Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5765/13.7TBSTB.E2
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: SIMULAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. É de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, por incumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º, n.ºs 1, alínea b) e 2, alínea a), do CPC, se a recorrente se limita a alegar na motivação e conclusões que a prova documental dos autos, a prova testemunhal e a interpretação dos indícios dada pelo tribunal, não se mostram adequados e suficientes à prova dos pontos que põe em causa.
2. A simulação é uma divergência intencional e bilateral entre a vontade real e a declaração negocial, assente num acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros.
3. São três os requisitos da simulação elencados pelo n.º 1 do artigo 240.º do Código Civil: i) uma divergência bilateral entre a vontade real e a vontade declarada; ii) um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário (o acordo simulatório, também denominado pactum simulationis); iii) intenção de enganar terceiros (animus decipiendi).
4. A simulação pode ser absoluta ou relativa, em função do tipo de divergência.
5. Na simulação absoluta as partes declaram a vontade de celebrar um negócio jurídico quando, na realidade, não pretendem celebrar nem esse nem qualquer negócio jurídico.
6. Na simulação relativa é declarada a celebração de um dado negócio jurídico (o negócio simulado), muito embora, na realidade, as partes tenham celebrado um outro negócio jurídico, de tipo, natureza, objeto ou conteúdo jurídico diverso, ou concluído com sujeitos diversos (o negócio dissimulado). Na simulação relativa existem dois negócios jurídicos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. 5765/13.7TBSTB.E2

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I- RELATÓRIO

(…) intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra (…), (…) e (…), pedindo que:

-Seja declarada nula a transmissão por doação do 2º réu para a 3ª ré do prédio descrito na CRP de Palmela sob o n.º (…) e inscrito na matriz com o n.º (…);

-Seja ordenado o cancelamento da inscrição, apresentação n.º (…), de 2013/01/30, averbada no prédio;

-Seja declarado o 2º réu, proprietário do imóvel em questão.

Alegou para tanto e em síntese que:

- É credor do réu (…).

-O réu (…) é fiador.

-A dívida não foi paga pelo que instaurou ação executiva, não tendo sido encontrados bens livres e suficientes para satisfação do seu crédito.

-No decurso da ação executiva veio-se a apurar que o réu (…) doou à ré (…), sua filha, um bem do seu património.

-Todos tinham conhecimento da dívida e nesse contrato emitiram intencionalmente, declarações de vontade divergentes das respetivas vontades reais, uma vez que a doação teve como único objetivo impossibilitar o autor de satisfazer o seu crédito, é um negócio simulado e em consequência nula.

O réu (…) contestou, dizendo em suma que desde 1967 tem a casa de morada de família instalada na fração C mediante o pagamento de renda mensal aos seus progenitores e posteriormente à sua filha, sendo esta que tinha a posse, administrativa e geria o imóvel como dona, pelo que a doação reflete a realidade existente há cerca de 20 anos.

A ré (…) apresentou contestação, mas como não efetuou o pagamento da taxa de justiça e acréscimos legais, foi ordenado o seu desentranhamento.

Foi realizada audiência prévia.

Na pendência dos autos ocorreu o óbito de (…) e mediante o competente incidente de habilitação de herdeiros deduzido por apenso, foram declarados habilitados a (…), a viúva, (…) e (…), os filhos, de modo a assumirem nos autos o lugar anteriormente assumido pelo falecido.

Foi proferido despacho saneador, após o que se procedeu à fixação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

Realizou-se audiência de julgamento, e na sequência da qual foi a presente ação julgada procedente e, em consequência, declarou-se nula, por simulação absoluta, o contrato de doação formalizado pela escritura outorgada em 21/01/2013, a que alude o ponto 1 dos factos provados e ordenou-se o cancelamento do registo de aquisição do direito de propriedade efetuado através da apresentação n.º (…), de 2013/01/30, a favor da ré (…), restituindo-se a situação que existia se a referida escritura não tivesse sido celebrada.

Inconformada com o decidido, a ré (…) interpôs recurso, com as seguintes conclusões (que se reproduzem integralmente):

1- O Tribunal de 1ª instância proferiu sentença no sentido de declarar nula, por simulação absoluta, o contrato de doação formalizado pela escritura pública outorgada em 21/01/2013, a que se alude o ponto 1 dos factos provados; e ordenar o cancelamento do registo de aquisição do direito de propriedade efetuado através da apresentação n.º (…) de 2013/01/30, a favor da Ré (…), restituindo-se a situação que existia se a referida escritura de doação não tivesse sio celebrada – Cfr. sentença de fls..

