Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
306/08-1
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: ÂMBITO DO RECURSO
INTERESSE EM AGIR
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 04/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário:
1 - O objecto do recurso é a decisão recorrida, pelo que estão manifestamente fora do objecto deste as questões convocadas pelo arguido e que se prendem com alegadas violações da lei na sentença condenatória, que, não tendo sido objecto de atempado recurso, transitou em julgado.

2 - Entre os pressupostos processuais objectivos, como condição de admissibilidade do acesso à tutela judicial, está o interesse em agir, que deve ser afirmado e existir em todos os momentos relevantes para a conformação do processo e para a definição e invocação da necessidade de tutela – tanto no desencadear da acção, como nos momentos da sequência em que se decida do direito e da possibilidade ou necessidade de rediscussão da matéria da causa, isto é, nos recursos.

O interesse em agir, interesse processual ou necessidade de tutela jurídica, é o interesse em recorrer ao processo – ou na fase, autonomizável, nesta perspectiva, do recurso, o interesse em submeter o caso à ponderação e decisão de uma outra instância hierarquicamente superior.

O interesse em agir traduz-se, então, na necessidade, objectivamente justificada, de usar da faculdade de recorrer e de submeter a decisão da causa a um outro grau de julgamento. Na verdade, apesar do interesse processual em geral, do sujeito, quando a extensão da carência em que se encontre no que respeite à natureza, conteúdo e modo de exercício de um direito reclame a intervenção do tribunal, pode não existir, em face das circunstâncias concretas com que se apresenta uma dada situação, necessidade de recorrer a um meio processual específico, ou, ao menos, necessidade objectivamente aceitável face às posições assumidas pelo sujeito no processo.

3 - A circunstância do defensor oficioso do arguido se ter pronunciado sobre a promoção do Ministério Público no sentido de “nada ter a opor ao promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público” não afecta desde logo o direito do arguido, pois nenhuma decisão foi proferida em seu desfavor, nem lhe retira legitimidade para recorrer do despacho judicial ulterior que acolheu a promoção do Ministério Público e que manifestamente o afecta. Na verdade, não pode considerar-se a não oposição do defensor do arguido sobre uma promoção do Ministério Público como uma renúncia prévia ao recurso da decisão que ora se impugna, pois tal faculdade não vem prevista na legislação processual penal, em nome do direito fundamental de defesa do arguido.

4 - A prevenção geral positiva ou de integração, traduzida na manutenção da consciência jurídica comum, “na prevenção estabilizadora da consciência jurídica geral”, no dizer de Roxin, ficou satisfeita com a condenação do arguido em pena de multa pela prática do 2.º crime, pois não se considerou estarem já esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade.

FRC
Decisão Texto Integral:
Acordam, precedendo conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


I – Relatório:

1. Por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de …, proferida em 4 de Março de 2005, transitada em julgado, foi o arguido V. L. condenado, pela prática em 13 de Janeiro de 2004, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º n.º1 e 204.º n.º2, alin. e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e dois (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos.

Na sequência de douta promoção do MP, nesse sentido, foi revogada a suspensão da execução daquela pena, por despacho de 26.11.2007, após prévia audição do Arguido.

2. Inconformado, interpôs recurso o Arguido, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1 - Ao decidir-se pela revogação da pena de prisão suspensa ao abrigo do primeiro processo pelo qual o ora recorrente foi condenado, a Mª Juíza fez uma errónea interpretação do art.º 56°. n°1 al. b) ao tomar como base uma segunda condenação do recorrente em pena de multa e fundamentando a mesma revogação no facto de as finalidades que estavam na base da suspensão não poderem por meio delas, ser alcançadas, por se terem gorado, pois, de acordo com os ensinamentos do ilustre Prof. Figueiredo Dias " se apesar da primeira condenação, o tribunal da segunda condenação foi capaz de emitir um prognóstico favorável que o conduziu à suspensão, tanto basta para mostrar que não considerou ainda esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade (Cfr. Direito Penal Português, Parte Geral, as consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág. 355 a 358).

2 - A própria opção do Tribunal da segunda condenação pela aplicação de uma pena de multa, fez nascer a convicção segura de que o ingresso do arguido na prisão não se torna necessário.

3 - O Tribunal que determinou a segunda condenação do ora recorrente em pena de multa, emitiu um prognóstico favorável ao arguido que conduziu à sua não privação da liberdade, não entendendo assim esgotadas as possibilidades de socialização em liberdade, na esteira do que é defendido pelo ilustre Prof. F. Dias.

