| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
| Descritores: | ARROLAMENTO REQUISITOS ACTO DE DISPOSIÇÃO | ||
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| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Sumário: | i)  a providência cautelar do arrolamento depende, no plano substantivo, da ocorrência cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência dum direito do requerente (definido ou a definir em ação proposta ou a propor) a esses bens; b) justo receio do seu extravio ou dissipação sem o arrolamento. ii) para além do mais, não resultam preenchidos tais requisitos se o Requerente, que pretende obstar que a sua mãe aliene património imobiliário, não logrou demonstrar a viabilidade da ação a propor para a declarar beneficiária de medida de acompanhamento que contenda com atos de disposição de bens imóveis. (Sumário da Relatora) | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Requerente: (…) Recorrida / Requerida: (…) Os autos consistem no procedimento cautelar especificado de arrolamento, deduzido previamente à instauração de ação de maior acompanhado relativamente à Requerida. Foi requerido o arrolamento do prédio urbano designado por Lote 10 do Empreendimento (…), em (…), inscrito sob o artigo (…), na matriz predial da freguesia do (…), descrito sob o n.º (…), da mesma freguesia na Conservatória do Registo Predial de Grândola, e do prédio rústico denominado “Herdade do (…)”, sito no Pinhal Novo, inscrito sob o artigo (…), da Secção (…), da freguesia do (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…), da mesma freguesia, ambos propriedade da Requerida. Para tanto, vem alegado que o Requerente é filho da Requerida; o património desta é gerido pelo filho mais novo, irmão do Requerente; a Requerida apresenta sinais de debilidade, próprios da sua avançada idade; em setembro de 2000, a Requerida dispunha de cerca de € 1.000.000,00 em depósitos bancários; desde julho de 2025, a Requerida vive inquieta e angustiada por não dispor de dinheiro para fazer face às despesas básicas e à sua subsistência; o prédio urbano encontra-se em venda; o Requerente tem receio que o dinheiro obtido com a venda seja desbaratado, e não reverta em proveito da Requerida; o filho mais novo faz constantes pedidos de ajuda financeira à Requerida; o Requerente receia que seja colocado à venda o prédio rústico. Mais alegou que o receio é justificado pela indiciada delapidação do património financeiro da Requerida e pelo facto de o prédio urbano se encontrar à venda; que vai instaurar ação para acompanhamento de maior da Requerida e que, como filho, tem interesse nos referidos bens. Foi dispensada a audição prévia da Requerida. II – O Objeto do Recurso Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença julgando o procedimento cautelar totalmente improcedente. Inconformado, o Requerente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que decrete o arrolamento nos moldes peticionados. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes: «1. Sinopse a) A requerida, que conta atualmente 93 anos (facto indiciariamente provado 3), encontra-se há décadas arredada da administração do seu património (facto indiciariamente provado 7), funções que foram exercidas pelo requerente, durante anos (facto indiciariamente provado 8), e que passaram a sê-lo, desde 30 de Setembro de 2020, por (…), ambos seus filhos (factos indiciariamente provados 10 e 2); b) Quando o requerente, aqui apelante, cessou as funções de administrador do património da requerida, esta senhora tinha depositados, no Banco, valores que ascendiam a cerca de € 1.000.000,00 (facto indiciariamente provado 9); c) Em Julho de 2025, (…), amiga de longa data da requerida, contactou a filha mais nova desta, (…), a quem deu conta que de a mãe lhe confidenciara que não dispunha de meios de liquidez que permitissem a sua subsistência por mais de um ano (facto indiciariamente provado 11); d) A filha mais nova da requerida tomou conhecimento, em conversa que teve com a cuidadora da mãe, de que esta concordara em pôr à venda a sua casa de férias no Empreendimento (…), em Grândola, com vista a assegurar as suas condições de vida (facto indiciariamente provado 12); e) A casa de férias da requerida encontra-se anunciada, para venda, na plataforma “(…)”, pelo valor de € 2.100.000,00, depois de inicialmente o preço publicitado ter sido de € 2.500.000,00 (facto indiciariamente provado 13); f) O ora apelante requereu o presente procedimento cautelar de arrolamento, como preliminar de acção de acompanhamento de maior da sua mãe, tendo por objecto mediato dois imóveis de que ela é proprietária, visando evitar o seu extravio ou dissipação; g) Aceitando os argumentos do requerente, o Mm.