Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
725/21.7T8EVR.E1
Relator: MARIA EMÍLIA MELO E CASTRO
Descritores: NULIDADES DA DECISÃO
SERVIDÃO
NECESSIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A convolação, no trecho decisório da sentença, de um pedido de condenação no reconhecimento de um direito para a declaração judicial do mesmo direito, constitui uma correção do sentido jurídico da pretensão submetida ao Tribunal, que não importa a nulidade da sentença prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
2. A concretização, no mesmo trecho decisório, com uso de factos obtidos nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, do objeto do direito de servidão reconhecido, através da identificação do prédio serviente e da indicação da localização concreta da servidão, não só não induz a mesma nulidade, como constitui um subsídio essencial para a certeza jurídica da decisão de mérito.
3. O critério de necessidade que preside à atuação oficiosa do Tribunal no apuramento da verdade dos factos que lhe é lícito conhecer, de acordo com o artigo 411.º do Código de Processo Civil, tem implícita a aptidão do meio de prova que se perspetiva em ordem a alcançar a demonstração do facto visado.
4. O mesmo critério de necessidade não se mostra preenchido quando, através da diligência de prova sugerida ou alvitrada, se alcançará apenas a demonstração de um facto probatório que não é determinante para formar o juízo de convicção sobre o facto essencial/principal objeto da instrução.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 725/21.7T8EVR.E1
Forma processual – ação declarativa sob a forma comum de processo
Tribunal Recorrido – Juízo Local Cível de Évora – Juiz 1
Recorrentes – (…), (…) e (…)
Recorridos – (…) e (…)
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Acordam os Juízes Desembargadores da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Relatório

I. Identificação das partes e descrição do objeto da ação.
(…) e (…), substituídos na ação, em incidente de habilitação de adquirentes, por (…) e (…), intentaram a ação declarativa, sob a forma comum de processo, identificada em epígrafe, pela qual peticionaram a condenação de … (falecida no decurso da ação), (…), (…) e (…) no reconhecimento de uma servidão de passagem, a pé e de carro, a favor do respetivo prédio (que identificaram no articulado inicial), com base em usucapião, com uma área de 42,93 metros quadrados.
Alegaram, em síntese, que entre o prédio de que são proprietários e o prédio vizinho (que pertence aos Recorridos) existe uma zona de passagem que sempre serviu ambos os imóveis, que foi descrita no projeto de alterações do primeiro desses imóveis como um “logradouro comum”, mas que pertence efetivamente ao prédio dos demandados, conforme vieram a saber recentemente.
Concluíram que sempre existiu uma servidão de passagem a favor do seu prédio, que onera o prédio dos demandados, a cujo reconhecimento judicial eles se vêem forçados, uma vez que aqueles outros não aceitaram reconhecer o encargo através da celebração de um contrato.
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Citados os Réus, contestaram em peça de mão comum, excecionando a ilegitimidade adjetiva dos demandantes por não serem mais os proprietários do prédio descrito na petição inicial, que alienaram. No mais, alegaram que não existe encrave absoluto ou relativo daquele prédio, impugnaram parcialmente os factos descritos na petição inicial e sustentaram que a área a que os demandantes se referem como passagem comum é parte do seu prédio.
Concluíram pela sua absolvição da instância ou, a assim não se entender, pela absolvição do pedido, pedindo a condenação dos Autores como litigantes de má-fé, em multa e indemnização correspondente às despesas que, a título de taxas de justiça e honorários de advogado, suportem com o pleito.
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Dispensada a audiência prévia e fixado em € 6.525,85 o valor da ação, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de ilegitimidade ativa invocada e, no mais, declarou válida e regular a instância.
Foram proferidos os despachos de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova, sem reclamações.
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Realizada a audiência final, veio a ser proferida, em 17 de fevereiro de 2025, sentença em cujo trecho decisório se exarou:
Face ao exposto, decide-se:
a) Declarar a existência de uma servidão de passagem a pé e de carro que, em benefício do identificado prédio dos autores descrito sob o n.º (…), onera o prédio urbano dos réus sito na Rua (…), n.º 24, em Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), da Freguesia de Évora (…), realizando-se tal passagem pelo logradouro localizado no interior lado direito do referido prédio descrito sob o (…), atenta a porta de entrada do edifício ali existente, com formato retangular e a área de 42,93 metros quadrados, cfr. docs. n.ºs 7 e 8 juntos com a p.i..
b) Absolver os iniciais autores (…) e (…) e os atuais autores (…) e (…) do formulado pedido de condenação como litigantes de má fé e, em consequência, julgar improcedente o correspondente pedido indemnizatório formulado pelos ora réus;
c) Condenar os réus no pagamento das custas.
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II. Objeto do recurso.
Não se conformando com essa sentença, os Réus interpuseram o presente recurso, culminando as suas alegações com as conclusões que se transcrevem:
“1. O presente recurso de Apelação vem interposto da, aliás, mui douta decisão de fls…. e seguintes dos autos, que decidiu julgar a acção procedente e, em consequência:
a) declarou a existência de uma servidão de passagem a pé e de carro, que, em benefício do identificado prédio dos autores descrito sob o n.º (…), onera o prédio urbano dos réus sito na Rua (…), n.º 24, em Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), da Freguesia de Évora (…), realizando-se tal passagem pelo logradouro localizado no interior lado direito do referido prédio descrito sob o (…), atenta a porta de entrada do edifício ali existente, com formato retangular e a área de 42,93 metros quadrados, cfr. docs. n.ºs 7 e 8 juntos com a p.i.;
2. Com o respeito devido – que é muito – afigura-se-nos que aquela douta sentença violou o disposto nos artigos 607.º, n.º 4 e 411.º, todos do Cód. Proc. Civil; bem como violou o disposto nos artigos 1252.º, 1550.º e seguintes, todos do Cód. Civil; padecendo, outrossim, de erro na apreciação da prova; ademais de padecer da nulidade a que alude o artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e) e artigo 195.º, n.º 1, ambos do Código Processo Civil;
Porquanto,
3. O Tribunal a quo fez constar como provados os factos descritos nos pontos 1 a 30 desse item e como não provada, a factualidade descrita nos pontos 1 a 11;
4. Contudo, se considerarmos o depoimento da testemunha (…), prestado no dia 18/06/2024, CD – das 11h54m28s até às 12h20m00s (a fls. 37 a 54, da transcrição) – passagem CD das 00:14:52, onde consta que:
5. “Mandatário MJP: Sim, Sr. Dr. o que eu pretendo é saber porquê que o senhor vem a este tribunal dizer que tem direito a passar e até diz que o Poço é meeiro, quando o Sr., inclusive, fez uma escritura onde nada consta, apesar de ter publicitado, aa, de uma forma que não corresponde à realidade, a venda da casa. Portanto, para percebermos que, efetivamente, no fundo, Sr. Dr. Juiz, não só a credibilidade do depoimento da testemunha, mas também perceber a, do resto. Portanto, se efetivamente, o senhor achava que tinha direito a não.
Magistrado Judicial: Bom. A pergunta é, aa, a escritura, a escritura pública de, de com… venda, que foi celebrada já no ano de 2021, não menciona nenhuma destas situações, nomeadamente a existência de uma servidão. Tem alguma explicação para isso?