4 - Com efeito, a ideia subjacente ao despacho recorrido é a prática pelo arguido, de um crime que pese embora distinto daquele por cuja autoria havia sido condenado em pena suspensa na sua execução determina a automática revogação dessa suspensão na medida em que a prática pelo arguido de crime com idêntica valoração axiológico-juridica em que se protege o mesmo bem jurídico, durante o período da suspensão, demonstra que as finalidades que estiveram na base da referida suspensão não puderam por meio delas ser alcançadas.

5 - Não se pode, porém, com o devido respeito, aceitar essa decisão da Mª Juíza do Tribunal a quo.
6 – E isto sob pena da referência constante na parte final da alínea B) do art.º 56 do C. Penal constituir uma redundância, desta forma se desvirtuando aquilo que e a principal inovação introduzida na reforma de 95, no que à revogação da suspensão diz respeito – a eliminação do carácter automático da revogação decorrente da redacção constante do art.º 51°, n°1 do C Penal de 1982.

7 – Hoje do art. 56.º do C. Penal resulta a natureza não automática da revogação da suspensão;

8 - Ora, para decidir revogar a suspensão da execução da pena a Mª Juíza do tribunal de 1ª instância baseou-se apenas na condenação na pendência do período de suspensão, não tendo solicitado relatório elaborado pelo I.R.S.

9 - Já na sentença que conduziu à primeira condenação no âmbito dos presentes autos o Meritíssimo Juiz considerou não ser necessário a fixação ao ora recorrente de deveres ou regras de conduta, nem a fixação de regime de prova, o que contrariava o disposto no art.º 53, n°3 do C Penal.

10 -Quando o arguido à data da prática dos factos tinha 19 anos e a pena de prisão cuja execução lhe foi suspensa era superior a um ano.

11 - Ademais, o arguido não tinha quaisquer antecedentes criminais e estava social e familiarmente inserido.

12 - É necessário que para além do pressuposto formal previsto na lei, se possa com base nele, ser formulado um juízo de prognose que contrarie aquele que justificou a aplicação da pena de substituição.

13 - Sendo este o regime vigente, não se pode em sua aplicação considerar que o cometimento e a subsequente condenação do arguido, constitua fundamento para julgar gorada a esperança de, sem recurso à prisão, manter o arguido afastado da criminalidade.

14 - Tendo sempre presente que o sistema processual penal português visa essencialmente a reintegração do agente na sociedade, sempre seria de lançar mão a uma das providências previstas no art.°55 do C. Penal, nomeadamente sujeitando o recorrente, devido à sua tenra idade, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou prorrogando o período de suspensão da execução da pena de prisão, concedendo-se assim ao recorrente uma segunda hipótese e, nunca em momento algum, revogando-se sem mais, a suspensão da execução de uma pena de prisão de dois anos e dois meses.
15 - Também, o douto despacho de que ora se recorre violou a finalidade número um do nosso ordenamento jurídico penal que visa acima de tudo a ressocialização e reintegração do agente na sociedade, conforme estipulado no n°1 do art.º 40 e art.º 70 do C. Penal.

16 - Assim, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 40º, n°1, 50°,55°, 56°,57° e 70 do C.Penal e o art.° 27 da C.R.P..

17 - Nestes termos e nos mais de Direito, sempre salvo o devido respeito, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão de que ora se recorre, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.”

3. Contramotivou a Exma. Magistrada do MP junto do tribunal a quo, suscitando, como questão prévia, a ilegitimidade do recorrente, por falta de interesse em agir, pugnando ainda pela improcedência do recurso e consequente confirmação da decisão recorrida, posição que viria a ser sufragada pela Exma. Procuradora-Geral-Adjunta nesta Relação, salvo quanto à ilegitimidade do recorrente.

4. Cumprido o disposto no art. 417.º n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

5. Sendo as conclusões pelo recorrente extraídas da motivação do recurso que, sintetizando as razões do pedido, recortam o thema decidendum, de harmonia com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, cumpre observar que o objecto do recurso é a decisão recorrida, pelo que estão manifestamente fora do objecto deste as questões convocadas pelo arguido e que se prendem com alegadas violações da lei na sentença condenatória, pois essa decisão, não tendo sido objecto de atempado recurso, transitou em julgado. O seu inconformismo com a sentença recorrida devia ter sido manifestado no tempo certo e pela via apropriada, pelo que não cumpre tomar posição sobre o referido nas conclusões 9.ª a 11.ª e que se reportam à não sujeição a regime de prova.