º Juiz que primeiro tomou contacto com o processo deferiu a peticionada dispensa de audição prévia da requerida (douto despacho de 31 de Julho de 2025, com a Ref.ª citius 102486704); h) Produzida a prova testemunhal oferecida, a Mm.ª Juiz a quo julgou o procedimento cautelar improcedente, por não provado, por entender que não se verificava o requisito do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens arrolandos, já que nada resultou indiciariamente provado quanto à incapacidade da requerida para avaliar e compreender o alcance e consequências de tal negócio jurídico [a venda dos imóveis] na sua esfera pessoal e patrimonial, com consequente lesão dos seus interesses; 2. Do objecto do recurso 2.1. Da reapreciação da matéria de facto i) Resultou indiciariamente provado dos depoimentos das testemunhas …, …, … e … (devidamente tarifados e transcritos, nas partes pertinentes, no corpo das presentes alegações), que a requerida se encontra intelectual e animicamente fragilizada, sujeita a forte pressão do seu filho (…), que a convenceu de que não dispõe de dinheiro que lhe permita assegurar a sua subsistência por mais de um ano, havendo na sua casa uma forte escassez de bens de primeira necessidade, chegando os alimentos e os medicamentos a ser custeados pelos empregados, situação que a leva a desejar a morte; j) O facto – a que a Mma. Juiz a quo atribuiu uma relevância que manifestamente não tem – de a requerida compreender o que diz e o que lhe é dito não invalida que ela se encontre fragilizada e incapaz de tomar decisões livre e conscientemente, estando, pelo contrário, fortemente condicionada pela pressão psicológica e material que o filho mais novo sobre ela exerce, convencendo-a de que se encontra financeiramente exaurida, para a levar a concordar com a venda dos seus imóveis; k) A própria M.ª Juiz a quo, volens nolens, reconheceu – no facto indiciariamente provado 12 (fundamentado nos depoimentos das testemunhas …, …, … e …) – que não foi a requerida quem decidiu pôr o seu imóvel à venda apenas tendo concordado com esse projectado acto de disposição; l) Com base nos depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…), deverá ser aditado um facto aos dados como indiciariamente provados pela Mm.ª Juiz a quo, sugerindo-se que tenha a seguinte redacção: A requerida apresenta sinais de debilidade, compatíveis com a sua avançada idade. m) Da instrução do processo evidenciou-se que a vontade da requerida não é livre e consciente, mas antes fortemente influenciada e condicionada pela pressão que sobre ela exerce o filho mais novo, que a administra, que instila na mãe a convicção de que é indispensável proceder à alienação de imóveis para assegurar a sua subsistência, deixando-a sem dinheiro e alimentos em casa e não provisionando a conta a que está associado o cartão bancário da ora apelada, que é rejeitado nas tentativas de pagamento que com ele são feitas; n) A decisão de pôr à venda os imóveis da requerida não foi por ela tomada de forma lúcida e esclarecida, mas antes fortemente condicionada por uma situação criada pelo seu filho (…), situação essa que (justificadamente) a preocupa e angustia; o) Fundamentados nos depoimentos das testemunhas (…), (…), (…) e (…), cujas partes pertinentes se transcreveram em II – A.2. do corpo destas alegações, deveriam ter sido dados como indiciariamente provados os factos vertidos nos artigos 18º, 21º, 23º e 24º do req. in., sugerindo-se que sejam aditados, com a seguinte redacção:  O filho mais novo da requerida, (…) convenceu a sua mãe a pôr à venda a casa de férias de que ela é proprietária no Empreendimento (…), criando nela a convicção de que tal venda é indispensável para obter os meios financeiros necessários a suportar os custos com a sua subsistência (artigos 18º e 23º do req. in.).  