Testemunha: (00:13:37) Aa, o que menciona é os documentos, os documentos antigos da, da minha casa, da câmara, da câmara. Porque aquilo é um logrador comum, é uma, é uma passagem que não é, não era minha, não era aa, e não era a, do, do sr. (…). Foi uma passagem que eu fiz além em 28 anos.
Magistrado Judicial: Também só podia constar da escritura aquilo que constava do registo predial, na servidão não consta no registo predial, como é evidente, não é. Pronto, muito bem.
Mandatário MJP 00:14:06) Aa, então só um esclarecimento a este respeito. Posso falar diretamente, Dr. Juiz?
Magistrado Judicial: Sim, sim.
Mandatário MJP: A, na licença de utilização, que é a licença 182/89, faz menção a, à entrada pela Rua do (…), não faz menção à entrada pela Rua (…).
Testemunha: Isso é tudo documentos que eu… a, o que é que eu, o que é que eu lhe respondo a isso? Isso é tudo documentos que a câmara, aa, no licenciamento, faz isso, a…
Mandatário MJP: Pronto, eu só lhe estou a dizer porque o senhor, na escritura, que foi o senhor que…
Testemunha: Agora de licenciamento e isso, eu não percebo nada disso.
Mandatário MJP: (00:14:33) Pois, isto não é licenciamento, foi o senhor que declarou, e está junto na escritura de compra e venda, que a casa era constituída por rés do chão, quatro divisões, uma cozinha e uma despensa, retrete e um quintal. Isto foi o que o senhor disse. Não está cá a poço, não está cá num comum, não está nada. Por isso é que eu queria perguntar. O assinou e disse que tinha consciência do que assinava e agora…
Testemunha: Sim.
Mandatário MJP:…declarou outra coisa”.
6. Prova testemunhal que, conjugada com a prova documental junta aos autos, a fls., designadamente, certidão predial, caderneta, licença de utilização e escritura pública de compra e venda (lida em voz alta e cujo teor todos os intervenientes declararam ter perfeito conhecimento), impunha decisão diversa da 1ª Instância, quanto aos factos provados e não provados;
8. Donde, deverá ser ordenada a alteração da decisão sobre a matéria de facto e, dar-se como provado que:
I – aquando da aquisição, pelos AA. do prédio objeto destes autos, tinham perfeito conhecimento da composição do prédio que adquiriam, sem passagem pelo prédio dos RR.;
9. Bem como fazer-se constar dos factos não provados (porquanto inexistiu prova nesse sentido) que:
I – Os AA utilizavam/utilizam o logradouro do prédio dos RR com a convicção de que exerciam um direito de passagem que lhes assistia/assiste;
Acresce que:
10. O Tribunal recorrido violou, ademais, o disposto nos artigos 411.º e 607.º, n.º 4 e 5, ambos do CPC, quando, não ordenou, por forma a apurar se, efectivamente, a entidade bancária, credora hipotecária, de que os AA se socorreram, tal e como alegado pelos RR, esclarecera, em sede avaliação, a composição do prédio sub judice, sem qualquer servidão de passagem, considerando que, da análise dos documentos juntos aos autos (designadamente, caderneta, certidão predial, licença e escritura de compra e venda) duvida se lhe levantasse;
11. Pois que, tal informação, no nosso modesto entender, afigurava-se essencial para a justa composição do litígio e boa decisão da causa, bem como para que o escopo da análise crítica da prova, lograsse aquele fito;
12. Termos em que, atenta a violação dos preceitos sobreditos, deverá ser revogada a decisão recorrida, com as demais consequências legais;
13. O Tribunal recorrido violou, ademais, o disposto nos artigos 411.º e 607.º, n.º 4 e 5, ambos do CPC, quando, não ordenou, por forma a apurar se, efectivamente, a entidade bancária, credora hipotecária, de que os AA se socorreram, tal e como alegado pelos RR, esclarecera, em sede avaliação, a composição do prédio sub judice, sem qualquer servidão de passagem, considerando que, da análise dos documentos juntos aos autos (designadamente, caderneta, certidão predial, licença e escritura de compra e venda) duvida se lhe levantasse;
14. Pois que, tal informação, no nosso modesto entender, afigurava-se essencial para a justa composição do litígio e boa decisão da causa, bem como para que o escopo da análise crítica da prova, lograsse aquele fito;
15. Termos em que, atenta a violação dos preceitos sobreditos, deverá ser revogada a decisão recorrida, com as demais consequências legais;
16. Da nulidade da decisão em crise (vide artigos 615.º, n.º 1, alíneas d) e e) e artigo 195.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil): Os AA deduzem, nestes autos, o seguinte pedido:
A condenação dos Réus a reconhecer a existência de uma servidão de passagem a pé e de carro, adquirida a favor do prédio do A, com base em usucapião, encargo que onera o prédio dos Réus, com uma área total de 42,93 metros quadrados;
17. O Tribunal recorrido condena, contudo, em termos bem mais amplos do que o pedido deduzido – suprindo, outrossim, a deficiência do peticionado, a qual, aliás, impunha, desde logo, a sua improcedência, senão vejamos a decisão em causa:
Face ao exposto, decide-se:
a) declarar a existência de uma servidão de passagem a pé e de carro que, em benefício do identificado prédio dos autores descrito sob o n.º (…), onera o prédio urbano dos réus sito na Rua (…), n.º 24, em Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), da Freguesia de Évora (…), realizando-se tal passagem pelo logradouro localizado no interior lado direito do referido prédio descrito sob o (…), atenta a porta de entrada do edifício ali existente, com formato retangular e a área de 42,93 metros quadrados, cfr. docs. n.ºs 7 e 8 juntos com a p.i.;
18. Ora, na nossa modesta opinião, a decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objetiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada de nulidade prevista na consignada alínea e) do artigo 615.º do Código de Processo Civil;
19. Ou seja, os AA não identificaram, como lhes cabia, como deveria ser constituída a servidão de passagem, mas tal facto foi suprido pelo Tribunal a quo, que não só condenou em termos diversos do peticionado, como supriu um deficiente petitório dos AA, o que, na nossa modesta opinião não lhes cabia;
20. Donde, nos termos das supra disposições legais, em conjugação, deverá ser declarada nula a sentença proferida, com as demais consequências legais;
21. Do não preenchimento dos pressupostos do artigos 1252.º e 1550.º e segs. do CC: Encontra-se provado que os prédios de AA e RR são de natureza urbana e que a entrada principal do prédio dos AA se faz pela Rua do (…) – cfr. pontos 1, 4 e 25 dos factos provados;
22. É facto do senso comum que, querendo os RR fechar murar o seu quintal ou expandir a habitação são altamente prejudicados, porquanto, com a constituída servidão, além de verem diminuir, manifestamente, o valor comercial do seu prédio, estão os impedidos de exercer, como entendam, o seu direito de propriedade (sem prejuízo do direito consignado no artigo 1554.º do CC, que lhes passou a assistir);
23. Não foram provados quaisquer danos para os AA acaso a sua entrada se mantivesse apenas pela entrada principal, da Rua do (…);
24. Conclui-se, pois, que a decisão em crise onera desproporcionalmente o prédio dos RR.;
25. Sem prejuízo do acima exposto, considerando que a posse, adequada a fazer operar o instituto da usucapião, tem de traduzir-se num corpus – prática de atos materiais, sobre a coisa, correspondentes ao exercício do direito – e num animus – intenção e convencimento do exercício de um poder, sobre a coisa, correspondente ao próprio direito e na sua própria esfera jurídica –, devendo ser exercida por certo lapso temporal e revestir as caraterísticas da pacificidade, publicidade e continuidade;
26. Que o simples passar/circular por uma determinada faixa de terreno não é expressivo, sem mais, da prática de atos materiais de posse em termos de aquisição por usucapião do direito de compropriedade sobre esse espaço de passagem;
27. Que na acção para reconhecimento do direito de servidão de passagem adquirido por usucapião é factualidade essencial (nuclear/principal), que, por isso, tem de ser alegada (pelo demandante, no âmbito da sua causa de pedir), a tendente a demonstrar o animus;
28. Bem como que falta de prova dessa factualidade essencial (constitutiva do direito) para demonstração da usucapião não pode ser suprida pelo tribunal, por sujeita ao princípio do dispositivo, impedindo a procedência da ação/pedido, por não preenchimento de um dos elementos/requisitos da posse;
29. Força que se conclua que, não podendo presumir-se o animus a partir da existência de actos materiais sobre a coisa (artigo 1252.º, n.º 1, do CC), não se tratando de um caso de dúvida sobre a posse, mas da não alegação de factualidade essencial à demonstração dessa posse (facto constitutivo da causa de pedir do direito invocado), ao decidir como o fez, o Tribunal a quo violou aquela disposição legal.
