobore o que a psicóloga transmitiu. ”

3. Salvo o devido respeito, não andou bem o Tribunal a quo quando proferiu a sobredita decisão.

4. Percebemos que, para a Mm.a Juíza a quo, a inquirição (prévia) do jovem constituirá diligência essencial para que lhe possam ser, posteriormente, tomadas declarações para memória futura e que não se impõe salvaguardá-lo de um eventual trauma pelo confronto no sistema de justiça com a arguida, sua mãe, nem evitar a sua revitimização, contrariamente ao que se defende na legislação nacional, tão-só porque, segundo lemos, “em casa, (...) certamente estes autos serão tema de conversa. ”

5. Mais, verificamos, de igual forma, que o relato de agressões reiteradas (o jovem revelou à denunciante que a mãe o agredia e não apenas que o agrediu, como contemplado no despacho recorrido), com socos e pontapés, constituindo o episódio mais grave de agressão física, com uma sapatilha, na zona da cara, no verão de 2024, quando ficou com o olho roxo, não integra factualidade suficiente, de acordo com a perspectiva recorrida.

6. Não compreendemos se tal apreciação deriva da conclusão de que as declarações prestadas pela arguida (onde - acrescentamos - esta mencionou “que em algumas ocasiões perdia o controlo emocional e dava umas palmadas (...), que nunca mais voltou a acontecer factos idênticos aos denunciados nos autos (...). ”) não podem ser utilizadas como prova, ou se, também, da exaustiva descrição do suposto comportamento/condição de saúde do jovem.

7. Na verdade, se o objectivo dessa descrição é incompreensível nesta fase da investigação (não estamos a apreciá-lo, nem sequer a contrapesá-lo, como se tratasse de «causa de exclusão de ilicitude», relativamente a uma hipotética conduta da progenitora), menos ainda será a - incorrecta - conclusão de que as declarações prestadas pela arguida não poderão ser utilizadas como prova, já que, adversamente ao indicado no despacho a quo, a constituição da denunciada como arguida foi validada.

8. Nessa medida, nem sequer se justificam as considerações feitas às supostas declarações informais da arguida.

9. Por força do exposto, constata-se que a Mm.a JIC recorrida indeferiu a diligência requerida e, como tal, negou a produção de prova, tendo por base um julgamento antecipado da prova já existente nos autos e desatendendo à indispensabilidade de inquirição das testemunhas especialmente vulneráveis (vítima e seu irmão, ambos menores de idade), nos termos legalmente previstos para este específico ilícito criminal, que pretende evitar a repetição de audição das mesmas e protegê-las do perigo de revitimização, bem como acautelar a genuinidade dos depoimentos.

10. Nesta decorrência, constata-se ainda o Tribunal a quo se imiscuiu indevidamente na direcção do inquérito, indeferindo a diligência com base num critério de oportunidade, que não está legalmente previsto.

11. É ao Ministério Público, enquanto órgão que dirige a fase de inquérito, que cabe definir qual o momento mais adequado para proceder a tal diligência processual, nas situações em que a repute útil ou necessária, particularmente visando a protecção da vítima.

12. Só em casos de objectiva e manifesta irrelevância ou total desnecessidade na recolha antecipada de prova, o Juiz de Instrução poderá indeferir o requerimento.

13. O critério a considerar para apreciar o requerimento de prestação de declarações para memória futura de vítima/testemunha especialmente vulnerável do crime de violência doméstica reside - ou deverá residir - exclusivamente no interesse dessa mesma vítima/testemunha especialmente vulnerável, por imposição da disposição conjugada dos artigos 67.°-A, n.° 1, alíneas a) e b) e n.° 3 do Código de Processo Penal, com os artigos 22.° e 33.° da Lei n.° 112/2009, de 16 de Setembro e artigos 21.° e 24.° da Lei n.° 130/2015 de 4 de Setembro, que se considera violados pela decisão recorrida.

14. Pretender que a vítima/testemunha especialmente vulnerável seja inquirida por OPC ou Magistrado do M.P., previamente à tomada de declarações para memória futura, gera não só perigo de revitimização e fragilização psicológica e emocional, como também coloca em crise a necessidade de preservação de memória(s) e, inerentemente, da genuinidade da prova, visto que, quanto mais cedo a tomada de declarações para memória futura tiver lugar, melhor.