Se a casa no Empreendimento (…) for vendida, o dinheiro proveniente dessa venda será desbaratado e não utilizado em proveito da requerida (artigos 21º e 24º do req. in.). 2.1. Da errada interpretação e aplicação da lei p) O processo de acompanhamento de maior tem como fito assegurar o bem estar do beneficiário incapaz de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seu direitos não apenas em razão de anomalia psíquica, mas também quando o seu comportamento evidenciar tal incapacidade; q) A Mma. Juiz a quo deu como indiciariamente provado que há muito a requerida não administra pessoalmente o seu património, exercendo tais funções, desde Setembro de 2020, o seu filho mais novo, … (factos 7 e 10) e que, naquela data, a ora apelada tinha depositados no Banco valores que ascendiam a cerca de € 1.000.000,00 (facto 9), não havendo razão para que, menos de cinco anos depois, a sua subsistência esteja dependente da venda do seu património imobiliário; r) A prodigalidade (ainda que indirecta) da requerida levou a que ela, sem capacidade de controlar a administração levada a efeito pelo seu filho (…), em Julho de 2025 receasse não dispor de meios financeiros para acudir à sua subsistência por mais de um ano (facto 11); s) Ainda que a requerida entenda o que diz e o que lhe é dito, não tem capacidade para reagir à pressão que sobre ela exerce o seu filho (…) para que aliene o seu património imobiliário, sendo o produto dessa venda também por ele administrado em prejuízo da ora apelada; t) A prodigalidade e a incapacidade de a requerida administrar o seu património, cabalmente indiciados na instrução do presente procedimento cautelar, constituem fundamento para que o requerente, seu filho, requeira, no interesse dela, processo de acompanhamento de maior, de que o arrolamento é dependência, tendo em vista a adopção de medidas de acompanhamento que se mostrem adequadas à salvaguarda do seu bem estar; u) A Mm.ª Juiz a quo procedeu, no aliás douto despacho recorrido, a errada interpretação do artigo 138.º do Código Civil e dos artigos 403.º e 405.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.» Cumpre conhecer das seguintes questões: i) da impugnação da decisão relativa à matéria de facto; ii) do fundamento para decretar o arrolamento. III – Fundamentos A – Os factos indiciariamente provados em 1.ª Instância 1. O Requerente é filho da Requerida e de (…). 2. Do casamento da Requerida com o pai do Requerente nasceram, para além dele, cinco filhos, a saber: a) …, nascida em 14 de julho de 1955; b) …, nascido em 15 de julho de 1957; c) …, nascida em 25 de agosto de 1960; d) …, nascido em 9 de maio de 1962; e) …, nascido em 20 de agosto de 1965. 3. A Requerida nasceu em 7 de maio de 1932. 4. A Requerida compreende o que diz e o que lhe é dito. 5. Pela Ap. (…), de 2001/16/15 encontra-se registada a favor da Requerida a propriedade do prédio urbano designado por Lote 10, do Empreendimento (…), em (…), inscrito sob o artigo (…) na matriz predial da freguesia do (…) e descrito sob o n.º (…), da mesma freguesia, na Conservatória do Registo Predial de Grândola. 6. Pela Ap. (…), de 1973/06/11 encontra-se registada a favor da Requerida a propriedade do prédio rústico denominado “Herdade do (…)”, sito no (…), inscrito sob o artigo (…), da Secção B da freguesia do (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…), da mesma freguesia. 7. A Requerida encontra-se arredada da gestão do seu património. 8. Durante vários anos, a gestão do património da Requerida foi coordenada pelo Requerente. 9. Aquando da cessação dessas funções pelo Requerente, a Requerida tinha depositados no banco valores que ascendiam a cerca de € 1.000.000,00. 10. Em 30 de setembro de 2020 o património da Requerida passou a ser gerido pelo seu filho mais novo, (…). 