Assim, a questão que se coloca e que se impõe decidir consiste em saber se a prática de um crime pelo arguido, no período da suspensão da execução da pena, deve levar à revogação da suspensão ou, ao invés, à manutenção da suspensão com sujeição do condenado ao cumprimento de regras ou deveres de conduta, com eventual prorrogação do período de suspensão.

II – Fundamentação.

6. Para revogar a suspensão da execução da pena louvou-se a M.ª Juíza, em substância, na seguinte fundamentação:

Em sede dos presentes autos, foi o arguido V.L. condenado, por sentença datada de 04/03/2005, já transitada em julgado, na pena de dois anos e dois meses de prisão de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos (cfr. fls. 164 a fls. 180), decorrente da prática de um crime de furto qualificado, p. p., pelos artigos 203.º n.º 1 e 204.º n.º 2, alínea e) do C. P..

Do certificado de registo criminal do arguido V.L., constante de fls. 254 e 255, verifica-se que o mesmo foi condenado pela prática de um crime de dano qualificado, praticado em 19/03/2006, por sentença proferida em 04/12/2006, no âmbito do processo n.º 23/06.6GBNIS, deste Tribunal, já transitada em julgado.

Os factos pelos quais o mesmo foi condenado em sede dos presentes autos, datam de 13/01/2004, sendo que a sentença foi proferida, conforme já referido, em 04/03/2005.

Do exposto, resulta que o cometimento do crime de dano qualificado pelo arguido Vítor Lopes, ocorreu durante o período de suspensão da execução da pena em que foi condenado em sede dos presentes autos.

Na sequência de audição do arguido, o mesmo veio invocar que relativamente ao crime de dano qualificado em que foi condenado, tal consubstanciou um erro da sua parte e que se verificou na sequência de se encontrar com uns amigos num bar a beber bebidas alcoólicas em excesso, após o que resolveram ir danificar sinais de trânsito e, que na altura nem sequer pensou na suspensão da pena de prisão aplicada em sede dos presentes autos.

Mais afirmou que teria que “pagar por aquilo que fez”.

Dispõe o artigo 56.º n.º 1, alínea b) do C. P. que “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: (…) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas.”.

Conforme decorre do normativo legal em apreço, não se revela suficiente neste âmbito considerado, para que se opere a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, que o arguido tenha cometido crime pelo qual vem a ser condenado.

Cumulativamente, é indispensável que se verifique uma relação intrínseca entre o cometimento desse novo crime em que foi condenado o arguido e, a finalidade que estava na base da suspensão decretada, ou seja, é necessário que o arguido, pelo cometimento do novo crime, revele, de forma clara e evidente, que a finalidade da suspensão, a simples ameaça da execução da pena de prisão aplicada em sede dos presentes autos, não logrou ser atingida, dado que não levou o mesmo a interiorizar o direito e a pautar a sua conduta de acordo com o direito, abstendo-se da prática de novos factos criminógenos.

“In casu”, o novo crime pelo qual o arguido foi condenado é distinto do crime pelo qual foi condenado em sede dos presentes autos.

Mas, conforme bem se refere na douta promoção de fls. 264 do autos, a prática pelo arguido de crime com idêntica valoração axiológico-jurídica, em que se protege o mesmo bem jurídico, durante o período da suspensão, demonstra que as finalidades que determinaram a suspensão da execução da pena de prisão goraram-se. Na realidade, o juízo de prognose favorável que ali presidiu à decisão de suspensão de execução da pena de prisão frustrou-se, dado o cometimento pelo arguido de novo crime.

Acresce que do que fica exposto que a relação intrínseca que anteriormente se mencionou se encontra fortemente indiciada, porquanto se assim não sucedesse, o arguido não teria cometido novo crime contra a propriedade, dado que a simples ameaça do cumprimento da pena de prisão deveria, “per si”, ser suficiente para o inibir de praticar novo crime idêntico ou outro, como é o caso, com a mesma valoração axiológico-jurídica.

Assim sendo, verificam-se preenchidos os pressupostos de que depende a revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, nos termos do artigo 56.º n.º 1, alínea b) do C. P., impondo-se, naturalmente, a sua revogação.

Nestes termos, determina-se ao abrigo do disposto no artigo 56.º n.ºs 1 alínea b) e 2 do Código Penal, a revogação da suspensão da execução da pena de dois anos e dois meses de prisão aplicada ao arguido (…).”
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7. Antes de mais, há que decidir da questão prévia da invocada ilegitimidade do recorrente.