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Concluíram essas alegações pedindo a revogação da sentença recorrida.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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III. Questões a solucionar
Face ao teor das conclusões dos Recorrentes (que estão para o objeto do recurso como o pedido está para o objeto da ação – cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8ª Edição Atualizada, Almedina, pág. 212) as questões a solucionar neste acórdão são, pela ordem lógica que entre elas se julga existir, as que se identificam:
I. Saber se a sentença recorrida é nula por ter condenado em termos diversos do peticionado e ter suprido um pedido deficiente dos Autores, convocando a mesma sobre si o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil;
II. Se o Tribunal recorrido, ao não ordenar a diligência de prova que os Recorrentes descrevem nas suas alegações, incorreu na violação do disposto nos artigos 411.º e 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil.
III. Se o mesmo Tribunal errou no julgamento da matéria de facto, tendo sido produzida prova testemunhal e documental que impõe decisão diversa da proferida.
IV. Se o Tribunal recorrido errou no julgamento de direito ao considerar verificados os pressupostos para o reconhecimento da servidão de passagem.
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Fundamentação

I. Nulidade da sentença
Os Recorrentes apontam à sentença recorrida as nulidades previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, normas que se transcrevem de imediato:
“1. É nula a sentença, quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Glosando a primeira dessas previsões, ensinam os Professores Lebre de Freitas e Isabel Alexandre que “não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (artigo 608.º-2), é nula a sentença em que o faça” (Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 3ª edição, Almedina, pág. 737).
Como decorre desse ensinamento, a nulidade que os Recorrentes apontam à sentença não pode estar sob a previsão da referida alínea d), mas apenas e eventualmente, sob a da alínea e), posto que aqueles não se insurgem contra o conhecimento de uma causa de pedir ou de exceção não invocadas, mas contra o modo com a sentença tratou o pedido dos Autores no respetivo trecho decisório.
Pode, assim, assentar-se que a nulidade relevante é a que decorre da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, na parte em que se prevê a condenação em objeto diverso do pedido.
Isto posto, relembre-se que os Autores pediram textualmente:
a condenação dos Réus a reconhecer a existência de uma servidão de passagem a pé e de carro adquirida a favor do prédio do Autor com base em usucapião, encargo que onera o prédio dos Réus, com uma área total de 42,93 metros quadrados”.
Por sua vez, a sentença em recurso tem o seguinte trecho decisório:
“(…) decide-se:
a) Declarar a existência de uma servidão de passagem a pé e de carro que, em benefício do identificado prédio dos autores descrito sob o n.º (…), onera o prédio urbano dos réus sito na Rua (…), n.º 24, em Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), da Freguesia de Évora (…), realizando-se tal passagem pelo logradouro localizado no interior lado direito do referido prédio descrito sob o (…), atenta a porta de entrada do edifício ali existente, com formato retangular e a área de 42,93 metros quadrados, cfr. docs. n.ºs 7 e 8 juntos com a p.i.”.
Para saber se a sentença condenou em objeto diverso é necessário que se estabeleça o que deve entender-se como o pedido enquanto elemento da conformação do objeto da ação civil.
O pedido a formular na petição inicial expressa a concreta tutela jurisdicional que é pretendida pelo autor, constituindo o corolário lógico dos factos alegados como causa de pedir. (…) A noção de «pedido» está consagrada no artigo 581.º, n.º 3, e corresponde ao efeito prático-jurídico que o autor pretende retirar da ação” (Abrantes Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 17).
Entendido o pedido como um efeito prático e jurídico é necessário concluir que entre o mesmo e a decisão judicial ínsita na sentença não tem de existir uma absoluta identidade de formulação.
A sentença pode não usar a mesma expressão linguística da petição inicial e nem assim será nula.
A mesma pode até atribuir algo diverso, desde que esse quid se contenha nos limites da pretensão formulada. Foi o que sucedeu na situação tratada pelo Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de 8 de julho de 2010 (com anotação do Professor Miguel Mesquita, em RLJ, Ano 143.º, n.º 3983), cujo sumário parcialmente se transcreve:
Tendo sido pedida a retirada da vedação, que se constata ser um portão com cerca de 4,10 m de largura, a condenação na entrega da respetiva chave não ultrapassa os limites estabelecidos pelo artigo 661.º, n.º 1, do CPC, porquanto se tem entendido que constitui um minus relativamente ao que foi pedido” (processo n.º 939/08.5TBOVR.P1, disponível em www.dgsi.pt).
A sentença pode até corrigir o efeito jurídico que cabe à pretensão quando devidamente enquadrada, sem que, por esse motivo, esteja a desvirtuar os limites do pedido. Assim o decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2001 (DR n. º 34/2001, de 29 de fevereiro) quando firmou a seguinte jurisprudência tendo o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo artigo 664.º do Código de Processo Civil”.
Concluindo-se, assim, que o Tribunal recorrido não estava sujeito, em regime de estrita obediência, à formulação que os Autores deram à sua pretensão, vejam-se as diferenças entre esta e a sentença.
Elas são duas, sendo uma divergência jurídica e outra uma diferença de concretização.
Assim, onde os Autores pedem “a condenação dos Réus a reconhecer a existência de uma servidão de passagem a pé e carro”, a sentença decide “declarar a existência de uma servidão de passagem a pé e carro”. Não há qualquer infração dos limites do pedido, mas tão só (e bem) uma correção do efeito jurídico que ao Tribunal era, não só legítimo, como devido, fazer (adiante se tentará demonstrar que o efeito jurídico prático visado pelos Autores não é o próprio de uma ação de condenação mas de uma ação de simples apreciação positiva).