15. Pelo que se deixa acima consignado, tendo o requerido pelo Ministério Público observado os mais estritos critérios de legalidade e de objectividade, cremos que o despacho recorrido, ao ter decidido com base num critério de oportunidade, desrespeitando o interesse e a protecção da vítima e colocando em risco a própria investigação (genuinidade da prova), incorreu em violação dos art.os 67.°-A, 53.°, n.° 2, alínea b), e 263.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, 22.° e 33.° da Lei 112/2009 de 16 de Setembro e 21.° e 24.° da Lei 130/2015 de 4 de Setembro, e 219.°, da Constituição da República Portuguesa.”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte:

“Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, sendo substituído por outro que agende data para a tomada de declarações para memória futura da vítima e da testemunha.”

A Exm.ª PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer defendendo que “tem razão o MºPº na 1ª instância, acompanhamos na integra as suas alegações e deve o seu recurso merecer provimento.”

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, respondendo a arguida, em síntese, o seguinte:

concluir que:

“• A tomada de declarações para memória futura não se justifica à luz dos requisitos legais previstos no artigo 271.º do Código do Processo Penal;

• Verificou-se uma preterição de formalidade essencial na audição da então suspeita, devendo essa diligência ser considerada nula;

• A prova invocada pelo Ministério Público é indireta e não corroborada, sendo manifestamente insuficiente para ustentar a medida excecional requerida.

34. Nestes termos, requer-se a improcedência do recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.”

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“Nos presentes autos veio a Digna Magistrada do Ministério Publico requerer a tomada de declarações para memória futura à vitima menor AA e ao seu irmão BB, na qualidade de testemunha, no âmbito do presente inquérito em que é arguida a sua mãe CC, alegando para o efeito “a noticia do crime surgiu em contexto escolar, onde o jovem AA se queixou de ter sido reiteradamente agredido pela mãe”.

Alega para a necessidade de tomada de declarações para memória futura que “conclui- se que importa proteger a vítima e a testemunha indicada, menor de idade, do contacto formal com o sistema de justiça e com a arguida na sala de audiências, com vista a salvaguardar a sua integridade psíquica e emocional e um eventual trauma que a tomada de declarações em audiência possa acarretar e, impedir, desta forma, e dentro do que o sistema legal permite, a sua vitimização secundária”. (cfr despacho com a ref citius …).

Ora a tomada de declarações para memória futura supõe questionar a vitima e a testemunha, sobre factos concretos que sejam imputados à denunciada, no caso a arguida CC, sua mãe.

Só a titulo introdutório, não se percebe como é que a tomada de declarações para memória futura vai proteger a vitima e a testemunha de um eventual trauma pelo confronto no sistema de justiça com a sua mãe, entretanto constituída como arguida, quando a mesma se encontra unicamente sujeita a TIR, e, portanto, em casa, onde certamente estes autos serão tema de conversa.

Não queremos com isto dizer que deveria ser alterada a medida de coacção como se inferirá do que exporemos infra.

Passemos, pois, à análise dos autos.

- De fls. 4 e 41 resulta um auto de noticia (na realidade dois pois têm datas diferentes - 9 e 8 de Abril) dando conta de um relato da testemunha 2 - DD (id a fls. …) - de factos suscetíveis de consubstanciar a prática de um crime de violência doméstica, devidamente narrados no documento apenso ao presente auto de noticia.

A fls. 51 e sob a epigrafe “factos observados pelo órgão de policia criminal” é narrado o seguinte:

“Do contacto efetuado com a Testemunha n° 2, que exerce a função de … na Escola E.B. 2/3 …, em …, esta relatou o seguinte:

» Que a vitima afirmou que a mãe utilizava como estratégia parental a violência física (socos e pontapés).

» Que de acordo com o relato da vítima n° 1, o episódio mais grave de agressão física, perpetrado pela mãe, ocorreu no verão do ano passado (2024), quando foi agredido com uma sapatilha, na zona da cara.

