Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7638/22.3T8STB.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: EMPREITADA
ABANDONO DA OBRA
REDUÇÃO DO PREÇO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Data do Acordão: 12/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. Na empreitada de consumo, não tendo o empreiteiro completado a obra em conformidade com o convencionado, por a ter abandonado, estamos em presença de uma “ falta de conformidade com o contrato” que, no respectivo regime, aliás, se presume porque a prestação incompleta torna desadequado o uso do imóvel para o fim específico a que se destina, no caso a habitação dos autores (cfr. art.º 2.º n.º 1 e 2, al. b) do DL n.º 67/2003 de 8 de Abril);
II. Tal “falta de conformidade com o contrato” à luz do citado regime pode determinar a “redução do preço” da empreitada que, no caso, se reconduz à (eventual) restituição do excesso pago por uma prestação que o empreiteiro não chegou a realizar.
III. A sanção pecuniária compulsória peticionada por cada dia de atraso no cumprimento da decisão condenatória à luz do disposto no art.º 829º-A, nº 1 do Cód.Civil. não tem aplicação no caso concreto, porquanto a obrigação de pagamento de uma quantia pecuniária não se configura como uma prestação de facto mas sim como uma prestação de coisa , não estando esta última abrangida pela norma em apreço.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

1. AA e BB coligados com CC e DD deduziram acção declarativa contra EE e FF, pedindo a condenação dos Réus a:
i) devolver aos Autores AA e BB o montante de €10.078,00;

ii) devolver aos Autores CC e DD o montante de €12.022,50;

iii) pagar aos Autores AA e BB o montante de €1.177,85;

iv) pagar aos Autores AA e BB o montante de €4.628,29;

v) pagar 25,00€/dia a título de sanção pecuniária compulsória em caso de incumprimento da decisão final, em relação aos autores AA e BB, assim como igual montante em relação aos Autores CC e DD, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, a contar da citação, custas e custas de parte.

Sustentaram, para o efeito e em síntese, que AA e o marido, BB, assim como CC e a sua esposa, DD, são respectivamente, proprietários das fracções ... e ... do prédio sito na Rua 1, ..., em Local 1, Concelho Local 2, e pretendendo conjuntamente realizar obras de remodelação em cada uma das fracções, contrataram os Réus para executar as obras em conformidade com o orçamento negociado, que estes vieram a apresentar, cuja obra se haveria de iniciar em Agosto de 2020 e deveria ser concluída até Dezembro de 2021.
Todavia, uma vez liquidada a primeira tranche de pagamentos negociada, os Réus iniciaram a actividade contratada, a qual só em parte executaram, pois que de um dia para o outro, começaram por ir apenas em períodos só da manhã ou só da tarde e por vezes nem apareciam, até que, sem qualquer aviso prévio ou justificação, abandonaram a obra levando consigo todo o material e ferramentas de trabalho do local, não tendo mais sido vistos no local ou reagido a qualquer contacto direito por parte dos Autores, pelo que devem ser condenados a restituir o valor suportado a mais em relação aos trabalhos que fizeram a menos.
Acresce que os Autores AA e BB, que pretendiam vender o imóvel onde residiam para irem viver para o imóvel onde os Réus executavam as obras, sofreram o revés de não se poderem mudar quando o perspectivavam , dado abandono da obra pelos Réus, razão pela qual tiveram de suportar um crédito à habitação por um período adicional de cinco meses, à razão mensal de €235,57, num total de €1.177,85 que não suportariam se os Réus houvessem cumprido o contrato. Além do mais, tiveram de contratar um crédito para concluírem os trabalhos de renovação do imóvel, valor que não teriam de suportar caso os Réus tivessem cumprido com os trabalhos orçamentados, cujo valor peticionado receberam, pelo que deverão os Réus ser responsabilizados pelos juros que os Autores terão de suportar por conta de tal crédito, no valor de €4.628,29.

2. Os Réus contestaram a acção alegando, em síntese, que iniciaram a realização das obras em conformidade com os orçamentos, as quais foram sofrendo alterações informalmente comunicadas, e à qual não foi fixada dada de conclusão, mercê da sua complexidade e tempo de duração longo e imprevisível.
Os trabalhos decorreram em conformidade com o programado até início de 2021, altura em que vencendo-se a 2ª tranche e o valor dos extras já feitos, os Autores recusaram o pagamento, ainda que entre Janeiro e Maio, de forma constante e persistente, os Réus tivessem solicitado o pagamento em diferentes ocasiões, que não tendo sido liquidada, levou a que em Maio/2021 saíssem da obra.
Acresce que os pagamentos feitos em referência a 50% do valor de obra, excluído do IVA, não perfazem o montante acordado, sendo que a interrupção dos trabalhos apenas se deveu à falta de pagamento da 2.ª tranche ajustada e das alterações e extras solicitados pelos Autores, sendo que os próprios acabaram por provocar danos no imóvel que já estava acabado (1.º) andar, com a decisão tomada em destelhar a casa num período de chuvas.
Apresentaram ainda pedido reconvencional através do qual sustentam a condenação dos Autores ao pagamento do valor de €10.973,31, por conta dos extras executados na obra (no valor de €6.777,30) e da remanescente parcela da primeira tranche de 50% do valor da obra que em tempo não foi paga (que ascende a €4.196,01, sendo €3.987,56 do valor indicado em falta, acrescidos de €208,45 a título de juros mora).

3. Replicaram os Autores, sustentando que os pagamentos por si feitos totalizaram o montante de €32.570,50 (trinta e trinta e dois mil quinhentos e setenta euros e cinquenta cêntimos), incluindo as alterações solicitadas, sendo que do recibo emitido pelos Reconvintes e a que corresponde a factura, consta o valor dos trabalhos acrescido de IVA, sendo que nenhum dos Reconvintes está abrangido pelo regime de IVA junto da Autoridade Tributária, ou seja, não têm a obrigação fiscal de o cobrar junto dos seus clientes, nem a obrigação de entregar os valores recebidos esse título à Autoridade Tributária, pelo que é ilícita tal cobrança aos Autores e, a final, pediram a improcedência da reconvenção.