Vejamos.

Entre os pressupostos processuais objectivos, como condição de admissibilidade do acesso à tutela judicial, está o interesse em agir, que deve ser afirmado e existir em todos os momentos relevantes para a conformação do processo e para a definição e invocação da necessidade de tutela – tanto no desencadear da acção, como nos momentos da sequência em que se decida do direito e da possibilidade ou necessidade de rediscussão da matéria da causa, isto é, nos recursos.

O interesse em agir, interesse processual ou necessidade de tutela jurídica, é o interesse em recorrer ao processo – ou na fase, autonomizável, nesta perspectiva, do recurso, o interesse em submeter o caso à ponderação e decisão de uma outra instância hierarquicamente superior.

O interesse em agir traduz-se, então, na necessidade, objectivamente justificada, de usar da faculdade de recorrer e de submeter a decisão da causa a um outro grau de julgamento. Na verdade, apesar do interesse processual em geral, do sujeito, quando a extensão da carência em que se encontre no que respeite à natureza, conteúdo e modo de exercício de um direito reclame a intervenção do tribunal, pode não existir, em face das circunstâncias concretas com que se apresenta uma dada situação, necessidade de recorrer a um meio processual específico, ou, ao menos, necessidade objectivamente aceitável face às posições assumidas pelo sujeito no processo.

Com efeito, segundo refere o Professor Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, I, 4.ª edição, pág. 330 «o interesse em agir, o interesse na revogação da decisão impugnada, não é um interesse meramente abstracto, interesse na correcção das decisões judiciais, mas um interesse em concreto, pelo efeito que se busca sobre a decisão em benefício do recorrente, salvo no que respeita ao Ministério Público». «Assim, o arguido nunca terá interesse em recorrer com o fundamento em que foi feita má aplicação da lei, ainda que em seu benefício; o interesse do arguido afere-se pelo sacrifício que a decisão para ele representa».

Enquanto pressuposto objectivo da utilização da via do recurso, o interesse em agir está expressamente previsto no art. 401.º n.º2 do CPP – não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.

Seguindo estes ensinamentos, logo se vê que o «sacrifício» que a decisão recorrida representa para o arguido recorrente é importante.

A circunstância do defensor oficioso do arguido se ter pronunciado sobre a promoção do Ministério Público no sentido de “nada ter a opor ao promovido pela Digna Magistrada do Ministério Público” não afecta desde logo o direito do arguido, pois nenhuma decisão foi proferida em seu desfavor, nem lhe retira legitimidade para recorrer do despacho judicial ulterior que acolheu a promoção do Ministério Público e que manifestamente o afecta.

Na verdade, não pode considerar-se a não oposição do defensor do arguido sobre uma promoção do Ministério Público como uma renúncia prévia ao recurso da decisão que ora se impugna, pois tal faculdade não vem prevista na legislação processual penal, em nome do direito fundamental de defesa do arguido.

Por isso que não procede a questão prévia suscitada.

8. É inquestionável que o recorrente, no dia 19 de Março de 2006, ou seja, durante o período da suspensão da execução da pena, cometeu um crime de dano qualificado, p. e p. pelo art. 213.º n.º1, alin. c) do Código Penal, pelo qual veio a ser condenado, por sentença de 4.12.2006, proferida no âmbito do processo comum singular n.º 23/06.6GBNIS, do mesmo Tribunal, transitada em julgado, na pena de cento e quarenta dias de multa, à taxa diária de seis euros.

Antes de revogar a suspensão da execução da pena ouviu a Meritíssima Juíza o Ministério Público que, como se referiu, se pronunciou no sentido da revogação. E ouviu pessoalmente o arguido o qual referiu: “que se tratou de um erro, que veio no decurso de se encontrar com um grupo de amigos num bar, em que beberam bebidas alcoólicas (nomeadamente shot’s e cerveja) em excesso, sendo que resolveram ir danificar sinais de trânsito. Na altura nem sequer pensou na suspensão da pena de prisão decretada nos presentes autos e, entende que agora tem de pagar por aquilo que fez. É ajudante de pecuária e aufere por mês cerca de 400,00€. Tem o 9.º ano de escolaridade.”

O arguido nasceu no dia 8 de Outubro de 2004, pelo que, à data dos factos que estão na génese da 2.ª condenação, tinha mais de 21 anos de idade. É ajudante de pecuária, auferindo por mês cerca de €400,00.