Segunda diferença: os demandantes pediram sinteticamente o reconhecimento de uma servidão “de passagem a pé e de carro adquirida a favor do prédio do Autor com base em usucapião, encargo que onera o prédio dos Réus, com uma área total de 42,93metros quadrados”; o Tribunal reconheceu “uma servidão de passagem a pé e de carro que, em benefício do identificado prédio dos autores descrito sob o n.º (…), onera o prédio urbano dos réus sito na Rua (…), n.º 24, em Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), da Freguesia de Évora (…), realizando-se tal passagem pelo logradouro localizado no interior lado direito do referido prédio descrito sob o (…), atenta a porta de entrada do edifício ali existente, com formato retangular e a área de 42,93 metros quadrados”.
O Tribunal concedeu aos Autores coisa diversa ou objeto maior do que eles pretendiam? Não. O Tribunal (de novo, bem), baseando-se em factos que lhe era legítimo conhecer (alínea b), do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil) concretizou esse objeto por duas vias. Por um lado, identificou o prédio onerado com a servidão e, por outro, descreveu, caracterizando-a, a servidão, com indicação do local onde ela se encontra e do seu formato.
Fê-lo, segundo se crê, bem, salvaguardando o interesse da certeza jurídica que deve pautar as decisões judiciais.
Conclui-se, assim, ante o exposto, que a sentença recorrida não condenou em objeto diverso, nem (utilizando o léxico das conclusões de recurso) supriu ilegal ou indevidamente a deficiência do peticionado, não se verificando a nulidade que lhe é imputada.
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II. Fundamentação de facto da sentença sob recurso

Na sentença sob recurso o Tribunal considerou provados os seguintes factos (aqui reproduzidos com supressão das remissões avulsas para os meios de prova, por não se secundar a técnica utilizada na decisão a esse propósito):
1. Os iniciais autores (…) e (…) eram os proprietários do prédio urbano, destinado a habitação, sito no Bairro da (…), Rua do (…), Vivenda (…), n.º 21, em Évora (…), com a área total de 163,41 metros quadrados, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da União de Freguesias de (…) e (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), da Freguesia de (…), com a aquisição registada a seu favor através da Ap. (…), de 1991/03/20 por motivo de compra a (…).
2. Para o identificado prédio urbano foi emitido pela Câmara Municipal de Évora o Alvará de Licença de Utilização n.º (…), no âmbito do processo 1/DAU-9521, na sequência de um projeto de alterações entregue pelo ora autor.
3. Em 26 de maio de 2021, os ora autores (…) e (…) adquiriram, por contrato de compra e venda, o prédio urbano identificado no antecedente ponto 1, tendo tal aquisição sido registada através da Ap. (…), de 2021/05/27.
4. O acesso a pé ao referido prédio urbano descrito sob o n.º (…) sempre se fez, diretamente, pela Rua do (…), n.º 21, ou pela Rua (…), através de um logradouro que integra o prédio vizinho com o n.º 24 sito na Rua (…), em Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o n.º (…), da Freguesia de Évora (…) e ainda omisso na matriz predial urbana.
5. Em 01-10-1973 foi registada a aquisição do referido prédio descrito sob o n.º (…) a favor de (…) e (…), sendo vendedores (…) e (…), então casados entre si.
6. Desde 20 de março de 1991, o uso do logradouro referido no antecedente ponto 4. sempre foi repartido entre o inicial autor (…) e (…) e (…), designadamente para a passagem a pé e para a utilização da água do poço ali existente.
7. Já em data anterior a 20 de março de 1991, a anterior proprietária do prédio descrito sob o n.º (…), (…), usava o logradouro referido no antecedente ponto 4 para a passagem a pé e para a utilização do poço ali existente.
8. O logradouro referido no antecedente ponto 4. situa-se no interior lado direito do referido prédio descrito sob o n.º (…), atenta a porta de entrada do edifício ali existente, tem formato retangular e a área de 42,93 metros quadrados.
9. Aquando da aquisição do prédio descrito sob o nº (…), os iniciais autores (…) e (…) foram informados pela proprietária à época – (…) – que o acesso a pé ao mesmo se fazia quer diretamente pela Rua do (…), n.º 21, quer pela Rua (…), através do logradouro referido no antecedente ponto 4.
10. Quando os iniciais autores (…) e (…) negociaram a aquisição do prédio descrito sob o n.º (…), a (…) apresentou-os aos “vizinhos (…)” e explicou que o logradouro referido no antecedente ponto 4 podia ser usado para acesso a pé ao prédio que iriam adquirir, o que sempre teve a concordância daqueles vizinhos.
11. Depois de comprar o prédio descrito sob o n.º (…), o inicial autor (…) foi travando conhecimento com os vizinhos (…), tendo ambos encomendado um portão cuja execução custearam a meias, portão este que separa o identificado logradouro da via pública.
12. Em data posterior a 20 de março de 1991, o (…) efetuou o aproveitamento do sótão existente no seu prédio, tendo, para o efeito, mandado colocar a escada que consta dos docs. n.ºs 7 e 8 juntos com a p.i., que, quando não está a ser utilizada, recolhe para junto da parede a fim de permitir a passagem do veículo automóvel do inicial autor (…) no logradouro referido no antecedente ponto 4 até – apenas – junto do aludido poço.
13. Em data posterior a 20 de março de 1991, o inicial autor (…) edificou um telheiro (abarracado) no logradouro referido no antecedente ponto 4, junto do poço ali existente, mas antes do mesmo.
14. Desde 20 de março de 1991, os iniciais autores (…) e (…), com frequência, acediam a pé ao seu prédio pelo logradouro referido no antecedente ponto 4, utilizando ainda o inicial autor (…) o mencionado logradouro para aceder, com o seu veículo automóvel, até junto do aludido poço e aí descarregar as compras do supermercado ou carregar as bicicletas.
15. Quando os iniciais autores decidiram promover a venda do seu prédio urbano, tendo o promitente comprador recorrido ao crédito à habitação, foi comunicado pela entidade bancária de que o mencionado logradouro estava incluído na área do prédio vizinho descrito sob o n.º (…).
16. Os iniciais autores sugeriram aos ora réus que se constituísse uma servidão de passagem através de um contrato entre as partes, sugestão que não mereceu acolhimento por parte dos ora réus.
17. O referido nos pontos 13 e 14 dos factos provados sempre ocorreu de forma pacífica e à vista de toda a gente, com a convicção dos iniciais autores de exercerem um direito próprio e de não lesar direitos de outrem.
18. Desde a aquisição do referido prédio descrito sob o n.º (…), a (…) fixou ali a sua casa de morada de família e onde residiu até ao seu falecimento, ocorrido a 02-01-2023.
19. Ainda no decurso do ano de 1973, os referidos prédios descritos sob os n.ºs (…) e (…) integravam o prédio rústico com a área de 1000 m2 sito no Bairro da (…), Freguesia da (…), correspondendo a parte do artigo (…), secção (…), da matriz cadastral.
20. Tal prédio rústico era propriedade de um construtor que, sem licenças conhecidas, edificou as construções existentes nos prédios descritos sob os n.ºs (…) e (…).