4. Realizada audiência final foi, subsequentemente, proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
“Face às razões de facto e de direito supra indicadas, julgo a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência:
A) Absolvo os Réus EE e FF dos pedidos contra si formulados pelos 1.º e 2.º Autores, AA e BB;
B) Condeno os Réus EE e FF, a pagar aos 3.º e 4.º Autores, CC e DD, o valor de €11.387,70 (onze mil, trezentos e oitenta e sete euros e setenta cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos desde a citação (05/12/2022) até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%, absolvendo-os do mais peticionado.
C) Condeno os Reconvindos, 1.º e 2.º Autores, AA e BB, a pagar aos Réus reconvintes, EE e FF, o valor de €885,04 (oitocentos e oitenta e cinco euros e quatro cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos desde a interpelação (11/07/2021), até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%, absolvendo-os do mais peticionado.
D) Absolvo os Autores do pedido de condenação como litigantes e má fé formulado pelos Réus.”.

5. É desta sentença que recorrem os Autores, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
A) Os autores AA e BB celebraram um contrato de empreitada com os réus para a realização de obras na sua fração;
B) Os autores AA e BB entregaram aos réus, por conta do orçamento aceite, o montante de €16.320,00 (dezasseis mil, trezentos e vinte euros), que corresponde a 50% do valor do orçamento aceite e acordado;
C) Entregaram, ainda, os autores AA e BB aos réus o valor de €1.468,00 (mil quatrocentos e sessenta e oito euros) por conta de trabalhos não incluídos no orçamento;
D) Os autores AA e BB entregaram aos réus a quantia total de €17.788,00;
E) Acontece, porém, que, dos trabalhos descritos no orçamento, apenas se provou estarem realizados os trabalhos relativos às demolições (€2.210,00), às remodelações (€1.970,00), ao revestimento de paredes, pavimentos e tetos foram aplicadas as regras da equidade e fixou-se o montante dos trabalhos realizados em €1.465,00 + €135,00 = €1.600,00, os trabalhos relativos à instalação elétrica (€3.530,00), os trabalhos relativos à alvenaria/betão/construção (€3.440,00) e o fornecimento de cinco portas interiores (€453,33);
F) Os réus não realizaram os trabalhos solicitados pelos autores AA e BB, após o início dos trabalhos, e que consistiriam na alteração/inclusão das portas e do chão a aplicar no imóvel (€1.468,00);
G) Os réus não realizaram qualquer trabalho de carpintaria;
H) Os trabalhos relativos ao abastecimento de águas e saneamentos, (€2.630,00), vieram a ser demolidos e refeitos por terceiros;
I) Os trabalhos ao revestimento de paredes, pavimento e tectos, limitado, no entanto, ao enchimento de paredes com massa reboco, pintura de todas as paredes e tectos existentes; fornecimento e assentamento de revestimento em ladrilho (PVP €10,00/m2), incluindo cimento cola, fornecimento e assentamento de ladrilho sobre batumilha, incluindo cimento cola, betumagem de juntas, remates e cortes ficaram incompletos e não terminados;
J) Considerando o valor entregue pelos autores aos reús (€17.788,00) temos de exigir a redução de preço;
K) Relativamente aos trabalhos solicitados pelos autores após o início da obra e não tendo os mesmos sido realizados pelos réus, deverá a redução do preço verificar-se na exata proporção do valor pago pelos autores (€1.468,00);
L) Relativamente aos trabalhos incompletos e relativos ao ponto 3 do orçamento, concorda os autores com o valor fixado pelo tribunal €1.465,00 + €135,00 = €1.600,00;
M) Os trabalhos correspondentes ao ponto 6 do orçamento tiveram de ser demolidos e refeitos novamente, deverá a redução do preço corresponder ao valor entregue pelos autores aos réus para o efeito (€2.630,00);
N) A redução de preço fixa-se no montante total de €5.698,00 = €1.468,00 + €1.465,00 + €135,00 + €2.630,00;
O) Considerando o montante total entregue pelos autores aos réus de €17.788,00 deverá ser reduzido o valor de €5.698,00, o que perfaz a quantia de €12.090,00;
P) A este valor acresce o valor fixado para o fornecimento de portas interiores pelo Tribunal, de acordo com as regras de equidade, em €453,33;
Q) Perfazendo o valor de €12.543,33 = €12.090,00 + €453,33, ao qual acresce IVA à taxa em vigor 23%, ou seja, o valor de €2.884,96 o que perfaz um total de €15.428,29;
R) Considerando que os Autores entregaram aos réus o montante de €17.788,00, têm estes que restituir a quantia de €2.359,71 =€17.788,00 - €15.428,29;
S) Perante a matéria de facto provada e, consequente, os valores decorrentes da mesma, a decisão de absolver os réus quanto ao pedido dos autores AA e BB, no que à devolução de montantes diz respeito, encontra-se em manifesta contradição com os factos provados no ponto 5, 10, 11, 15 e 19;
T) O que, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. c) do CPC, determina a nulidade da douta sentença proferida;
U) Os autores não vieram pedir ao tribunal qualquer pagamento de quantias, mas sim a restituição de valores que se encontram em posse dos réus ilicitamente;
V) Na sequência dos contratos de empreitada celebrados e na esteira do acordado com os réus, os autores AA e BB entregaram a estes a quantia total de €17.788,00 e os autores CC e DD o valor de €14.782,50 para a realização de determinados trabalhos;
W) Resulta dos factos provados que os trabalhos que os autores pagaram não foram realizados na totalidade;
X) Também, resulta da sentença proferida que tem de haver uma redução no preço de acordo com o valor dos trabalhos não realizados e obedecendo, sempre que não for possível apurar o valor concreto dos trabalhos, às regras da equidade;
Y) Assim, as quantias de €2.359,71 (autores AA e BB) e de €11.387,70 (autores CC e DD) relativas aos trabalhos não realizados estão em posse dos réus e só por eles podem ser restituídas;
Z) Estamos perante uma prestação de facto infungível;
AA) O Tribunal não analisou a situação em concreto, nem os factos provados quando decidiu a absolvição dos réus no que concerne ao pedido de pagamento da sanção pecuniária compulsória;
BB) Limitando-se a fundamentar a sua decisão em matéria de direito, invocando as normas legais aplicáveis deixando por analisar toda a matéria provada em sede de audiência de julgamento e decorrente da sentença proferida;
CC) A sentença, no que à sanção pecuniária compulsória diz respeito, viola o disposto no artigo 827º CC;
Pelo que, deverá a sentença proferida ser substituída por outra que:
- Condene os réus a restituir aos autores AA e BB a quantia de €2.359,71 (dois mil trezentos e cinquenta e nove euros e setenta e um cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento;
- Que absolva os autores AA e BB do pedido reconvencional promovido pelos réus, uma vez que estes já têm em sua posse o valor correspondente ao IVA e devido à Autoridade Tributária;
- Ordene a notificação da Autoridade Tributária da nova decisão judicial a fim dos réus entregar ao Estado o valor devido a título de IVA;
- Condene os réus ao pagamento do valor de €25,00/ dia (vinte e cinco euros) por cada dia de atraso, em caso de incumprimento da decisão condenatória, a título de sanção pecuniária compulsória.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, que V. Exa. doutamente suprirá, requer-se a V. Exa. se digne julgar procedente o presente recurso nos seus precisos termos.