Vejamos, então, se se verifica a previsão do art. 56.º n.º1, al. b) do Código Penal, em que colhe suporte a decisão recorrida, ou seja, que, no decurso do período de suspensão, o condenado cometeu crime pelo qual veio a ser condenado, e revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. E se tanto basta para que tenha de ser revogada a suspensão da execução da pena.

A regulação da revogação da suspensão da pena evoluiu entre a versão inicial do Código Penal e a versão resultante da revisão de 1995.

Dispunha o n.º 1 do artigo 51.º da versão inicial que a suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometesse crime doloso por que viesse a ser punido com pena de prisão. Na vigência desta norma, questionava-se se haveria lugar à revogação em caso de a nova condenação ser em pena não efectiva de prisão, nomeadamente se fosse em nova pena suspensa, divergindo a jurisprudência (a título de exemplo, podem ver-se o acórdão do TRL, de 22/10/1986, BMJ, 364- 932, no sentido da não revogação e, em sentido inverso, o acórdão de 28/02/1990, do TRC, CJ, XV, I, 300).

Sobre a questão, o Professor Figueiredo Dias, citado pelo recorrente, pronunciou-se, no sentido de que, em caso de nova condenação em pena de prisão suspensa, não haveria lugar à revogação da anterior suspensão. Se o tribunal da segunda condenação emite um novo e renovado juízo de prognose favorável de socialização do arguido em liberdade, apesar da primeira condenação, seria incoerente que fosse decretada a revogação da primeira suspensão. Argumenta ainda que o texto da norma, ao prever a revogação quando aplicada pena de prisão, apenas a esta se refere e não à pena de diferente natureza que é a pena de suspensão de execução da prisão.

Era aceite como solução legalmente consagrada a automaticidade da revogação em caso de nova condenação. Porém, criticava-se o acerto desse entendimento.

Figueiredo Dias, ensinava: "Um caso há, todavia (art. 51.º -1), em que a revogação é obrigatória: quando, durante o período de suspensão, «o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão». Nesta hipótese, perde-se completamente a correlacionação entre o incumprimento e o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do delinquente, sendo, pois, a adopção pela lei de uma revogação automática profundamente criticável do ponto de vista político-criminal; e tanto mais quanto também ela pode vir a ter lugar depois de decorrido o período de suspensão (infra § 548 s.). Correcto seria que, qualquer que houvesse sido a natureza do incumprimento culposo das condições de suspensão, esta só fosse revogada se um tal incumprimento revelasse que as finalidades que estavam na base da suspensão já não poderiam, por meio desta, ser alcançadas; ou, dito por outra forma, se nascesse dali a convicção de que um tal incumprimento infirmou o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade" (sublinhado nosso).

A versão revista do Código Penal reflectiu esse ensinamento crítico doutrinário e procurou resolver a aludida dúvida jurisprudencial.

Nos trabalhos de revisão, assentou-se na consagração de uma solução de não automatismo da revogação e na necessidade de a condenação fundamento da revogação ser reveladora da impossibilidade de a suspensão cumprir as suas finalidades. Na discussão do art. 54.º do Anteprojecto de 1987 (correspondente ao art. 51.º do CPP 1982 e ao art. 56.º do projecto e do CP revisto) estes problemas foram abordados, deles resultando a versão actualmente vigente. Nessa discussão, Figueiredo Dias realçou a natureza não cumulativa das previsões, ao referir que a parte final da alínea b) estabelecia uma condição comum às duas alíneas.

Dispõe agora o artigo 56.º n.º 1, alínea b), em conformidade com a proposta do Projecto saído da Comissão de Revisão, que a suspensão da execução da pena de prisão será revogada sempre que, no seu decurso o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Deste preceito decorre, assim, o não automatismo da revogação da suspensão da execução da pena, exigindo-se, agora, o afastamento do juízo de prognose favorável a par do cometimento de um novo crime, tal revogação estará excluída se na nova condenação tiver sido renovado esse juízo de prognose favorável, com o decretamento da suspensão da pena da nova condenação. Quanto à possibilidade legal de prorrogação do prazo em caso de nova condenação, o texto da versão inicial do corpo do art. 50.º do Código Penal, continha a referência aos casos de punição do arguido por outro crime. Na sequência de proposta do PGR, a Comissão de Revisão suprimiu essa referência no art. 55.º do Projecto (correspondente ao artigo 53.º do Anteprojecto), que veio a ter consagração no Código revisto.

