Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ SIMÃO | ||
Descritores: | DEMONSTRAÇÃO DE HONORABILIDADE PROFISSIONAL. CANCELAMENTO PROVISÓRIO DO REGISTO CRIMINAL | ||
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Data do Acordão: | 04/27/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Resulta do artº 12º da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, em conjugação com o consagrado nos nºs 5 e 6, do artº 10 da mesma Lei, que é admissível o cancelamento provisório das decisões que deveriam constar do registo criminal requerido por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, desde que tenham sido declaradas extintas as penas aplicadas, o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado, e haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento. Compete ao Tribunal de Execução de Penas verificar se estão preenchidos os requisitos a que se alude no parágrafo que antecede e não chamar á colação o disposto nº 55 al. b) do Código de Contratos Públicos, que não é aplicável em sede desta decisão, já que é da competência da autoridade administrativa, ou melhor, da entidade adjudicante do concurso.
Impõe-se, assim revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que ordene o cumprimento do disposto no artº 230º nº 4 do Código de Execução de Penas (ordenar a produção dos meios de prova oferecidos pelo requerente e os demais que tenha por convenientes para a boa decisão da causa). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I- Relatório GNSB requereu o cancelamento provisório das condenações averbadas no Certificado de registo criminal, procurando, assim e na qualidade de Presidente do conselho de Administração da sociedade …, poder participar na celebração de contratos públicos, o que foi indeferido liminarmente pelo despacho de 30-11-2020, proferido no processo com o nº acima mencionado do Tribunal de Execução de Penas de Évora – Juiz 1, infra transcrito em II.
Inconformado o arguido recorreu tendo concluído a motivação do seguinte modo: «A. O Recorrente exerce funções de Presidente do Conselho de Administração da sociedade…. B. No exercício da sua atividade, esta empresa candidata-se a diversos concursos públicos onde é necessário apresentar prova da idoneidade dos titulares dos órgãos sociais de administração, devendo, como tal, juntar o respetivo certificado de registo criminal, nos termos do artigo 55º do DL nº. 18/2008, para verificação da existência de qualquer condenação que afete a sua honorabilidade profissional. C. O Recorrente foi já condenado, em 16/06/2014, pela prática do crime de homicídio por negligência e pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez com pena de prisão suspensa simples por um ano, pena de multa e pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de seis meses, no entanto nesse mesmo processo foi deferido o despacho para não transcrição da condenação do arguido no Certificado de Registo Criminal; D. Bem como, em 27/11/2015, pelo crime de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, com pena de prisão suspensa pelo período de quatro meses e pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de nove meses. E. Ora, o despacho de indeferimento do requerimento de cancelamento provisório das condenações averbadas no Certificado do Registo Criminal do Recorrente, de que aqui se recorre, fundamentou-se na ausência de interesse jurídico da pretensão do Recorrente, uma vez que este pode demonstrar a sua idoneidade junto da entidade administrativa, a pedido desta. F. Porém, por via do pedido de cancelamento provisório, o interessado tem em vista a obtenção de emprego, o exercício de profissão ou atividade. G. A simples menção no certificado do registo criminal é já, em abstrato, uma causa de exclusão que poderá ser prejudicial para a empresa de que o Recorrente é Administrador. H. Não pode o Recorrente ficar dependente do juízo da entidade administrativa sobre a sua idoneidade, e sujeito a uma causa de exclusão, quando preenche os requisitos para efeitos de aplicação do instituto de cancelamento provisório do registo criminal. I. Apesar de ser possível a relevação do impedimento, a sua mera existência poderá ser bastante prejudicial, afetando a consideração que será feita sobre a idoneidade do Conselho de Administração da empresa. J. Acresce que, estão reunidos os requisitos previstos na lei para ser determinado o cancelamento das inscrições pois, K. Da condenação, em 16/06/2014, pela prática do crime de homicídio por negligência e pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, foi aplicada pena de prisão suspensa simples por um ano, pena de multa e pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de seis meses. L. Por fim, da condenação em 27/11/2015 pelo crime de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, foi aplicada pena de prisão suspensa pelo período de quatro meses e pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de nove meses. M. Todas as penas aplicadas ao Recorrente já se encontram extintas, conforme condição necessária para aplicação deste instituto. N. Desde então, o comportamento do Recorrente permite considerar que este se encontra totalmente readaptado, não mais tendo praticado qualquer crime. O. O Recorrente cumpriu também a obrigação de indemnizar o ofendido, tendo pago, voluntariamente, a quantia de € 51.300,00 referente à indemnização de dano de direito à vida no âmbito do processo nº …. P. Acresce que, o requerimento de cancelamento provisório do registo criminal está dependente de uma concreta finalidade - emprego, público ou privado, de exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente previstos. Q. Finalidade essa que foi suficientemente fundamentada e justificada pelo Recorrente no seu requerimento. R. Face à justificação da finalidade pretendida para o cancelamento bem como, face ao preenchimento cumulativo dos requisitos constantes do artigo 229º do CEPMPL e do artigo 12º da Lei nº. 37/2018, não deve o pedido de cancelamento ser liminarmente indeferido. S. Principalmente, com fundamento na aplicação de outras normas jurídicas, que não são aplicáveis em sede desta decisão, como seja o Código dos Contratos Públicos. T. Deve, sim, ser determinado o cancelamento provisório do registo criminal do Recorrente, nos termos do artigo 229º do CEPMPL e do artigo 12º da Lei nº. 37/2018. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o douto despacho ser revogado e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!». O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo: «1. GNSB requereu o cancelamento provisório das decisões condenatórias averbadas no seu registo criminal com vista à possibilidade de concorrer a concursos públicos enquanto presidente do conselho de administração de uma sociedade. 2. No caso dos autos aplicam-se as normas previstas no Código dos Contratos públicos, mais concretamente o disposto nos arts. 55º e 55 A do DL nº 170/2019 de 4-12, tendo o requerente a possibilidade de demonstrar a sua honorabilidade profissional perante as autoridades administrativas competentes, independentemente das condenações averbadas no certificado de registo criminal. 3. O instituto do cancelamento provisório do registo criminal é um meio processual impróprio para o fim visado, pois a sua aplicação possibilitaria não só a subtração do conhecimento de um facto que pode ou não ser relevante na perspetiva das autoridades administrativas, como tornaria desnecessário qualquer esforço do requerente em demonstrar a sua honorabilidade profissional, independentemente dos crimes registados no certificado de registo criminal. 4. Pelo que bem andou a Mma Juiz “a quo” ao indeferir liminarmente o solicitado cancelamento provisório do registo criminal, sendo evidente que no despacho recorrido foi feita uma correta e acertada aplicação do direito. Nesta conformidade, deverão V. Exas negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido, assim se fazendo justiça». Nesta Relação, o Exmo Procurador Geral Adjunto emitiu o seu parecer no sentido de se confirmar a decisão recorrida. O arguido respondeu ao recurso, pugnando pela procedência do recurso. Procedeu-se a exame preliminar. Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO O teor do despacho recorrido datado de 27-11-2020 é o seguinte: Com o seu pedido o requerente GNSB pretende o cancelamento provisório das condenações averbadas no seu Certificado do Registo Criminal, procurando assim, e na qualidade de Presidente do Conselho de Administração de sociedade comercial, poder participar na celebração de contratos públicos. Resulta do Certificado do Registo Criminal junto aos autos que o requerente foi condenado pela prática, dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez (2) e homicídio por negligência, em penas de prisão suspensas na execução, as quais se mostram já extintas pelo seu cumprimento. Conforme se dispõe no art.º 55 n.º 1-b) do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro (Código dos Contratos Públicos, na sua redacção mais recente, introduzida pelo DL n.º 170/2019 de 4/12), não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que tenham sido condenadas por sentença transitada em julgado por qualquer crime que afecte a sua honorabilidade profissional, no caso de pessoas singulares, ou, no caso de pessoas coletivas, quando tenham sido condenados por aqueles crimes a pessoa coletiva ou os titulares dos seus órgãos sociais de administração, direção ou gerência, e estes se encontrem em efetividade de funções, em qualquer dos casos sem que entretanto tenha ocorrido a respetiva reabilitação; Também a alínea h) do mesmo normativo impede de serem candidatos à contratação pública as pessoas que tenham sido condenadas por sentença transitada em julgado por algum dos crimes ali enumerados, caso entretanto não tenha ocorrido a sua reabilitação. No Art.º 55.º-A do mesmo diploma (sob a epígrafe “Relevação dos impedimentos”), estipula-se que o candidato ou concorrente que se encontre numa das situações referidas nas alíneas b), c), g), h) ou l) do n.º 1 do artigo anterior pode demonstrar que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua idoneidade para a execução do contrato e a não afectação dos interesses que justificam aqueles impedimentos, não obstante a existência abstracta de causa de exclusão. No mesmo dispositivo indicam-se as formas de que o candidato se pode socorrer para comprovar a sua honorabilidade profissional.
Ora, no caso dos autos verificamos que os crimes pelos quais o requerente foi condenado não coincidem com nenhum dos previstos especificamente na alínea h) do art.º 55 acima citado. Sobrando, pois, a previsão da alínea b) do art.º 55, verificamos que mesmo para situações de candidatos condenados pela prática de outro tipo de crime, ou dos crimes enumerados no alínea h) mas em relação aos quais não tenha havido reabilitação judicial, sempre existe a possibilidade de o próprio demonstrar a sua honorabilidade profissional – o que não passa, no entanto, pelo recurso ao procedimento do cancelamento provisório do registo criminal. Ou seja, parece-nos que a existência de condenação pela prática de crimes não constitui, por si e em abstracto, causa de impedimento para excluir o candidato em concurso público, cabendo antes à entidade administrativa permitir que o candidato demonstre que essa condenação não afecta o seu profissionalismo. O que se não confunde com o “apagar” da condenação no registo criminal, não se devendo vulgarizar o instituto do cancelamento provisório do registo criminal para se atingir objectivos que, por outra via legal, igualmente poderão ser alcançados. Isto posto, e bem analisados os autos, verificamos não existir interesse jurídico no que concretamente se requer. Pelo que, nos termos do disposto no art.º 148-a) do Código de Execução das Penas, e sem necessidade de mais, indefiro o requerido. Notifique e, oportunamente, arquive os autos.