21. Após a aquisição dos prédios descritos sob os n.ºs (…) e (…), quer os iniciais autores (…) e (…) quer o (…) diligenciaram pela obtenção das respetivas licenças de habitação.
22. Os iniciais autores (…) e (…) lograram obter tal licenciamento, mas o (…) não. 23. A (…) e os réus nunca tiveram conhecimento do apresentado pelos iniciais autores (…) e (…) junto da edilidade para obter o licenciamento do prédio descrito sob o n.º (…).
24. Na altura em que foi edificado o telheiro referido no ponto 13 dos factos provados, o (…) e mulher não tinham veículo automóvel que necessitassem colocar no aludido logradouro.
25. A entrada principal do prédio descrito sob o n.º (…) situa-se na Rua do (…).
26. Quando os iniciais autores (…) e (…) deixavam o seu veículo estacionado no logradouro dos réus acediam ao prédio descrito sob o n.º (…) por trás, através do portão junto ao poço.
27. O (…) aproveitou e fez o acesso aos seus forros (sótão), jamais tendo pedido qualquer autorização aos iniciais autores (…) e (…).
28. Após o óbito do (…), ocorrido a 26-12-2011, o inicial autor (…) continuou a estacionar o seu veículo automóvel no referido telheiro situado no logradouro dos réus.
29. Quanto os iniciais autores (…) e (…) decidiram alienar o prédio descrito sob o n.º (…), contrataram, como mediadora imobiliária, a sociedade (…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda..
30. Esta imobiliária publicitou a venda do prédio descrito sob o n.º (…) urbano, informando, nomeadamente, que tinha acesso ao quintal através de um corredor com uma área coberta, que permitia o estacionamento de um veículo automóvel.

Na mesma sentença, foram considerados, como não provados, os seguintes factos:
a) O logradouro referido no ponto 4 dos factos provados foi classificado pela Câmara Municipal de Évora como sendo um “logradouro comum” aos prédios descritos sob os n.ºs (…) e (…);
b) Os iniciais autores (…) e (…) sempre classificaram como meeiro o poço referido no ponto 6 dos factos provados;
c) O (…) pediu autorização aos iniciais autores para colocar a escada referida no ponto 12 dos factos provados;
d) Quando os iniciais autores decidiram projetar uma garagem no sítio de passagem, deram entrada na Câmara Municipal de Évora de um projeto de alterações, tendo sido informados por aquela entidade que o sítio onde pretendiam edificar a garagem se tratava de um “logradouro comum”;
e) A Câmara Municipal de Évora aprovou o projeto de alterações de forma condicionada, alertando para o facto de não poderem existir edificações naquele logradouro comum, ou seja, nem o alpendre podia existir nem a escada lá deveria estar;
f) Nessa altura foi confirmado o que sempre se tinha ouvido na vizinhança: que o terreno que a CME configurava como logradouro comum era terreno camarário pelo que nem os autores nem o vizinho (…) eram os seus proprietários;
g) Ao tempo, tal aquisição dispensou o uso de licença de habitação;
h) Os autores solicitaram ao (…) autorização para estacionar o seu veículo no logradouro que o prédio deste último possuía, nas vezes que não pretendesse ter o seu veículo estacionado na Rua, em frente a sua porta;
i) Os iniciais autores (…) e (…) construíram o telheiro (abarracado) referido no ponto 13 dos factos provados como forma de retribuir a autorização mencionada no ponto 8 dos factos não provados e ainda disseram que tal telheiro ficaria propriedade do (…) e mulher;
j) Os iniciais autores (…) e (…) ofereceram-se para pagar metade do custo do portão referido no ponto 11 dos factos provados por forma a agradecer a gentileza do (…) e mulher;
k) A (…), ao saber da intenção de venda dos iniciais autores do prédio descrito sob o n.º (…), assegurou que as serventias referidas nos pontos 13 e 14 dos factos provados se iriam manter para quem comprasse tal prédio.

a) Violação do disposto nos artigos 411.º e 607.º, n.º 4 e 5, do Código de Processo Civil
Numa primeira linha de argumentação, ainda processual, os Recorrentes insurgem-se contra a sentença pretextando que o Tribunal recorrido não fez uso do seu poder/dever de indagação oficiosa da prova (previsto no artigo 411.º do Código de Processo Civil). Convocam também o artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do Código de Processo Civil, mas não se vê em que medida estas normas possam concorrer para estabelecer a pretensa omissão que vem invocada.
Se bem se interpretam as conclusões, os Recorrentes entendem que o Tribunal recorrido deveria ter indagado, junto da entidade bancária financiadora da aquisição protagonizada pelos Autores, se estes haviam sido informados, no decurso do processo de avaliação do imóvel, sobre a efetiva composição deste (com ou sem inclusão da servidão de passagem, segundo se depreende).
Dispõe o artigo 411.º do Código de Processo Civil:
Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer”.
Quanto ao alcance dessa norma, é consabido que a mesma consagra (como resulta da epígrafe do artigo) o princípio do inquisitório em matéria de prova.
O problema da compatibilização desse princípio do processo com os princípios concorrentes do dispositivo, da autorresponsabilidade das partes e da preclusão, surge de imediato, levando a questionar quais as premissas que impõem ao Tribunal o uso daqueles poderes oficiosos.
Na resposta, o Professor Paulo Pimenta afirma “a partir do momento em que se aperceba de que a realização de certa diligência probatória é necessária para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, o juiz está vinculado à prática do acto” (Processo Civil Declarativo, 3ª Edição, Almedina, pág. 35).
Noutro enfoque afirma-se que esse princípio “coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quanto esteja precludida a apresentação dos meios de prova” (Abrantes Geraldes, Pimenta, Pires de Sousa, Ob. Cit. pág. 484).
Ainda sobre a mesma questão, o Conselheiro Lopes do Rego ensina que “o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes” (Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, I, 2ª edição, 2004, pág. 533).
Na jurisprudência pode ler-se sobre a questão:o princípio do inquisitório não impõe ao tribunal o dever de acolher toda e qualquer pretensão instrutória de uma das partes em qualquer momento e condição formulada, e menos ainda que, oficiosamente, sob a invocação da relevância dos meios que aponta, lhe faculte a produção de qualquer prova que tempestivamente podia e devia ter oferecido e deixou de requerer, prejudicando com isso o regime especificamente prescrito para esse efeito e, em igualdade, para ambas as partes” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de abril de 2020, processo nº 6775/19.6T8PRT-A.P1, disponível em www.dgsi.pt). E, bem assim, “o que o principio do inquisitório dita é que, quando uma parte, fora do momento processual próprio, “sugere” uma determinada diligência de prova, o tribunal só deve ordenar a sua realização, se, independentemente da vontade da parte e face à instrução da causa, concluir, com segurança e objectividade, que a mesma é necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos que lhe é licito conhecer, ou seja, quando concluir que a diligência é indispensável, imprescindível para estabelecer ou infirmar a realidade do facto carecido de prova” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de maio de 2023, processo n.º 2352/21.0T8VCT-A.G1, no mesmo suporte).
Face a esse enquadramento, questiona-se, com precipitação para o caso concreto: a diligência de prova enunciada pelos Recorrentes era indispensável para estabelecer ou infirmar a realidade de um facto submetido à ação, em termos que, não tendo os Réus, em tempo, requerido a sua realização, o Tribunal, para formar uma convicção esclarecida e segura, deveria tê-la promovido?