2- Foram dados como provados, os factos mencionados nos pontos 1 a 16, do artigo 2º antecedente, o que aqui se dão por reproduzidos.

3- E os factos não provados, referidos no artigo 3º antecedente e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

4- O Tribunal julgou, incorretamente, como provados, os pontos 15 e 16, a saber:

“15- Aquando da celebração da escritura a que se alude em 1) o Réu (…) não tinha intenção de fazer doação do imóvel nem a Ré (…) de aceitar, ao contrário do que declaram no respetivo ato.

16- O (…) e a (…) acordaram entre si emitir tais declarações com o único intuito de retirar do património daquele o prédio urbano e assim enganar terceiros sobre a titularidade do bem e impedir que o Autor viesse a obter o pagamento coercivo do crédito na ação executiva.”

5- A prova documental dos autos, a prova testemunhal, e a interpretação do conjunto de indícios dado pelo tribunal, não se mostram adequados e suficientes à conclusão da simulação, e em consequência, a de provado os referidos pontos 15 e 16.

6- O conceito de negócio simulado encontra-se explicitado, de harmonia com a doutrina tradicional, no n.º 1 do artigo 240.º do Código Civil, de que decorre que há simulação sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração (acordo simulatório, pactum simulationis), e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros (animus decipiendi ou animus nocendi).

7- Raramente é possível a prova directa da simulação, essa prova é normalmente alcançada pela concatenação dos factos apurados que conduzem à certeza prática de que o ato é simulado – prova indirecta, por indícios e presunções. Desde sempre se tem entendido que a prova da simulação se pode fazer através de presunções judiciais (v. g. Ac. STJ de 8/10/48, BMJ 8/231), julgou-se já, por exemplo, que o acordo de vontades entre os simuladores pode inferir-se da intenção de prejudicar terceiros e da falta de conformidade entre a vontade real e a declarada, posto que, na prova, o acordo não venha declarado (Ac. STJ de 17/10/52, BMJ 33/216).

8- O tribunal entendeu de que “Não há dúvida que, no caso em apreço, a declaração negocial não corresponde à vontade real dos declarantes, as declarações de vontade formalizadas em negócio resultam de acordo entre o (…) e a (…) com o único propósito de colocar o prédio fora do alcance dos credores.”

9- Com o devido respeito, não se consegue atingir a tal conclusão.

10- Até numa hipótese do negócio jurídico ter sido celebrado com propósitos fraudulentos (v.g. doação de imóvel por devedor a favor dos descendentes e para evitar a ação dos seus credores sobre esse património) não implica, de per si, que o negócio tenha sido simulado, na medida em que esse negócio e os seus efeitos podem ter sido, de facto, queridos/desejados pelos intervenientes, inexistindo, em tal caso, uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade negocial declarada e um acordo simulatório.

10- Não são bastantes os indícios do contexto próprio da difícil situação sócio económica do devedor, a falta de meios financeiros para cumprir as suas obrigações vencidas, o conhecimento da pendência da ação executiva e do risco do fiador perder o seu património pessoal, a colocação dos bens em nome de uma pessoa da sua confiança, a própria filha, para resultar uma simulação.

11- O conceito de negócio simulado encontra-se explicitado, de harmonia com a doutrina tradicional, no n.º 1 do artigo 240.º de que decorre que há simulação sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração (acordo simulatório, pactum simulationis) e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros (animus decipiendi ou animus nocendi).

12- Encontra-se violado o artigo 240.º do Código Civil.

Com o douto suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores, que aqui expressamente invocamos, deve o recurso ser considerado procedente e a douta sentença revogada.

Decidindo assim farão V. Exas.

Venerandos Desembargadores

Inteira Justiça

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido.

Foi dado cumprimento aos vistos por via eletrónica.

II- OBJETO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2, do CPC, as questões a decidir são as seguintes:

a) Impugnação da decisão quanto à matéria de facto;

b) Se verificam os requisitos da simulação.