6. Contra-alegaram os Réus/reconvintes defendendo a manutenção do decidido.

7. As questões colocadas nas conclusões do recurso dos apelantes – que delimitam o seu objecto (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, todos do CPC) –são as seguintes:
7.1. Se a sentença enferma de nulidade;
7.2. Reapreciação jurídica da causa: Se os Réus deveriam ter sido condenados a restituir aos autores AA e BB a quantia de €2.359,71, se os autores AA e BB deveriam ter sido integralmente absolvidos do pedido reconvencional e se os Réus deveriam ter sido condenados na sanção pecuniária compulsória peticionada.

II. FUNDAMENTAÇÃO

8. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:

“A) FACTOS PROVADOS COM INTERESSE PARA A CAUSA
1) Os Autores AA e BB são casados entre si e proprietários do prédio sito na Rua 1, ..., Local 1 (... andar, fracção ...).

2) Os Autores CC e DD são casados entre si e proprietários do prédio sito na Rua 1, ..., Local 1 (R/C, fracção “A”).

3) O prédio é uno, constituído por rés do chão e por primeiro andar.

4) Pretendendo realizar obras conjuntas em todo o imóvel e no interior de cada uma das duas fracções, os Autores contactaram com os Réus, em meados de Agosto de 2020, com vista à realização das mesmas.
5) Após negociações, por essa altura, os Réus apresentaram aos Autores AA e BB, a seguinte ordem de trabalhos e orçamento, que foi aceite pelos mencionados Autores:
1. DEMOLIÇÕES - Valor total de €2.210,00 (dois mil duzentos e dez euros)
1.1 Remoção de azulejos em cozinha e casas de banho, incluindo preparação da base para assentamento de novo revestimento em azulejo;
1.2 Remoção de todo o estuque existente e limpeza de paredes;
1.3 Remoção de loiças sanitárias;
1.4 Remoção de todo o pavimento existente na cozinha, wc e um quarto;
1.5 Remoção de soleiras das portas e janelas e de paredes existentes;
1.6 Abertura de roços para toda a rede elétrica, água fria/ quente e saneamento;
1.7 Remoção e limpeza de todo o entulho (contentores);
1.8 Abertura de roços para todo o sistema de climatização e fecho dos mesmos
2. REMODELAÇÃO - Valor total de €1.970,00 (mil novecentos e setenta euros):
2.1 Fornecimento e montagem de tecto falso em todas as divisões da casa em gesso cartonado, barramento de juntas, sancas e pintura;
2.2 Fornecimento e montagem de parede no quarto (roupeiro novo)
3. REVESTIMENTO DE PAREDES, PAVIMENTO E TECTOS – Valor total de
€3.710,00 (três mil setecentos e dez euros):
3.1 Enchimento de paredes com massa reboco, pintura de todas as paredes e tectos existentes;
3.2 Fornecimento e assentamento de revestimento em ladrilho (PVP €10,00/m2), incluindo cimento cola, betumagem de juntas, remates, cortes, limpeza final e todos os trabalhos e materiais necessários a um perfeito acabamento;
3.3 Fornecimento e assentamento de ladrilho sobre betonilha, incluindo cimento cola, betumagem de juntas, remates, cortes, limpeza final de todos os trabalhos e materiais necessários a um perfeito acabamento;
3.4 Assentamento de rodapé cerâmico com 8cm de altura, incluindo todos os trabalhos inerentes.
4. CARPINTARIA – Tudo no valor de €1.360,00 (mil trezentos e sessenta euros):
4.1 Fornecimento e aplicação de uma porta de entrada e todos os trabalhos inerentes à aplicação;
4.2 Fornecimento e aplicação de cinco portas interiores lisas de abrir com guarnições e ferragens incluídas e todos os trabalhos inerentes à aplicação. Afagar e envernizar o soalho em tacos e todos os trabalhos e materiais inerentes à correcta execução;
4.3 Montagem de portas de correr no roupeiro do quarto e todos os materiais necessários a um perfeito acabamento.