11. Em julho de 2025, (…), amiga da Requerida, contactou a filha mais nova desta, (…), comunicando-lhe que a Requerida lhe confidenciou que não dispunha de meios de liquidez que permitissem a sua subsistência por mais de um ano. 12. Em conversa com a cuidadora da Requerida, a filha mais nova desta tomou conhecimento de que aquela havia concordado com a venda do prédio urbano melhor descrito no facto indiciariamente provado 5, com vista a assegurar a sua condição de vida. 13. O prédio urbano melhor identificado em 5 dos factos indiciariamente provados encontra-se anunciado para venda na plataforma (…), pelo valor de € 2.100.000,00, entretanto reduzido face ao valor inicial de € 2.500.000,00. B – As questões do Recurso i) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto O Recorrente considera que deve dar-se como provado o facto alegado no artigo 7º do requerimento inicial, ou seja, que a Requerida apresenta sinais de debilidade, próprios da sua avançada idade. Aludiu, para tanto, aos depoimentos testemunhais que transcreveu. Vejamos. (…): a Requerida disse-lhe que não tem dinheiro, seja para supermercado, seja para pagar aos empregados, quando tinha chauffeur ia ao supermercado, tem capacidade física para isso e tem cabeça, quando está calma. (…): filha da Requerida, confirmou com as empregadas que a mãe não tem dinheiro disponível para as despesas básicas. A mãe disse-lhe que tinha gastado o dinheiro que o filho mais novo deixou num envelope e que não tinha dinheiro para comprar nada. (…): a dama de companhia da Requerida disse que, por falta de dinheiro, falta tudo em casa, a Requerida sente essa dificuldade, apesar da sua idade, tem consciência disso, não só tem consciência como reclama o tempo todo, pede para morrer para não viver essa pressão. (…): referiu que a Requerida está angustiada, chora, está completamente angustiada. Conclui, então, o Recorrente que, «ficou indiciariamente provado que, ainda que fisicamente se encontre bem, a requerida, sujeita a fortes pressões sobre a sua situação patrimonial, apresenta sinais de debilidade como, frequentemente, sucede a quem, como ela, conta 93 anos de idade. Não é o facto – relevado pela Mma. Juiz a quo no, aliás douto, despacho recorrido – de a requerida compreender o que diz e o que lhe é dito que infirma a situação de fragilidade cognitiva em que se encontra, não tendo uma perceção real das consequências dos atos de disposição patrimonial que o filho (…) a pressiona para fazer.» Não assiste razão ao Recorrente. O que as testemunhas afirmaram foi que a Requerida se encontra afetada mental e psicologicamente por não ter dinheiro para assegurar a sua subsistência e as despesas inerentes à sua casa e ao pessoal que a serve. Nada foi afirmado que revele fragilidade cognitiva; que revele que não tem perceção real das consequências dos atos de disposição patrimonial. Antes foi afirmado que o quadro psicológico decorre da situação de carência de capital e não da sua avançada idade. Termos em que se conclui não ter sido evidenciado ter a 1ª Instância incorrido em erro ao não julgar provado o referido facto – cfr. artigo 640.º do CPC. Mais pretende o Recorrente que seja aditada a seguinte factualidade ao rol dos factos indiciariamente provados: - o filho mais novo da requerida, (...), convenceu a sua mãe a pôr à venda a casa de férias de que ela é proprietária no Empreendimento (...), criando nela a convicção de que tal venda é indispensável para obter os meios financeiros necessários a suportar os custos com a sua subsistência; - se a casa no Empreendimento (…) for vendida, o dinheiro proveniente dessa venda será desbaratado e não utilizado em proveito da requerida. Os meios de prova indicados são os depoimentos testemunhais já mencionados. (…): referiu “ela queira vender a casa, o … tinha vontade de vender a casa; o património imobiliário pertence aos filhos, aos seis filhos; o … e o … estão prontos para fazer assinar à mãe qualquer coisa; o … mete isto na cabeça da mãe.” (…): referiu ter agora boa e próxima relação com a mãe; caso se concretizem vendas, são o (…) e o (…), os filhos mais novos, que irão administrar o dinheiro; o (…) colocou a casa à venda; ambos disseram à mãe para vender património porque só tem dinheiro para mais um ano. (…): referiu que a Requerida não tem dinheiro, não consegue que o filho lhe dê o extrato para conferir a conta; a ideia partiu dela, nunca tem dinheiro, então vende-se o que tem para vender, a partir daí, o filho (…) tomou a frente para fazer a venda da