III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Na sentença recorrida foi fixada a matéria de facto da seguinte forma (que se reproduz integralmente):

A) Factos provados:

1- No dia 21 de janeiro de 2013, foi lavrada no Cartório Notarial de (…), uma escritura pública de doação, junta a fls. 123v a 125v dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida, em que outorgou (…), na qualidade de procuradora de (…) e (…) e (…), que interveio por si e na qualidade de procuradora de (…), pela qual aqueles declararam doar a (…), sua filha, os seguintes imóveis: a fração autónoma designada pela letra A, que corresponde ao rés-do-chão direito para habitação, fração autónoma designada pela letra C, que corresponde ao 1º andar esquerdo para habitação, fração autónoma designada pela letra E, que corresponde ao 2º andar esquerdo para habitação, que fazem parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua (…), Lote n.º 2, da freguesia de Quinta do Conde, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…), da dita freguesia.

2- Nos termos dessa escritura pública a ora Ré (…) ali declarou aceitar tal doação e, em nome do seu representado, declarou que nada tem a opor à presente doação.

3- A Ré (…), após a realização da escritura pública, procedeu à inscrição da aquisição do bem a seu favor através da Ap. (…), de 2013/01/30.

4- O ora Autor instaurou a ação executiva para pagamento de quantia certa que correu seus termos sob o n.º 463/11.9TBSTB pela extinta Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, contra o (…) e (…) exigindo o pagamento coercivo da quantia de € 92.800,00 acrescida de juros de mora.

5- Nessa ação executiva o ali exequente (…) apresentou como título executivo uma escritura pública de confissão de dívida e fiança lavrada no Cartório Notarial de (…), no dia 5 de Dezembro de 2007.

6- Na mesma escritura pública o Réu (…) declarou prestar fiança às obrigações que o ora Réu (…) assumia nesse contrato, na qualidade de fiador e principal pagador, renunciando ao beneficio da excussão prévia.

7- No âmbito dessa ação executiva vieram os executados (…) e (…) deduzir oposição à execução, a qual veio a ser parcialmente procedente, e em consequência, por sentença proferida no dia 20/11/12, devidamente transitada em julgado, foi fixada a quantia exequenda no montante de € 79.900,00 acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% vencidos a partir de 21/11/08.

8- Nos autos de oposição à execução a (…) foi indicada como testemunha.

9- No dia 9 de outubro de 2012, no decurso da audiência de julgamento, efetuado no apenso de oposição à execução, a (…) declarou que tinha conhecimento da existência da dívida do (…) e, bem ainda, que o seu progenitor se constituiu fiador de todas as obrigações assumidas pelo (…), seu filho.

10- No âmbito da ação executiva n.º 463/11.9TBSTB o ali exequente, ora Autor, requereu penhora em bens do executado (…), a qual foi realizada sobre a fração designada pela letra C, que corresponde ao 1º andar esquerdo do prédio urbano, sito na Rua (…), lote n.º 2, da freguesia de Quinta do Conde, concelho de Palmela, descrito na Conservatória de Registo Predial de Palmela sob o n.º (…), da dita freguesia.

11- Nessa ação executiva n.º 463/11.9TBSTB, no dia 1/2/2013, foi efetuado o registo da penhora, provisória por natureza no âmbito do artigo 92.º, n.º 2, alínea a), do Código de Registo Predial, a favor de (…), e ali exequente.

12- A ora Ré (…) veio, nos autos de execução n.º 463/11.9TBSTB, depois de citada nos termos do artigo 119.º do Código de Registo Predial, declarar que o bem lhe pertence, o que determinou a remessa para os meios processuais comuns.

13- Não são conhecidos ao Réu (…) quaisquer rendimentos ou bens imóveis livres de ónus e encargos na sua titularidade suficientes para obter o pagamento coercivo do crédito, mesmo após as buscas realizadas no âmbito da ação executiva.

14- Desde o ano de 1967 que o (…) e a sua mulher (…) instalaram a casa de morada de família na aludida fração autónoma designada pela letra C.

15- Aquando da celebração da escritura a que se alude em 1) o Réu (…) não tinha intenção de fazer doação do imóvel nem a Ré (…) de aceitar, ao contrário do que declararam no respetivo ato.

16- O (…) e a (…) acordaram entre si emitir tais declarações com o intuito de retirar do património daquele o prédio urbano e assim enganar terceiros sobre a titularidade do bem e impedir que o Autor viesse a obter o pagamento coercivo do crédito na ação executiva.

B) Factos não provados:

a) Desde o ano de 1967, que o (…) e a sua mulher (…) são arrendatários da fração C, sempre pagou renda aos seus pais e, posteriormente, à sua filha.

b) Há mais de 20 anos que a (…) age como dona da aludida fração.

c) Não houve intuito de enganar ou prejudicar terceiro.