CARPINTARIA II – Tudo no valor de €1.630,00 (mil seiscentos e trinta euros):
4.2.1 Afagamento do pavimento em tacos com aplicação de tapa poros, betumes e três camadas de verniz mate;
4.2.1 Fornecimento e aplicação de rodapé e betumes
5. EQUIPAMENTO SANITARIO -Tudo no valor de €1.620,00 (mil seiscentos e vinte euros):
5.1 Fornecimento e aplicação de uma base de duche de 160X80 com divisória de vidro e coluna de duche e demais acessórios de ligação para o seu normal funcionamento;
5.2 Fornecimento e aplicação de dois lavatórios com móvel e torneiras monocomando para lavatório e demais acessórios de ligação para o correcto funcionamento;
5.3 Fornecimento e aplicação de duas sanitas com tanque de descarga e tampo para sanita em MDF lacado com dobradiças em inox (branco). Os trabalhos incluem montagem do mecanismo, tanque, tampo e demais acessórios para as loiças para o correcto funcionamento;
5.4 Fornecimento e aplicação de um bidé com torneira monocomando e demais acessórios para que a louça fique pronta e a funcionar
6. ABASTECIMENTO DE ÁGUAS E SANEAMENTO – No valor de €2.630,00 (dois mil seiscentos e trinta euros):
6.1 Substituição de rede água existente (uma cozinha e duas casas de banho).
Contempla o fornecimento e aplicação de tubagem para abastecimento em multicamada de água, incluindo abertura e fecho de roços, ligação à rede existente, isolamento para tubagem da rede de água quente, caixas, válvulas de seccionamento e acessórios necessários ao funcionamento dos aparelhos sanitários.
7. ELECTRICIDADE/ TV / INTERNET – Valor €3.530,00 (três mil quinhentos e trinta euros):
7.1 Substituição completa da rede interior eléctrica e ITED, incluindo tubagens, tomadas e interruptores (electricidade: seis tomadas na sala, oito tomadas na cozinha, quatro tomadas por quarto, uma tomada hall, um a tomada por wc, tomadas RJ45 (rede>) em todas as áreas em execução nos wc, tomada de fibrótica na sala de estar
8. ALVERNARIA / BETÃO / CONSTRUÇÃO - Tudo no valor de €3.440,00 (três mil quatrocentos e quarenta euros):
8.1 Execução de seis pilares com 2.5 metros de altura e com um diâmetro mínimo de 25cm/25cm;
8.2 Enchimento em betão armada com ferro de 8mm em todos pilares;
8.3 Montagem de vigas em betão para colocação do telhado em chapas tipo sandwich e todos os trabalhos e materiais necessários ao acabamento do telhado;
8.4 Execução de betonilhas e nivelamento de soalhos para fornecimento e execução de chão em ladrilho e todos os trabalhos e materiais necessários ao acabamento;
8.5 Execução de paredes de 6mtsL/2mtsA 10 mts quadrados;
8.6 Fornecimento e montagem de painel sandwich imitação telha 40mm vermelho M2 com parafuso tira fundo galvanizado
8.7 Execução de pilares e colocação de vigas em toda a área da sala de estar e cozinha a fim de reforçar o tecto e a base do telhado
9. ESCADA – Valor 3.200,00€
9.1 Montagem de escadas com corrimão, em aço e madeira de acesso ao terraço
10. JANELAS / ESTORES – Valor total €2.840,00 (dois mil oitocentos e quarenta euros):
10.1 Janelas de alumínio oscilobatente 100X115cm (com estore)
10.2 Janelas de alumínio para o WC (com estore)
10.3 Porta janela de alumínio correr 130X228.5cm (com estore)
11. MÓVEIS COZINHA / ACESSÓRIOS - Valor €4.500,00
11.1 Valor estimado com montagem.”

6) Nesse orçamento, ficou ainda a constar o seguinte:
Valor total deste orçamento é de €32.640,00 sem IVA
50% após o segundo dia de começo da obra
30% após a colocação de tectos falsos, ladrilhos, estuques e construções
20% após a finalização da obra”