casa; ela é pressionada, os filhos (…) e (…) dizem não há dinheiro, a mãe tem que vender. (…): afirmou que, depois do (…), entrou o (…) na administração dos bens, e depois o (…), que propôs a venda da casa, ela acha que não tem dinheiro para chegar ao fim da vida; o frigorífico está vazio, não tem dinheiro para comer. Também nesta matéria se afigura inexistir fundamento para considerar ter existido erro no julgamento da matéria de facto operado em 1ª Instância. Dos meios de prova indicados pelo Recorrente não se retira, ainda que em termos de summaria cognitio, que o filho (…) tenha convencido a Requerida a vender a casa criando nela a convicção de que se trata de ato indispensável a assegurar a sua subsistência; essa convicção decorre da falta de dinheiro, e não foi demonstrado que inexiste fundamento para essa necessidade de venda de património. Igualmente não se retira que o produto da venda será desbaratado pelo seu filho mais novo, que à Requerida não seja facultado tomar posse dele. Mantém-se, pois, o rol dos factos indiciariamente provados, nos seus precisos termos. ii) Do fundamento para decretar o arrolamento O Recorrente alicerça a sua pretensão recursiva nos seguintes vetores: - o cenário de grave precariedade financeira foi criado pelo seu filho mais novo, que a administra o património da Requerida desde Outubro de 2020; - o que permitiu convencer a Requerida a vender a sua casa de (…) e o terreno adjacente à sua casa principal; - o dinheiro proveniente dessa venda não será administrado pela Requerida, mas pelo seu filho (…); - o filho mais novo da requerida é pródigo, exauriu em cerca de cinco anos o milhão de euros que a sua mãe tinha no Banco; - a Requerida, pelo seu comportamento (está alheada da administração do seu património e confiou-a a um mau administrador) está impossibilitada de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos, é incapaz de fiscalizar a administração desastrosa, encontra-se em situação de prodigalidade indireta; - a Requerida não tem consciência de que não poderia encontrar-se na situação de penúria em que vive se o seu património financeiro não tivesse sido gerido, pelo seu filho (…), de forma perdulária, já que não poderia deixar de ter consciência de que os seus gastos mensais não ascendem a € 16.500,00. Vejamos. O arrolamento, previsto nos artigos 403.º e ss. do CPC, constitui uma medida cautelar de carácter conservatório destinada a assegurar a manutenção de bens litigiosos (ou o não extravio, ocultação ou dissipação), no período em que persistir a discussão da titularidade do direito no âmbito da ação principal. Nas palavras de Alberto dos Reis[1], «se uma pessoa tem ou pretende ter direito a determinados bens e mostra que certos factos ou circunstâncias fazem nascer o justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forma definitiva, o seu direito aos mesmos bens, estamos perante ocorrências que justificam o uso (…) do arrolamento.» Tal como ocorre com a generalidade das providências não especificadas, também o arrolamento dispensa a formulação de um juízo seguro quanto à titularidade do direito, bastando que o tribunal, com base em factos que considere provados, se convença da sua existência, de acordo com um critério de verosimilhança (“probabilidade séria”, segundo o artigo 368.º, n.º 1, do CPC), sendo que, tratando-se de direitos de natureza potestativa, se exige adicionalmente a verificação da probabilidade de procedência da ação principal, nos termos do artigo 405.º, n.º 1, do CPC, solução justificada para evitar que o arrolamento seja posto ao serviço de pretensões manifestamente inviáveis, de pretensões claramente infundadas ou de ou de pretensões que não apresentam probabilidade alguma de êxito.[2] O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens – cfr. artigo 406.º, n.º 1, do CPC. O seu objetivo é o de manutenção desses mesmos bens controvertidos e deverá ser decretado em função da probabilidade da titularidade do requerente sobre eles e da prova sumária de situação de perigo que sobre eles incida, perigo que o legislador tipifica como de «extravio, ocultação ou dissipação». Com o arrolamento não se pode pretender prejudicar o gozo e utilização normal que os bens possibilitam; daí que o depositário seja sempre o seu possuidor ou detentor, salvo casos excecionais, havendo manifesto inconveniente, é que os bens são retirados da disponibilidade do seu possuidor – cfr. artigo 408.