Face ao exposto, no gabinete de apoio ao aluno e família, na presença das testemunhas 1 e 2, devidamente identificadas no presente Auto, estabeleci um diálogo calmo e assertivo com a suspeita, que de livre e espontânea vontade, me comunicou o seguinte:

» Que em alguns momentos perde o controle e recorre à violência física com a vitima n° 1.

» Que os episódios de violência referidos anteriormente, ocorrem devido ao mau comportamento da vitima, quando desrespeita as regras ou instruções, acrescentando ainda que, a vitima a destrata frequentemente e não obedece às suas ordens.

É importante referir que, segundo a psicóloga daquele Estabelecimento de Ensino, trata-se de uma criança de difícil trato, que mantém um comportamento tendencionalmente agressivo em relação aos pares e adultos, desde o 1° ciclo.

Que alguns professores daquele Agrupamento Escolar já assistiram a situações de agressividade e destrato da vitima em relação à mãe.

Também foi reportado um episódio, ocorrido no passado dia 25 de março de 2025, em que a vitima teve uma explosão comportamental, tendo resultado em ofensas verbais para com os professores e colegas.

Mais informo que, foi analisado o registo de comportamento do aluno (fornecido pela escola), verificando-se que, desde o inicio do ano letivo, já existem 9 (nove) participações escritas, onde é relatado o mau comportamento da vitima (a desobediência de forma deliberada, os comportamentos inadequados e a atitude de desafio e desrespeito para com os professores), perturbando constantemente o normal funcionamento da sala de aula.

Também segundo a testemunha n° 2, a vitima é seguida na clinica de Pedopsiquiatria e Pediatria do … (Pediatricamente), pelo Dr. EE e toma medicação diária (…), tendo afirmado que se sente mais calmo quando toma a medicação acima mencionada.

A vitima n° 1 já foi sinalizada pela CPCJ, em 2021, derivado a comportamentos inadequados em contexto de sala de aula.

O agregado familiar da vitima é composto pela mãe (suspeita), pai (testemunha n° 3) e irmão mais novo (vitima n° 2) sendo que, nunca foi exercido qualquer tipo de violência, por parte da mãe, com o seu irmão mais novo.

Mais informo que, foi elaborada a ficha de sinalização de menor em perigo, em virtude do processo anterior já se encontrar fechado.”

Aqui chegados duas conclusões:

Primeira

- Relativamente a factos sobre os quais a vitima em sede de declarações para memória futura pode ser questionada, e na ausência de quais quer outros elementos, o tribunal apenas poderá perguntar o seguinte: se a mãe lhe deu socos e pontapés e se no verão de 2024 lhe deu com uma sapatilha na cara.

E não pode perguntar mais nada, pois não há suporte factual para qualquer outra pergunta e não compete ao JIC em sede de declarações para memória futura realizar ou aprofundar o inquérito, sob pena de realizar diligências investigatórias que não são da sua competência.

Segunda

É narrado no auto um conjunto de declarações da suspeita, “no gabinete de apoio ao aluno e família, na presença das testemunhas 1 e 2, devidamente identificadas no presente Auto, estabeleci um diálogo calmo e assertivo com a suspeita, que de livre e espontânea vontade, me comunicou o seguinte:”

Colocar na mesma frase a afirmação da presença de três pessoas, sendo que duas são agentes da PSP, diálogo calmo e assertivo e livre e espontânea vontade, é no mínimo improvável, e à falta de melhor adjectivação, uma contradição nos termos.

Nenhuma mãe, à qual sejam devidamente comunicados factos integradores da pratica por si de um crime de violência doméstica sobre um filho, fechada numa sala de uma escola, unicamente na presença de dois agentes da PSP e da psicóloga da escola, responde a perguntas calmas e assertivas de livre e espontânea vontade.

Ademais, se é suspeita e no caso a única suspeita, da pratica de um crime de violência doméstica sobre o seu filho, a pessoa não é ouvida informalmente numa sala com três pessoas.

É constituída arguida, são-lhe comunicados os seus direitos e é ouvida ou nas instalações da PSP ou no tribunal pelo Magistrado do Ministério Publico.

Não é que esta magistrada desconheça as declarações de suspeito, é que as declarações de suspeito não existem no código de processo penal.