Contudo, não se pretendeu excluir a possibilidade da prorrogação do prazo de suspensão, sustentando-se a alteração na inutilidade da referência pelo facto de o cometimento de um novo crime constituir, em si mesmo a violação das regras de conduta. Significaria isso que, mesmo suprimida a referência, o cometimento de um novo crime, enquanto violação de regras de conduta, poderia fundamentar a prorrogação do prazo de suspensão.

Solução diversa seria contraditória com a modificação introduzida no artigo 56.º, ao afastar o automatismo da revogação em caso de cometimento de novo crime.

Não se compreenderia que da prática de um novo crime, violação mais grave, sendo mantido o juízo de prognose favorável e a suspensão - ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do art. 56°. -, não pudessem decorrer as consequências previstas nas diversas alíneas do art. 55.º, quando as mesmas decorreriam da violação de uma condição da suspensão menos grave.

No caso em análise, a revogação da suspensão da pena ocorreu pelo facto de o arguido ter cometido crime pelo qual veio a ser condenado, por se entender que as finalidades que determinaram a suspensão da execução da pena de prisão se goraram. Mas assim não é, na realidade.

As finalidades das penas são, diz-nos o n.º 1 do art. 40.º do C. Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Os bens jurídicos violados são idênticos, nos dois tipos legais pelos quais o arguido foi condenado, pois estamos no domínio dos crimes contra a propriedade.

A prevenção geral positiva ou de integração, traduzida na manutenção da consciência jurídica comum, “na prevenção estabilizadora da consciência jurídica geral”, no dizer de Roxin, ficou satisfeita com a condenação do arguido em pena de multa pela prática do 2.º crime, pois não se considerou estarem já esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade.

É evidente que a convicção adquirida pelo juiz que realizou o julgamento no processo respeitante à 2.ª condenação não se impõe à Exma. Juíza que proferiu o despacho recorrido, mas não podem deixar de ser considerados os fundamentos aí aduzidos. Por isso, se na última das condenações, em 4 de Dezembro de 2006, se optou pela pena de multa em detrimento da pena de prisão - sendo certo que o crime cometido em 2.º lugar é punível em alternativa com pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até 600 dias - parece-nos que ao ser proferido o despacho recorrido, em 26 de Novembro de 2007 - mais de 3 anos depois da prática do 1.º crime e mais de ano e meio depois da prática do 2.º crime - não havia razões sérias para concluir que a prática do crime de dano qualificado revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cf. art. 56.º n.º1 al. b) do C Penal), até pela simples razão de que nenhuma diligência, para além da audição do arguido se fez para que se pudesse carrear aos autos matéria fáctica que o infirmasse. Não foi sequer junta aos autos certidão da sentença condenatória proferida em 4 de Dezembro de 2006.

Não podem, por outro lado, esquecer-se os efeitos criminógenos e estigmatizantes de uma pena de prisão. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana manda que se use de muita cautela quando se opta pela pena de prisão.

E, mesmo que se conclua pela sua absoluta necessidade, jamais se deverá perder de vista a possibilidade de recuperação do delinquente.

Como bem referem Simas Santos e Leal Henriques, “Código Anotado”, vol. I, pg. 711, “As causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena”.
O que, no caso concreto, está longe de estar apurado.

Na verdade, não é desprovida de razoabilidade a justificação apresentada pelo arguido quando foi ouvido em tribunal para a prática do crime de dano.

Também a inserção social do recorrente não está posta em crise, pois, o arguido está a trabalhar. Daí que jamais se possa afirmar que, pelo menos, o arguido não está inserido socialmente. Isto é, que o escopo da punição não foi alcançado, ou, que o comportamento do arguido infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, ou seja, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.

O que significa que se deve manter a suspensão da execução da pena.

Importa, pelo exposto, revogar o douto despacho recorrido. Mas não sem que da 2.ª condenação se extraiam consequências ao nível da suspensão da pena, e só nesta, designadamente em termos de prorrogação do prazo da suspensão, nos termos da alínea d) do artigo 55.º do C. Penal.

III - DECISÃO:

9. Termos em que, na procedência do recurso, se revoga o douto despacho recorrido, que se substitui por acórdão que, mantendo a suspensão da execução da pena, prorroga o período da suspensão por mais um (1) ano.

Sem tributação.

(Processado por computador e revisto pelo relator que assina em primeiro lugar e rubrica as demais folhas).

Évora, 2008.04.22
Fernando Ribeiro Cardoso