7) Na mesma altura, os Réus apresentaram aos Autores CC e DD, a seguinte ordem de trabalhos e orçamento, que foi aceite pelos mencionados Autores:
1.DEMOLIÇÕES - Valor total de €2.760,00 (dois mil setecentos e sessenta euros):
1.1 Remoção de azulejos em cozinha e casas de banho, incluindo preparação da base para assentamento de novo revestimento em azulejo;
1.2 Remoção de todo o estuque existente e limpeza de paredes;
1.3 Remoção de loiças sanitárias (uma banheira, um lavatório, um bidé e uma sanita);
1.4 Remoção de todo o pavimento existente na cozinha, wc e em todas as divisões;
1.5 Remoção de soleiras das portas e janelas e de paredes existentes;
1.6 Abertura de roços para toda a rede eléctrica, água fria/ quente e saneamento;
1.7 Remoção e limpeza de todo o entulho (contentores);
1.8 Levantamento e remoção de todo o pavimento existente na habitação
2. REMODELAÇÃO - Valor total de €740,00 (setecentos e quarenta euros):
2.1 Fornecimento e montagem de tecto falso em gesso cartonado, barramento de juntas, sancas e pintura na cozinha, wc de apoio e sala de refeições;
3. REVESTIMENTO DE PAREDES, PAVIMENTO E TECTOS – Valor total de €6.410,00 (seis mil quatrocentos e dez euros):
3.1 Enchimento de paredes com massa reboco, pintura das mesmas, aderência, plataformas de trabalho e todos os trabalhos inerentes;
3.2 Fornecimento e assentamento de revestimento em ladrilho (PVP €10,00/m2), incluindo cimento cola, betumagem de juntas, remates, cortes, limpeza final e todos os trabalhos e materiais necessários a um perfeito acabamento;
3.3 Fornecimento e assentamento de ladrilho assente sobre a batumilha, incluindo cimento cola, betumagem de juntas, remates, cortes, limpeza final de todos os trabalhos e materiais necessários a um perfeito acabamento;
3.4 Assentamento de rodapé cerâmico com 8cm de altura, incluindo todos os trabalhos inerentes. Pintura de paredes em toda a habitação
4. CARPINTARIA – Tudo no valor de €1.320,00 (mil trezentos e vinte euros):
4.1 Fornecimento e aplicação de porta de entrada frente e todos os trabalhos inerentes à aplicação;
4.2 Fornecimento e aplicação de porta traseira e todos os trabalhos inerentes à aplicação;
4.3 Fornecimento e aplicação de portas interiores lisas de abrir com guarnições e ferragens incluídas e todos os trabalhos inerentes à aplicação das mesmas.
5. EQUIPAMENTO SANITARIO -Tudo no valor de €1.680,00 (mil seiscentos e oitenta euros):
5.1 Fornecimento e aplicação de uma base de duche de 160X80 com divisória de vidro e coluna de duche e demais acessórios de ligação para o seu normal funcionamento;
5.2 Fornecimento e aplicação de dois lavatórios com móvel e torneiras monocomando para lavatório e demais acessórios de ligação para o correcto funcionamento;
5.3 Fornecimento e aplicação de duas sanitas com tanque de descarga e tampo para sanita em MDF lacado com dobradiças em inox (branco). Os trabalhos incluem montagem do mecanismo, tanque, tampo e demais acessórios para o correcto funcionamento;
5.4 Fornecimento e aplicação de um bidé com torneira monocomando e demais acessórios para que a louça fique pronta e a funcionar.
6. ABASTECIMENTO DE ÁGUAS E SANEAMENTO – No valor de €2.320,00 (dois mil trezentos e vinte euros):
6.1 Substituição de rede água existente (uma cozinha e duas casas de banho).
Contempla o fornecimento e aplicação de tubagem para abastecimento em multicamada de água, incluindo abertura e fecho de roços, ligação à rede existente, isolamento para tubagem da rede de água quente, caixas, válvulas de seccionamento e acessórios necessários ao funcionamento dos aparelhos sanitários.
6.2 Substituição da rede de esgoto em uma cozinha e duas instalações sanitárias, que implica o fornecimento e aplicação de tubagem em PVC para drenagem de esgotos domésticos, incluindo abertura e fecho de roços, sifões e outros acessórios com diâmetros diversos de ligação à caixa
7. INSTALAÇÃO ELECTRICA – Valor €3.200,00 (três mil duzentos euros):
7.1 Substituição completa da rede interior eléctrica e ITED, incluindo tubagens, tomadas e interruptores (electricidade: seis tomadas na sala, oito tomadas na cozinha, quatro tomadas por quarto, uma tomada hall, uma tomada por wc, tomadas RJ45 (rede) em todas as áreas em execução nos wc, tomada de fibrótica na sala de estar
8. ALVERNARIA / BETÃO / CONSTRUÇÃO - Tudo no valor de €4.430,00 (quatro mil quatrocentos e trinta euros):
8.1 Execução de sapatas, mínimo com 50cm cúbicos, alicerces ligados entre pilares com o mínimo de 50cm cúbicos e pilares com 2.5 metros de altura e com um diâmetro mínimo de 25cm/25cm;
8.2 Enchimento em betão armada com ferro de 12mm em todos pilares, vigas e alicerces;
8.3 Execução de betonilhas e nivelamento de pavimentos para fornecimento e execução de chão em ladrilho e todos os trabalhos e materiais necessários ao acabamento;
8.4 Execução de paredes de 6mts/2m a 10m quadrados;
8.5 Execução de placa realizada com vigas de betão armado e tijoleira;
8.6 Execução de betonilha em toda a casa, com argila (bolas leca) em todo o pavimento, com excepção nos wc’s e cozinha, colocação de rede malha sol em todo o pavimento de betão;
8.7 Execução de betonilha para colocação de ladrilho
9. IMPERMEABILIZAÇÃO – Valor €485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros)
9.1 Aplicação de tela de alcatrão e xisto na fachada exterior e interior das paredes
10. JANELAS / ESTORES – Valor total €2.720,00 (dois mil setecentos e vinte euros):
10.1 Janelas de alumínio oscilo batente dupla 100X115cm (com estore)
10.2 Janelas de alumínio para o WC (com estore)
11. MÓVEIS COZINHA / ACESSÓRIOS - Valor €3.500,00 (três mil e quinhentos euros)
11.1 Valor estimado com montagem”

8) Nesse orçamento, ficou ainda a constar o seguinte:
“Valor total deste orçamento é de €29.565,00 sem IVA
50% após o segundo dia de começo da obra
30% após a colocação de tectos falsos, ladrilhos, estuques e construções
20% após a finalização da obra”

9) O início dos referidos trabalhos, em ambas as fracções, teve lugar em finais de Agosto de 2020.

10) Nessa altura, os Autores AA e BB, por conta do orçamento aceite, entregaram aos Réus o montante de €16.320,00 (dezasseis mil, trezentos e vinte euros).

11) Posteriormente ao início dos trabalhos, por opção e escolha dos referidos Autores, solicitaram a alteração/inclusão das portas e do chão a aplicar no imóvel, com o custo adicional solicitado pelos Réus de €1.468,00 (mil quatrocentos e sessenta e oito euros), que tais Autores pagaram.

12) Na mesma altura, os Autores CC e DD, por conta do orçamento aceite, entregaram aos Réus o montante de €14.782,50 (catorze mil, setecentos e oitenta e dois euros e cinquenta cêntimos).

13) Os pagamentos referidos em 10) e 12), corresponderam ao que, por acordo, as partes aceitaram como correspondentes a 50% do valor para se iniciarem as respectivas obras.