Os órgãos de policia criminal, apenas podem relatar o que tiver sido por si presenciado no exercício das suas funções, mas que obviamente não decorra da preterição de uma formalidade essencial - no caso a constituição como arguida.

A este propósito veja-se o teor do acórdão do TRE de 28-03-2023 proferido no processo 389/17.2PBELV.E1, no qual se afirma que “1. Quando o ainda não arguido não foi como tal constituído, podendo considerar-se que há motivo para tal, como mera decorrência do n.° 5 do artigo 58.° CPP, qualquer declaração daquele não poderá utilizar-se como prova. 2. Mas esta proibição de prova não abrange as declarações ouvidas pelos agentes policiais ao arguido, antes de este o ser ou haver obrigação de com tao o constituir, se não houver culpa das forças policiais no atrasar da formalização daquela constituição. 3. Como mera decorrência do n.° 5 do artigo 58.° CPP, a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores deste artigo implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído arguido não pode ser utilizada como prova.”

Voltando aos autos.

No momento da primeira inquirição de CC, a ser formulado um juízo de reconhecimento de credibilidade às declarações do seu filho AA, a mesma deveria, e só deveria ser sido ouvida na qualidade de arguida.

Concluindo, não podendo tais declarações ser admitidas como prova, não pode este tribunal inquirir a vitima e a testemunha, menores seus filhos, sobre o teor das suas declarações.

Voltamos pois a ter apenas os factos: se a mãe deu socos e pontapés e se a mãe lhe deu com uma sapatilha na cara no Verão de 2024.

Acresce que resulta de fls. 114 a 116 que CC, foi constituída como arguida, e nessa qualidade prestou declarações.

Porém, essa constituição como arguida não se encontra validada pelo Ministério Publico, o que significa que nos termos do disposto no art.° 58, n°7° do C.P.P., as mesmas não podem ser utilizadas como prova.

Ou seja, e mais uma vez, inexistem factos suficientes e minimamente circunstanciados, para que sobre os mesmos possam ser tomadas declarações para memória futura, ademais porque os factos “se a mãe deu socos e pontapés e se a mãe lhe deu com uma sapatilha na cara no Verão de 2024.”, são também depoimento indirecto, porquanto ditos à psicóloga da escola pela vitima, mas nos autos inexiste qualquer auto de inquirição da mesma que corrobore o que a psicóloga transmitiu.

Face ao exposto, indefere-se a diligência requerida.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A questão (única) a decidir no presente recurso é a seguinte:

O JIC deve ou não, ao abrigo do art.º 271.º, n.º 1, tomar declarações para memória futura a (alegadas) testemunhas, sendo uma delas também uma (alegada) vítima de violência doméstica, com 7 e 12 anos de idade, respetivamente.

B. Decidindo.

Vejamos:

Estabelece o art.º 271.º (na parte que nos interessa):

Declarações para memória futura

1 - Em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como nos casos de vítima de crime de tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.

(…)

3 - Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis são comunicados o dia, a hora e o local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.

(…)

5 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados do assistente e das partes civis e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais.

6 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 363.º e 364.º

7 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores técnicos e a acareações.

8 - A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.”

Por outro lado, determina a Lei n.° 93/992, de 14.07 (Lei de Proteção de Testemunhas), que regula a aplicação de medidas para proteção de testemunhas em processo penal:

Artigo 26.º

Testemunhas especialmente vulneráveis

“1 - Quando num determinado acto processual deva participar testemunha especialmente vulnerável, a autoridade judiciária competente providenciará para que, independentemente da aplicação de outras medidas previstas neste diploma, tal acto decorra nas melhores condições possíveis, com vista a garantir a espontaneidade e a sinceridade das respostas.

2 - A especial vulnerabilidade da testemunha pode resultar, nomeadamente, da sua diminuta ou avançada idade, do seu estado de saúde ou do facto de ter de depor ou prestar declarações contra pessoa da própria família ou de grupo social fechado em que esteja inserida numa condição de subordinação ou dependência.

Artigo 28.°

Intervenção no inquérito

1 - Durante o inquérito, o depoimento ou as declarações da testemunha especialmente vulnerável deverão ter lugar o mais brevemente possível após a ocorrência do crime.