Como resulta do objeto do processo atrás caracterizado, está em causa nesta ação saber se os Autores adquiriram, por usucapião, o direito de utilizar uma parte do prédio dos Réus para acederem, a pé e de carro, ao seu imóvel.
Sendo a causa de pedir a usucapião, releva para a demonstração da aquisição do direito, a prática de atos de posse, ou seja, a demonstração de uma atuação de facto sobre a coisa, com uma determinada tipicidade e pelo tempo que a lei também define, em consonância com os factos enunciados nos n.ºs 4, 6, 7, 9, 10, 11 e 14 da fundamentação de facto da sentença sob recurso.
Releva, ainda, uma intencionalidade específica nessa atuação (o denominado animus da posse).
O critério da necessidade que acima se estabeleceu tem subjacente a aptidão do meio de prova para alcançar a demonstração do facto. Assim o impõem a economia de meios do processo e a proibição da prática de atos inúteis (artigos 130.º e 131.º do Código de Processo Civil).
Se bem se crê, as informações que aos Autores possam ter sido transmitidas, durante a avaliação do imóvel (para efeitos de obtenção de financiamento bancário), não passam por saber quem utiliza, como é utilizado e como é acedido, no dia a dia e no período de tempo relevante, o imóvel. Essa avaliação baseia-se em documentos (certidão matricial e certidão do registo predial que, como se verá, nada podem transmitir sobre a existência da servidão), assim como na inspeção do imóvel por um avaliador, com a única finalidade de determinar o valor da coisa para ponderar o risco do financiamento da aquisição.
Por outro lado, a diligência de prova que os Recorrentes prefiguram como necessária não se dirige à prova de um facto constitutivo da causa de pedir, mas apenas à demonstração de um facto probatório.
Sobre o conceito de facto probatório, ensinam os Professores Lebre de Freitas e Isabel Alexandre “a natureza da prova em processo civil impunha-o já quando o CPC de 1961 (antes da revisão) não era expresso em dizê-lo: para chegar à conclusão sobre a realidade dos factos principais, o tribunal, exceto, por vezes, na prova por inspeção, lança mão de regras da experiência que estabelecem a ligação entre eles e os factos (probatórios) com os quais é diretamente confrontado, tidos em conta factos (acessórios) que permitem a aferição concreta dessa ligação” (Código de Processo Civil anotado, volume 1º, 4ª edição, Almedina, pág. 37).
No caso, tratar-se-ia de saber se os Autores haviam sido informados pelo Banco da utilização de parte do prédio vizinho como passagem para o imóvel a adquirir, o que se revestiria, apenas e eventualmente, de interesse para formar a convicção do Tribunal quanto ao animus daqueles no exercício dos atos próprios da posse.
Estando em causa a potencial aquisição, através do meio de prova, de um mero facto probatório, a não ser que esse facto seja absolutamente determinante para formar o juízo de convicção sobre o facto essencial/principal, não está verificado o requisito de necessidade a que está submetida a iniciativa oficiosa prevista no artigo 411.º do Código de Processo Civil.
Conclui-se, pelo exposto, neste trecho, que o Tribunal recorrido não infringiu o disposto no artigo 411.º do Código de Processo Civil.

b) Erro na apreciação da prova
Os Recorrentes impugnam a decisão da matéria de facto acima enunciada, por entenderem que deveria ter sido julgado provado que “aquando da aquisição, pelos AA do prédio objecto destes autos, tinham perfeito conhecimento de que não lhe assistia qualquer direito de passagem pelo logradouro dos RR., nem actuaram, nunca, com a convicção de que exerciam um direito seu”, sendo julgado não provado o facto inverso, ou seja, que “os AA utilizavam/utilizam o logradouro do prédio dos RR com a convicção de que exerciam um direito de passagem que lhes assistia/assiste”.
Deixando de lado as considerações que se poderiam tecer quanto à mistura entre facto e direito que vai implicada no enunciado acabado de transcrever, compreende-se que os Recorrentes se insurgem contra a demonstração de que os Autores utilizavam a passagem controvertida na ação com a convicção de que estavam a exercer um direito próprio.
Esse mesmo facto foi considerado demonstrado no n.º 17 da fundamentação de facto da sentença sob recurso.
Na motivação dessa convicção o Tribunal recorrido escreveu:
Os factos provados elencados sob nº 17 foram confirmados pela testemunha (…); decorre dos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…) que dos factos referidos nos pontos 13 e 14 dos factos provados não resultou qualquer discussão entre os iniciais autores (…) e (…) e o (…) e (…) ou sucessores destes últimos; as testemunhas (…), (…) e (…) observaram, durante vários anos, que a (…) e depois os iniciais autores (…) e (…) acediam ao prédio descrito sob o n.º (…) através do identificado logradouro, salientando que a (…) apenas o fazia a pé, não possuindo qualquer veículo automóvel”.
Os Recorrentes objetam que o depoimento da testemunha … (que é o inicial autor da ação, de seu nome completo …), quando conjugado com o acervo documental constituído pela certidão do registo predial, caderneta predial, licença de utilização e certidão da escritura pública de compra e venda, impunha decisão distinta.
Do depoimento da testemunha em causa extrai-se o seguinte, na parte relevante:
Testemunha: “eu comprei, comprei aquela casa naquelas condições de aa, fazer ali uma passagem para a outra rua.
Mandatário: D. (…) já acedia por aí à casa ou acedia só pela rua do aqueduto?
Testemunha: Não, já acedia por aí, por aí. Porque ela fazia, fazia dalém a passagem também.
Mandatário: Mas ela tinha carro?
Testemunha: Não, não, não. Ela já era velhota. A D. (…), quando eu comprei a casa, a D. (…) tinha 80 e tal anos, se calhar.
Mandatário: E mesmo assim, para aceder à casa, fazia todo aquele caminho e entrava por ali?
Testemunha: Sim, sim entrava por ali e saía. Ia lá para o quintal também.
Mandatário: Pronto. E, entretanto, comprou, compra a casa e depois? A passagem continuou aberta?
Testemunha: A passagem continuou aberta e depois, ao fim dum, ao fim dum tempo, que eu não sei bem precisar o tempo, o sr. (…) veio falar comigo para aquilo não estar assim aberto, para a gente comprar o, meter-nos ali um portão, que até foi um, um senhor que tinha uma serralharia lá ao pé, que é o sr. (…). Ele é que fez lá o portão à gente. E para a gente fazer lá o portão, para a gente meter lá um portão de, de ferro, aa, para a gente, pronto, salvaguardar aquilo ali.
Mandatário: E só, só uma questão, porque é que ele vai falar consigo para fazerem um portão, se aquilo era terreno dele?
Testemunha: Pois, não. Mas aquilo naquela altura, aquilo foi sempre, foi sempre visto e ele aa, e ele também aa, disse sempre que aquilo, o terreno não era de ninguém. Não era meu, nem era dele. Não era meu, nem era dele. Pronto, e, e, e naquelas condições é que eu comprei a casa.
Mandatário: Então fazem lá o portão?