14) Tendo em conta a complexidade e tempo de duração longo e imprevisível da obra, não foi estipulada data para a sua finalização, mas os Autores, em comum, indicaram aos Réus que deveria ser dada prioridade à finalização da obra de AA e BB, para que estes pudessem ir para ali viver.

15) No imóvel de propriedade de AA e BB, os Réus realizaram as seguintes tarefas em conformidade com o orçamento aludido em 5), para além do referido em 11):
a) Trabalhos de demolição descritos no ponto 1;
b) Trabalhos de remodelação descritos no ponto 2;
c) Trabalhos incompletos de revestimento de paredes, pavimento e tectos descritos no ponto 3 do orçamento, limitado, no entanto, ao enchimento de paredes com massa reboco, pintura de todas as paredes e tectos existentes; fornecimento e assentamento de revestimento em ladrilho (PVP €10,00/m2), incluindo cimento cola, não totalmente terminados; fornecimento e assentamento de ladrilho sobre batumilha, incluindo cimento cola, betumagem de juntas, remates e cortes;
d) Fornecimento de cinco portas interiores;
e) Trabalhos de abastecimento de águas e saneamentos descritos no ponto 6;
f) Trabalhos relativos à instalação eléctrica, descritos no ponto 7 do orçamento;
g) Trabalhos de alvenaria/betão/construção, descritos no ponto 8;

16) A partir de data não concretamente apurada dos inícios do ano de 2021, os Réus começaram por ir à obra em períodos do dia ou só em alguns dias.

17) Nessa altura gerou-se uma discórdia entre os Autores AA e BB e os Réus, sobre o vencimento da 2ª tranche e o valor dos invocados extras feitos.

18) Não tendo qualquer dos Autores pago o valor solicitado pelos Réus, em Maio de 2021, estes deixaram a obra no estado em que se encontrava e levaram consigo o material e ferramentas de trabalho do local, não retornando à mesma, nem comunicando as razões para a sua saída, passando a laborar num outro imóvel.

19) Os trabalhos realizados pelos Réus no imóvel de AA e BB, relativos ao abastecimento de águas e saneamentos, descritos no ponto 6 do orçamento, vieram a ser demolidos e refeitos por terceiros.

20) Essa demolição deveu-se a ruptura dos tubos que tornou inaproveitável a montagem feita.

21) Por essa razão, os Autores AA e BB contrataram a empresa EMP01..., Lda. que procedeu à demolição e reconstrução dos referidos trabalhos de abastecimento de águas e saneamentos, assim como para concretizar outros serviços.

22) Nessa altura, os referidos Autores residiam em imóvel próprio, na Rua 2, Local 3, pelo qual suportavam um crédito bancário mensal de €235,57.

23) Em 22 de Dezembro de 2021, AA e BB contrataram um crédito pessoal junto do Millennium BCP, no valor de €17.943,35, pelo prazo de 84 meses e com uma prestação mensal de €268,71 (duzentos e sessenta e oito euros e setenta e um cêntimo), no MTIPC de €22.571,64.

24) No imóvel de propriedade de CC e DD, os Réus realizaram o conjunto de trabalhos de demolição descritos no ponto 1 do orçamento referido em 7), assim como os trabalhos de abastecimento de águas e saneamentos descritos no ponto 6 do orçamento referente a tal imóvel.

25) Concluída essa tarefa, o imóvel ficou sem chão, sem paredes e com o tecto picado.

26) Em Maio de 2021, os Réus deixaram a obra no estado em que se encontrava e levaram consigo o material e ferramentas de trabalho do local, não retornando à mesma.

27) Nessa altura, os Réus passaram a trabalhar noutra obra, não tendo voltado a trabalhar no prédio dos 3.º e 4.º Autores, a quem não comunicaram as razões de saída da obra.

28) Os trabalhos realizados pelos Réus no imóvel de CC e DD, relativos ao abastecimento de águas e saneamentos, descritos no ponto 6 do referido orçamento descrito em 7), vieram a ser demolidos por terceiros.

29) Essa demolição deveu-se a ruptura dos tubos que tornou inaproveitável a montagem feita.

30) Por essa razão, os Autores contrataram a empresa EMP01..., Lda. que procedeu à demolição e reconstrução dos referidos trabalhos de abastecimento de águas e saneamentos, assim como para concretizar outros serviços.

31) No dia 11/07/2021, por conta dos trabalhos acima referidos, os Réus emitiram e entregaram à Autora AA, um recibo n.º .../1, com o valor declarado do documento no montante de €36.558,06, do qual consta declarado o recebimento de €32.570,50 e que se encontra em dívida o valor de €3.987,56.

32) No mesmo dia, a 2.ª Ré emitiu e entregou à Autora AA, a factura n.º .../1, com o seguinte teor discriminado: “(…)”.

33) A 2.ª Ré, FF, teve actividade aberta (CAE) para o exercício de trabalhos de construção civil ou remodelações de imóveis, no período compreendido entre 26/05/2020 e 31/12/2021, enquadrada fiscalmente no regime normal trimestral de entrega do IVA.

34) O 1.º Réu, EE, no período compreendido entre 12/12/2022 e 30/04/2023, teve actividade aberta (CAE) para o exercício de trabalhos de construção civil ou similares.