2 - Sempre que possível, deverá ser evitada a repetição da audição da testemunha especialmente vulnerável durante o inquérito, podendo ainda ser requerido o registo nos termos do artigo 271° do Código de Processo Penal.”

Por seu turno, ainda é de convocar a Lei n.º 111/2009, de 16.09 (Estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas):

Artigo 33.º

Declarações para memória futura

1 - O juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.

2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.

3 - A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a vítima ser assistida no decurso do ato processual pelo técnico de apoio à vítima ou por outro profissional que lhe tenha vindo a prestar apoio psicológico ou psiquiátrico, previamente autorizados pelo tribunal.

4 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados constituídos e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais.

5 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 352.º, 356.º, 363.º e 364.º do Código de Processo Penal.

6 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a declarações do assistente e das partes civis, de peritos e de consultores técnicos e acareações.

7 - A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.

Também importa fazer referência ao disposto na Lei n.º 130/2015, de 04.09 (aprova o Estatuto da Vítima):

Artigo 21.º

Direitos das vítimas especialmente vulneráveis

1 - Deve ser feita uma avaliação individual das vítimas especialmente vulneráveis, a fim de determinar se devem beneficiar de medidas especiais de proteção.

2 - As medidas especiais de proteção referidas no número anterior são as seguintes:

(…)

d) Prestação de declarações para memória futura, nos termos previstos no artigo 24.º.

Artigo 24.º Declarações para memória futura

1 - O juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271.º do Código de Processo Penal.

2 - O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.

3 - A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas.

4 - A tomada de declarações é efetuada, em regra, através de registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios, designadamente estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico idóneo a assegurar a reprodução integral daquelas, ou a documentação através de auto, quando aqueles meios não estiverem disponíveis, o que deverá ficar a constar do auto.

5 - A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os advogados constituídos e o defensor, por esta ordem, formular perguntas adicionais, devendo a vítima ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado pelo tribunal.

6 - Nos casos previstos neste artigo só deverá ser prestado depoimento em audiência de julgamento se tal for indispensável à descoberta da verdade e não puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.

Devemos ainda levar em conta o disposto no art.º 67.º-A, n.º 1, alínea b):

1 - Considera-se:

(…)

b) 'Vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;

Sobre o quadro normativo acabado de traçar existe jurisprudência, ao que sabemos uniforme, como se infere dos exemplos que transcrevemos: Acórdão do TRL de 13.09.2016 proferido no processo n.º 304/15.8PHAMD-A.L1-53:

“[A]o contrário do que sucede nos casos de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, em que a tomada de declarações para memória futura é obrigatória, como resulta do nº 2, do artigo 271º, do CPP, encontrando-se em investigação crimes de violência doméstica ou maus tratos, como na situação em apreço, esse acto não tem natureza de imperatividade, ou seja, não é obrigatória a sua prática, de onde surge a problemática do critério a considerar para saber quando, requerida que seja, se admite ou indefere a tomada de declarações.

Elucida-nos o Acórdão deste Tribunal da Relação de 11/01/2012, Proc. nº 689/11.5PBPDL-3, disponível em www.dgsi,pt, que “esse critério há-de resultar de uma ponderação entre o interesse da vítima de não ser inquirida senão na medida do estritamente indispensável à consecução das finalidades do processo e o interesse da comunidade na descoberta da verdade e na realização da justiça”.

No caso sub judice a vítima (…) é uma criança de onze anos de idade, sendo que o arguido é o seu progenitor, de onde resulta objectivamente a sua especial vulnerabilidade – que, aliás, deriva também do estatuído no artigo 67º-A, nºs 1, alínea b) e 3, do CPP - que cumpre proteger, importando também acautelar a genuinidade do depoimento, em tempo útil, pois é do conhecimento comum que este tipo de crimes são de investigação complexa e demorada, do que resulta prejuízo para o apuramento de toda a verdade dos factos vivenciados.