Testemunha: A, faze… fizemos lá o portão, depois pagámos a meias, o portão. Foi o portão e uma tampa para o poço. O poço também é a (impercetível) que apanhava um bocado ainda do, do, do meu terreno. E, e depois mandámos fazer aquilo, mandámos fazer o, o portão. E depois até ficou, ficou assente em como o sr. (…) estava reformado, e ele tinha trabalho, e eu, eu dava-lhe a tinta. Ele pintava aquilo que tinha vagar e, e eu comprava a tinta, foi isso que aconteceu sempre.
Mandatário: E depois, mete lá o portão e como é que acede à sua, à sua casa? Sempre pela (…), sempre pela Rua do (…)? Como é que, que utilização é que fazia daquela passagem?
Testemunha: Hum, não. Eu quase sempre a minha utilização era, era sempre pela Rua (…), é isso?
Mandatário: (…).
Testemunha: (…), a, era sempre por essa rua que eu fazia, fazia a passagem para, para a minha casa. Tanto que eu até meti, meti lá uma alpendurada e metia lá o carro e tudo. E os, pronto e com autorização do sr. …
Mandatário: Então fez o portão, fez o portão, fez o alpendre e a escada já existia?
Testemunha: A escada?
Mandatário: É que há lá uma escada.
Testemunha: A escada, a escada não, não existia. Essa escada foi o sr. (…) que fez também, pra, pra que ele depois me mandou amanhar a casa, a casa dele, pra a ter acesso aos forros.
Mandatário: É que…
Testemunha: Da casa dele.
Mandatário: …é que chegamos aqui à conclusão que com a escada não passa um carro.
Testemunha: Com a escada não passa um carro, mas aquilo ficou em, ficou em jeitos, em
jeitos de aquilo ficou encostado à parede para ele passar…
Mandatário: Pronto.
Testemunha: Pelo menos fiquei com essa, com essa ideia.
Mandatário: Enquanto lá morou, foi sempre essa a utilização?
Testemunha: Foi sempre essa autorização e foi sempre a, a ideia do sr. (…) foi salvaguardar a gente os dois e eu a ele.
Mandatário: Pronto. Entretanto, antes de vender a casa ainda teve lá uma inquilina?
Testemunha: Tive lá uma inquilina, tive sim senhor.
Mandatário: Durante quanto tempo, tem ideia?
Testemunha: Aa, para aí cinco anos.
Mandatário: Sim. E que utilização é que ela fazia, como é que ela acedia?
Testemunha: Era igual, era igual, fazia passagem por ali, metia lá o carro às vezes também, quando lhe apetecia.
Mandatário: Aquele portão tem chave, está aberto, quem é que tem a chave do portão?
Testemunha: O portão, o portão não, não tem, aquilo tem, tem um trinco só, tem um trinco.
Mandatário: Está sempre…
Testemunha: Eu penso, eu penso que aquilo tem a chave, eu não tenho a chave e não sei se algum dos filhos do sr. (…) tem a chave daquilo, eu não sei, mas aquilo tem lá um trinco e tem uma correntezinha, que a gente puxava a corrente e o trinco abria e o portão abria, né.
(…)
Mandatário MJP: Pronto. Então, aa, utilizando, o que o senhor recorda-se o que é que consta da licença de habitação? O que é que o prédio está constituído?
Testemunha: Na licença da habitação?
Mandatário MJP: Sim, o senhor vendeu o prédio há não muito tempo, com certeza que sabe.
Testemunha: É tudo o que está no projeto.
Mandatário MJP: É tudo o que está no projeto?
Testemunha: No projeto.
Mandatário MJP: No projeto, o senhor tem que o logradouro, que é, que é o logradouro por onde passam…
Testemunha: Sim.
Mandatário MJP: … é que é do sr. (…), o sr. tem lá que é um logradouro comum. Portanto, o senhor o que está a dizer é que também, também isso está, está na escritura, é isso?
Testemunha: Isso não foi, isso não fui eu que fiz, foi a câmara que fez, que fez. A câmara, a câmara é que meteu estes papéis todos é que, é que fez…
Mandatário MJP: É que fez os projetos?
Testemunha: …é que fez esses projetos. É que fez isso tudo.
Mandatário MJP: Era diferente na altura, sim senhora. Olhe, o senhor quando, quando fez a venda deste prédio, porque já tinha a ação em tribunal, o senhor está, disse há pouco, a instâncias da minha ilustre colega, que, a, pronto, o logradouro era comum e sempre fez do logrador o que entendeu. No entanto, no meio do que o senhor disse, sem querer, presumo, o senhor até disse assim, ah, eu, eu, eu fiz lá, a, fazia a passagem pela (…) a, e até, até meti um alpendre com a autorização do senhor. Mas a autorização de qual senhor?
Testemunha: A, aquilo, tudo o que nós fazíamos além naquele bocado, naquele na, na naquela passagem, era sempre falado com a gente os dois.
Mandatário MJP: Mas porquê é que precisava da autorização do senhor?
Testemunha: É, foi como ele, como ele quando fez a escada lá na parede dele, também me pediu a autorização a mim.
Mandatário MJP: Olhe, essa escada não teve a ver com o facto dos, dos netos do senhor passarem por lá, serem pequeninos e não ter a ver com eles poderem estar a vontade.
Testemunha: Não, aquilo que tinha a ver era com, com…
Mandatário MJP: Sim, senhora.
Testemunha: …com eu estacionar, eu estacionar o carro para o carro lá caber.
Mandatário MJP: Olhe. Sim sr. Olhe, voltando um bocadinho atrás, o senhor meteu esta ação em tribunal, portanto o senhor terá com certeza interesse aa, em, em explicar aqui como é que foi esta venda ao senhor, que agora é o proprietário, à D. (…), porque o senhor meteu a ação por alguma razão. Se o senhor achasse que tinha esse direito de entrar e de sair, não vinha aqui pedir ao tribunal a constituição da servidão. E consta aqui do processo que o senhor publicitou essa venda no Comprar Casa, aa, dizendo que tinha o direito de entrar e de sair por este logrador do sr. (…). O senhor, entretanto, faz a escritura e nada consta. Portanto, o sr. faz a escritura no dia 26 do 5 de 2021, mete esta ação em tribunal no dia 4 do 5 de 2021, porquê? Não foi pedir a ninguém que lhe passasse uma autorização para as pessoas lá passarem? Não lhe disseram que não, que não lhe passavam?
Magistrado Judicial: (impercetível)
Testemunha: Não.
Mandatário MJP: Peço desculpa sr. Dr., muita coisa, sim.
Magistrado Judicial: Muito bem, não sei se percebeu ou conseguiu perceber a questão, não é.
Mandatário MJP: A, conseguiu.
Magistrado Judicial: Importa-se só de resumir, já agora, afinal o que é que pretende?
Mandatário MJP: Sim, sr. Dr. o que eu pretendo é saber porquê que o senhor vem a este tribunal dizer que tem direito a passar e até diz que o Poço é meeiro, quando o sr., inclusive, fez uma escritura onde nada consta, apesar de ter publicitado, aa, de uma forma que não corresponde à realidade, a venda da casa. Portanto, para percebermos que, efetivamente, no fundo, sr. Dr. Juiz, não só a credibilidade do depoimento da testemunha, mas também perceber aa, do resto. Portanto, se efetivamente, o senhor achava que tinha direito ou não.