IV- FUNDAMENTOS DE DIREITO

a) Impugnação da decisão quanto à matéria de facto.

A apelante impugnou a decisão quanto à matéria de facto, considerando que os pontos 15 e 16 foram incorretamente julgados como provados.

“15- Aquando da celebração da escritura a que alude em 1) o Réu (…) não tinha intenção de fazer doação do imóvel nem a Ré (…) de aceitar em contrário do que alegaram no respetivo ato.

16- O (…) e a (…) acordaram entre si emitir tais declarações com o único intuito de retirar do património daquele o prédio urbano e assim enganar terceiros sobre a titularidade do bem e impedir que o Autor viesse a obter o pagamento coercivo do crédito na ação executiva.”

Antes de mais, cumpre averiguar se a apelante cumpriu o disposto no artigo 640.º do CPC.

Dispõe este preceito com a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:

“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 – O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º.”

Segundo António dos Santos Abrantes Geraldes[1] “a rejeição total pu parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b)).

b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a)).

c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.).

d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens de gravação em que o recorrente se funda.

e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.

É evidente que a previsão destes ónus tem razão de ser, quer para garantia do contraditório, quer para efeito de rigorosa delimitação do objeto do recurso, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto[2].

No caso em apreço, a recorrente não indicou, de todo, nas respetivas alegações, nomeadamente na motivação, quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida, em obediência, ao que se encontra expressamente estipulado no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do C.P.C.

Na verdade, a R./apelante limitou-se a afirmar no recurso ora em análise que “a prova documental dos autos, a prova testemunhal e a interpretação dos indícios dada pelo tribunal, não se mostram adequados e suficientes à conclusão da simulação, e à prova dos factos referidos pontos 15 e 16” (artigo 5º da motivação e das conclusões).

Assim sendo, impõe-se a rejeição do presente recurso quanto à impugnação da matéria de facto.

Mantêm-se, pois, inalterada a decisão de facto.

b) Se verificam os requisitos da simulação.

Segundo a recorrente encontra-se violado o artigo 240.º do Código Civil.

Dispõe o artigo 240.º do Código Civil:

1. Se por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.

2. O negócio simulado é nulo.

“A simulação é uma divergência intencional e bilateral entre a vontade real e a declaração negocial, assente num acordo entre o declarante e o declaratório e determinada pelo intuito de enganar terceiros".

São três os requisitos da simulação elencados pelo n.º 1 do artigo: i) uma divergência bilateral entre a vontade real e a vontade declarada; ii) um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário (o acordo simulatório, também denominado pactum simulationis); iii) intenção de enganar terceiros (animus decipiendi).

O primeiro requisito evidencia-se pela circunstância de ambas as partes declararem uma vontade que não corresponde aos efeitos que pretendem alcançar com a celebração do negócio.

O segundo requisito consiste num conluio entre as partes, declarante e declaratário e pode manifestar-se de forma expressa ou tácita. Este acordo de vontades não está sujeito a qualquer exigência de forma, podendo ser, como sucede em regra, consensual.

No que respeita ao terceiro dos requisitos, o que se exige é o propósito de enganar terceiros e já não o intuito de prejudicar (animus nocendi). Terceiros, para este efeito, são todos os sujeitos que não tiveram intervenção no acordo simulatório[3].”

A verificação dos três requisitos deve ser alegada e demonstrada de acordo com o regime geral do ónus da prova (342.º/1), pelos sujeitos que invoquem a simulação do negócio, sob pena de o negócio dito simulado conservar toda a sua validade jurídica[4].”

“A simulação pode ser absoluta ou relativa, em função do tipo de divergência.

No primeiro caso, as partes declaram a vontade de celebrar um negócio jurídico quando, na realidade, não pretendem celebrar nem esse nem qualquer negócio jurídico. É o que acontece na hipótese de se pretender enganar terceiros, designadamente, através da declaração de transferência de bens e elementos patrimoniais para outra esfera jurídica não acompanhada da efetiva translação do direito de propriedade.

No segundo caso, é declarada a celebração de um dado negócio jurídico (o negócio simulado), muito embora, na realidade, as partes tenham celebrado um outro negócio jurídico, de tipo, natureza, objeto ou conteúdo jurídico diverso, ou concluído com sujeitos diversos (o negócio dissimulado). Na simulação relativa existem dois negócios jurídicos[5].”