No decurso de inquérito, com o escopo de apurar da eventual prática de crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea d), do Código Penal ou de crime de maus tratos, p. e p. pelo artigo 152º-A, nº 1, alínea a), sendo a vítima (igualmente também eventualmente conhecedora de elementos fácticos relativos a agressões à sua progenitora) uma criança de onze anos de idade e o arguido seu progenitor, de onde resulta objectivamente a sua especial vulnerabilidade – que, aliás, deriva também do estatuído no artigo 67º-A, nºs 1, alínea b) e 3, do CPP - que cumpre proteger, importando também acautelar a genuinidade do depoimento, em tempo útil, pois é do conhecimento comum que este tipo de crimes são de investigação complexa e demorada, do que resulta prejuízo para o apuramento de toda a verdade dos factos vivenciados, deve o Juiz de Instrução Criminal proceder à tomada de declarações para memória futura ao menor como requerido pelo Ministério Público.”

Acórdão do TRL de 07.03.2023 proferido no processo n.º 658/22.0T9LRS-A.L1-5:

“As declarações para memória futura constituem uma produção antecipada de prova, um meio cautelar de prova, que tem em vista assegurar a obtenção e conservação de determinada prova pessoal, com vista ao respectivo aproveitamento em sede de julgamento – pelo perigo adveniente da impossibilidade de produção na própria audiência de julgamento – artigo 271.º do Código de Processo Penal.

Estando em causa a investigação de um crime de violência doméstica, como é o caso dos autos, a Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência às suas vítimas, prevê no seu artigo 33.º a possibilidade de o juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.

Igual previsão está estabelecida no Estatuto da Vítima aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, quanto à vítima especialmente vulnerável (artigo 24:º).

Nestes casos, a produção antecipada de prova não tem tanto a ver com o perigo adveniente da impossibilidade de produção na própria audiência de julgamento, mas antes com a protecção da própria vítima, por forma a minimizar a vitimização secundária, direito que é garantido à vítima por aquelas leis (artigo 22.º da Lei n.º 112/2009 e artigo 17.º da Lei 130/2015), permitindo assim que ela encerre o episódio de que foi vítima, já que só será prestado novo depoimento, em casos excepcionais (nº 7 do artigo 33.º da mesma Lei).

De acordo com o artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, não se impõe ao juiz de instrução a obrigatoriedade de proceder à inquirição de uma vítima para memória futura, nem se estabelece os critérios em que deve assentar essa decisão. Porém, é aconselhável que o faça neste tipo de crime em função da fragilidade das vítimas ou da sua idade, mas, sobretudo, da relação que têm com o arguido, em que deve evitar-se a exposição da vítima em julgamento.

(…)

No caso dos autos a menor, de 6 anos, tem a qualidade de vítima nos termos do artigo 67.º- A do Código de Processo Penal e tem capacidade para depor, nos termos do artigo 131.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, pois não resulta do relatório, que se refere no despacho recorrido, qualquer incapacidade para a menor poder prestar depoimento e ser ouvida.

A valoração do depoimento que vier a ser prestado pela menor será feita pelo tribunal de julgamento na altura própria e, por isso, não pode o tribunal recorrido estar a antecipar que a menor não pode testemunhar de modo relevante e processualmente útil, para indeferir a prestação do seu depoimento antecipado.

A prestação antecipada de declarações pela menor, que tenderá a esquecer o que vivenciou, tendo em conta a sua tenra idade, e que continua a viver com a alegada agressora e, portanto, sob a sua influência, pode evitar uma eventual contaminação do seu depoimento e a perda de memória dos factos que a mesma vivenciou, com a precisão e rigor necessários à investigação e, sobretudo, à descoberta da verdade material, além de que evita que a menor volte a ser sujeita a estar presente em tribunal e a reviver a situação, minimizando a vitimização secundária.”

Acórdão do TRL de 07.04.2021 proferido no processo n.º 86/20.1T90FR-A.C1:

“O que vem a traduzir-se numa faculdade atribuída ao juiz da tomada de declarações antecipada de vítimas de crime de violência doméstica, que implica como regra, “dever deferir a pretensão dos requerentes, só assim não decidindo quando, objectiva e manifestamente, se revele total desnecessidade na recolha antecipada de prova” - Ac Rel Lisboa de 04.06.2020.