º, n.º 1, do CPC. A providência cautelar do arrolamento depende, no plano substantivo, da ocorrência cumulativa dos seguintes requisitos: a) existência dum direito do requerente (definido ou a definir em ação proposta ou a propor) a esses bens; b) justo receio do seu extravio ou dissipação sem o arrolamento. Em face deste quadro normativo, afigura-se não merecer censura a decisão proferida em 1ª Instância. A Requerida é dona e proprietária do património identificado nos autos. Os elementos factuais indiciariamente provados não fazem antever que a Requerida venha a ser considerada impossibilitada, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos – cfr. artigo 138.º do CC. O que não decorre da idade de 93 que regista, nem do facto de ter confiado a gestão do seu património a seus filhos, de forma sucessiva, nem do facto de se encontrar fragilizada pela circunstância de, tanto quanto sabe, não dispor de capital que permita acautelar as despesas básicas para a sua pessoa e para a sua casa. Acompanha-se, assim, o que ficou exarado na decisão recorrida, designadamente, o seguinte: «da factualidade indiciariamente provada não é possível extrair factos que fundamentem, ainda que de forma indiciária, a verificação de um justo receio de extravio, ocultação ou dissipação desses bens (…). Com efeito, muito embora se tenha indiciariamente provado que a Requerida se encontra arredada da gestão do seu património, o qual é, desde setembro de 2020, gerido por um dos seus filhos, e, bem assim, que o prédio designado por Lote 10, do Empreendimento (…), em (…), se encontra anunciado para venda, com o acordo da Requerida, temos que nada resultou indiciariamente provado quanto à incapacidade desta última para avaliar e compreender o alcance e consequências de tal negócio jurídico na sua esfera pessoal e patrimonial, com consequente lesão dos seus interesses. Pelo contrário, resultou indiciariamente provado que a mesma compreende o que diz e o que lhe é dito, não tendo sido requerida nem junta qualquer prova, designadamente médica, que possa indiciar que essa compreensão não se estende a atos de alienação onerosa de imóveis sua propriedade. (…) Deste modo, inexiste matéria factual que permita sustentar, ainda que indiciariamente, o justo receio de dissipação dos bens da Requerida, com prejuízo irreparável do seu direito e consequente interesse desta na manutenção de tais bens na sua esfera patrimonial. Realce-se que a mera discordância do Requerente quanto às decisões de gestão do património da Requerida não é, per se, fundamento para a verificação do aludido justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos seus bens, uma vez que, como já se referiu supra, são os interesses desta última que aqui relevam, mostrando-se necessária a prova indiciária de factos que fundamentem uma lesão dos mesmos. (…) (…) a mera circunstância de se ter indiciariamente provado que o seu património é gerido por um dos seus filhos não se mostra bastante para afirmar a sua incapacidade para o efeito, porquanto nada obsta a que tal resulte de uma decisão livre, voluntária e consciente da mesma.» Improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida. As custas recaem sobre o Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC. Não há lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça previsto na tabela I anexa ao RCP, uma vez que, tratando-se de procedimento cautelar, a taxa de justiça devida é determinada de acordo com a tabela II anexa ao RCP, atenta a regra especial estabelecida no artigo 7.º, n.º 4, do RCP. Sumário: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. Évora, 2 de outubro de 2025 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Anabela Raimundo Fialho Miguel Teixeira __________________________________________________ [1] CPC Anotado, vol. II, pág. 105. [2] Cfr. Alberto dos Reis, ob. e vol. cit., pág. 113 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 3.ª edição, Almedina, 2006, pág. 275 e seguintes. |