“Na simulação absoluta, as partes, embora exteriorizando uma intenção de concluir um negócio, não o pretendem realmente: conjeturam uma mudança, quando na realidade, o status real permanece inalterado. De resto, é precisamente entre o propósito subjacente à conclusão do acordo simulatório: criar a convicção no comércio jurídico de que uma determinada posição jurídica foi transmitida por um sujeito, conquanto o direito se conserve na esfera do titular originário. Por regra, a criação dessa aparência tem como fim evitar uma qualquer consequência jurídica desfavorável. Como exemplos desta situação são indicadas a simulação para evitar que os bens jurídicos sejam executados, a simulação para iludir credores ou a simulação para que um determinado bem não seja considerado para efeitos de partilhas de herança.

Todavia, enquanto que na modalidade absoluta a intenção escamoteada consiste numa simples negação dos efeitos manifestados, na modalidade relativa as partes pretendem uma efetiva alteração do status real, mas com contornos distintos dos declarados para o exterior[6].”

Pode ainda distinguir-se a simulação subjetiva e a objetiva, consoante incida sobre os sujeitos intervenientes ou sobre o negócio ou alguma das suas cláusulas.

O n.º 2 esclarece o desvalor jurídico do negócio simulado: este é nulo, nos termos gerais.”

Dito isto, analisemos o caso concreto.

Escreveu-se na sentença recorrida:

“(…) Assim, quanto ao primeiro dos requisitos a vontade real e declarada são aferidas em termos psicológicos, que não jurídicos: o acordo simulatório implica um encontro de vontades entre os simuladores com um objetivo comum; se o propósito for apenas o “decipiendi”, a simulação é, como já se deixou dito, inocente, sendo, contudo, fraudulenta se os dois propósitos (“decipiendi” e “nocendi” se cumulam.

Não há dúvida que, no caso em apreço, a declaração negocial não corresponde à vontade real dos declarantes, as declarações de vontade formalizadas no negócio resultam de acordo entre o (…) e a (…) com o único propósito de colocar o prédio fora do alcance dos credores.

No caso em apreço ficou demonstrado que o Réu (…) quis por desígnio comum com a Ré (…) colocar, formalmente, o bem na titularidade desta, o que concretizaram mediante a celebração da doação, com o único propósito de, face a essa doação, retirar o bem do património do devedor (…) de, deste modo, evitar que o bem viesse a ser vendido no âmbito da ação executiva n.º 463/11.9TBSTB a correr termos no Tribunal, de Setúbal, extinta Varas de Competência Mista de Setúbal.

Estão demonstrados os requisitos para que se dê como verificada a simulação do contrato em discussão, tendo de reconhecer-se a sua nulidade.”

Ora, a matéria de facto que comprova a existência de simulação é a que resulta da análise conjugada dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15 e 16, onde avulta o seguinte: aquando da celebração da escritura a que se alude em 1) o réu (…) não tinha intenção de fazer doação do imóvel nem a ré (…) de aceitar, ao contrário do que declararam no respetivo ato; o (…) e a (…) acordaram entre si emitir tais declarações com o único intuito de retirar do património daquele prédio urbano e, assim, enganar terceiros sobre a titularidade do bem e impedir que o autor viesse a obter o pagamento coercivo do crédito na ação executiva.

Resta acrescentar que o sucesso do presente recurso estava dependente da alteração dos pontos 15 e 16 dos factos provados, o que não aconteceu.

Estão verificados, in casu, todos os pressupostos da simulação, na modalidade de simulação absoluta.

O recurso, por conseguinte, improcede.

Vencida no recurso, as custas do recurso serão suportadas pela recorrente – artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC.

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):

(…)

V- DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Évora, 25 de março de 2021

Mário Rodrigues da Silva

José Manuel Lopes Barata

Maria Emília dos Ramos Costa

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[1] Recursos em Processo Civil, 6ª edição, 2020, Almedina, pp. 199-200.
[2] António dos Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pp. 770-771.
[3] Comentário ao Código Civil. Parte Geral, Universidade Católica Editora, p. 553.
[4] A. Barreto Menezes Cordeiro, Da Simulação no Direito Civil, 3ª edição, 2021, Almedina, pp. 65, 66.
[5] Comentário ao Código Civil. Parte Geral, Universidade Católica Editora, pp. 555.
[6] A. Barreto Menezes Cordeiro, obra citada, pp. 78, 79, 80.