No mesmo sentido Ac da Rel Coimbra de 21 de agosto de 2020 - relatora Des Ana Carolina Veloso Gomes Cardoso, onde se assinala: “Conforme resulta do transcrito art. 33º, n.º 1, a tomada de declarações para memória futura não é obrigatória (pode proceder). No entanto, deve ser este o procedimento a adotar, em nome da proteção das vítimas contra a vitimização secundária, só assim se não procedendo quando existam razões relevantes para o não fazer (no mesmo sentido, cf. Acórdãos da Relação de Lisboa de 9.11.2016, no proc. 5687/15.7T9AMD-A.L1, e de 4.6.2020, no proc. 69/20.1PARGR-A.L1, e da Relação de Évora de 23.6.2020, no proc. 1244/19.7PBFAR-A.E1, todos em www.dgsi.pt).”

Importa ponderar que o direito de audição antecipada, que se materializa nas declarações para memória futura, visa evitar a vitimização secundária e repetida e ainda quaisquer formas de intimidação e de retaliação e evitar também que as repercussões decorrentes do trauma se reflictam negativamente na aquisição da prova.” Acórdão do TRL proferido no processo n.º 382/19.0PASXL-A.L1: “Diz o Mm.° Juiz a quo que, na perspectiva do recorrente Ministério Público, a tomada de declarações para memória futura em situações de alegada violência doméstica acaba por se tornar automática. Dir-se-á, porém, que, não sendo rigorosamente assim, é muito assim. Efectivamente, casos há de crimes de violência doméstica em que; nada, manifestamente, justifica este tipo de preocupação na recolha antecipada de prova. Por isso se compreende o poder de decisão que o já citado art.° 33.° confere ao juiz, analisando o caso concreto e aferindo do interesse e oportunidade na realização da diligência. Porém, na nossa perspectiva, o art.° 33.° em causa haverá de ser interpretado no sentido de o juiz, como regra, dever deferir a pretensão dos requerentes, só assim não decidindo quando, objectiva e manifestamente, se revele total desnecessidade na recolha antecipada de prova, contrariamente ao aqui entendido pelo Mm.° Juiz a quo (…) Assim, como se disse, atenta a superior relevância dos interesses em causa, entende-se que a regra haverá de ser a de deferir, sempre, o requerimento apresentado pela vítima ou pelo Ministério Público, até no exercício do dever de protecção à mesma vítima consagrado no art.° n.° 2 da Lei n.° 112/2009, só em casos excepcionais, de inequívoca e manifesta irrelevância, se devendo indeferir o mesmo requerimento. Deste modo, se a vítima ou o Ministério Público requerem a tomada de declarações para memória futura é porque nisso vêem interesse, sendo este, também, necessária e consequentemente, o interesse da comunidade, os quais, afinal, todos passam pela descoberta da verdade e pela efectiva realização da justiça.”

Acórdão do TRL de 10.09.2020, proferido no âmbito do processo n.º 91/20.8PBRGR-A.L1-9:

“Assim, sendo certo que o art.º 33.º da citada Lei n.º 112/2009 deixa nas mãos do juiz o “poder” de proceder à recolha das declarações da vítima para memória futura ainda na fase de inquérito, não é o mesmo um poder arbitrário ou que possa ser levianamente exercido, pois que a crescente gravidade dos factos neste, também, cada vez mais repetido tipo de crime exige de todos os operadores judiciários cuidados e preocupações acrescidas, ajustado sentido de oportunidade nas respectivas decisões, as quais deverão ser marcadas por um inequívoco fim preventivo, ainda que aferido em “excesso”, acautelando-se, sempre, as piores e imprevisíveis consequências.”.

Pode, das decisões acabadas de mencionar-se, concluir-se, com alguma segurança, o seguinte:

Em primeiro lugar, fora dos casos de “catálogo” previstos no art.º 271.º, n.º 2, nunca é obrigatório o JIC deferir um pedido de declarações para memória futura.