B) FACTOS NÃO PROVADOS COM INTERESSE PARA A CAUSA
i) Autores e Réus acordaram que os trabalhos seriam terminados até Dezembro de 2021.
ii) Por força disso, os Réus criaram a expectativa nos Autores AA e BB de que estes se poderiam mudar para a nova casa até Dezembro de 2021.

iii) Com a adjudicação da obra aos Réus, em Agosto de 2020, e ao compromisso assumido por esta que os trabalhos teriam o seu fim até Dezembro de 2021, os Autores acertaram a venda da casa a GG, até ao final do mês de Janeiro de 2022, pelo valor de €150.000,00.

iv) A Autora AA informou os Réus de que teria a sua casa vendida e que a teria de a escriturar até ao final do mês de Janeiro de 2022.

v) O imóvel dos Autores AA e BB ficou pronto a habitar em Maio de 2022.

vi) Ao longo da obra e por iniciativa dos Autores, houve outros trabalhos que foram executados além do inicialmente orçamentado.

vii) Além do orçamentado, os Réus realizaram os seguintes trabalhos:

a) Revestimento de massa, capoto em todas as divisões da casa (1.º andar) (€2.210,00 S/IVA);

b) Remoção de todo o reboco anterior de paredes e tecto (€900,00 S/IVA);

c) Salpico de massa reboco em todos os tectos (€270,00 S/IVA);

d) Pré-instalação de AC/Abrir Roços e tapar os roços (€300,00);

e) Alvenaria – Na parte de trás da casa existe uma construção com pilares e placas para fazer um avançado, e foram alterados para o dobro do tamanho dos pilares anteriormente pré-existentes (€1.830,00 S/IVA).

viii) As introduções de alterações e serviços extra solicitados pelos Autores AA e BB, foram sendo comunicados informalmente, recusando-se os mesmos a assinar novas actas, novos orçamentos ou sequer a responder por escrito a estes.

ix) Nenhum dos Réus está abrangido pelo regime de IVA junto da Autoridade Tributária, ou seja, não têm a obrigação fiscal de o cobrar junto dos seus clientes, nem a obrigação de entregar os valores recebidos esse título à Autoridade Tributária.

9. Do mérito do recurso
9.1. Da imputada nulidade da sentença
Referem os apelantes que perante os factos provados nos pontos 5, 10, 11, 15 e 19 a decisão não podia ser a de absolvição dos Réus relativamente ao pedido dos autores AA e BB, no que à devolução de montantes diz respeito.
Pelo que consideram que a sentença é nula à luz do disposto no artigo 615º, nº 1, al. c) do CPC que assim a comina quando: “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Sem qualquer razão, diga-se de passagem.
Tal vício ocorre quando “a fundamentação, de facto ou de direito, está em oposição lógica com a decisão: aquela não conduz a esta porquanto a fundamentação aponta num sentido e a decisão vai para outro sentido. Portanto, há vício lógico no próprio silogismo judiciário em que se estrutura a fundamentação da decisão, exigido pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º, porquanto a decisão não é a conclusão lógica daqueles fundamentos, sejam estes as normas aplicadas (premissa maior) ou os factos provados (premissa menor)[1]”.
Ora, a sentença recorrida revela-se, aliás, primorosamente fundamentada e explica circunstanciadamente (de fls. 123 verso a 124 verso) porque razão os Réus não têm de devolver nada a estes Autores.
Ao contrário do que os apelantes parecem supor, os “trabalhos a mais” previstos no ponto 11 da matéria de facto provada, foram dados como executados no ponto 15 do mesmo elenco: “No imóvel de propriedade de AA e BB, os Réus realizaram as seguintes tarefas em conformidade com o orçamento aludido em 5), para além do referido em 11): (…)”.
Em suma: improcede, em toda a linha, a suscitada nulidade da sentença.

9.2. Reapreciação jurídica da causa

9.2.1. Entendem os apelantes que os Réus deveriam ter sido condenados a restituir aos autores AA e BB a quantia de €2.359,71 relativos ao que lhes foi pago sem correspondência nos trabalhos efectivamente realizados.
Vejamos.
Qualificou a sentença recorrida – e bem - como de prestação de serviços, na modalidade de empreitada, o contrato celebrado entre autores e réus, qualificação essa com a qual se concorda.
Ao contrato de empreitada aplicam-se as normas especiais previstas nos artigos 1207º e seguintes do Código Civil, como também as regras gerais relativas ao cumprimento das obrigações.

Da empreitada resultam vantagens para ambas as partes, já que sendo o contrato de empreitada um contrato bilateral ou sinalagmático, oneroso e consensual, dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes - a obrigação de executar a obra e a do pagamento do preço - sendo uma, o motivo determinante da outra.

Nos termos do artigo 1208º do Código Civil o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

O empreiteiro está, portanto, adstrito a uma obrigação de resultado – efectuar a obra completa e isenta de defeito - sendo responsável pelos vícios ou defeitos que a obra apresentar ou nela se venham a revelar.

No caso, evidencia-se um abandono (culposo) da obra por parte dos empreiteiros réus, abandono esse que se reconduz a uma situação de incumprimento (parcial) definitivo do contrato de empreitada pela sua parte.

Com efeito, a declaração de incumprimento pode resultar do comportamento do empreiteiro consubstanciado no abandono da obra inacabada com a intenção definitiva de a não continuar, o que se nos afigura incontroverso ter ocorrido.

Como bem se salienta na sentença, estamos em presença duma empreitada de consumo à qual são, também, aplicáveis as disposições previstas especificamente para relações de consumo, na Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31/7) e no D.L. 67/2003, de 8/4 (que foi revogado pelo D.L. nº 84/2021, de 18/10 que só é aplicável aos contratos celebrados posteriormente a 1.1.2022).

Não tendo os empreiteiros efectuado a obra completa em conformidade com o convencionado, estamos em presença de uma “ falta de conformidade com o contrato” que, no citado regime, aliás, se presume porque a prestação incompleta torna desadequado o uso do imóvel para o fim específico a que se destina, no caso a habitação dos autores (cfr. art.º 2.º n.º 1 e 2 al. b) do DL n.º 67/2003 de 8 de Abril).

Posto isto, resta apurar as consequências de constatada “falta de conformidade com o contrato” à luz do citado regime.
Nos termos do respectivo art.º 4º:
1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor.
3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.
4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
6 - Os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem”.

No caso, a “redução do preço” reconduz-se à (eventual) restituição do excesso pago por uma prestação que os Réus não chegaram a realizar, pretensão que os Autores AA e BB formularam no petitório mas que lhes foi negada na sentença.