III- Apreciação do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso como é referido na jurisprudência do S.T.J., entre outros, nos Acs. do S.T.J.: de 13/03/91, Proc. 41694-3ª Secção, de 12/06/96, in C.J. (ASTJ), ano IV, tomo 2, p. 194 e de 09/12/98, in B.M.J. 482, pág. 68. As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito, por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458, 98). Perante as conclusões do recurso, a questão a decidir consiste em saber se, o despacho que indeferiu liminarmente o pedido de cancelamento provisório das decisões condenatórias do registo criminal do requerente deve ser revogado. O requerente GNSB formulou, nos termos do artº 229º e segs do Código de Execução de Penas, em conjugação com o artº 12 da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, pedido no sentido de serem canceladas provisoriamente as condenações averbadas no seu certificado de registo criminal, para enquanto presidente do conselho de administração da sociedade …, poder concorrer a concurso públicos nomeadamente aos identificados no ponto 11 do requerimento inicial. Fundamentou a sua pretensão alegando que, foi condenado nos processos nº … pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de prisão suspensa na sua execução e em pena acessória de proibição de conduzir, ambas já declaradas extintas e no procº nº …, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de homicídio por negligência, nas penas de prisão suspensa na sua execução e de multa e na pena acessória de proibição de condução, penas que também já foram declaradas extintas; que nunca mais praticou qualquer crime/infracção deste tipo ou qualquer outro; que pagou voluntariamente a quantia de € 51.300,00 relativa à indemnização de dano do direito á vida e que pretende concorrer a diversos contratos públicos nomeadamente aos identificados no nº 11. A Mma Juiz indeferiu liminarmente o requerido com base no disposto no artº 55º nº 1 al. b) do DL nº 18/2008, de 29 de Janeiro (Código de Contratos Públicos), com o argumento de que cabe à entidade administrativa permitir que o candidato demonstre que as condenações que sofreu não afetam a sua honorabilidade profissional e que não existe interesse jurídico no requerido. Cumpre decidir. Os trâmites do cancelamento provisório do registo criminal estão previstos nos arts 229º a 233º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade. O nº 1 do artº 229º define as situações em que o cancelamento provisório do registo criminal pode ser requerido que são: para fins de emprego, público ou privado, de exercício de profissão ou atividade cujo exercício dependa de título público, de autorização ou homologação da autoridade pública, ou para quaisquer outros fins legalmente permitidos. Por sua vez, dispõe o artº 12º da Lei 37/2015 de 8 de Maio, sob a epígrafe, cancelamento provisório: Sem prejuízo do disposto na Lei nº 113/2009 de 17 de Setembro, estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 10º pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento total ou parcial das decisões que dele deveriam constar, desde que: a) Já tenham sido extintas as penas aplicadas; b) O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e c) O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento. Deste preceito resulta que, os obstáculos legais ao cancelamento provisório do registo criminal são os previstos na Lei nº 113/2009 de 17 de Setembro, relativos às medidas de proteção de menores, circunstancialismo que não está em causa nos presentes autos. Mais resulta do artº 12º da Lei nº 37/2015, de 5 de Maio, em conjugação com o consagrado nos nºs 5 e 6, do artº 10 da mesma Lei, que é admissível o cancelamento provisório das decisões que deveriam constar do registo criminal requerido por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou actividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, desde que tenham sido declaradas extintas as penas aplicadas, o interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado, e haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento. Portanto, o Tribunal de Execução de Penas, a quem compete a decisão, o que tem de apurar face ao pedido formulado é qual a finalidade pretendida e se estão preenchidos cumulativamente os enunciados requisitos do artº 12º da Lei nº 37/2015. Perante os elementos que constam do requerimento inicial não se vislumbra, salvo melhor opinião, que exista motivo para indeferir liminarmente tal requerimento, já que compete ao Tribunal de Execução de Penas verificar se estão preenchidos os requisitos a que se alude no parágrafo que antecede e não chamar á colação o disposto nº 55 al. b) do Código de Contratos Públicos, que não é aplicável em sede desta decisão, já que é da competência da autoridade administrativa, ou melhor, da entidade adjudicante do concurso. Impõe-se, assim revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que ordene o cumprimento do disposto no artº 230º nº 4 do Código de Execução de Penas (ordenar a produção dos meios de prova oferecidos pelo requerente e os demais que tenha por convenientes para a boa decisão da causa).
IV- Decisão Termos em que acordam os Juízes desta Relação e conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que ordene o cumprimento do disposto no nº 4 do artº 230º do Código de Execução de Penas. Sem custas. Notifique. Évora, 27-04-2021 (texto elaborado e revisto pelo signatário). José Simão Onélia Madaleno |