Em segundo lugar, o critério de admissibilidade das referidas declarações a que o JIC está vinculado, que acima mencionámos e que subscrevemos, como devendo ponderar o interesse da vítima de não ser inquirida senão na medida do estritamente indispensável à prossecução das finalidades do processo e o interesse da comunidade na descoberta da verdade e na realização da justiça, deve ser especialmente amplo nos mencionados casos, atendendo às realidades traçadas na própria lei:

(i) Caracterização da vítima como especialmente vulnerável – no caso dos autos, por duas circunstâncias, a arguida é progenitora da testemunha e esta tem “diminuta idade”, ou seja, 12 anos (bem como o seu irmão, ainda mais jovem, 7 anos).

(ii) Necessidade da inquirição o mais brevemente possível, até em função dos mecanismos da memória, pouco sedimentados nestas idades.

(iii) Quanto mais tempo passar, mais se poderão (eventualmente) formar (ou acentuar) formas de intimidação e de retaliação, evitando tal inquirição que as repercussões decorrentes do (eventual) trauma se reflitam negativamente na aquisição da prova.

Quanto aos argumentos nucleares da Mm.ª JIC, dir-se-á:

(i) Relativamente à apreciação do “confronto no sistema de justiça com a sua mãe” e da aplicação de TIR, bem como o aludido “tema de conversa” em casa, cremos que a mesma até reforça a necessidade da inquirição, de forma a que a mesma seja mais espontânea e sem qualquer influência do aludido “tema de conversa”. Está aqui em causa a ponderação equilibrada entre os direitos da testemunha menor (alegadamente ofendido) e os da arguida.

(ii) Quanto à valoração do aludido comportamento violento da (alegadamente) testemunha / vítima possibilidade, estamos perante elementos probatórios a valorar na sua sede própria, devendo ser consistentemente afastada a sua relevância substancial nesta sede (apreciação de um pedido de inquirição para memória futura).

(iii) O mesmo se deverá concluir quanto à apreciação do teor das declarações da arguida (ainda em momento prévio à sua constituição como tal) perante a “psicóloga da escola” e perante “dois agentes da PSP” e da sua validade processual: na verdade, o teor dessas declarações não está aqui minimamente em causa, não assumindo qualquer relevância para o preenchimento dos requisitos legais para o deferimento da inquirição (inquirições) em causa nos presentes autos. Aquela validade poderá / deverá ser avaliada pela autoridade que dirige o inquérito, ou seja, por quem tem legitimidade para tal e na sua sede processual própria. Por último, não se nos afigura necessário que seja necessária uma inquirição formal da psicóloga da escola para avaliar dos indícios da prática dos alegados atos violentos perpetrados alegadamente pela arguida.

O entendimento da Mm.ª JIC sobre a validade formal de determinadas diligências probatórias, cujo teor contende com a apreciação dos requisitos da requerida inquirição, parece-nos, salvo o devido respeito, uma inadmissível intromissão no poder de direção do inquérito deferido ao MP, entendendo-se que, ao interpretar-se as normas que regulam a admissibilidade de depoimento para memória futura de acordo com aquele entendimento, estaríamos perante uma violação do princípio do acusatório vertido no art.º 32.º, n.º 5 da CRP.

Por último, constando dos autos, nomeadamente do auto de notícia, que existem indícios de que aquele menor poderá estar a ser vítima de maus tratos, acrescendo que estamos perante uma (alegada) vítima especialmente vulnerável em consequência da sua idade e considerando a sua diária coabitação com a arguida, entendemos que estão preenchidos os pressupostos legais para o referimento da requerida inquirição, que, como se nos afigura também evidente, não implica qualquer juízo sobre a prática do imputado crime pela arguida.

Assim, o recurso procede.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida por ausência de fundamento legal, devendo ser admitido o formulado pedido de tomada de declarações para memória futura de AA e de BB, se outros impedimentos que não os conhecidos na decisão recorrida não sobrevierem.

Sem custas.

Évora, 16/09/2025,

Edgar Valente (relator)

Clara Figueiredo (1.ª adjunta)

Jorge Antunes (2.º adjunto)

(Processado em computador e revisto pelo relator)

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1 Diploma a que pertencerão todas as indicações normativas ulteriores sem indicação diversa.

2 Com a redação introduzida pela Lei n.º 29/2008, de 04.07.

3 Disponível, como os demais, em www.dgsi.pt.