Os apelantes entendem que tal restituição se deve cifrar em de €2.359,71.

Ora, provou-se que os autores AA e BB pagaram aos Réus € 17.778,00 (€16.320,00+€1468,00)- cfr. pontos 10 (Nessa altura, os Autores AA e BB, por conta do orçamento aceite, entregaram aos Réus o montante de €16.320,00 (dezasseis mil, trezentos e vinte euros) e 11 ( Posteriormente ao início dos trabalhos, por opção e escolha dos referidos Autores, solicitaram a alteração/inclusão das portas e do chão a aplicar no imóvel, com o custo adicional solicitado pelos Réus de €1.468,00 (mil quatrocentos e sessenta e oito euros), que tais Autores pagaram).

E, tal como se explica muito bem na sentença, os Réus executaram trabalhos no valor total de €15.181,33, assim descriminados: €2.210,00 ( trabalhos de demolição descritos no ponto 1) +€1.970,00( trabalhos de remodelação descritos no ponto 2)+€2.110 ( valor correspondente aos trabalhos efectivamente realizados dos orçados no ponto 3 cujo valor total era 3.710,00€)+€453,33 ( valor correspondente às cinco portas fornecidas do total orçado no ponto 4 que era de € 1360,00) +€3.530,00 ( electricidade /tv/internet do ponto 7)+€3.440,00 (trabalhos de alvenaria /betão descritos no ponto 8) +€1.468,00 ( extras relativos à alteração/inclusão das portas e do chão a aplicar no imóvel que também foram executados e cuja execução também se provou como resulta do facto inserto supra em 15 ).

O ponto está em que o Tribunal “a quo” fez acrescer o IVA, à taxa de 23%, sobre aquele montante.

Efectivamente, reza o artº 7º do CIVA que o mencionado imposto é devido e torna-se exigível, nos casos das prestações de serviço, no momento da sua realização (nº1 b) ) . E os sujeitos passivos do IVA são obrigados, para além da obrigação de pagamento do imposto a emitir uma factura ou documento equivalente por cada prestação de serviços ( artº 29ºnº1 b) do CIVA), sendo certo que sempre que a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma factura ou documento equivalente o imposto torna-se exigível no momento da sua emissão ( artº 8º nº1 a) do CIVA).
A factura ou documento equivalente há-de ser emitido nos precisos termos em que vem estatuído no art.º 35º do CIVA.

Como se esclarece no Acórdão do STJ de 12.10.2017 [2]: “No plano estritamente tributário, o IVA opera pelo chamado método do crédito de imposto (ou subtractivo indirecto) em que o sujeito passivo assume a qualidade de devedor ao Estado «pelo valor do tributo que factura aos seus clientes, nas vendas efectuadas ou nos serviços prestados em determinado período (imposto liquidado ou imposto a favor do Estado) e, em contrapartida, é credor do Estado pelo imposto suportado nos seus inputs, no mesmo período. Dito de outra forma, o sujeito passivo é devedor do montante do tributo facturado (contribuinte de direito), mas assume igualmente as vestes de credor do imposto suportado nas aquisições realizadas». A entrega nos cofres do Estado resume-se ao diferencial encontrado e, embora o mesmo seja entregue pelo sujeito passivo de IVA, é o consumidor final quem suporta o tributo (contribuinte de facto)”.

Não há, pois, quaisquer dúvidas que o preço correspondente aos trabalhos realizados pelos Réus perfaz, com IVA à taxa de 23%, €18.673,04 que é um valor superior aquele que os Autores entregaram.
Daí a improcedência da sua pretensão de lhes ser restituída qualquer quantia.

9.2.2. Entendem os apelantes que os autores AA e BB deveriam ter sido integralmente absolvidos do pedido reconvencional.
A condenação operada pela 1ª instância é um corolário da conclusão que se alcançou relativamente à questão do IVA.
Se o valor do preço dos trabalhos efectuados pelos Réus (com o IVA incluído) ascende a €18.673,04 e os Autores AA e BB só pagaram € 17.778,00, está em dívida a diferença, ou seja, os €885,04 em que estes, na qualidade de reconvindos, foram condenados.

9.2.3. Por último, insistem os apelantes na condenação dos réus ao pagamento do valor de €25,00/ dia (vinte e cinco euros) por cada dia de atraso, em caso de incumprimento da decisão condenatória, a título de sanção pecuniária compulsória de acordo com o estatuído no art.º 829º-A[3] do Cód. Civil.
Ora, a sanção pecuniária compulsória peticionada por cada dia de atraso no cumprimento da decisão condenatória à luz do disposto no art.º 829º-A nº 1 do Cód.Civil. não tem aplicação no caso concreto, porquanto a obrigação de pagamento de uma quantia pecuniária não se configura como uma prestação de facto mas sim como uma prestação de coisa , não estando esta última abrangida pela norma em apreço.[4]
De todo o modo, será sempre aplicável à condenação no pagamento de uma quantia em dinheiro o disposto no nº4 do mesmo artigo que assim dispõe: “Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.
Esta sanção, como decorre da sua letra, não carece de ser declarada pelo Tribunal já que é devida “automaticamente”.

III. DECISÃO

Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação totalmente improcedente e em confirmar na íntegra a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.

Évora, 5 de Novembro de 2024
Maria João Sousa e Faro ( relatora)
José António Moita
Elisabete Valente
_______________________________________
[1] Assim, Rui Pinto in “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC)” pags. 18 e 19 da “Julgar on line, Maio de 2020.”.
[2] Relator, Conselheiro António Piçarra.
[3] Os apelantes, decerto por lapso, referem-se ao art.º 827º .
[4] Cfr. sobre classificações gerais da prestação, Almeida Costa in Direito das Obrigações, 3ª edição , pag. 455.