Magistrado Judicial: Bom. A pergunta é, aa, a escritura, a escritura pública de, de com… venda, que foi celebrada já no ano de 2021, não menciona nenhuma destas situações, nomeadamente a existência de uma servidão. Tem alguma explicação para isso?
Testemunha: Aa, o que menciona é os documentos, os documentos antigos da, da minha casa, da câmara, da câmara. Porque aquilo é um logradouro comum, é uma, é uma passagem que não é, não era minha, não era aa, nem era do, do sr. (…). Foi uma passagem que eu fiz além em 28 anos.
Magistrado Judicial: Também só podia constar da escritura aquilo que constava do registo predial, na servidão não consta no registro predial, como é evidente, não é. Pronto, muito bem.
Mandatário MJP: Aa, então só um esclarecimento a este respeito. Posso falar diretamente, Dr. Juiz?
Magistrado Judicial: Sim, sim.
Mandatário MJP: A, na licença de utilização, que é a licença (…), faz menção a, à entrada pela Rua do (…), não faz menção à entrada pela Rua (…).
Testemunha: Isso é tudo documentos que eu... a, o que é que eu, o que é que eu lhe respondo a isso? Isso é tudo documentos que a câmara, aa, no licenciamento, faz isso, a…
Mandatário MJP: Pronto, eu só lhe estou a dizer porque o senhor, na escritura, que foi o senhor que...
Testemunha: Agora de licenciamento e isso, eu não percebo nada disso.
Mandatário MJP: Pois, isto não é licenciamento, foi o senhor que declarou, e está junto ao processo na escritura de compra e venda, que a casa era constituída por rés do chão, quatro divisões, uma cozinha e uma despensa, retrete e um quintal. Isto foi o que o senhor disse. Não está cá a poço, não está cá nenhum logradouro comum, não está nada. Por isso é que eu queria perguntar. O senhor assinou e disse que tinha consciência do que assinava e agora…
Testemunha: Sim.
Mandatário MJP: … declarou outra coisa.
Testemunha: Pois. Aa, pronto, o poço está lá, está lá no logradouro, eeee está isso tudo lá. E o resto, o resto dos documentos e tudo foi a Câmara que me passou, e eu não percebo nada disso. Aa, eu pedi, simplesmente, pa, pa, pra fazer além a casa, e eles autorizaram-me, e, e fizeram-me, meteram-me os documentos ...
Magistrado Judicial: O senhor é ...
Testemunha: … e pronto.
Magistrado Judicial: (impercetível) o (…).
Mandatário MJP: Sim, eu queria também perguntar, se for possível ainda, sr. Dr. Juiz à (...).
Magistrado Judicial: Aa, já agora só … sr. (…), só exibir à, à testemunha, Folhas 22 e 23, são duas fotografias. Portanto, aqui na, nestas fotografias que vão ser exibidas, há três portões. Há o portão de entrada, que já explicou.
Testemunha: Sim,
Magistrado Judicial: Que…
Testemunha: Ah, ta bem.
Magistrado Judicial: …há o portão de entrada.
Testemunha: Isto é o portão de entrada.
Magistrado Judicial: Pronto, depois há o portão lateral que dá acesso...
Testemunha: Sim, é o portão lateral que dá acesso à casa do sr. (…).
Magistrado Judicial: Pronto, muito bem. E depois, ao fundo, há outro portão, ao pé do poço.
Testemunha: Há, há outro portão, um bocadinho antes do poço, que dá acesso também à casa do sr. (…).
Magistrado Judicial: Pronto. O sr. quando comprou a, a, a casa, em noventa, no ano de 1991 estava há pouco a dizer é que os dois portões ao fundo, o portão lateral e ao fundo, já existiam, ou não?
Testemunha: Já existiam, já existiam. Este, esta, esta entrada pra, para a casa do sr. (…) e este pequenino também já existia.
Magistrado Judicial: Só não havia o portão, o primeiro portão de entrada, é isso?
Testemunha: O primeiro portão de entrada é que não existia, pois aquilo era... eram uns, uns tapais de madeira que estavam ali. E depois a gente fizemos …
Magistrado Judicial: Aa…
Testemunha: … fizemos um portão de entrada, mandamos fazer.
Magistrado Judicial: Como é que foi feito o pagamento do, desse, da, do portão?
Testemunha: Quem é que fez?
Magistrado Judicial: Do portão, o pagamento, quem é que pagou o portão, o telheiro que está lá ao fundo, este telheiro que está aí ao fundo?
Testemunha: Ah, isso fui eu que paguei. O telheiro, o telheiro fui eu, fui eu que o fiz.
Magistrado Judicial: E pagou?
Testemunha: Fui eu que o paguei.
Magistrado Judicial: Pagou, sim.
Testemunha: Mas não foi, não foi o (…) que fez esse.
Magistrado Judicial: Eu sei, o sr. (…) só fez o portão de entrada.
Testemunha: Pois, só fez o portão. Sim, isso fui eu.
Magistrado Judicial: Esse portão de entrada foi pago também só pelo…
Testemunha: Não, foi…
Magistrado Judicial … sr. (…)?
Testemunha: Não, foi a meias. Foi, foi o sr. (…) e eu que pagámos o portão de, da entrada.
Magistrado Judicial: O telheiro aa, terá sido pago pelo sr. (…), porque ia ser só o sr. (…) é que ia utilizar, é isso?
Testemunha: Aaaa, não, a, a, a D. (…) …
Magistrado Judicial: Para por o carro lá de vez em quando, ou não?
Testemunha: Sim, de vez em quando. Mas a D. (…) também estendia lá a roupa, que eu dei, deixava lá meter a roupa. Deixava, ela, se quisesse, metia lá a roupa, estendia a roupa lá debaixo da alpendurada para enxugar.
(…)
Magistrado Judicial: Muito bem. Aa, bom, mas aa, segundo diz, aa, sempre pensaram, é o que o sr. diz, o sr. (…) e o sr. (…) sempre pensaram que aquilo não pertencia a ninguém.
Testemunha: Sim.
Magistrado Judicial: A verdade é que puseram lá um portão. A partir do momento em que põem lá um portão, significa que, que aquilo pertence a quem?
Testemunha: Que era dos dois.
Magistrado Judicial: E então em que é que, em que é que ficamos?
Testemunha: Pois não sei. Eu, não sei porque a, a câmara, a câmara, eu fui lá à câmara ...
Magistrado Judicial: Não, o que eu estou a dizer é assim, no seu relacionamento com o sr. (…) …
Testemunha: Sim.
Magistrado Judicial: …no relacionamento do sr. (…) consigo, como é que tratavam aquele terreno? O sr. (…) dizia: eu sou o dono desta, deste, desta parte do terreno?
Testemunha: Não dizia nada. Agente demos sempre bem. Nunca, nunca houve essas, essas conversas, nem esse debate, era a gente passarmos além e nunca, nunca houve nada dessas conversas, nem nada. Aquilo é meu, aquilo é teu...
Magistrado Judicial: Portanto, o que faziam era por acordo dos dois?
Testemunha: Sim, o que a gente fazia era tudo (impercetível).
(…)”
Do depoimento da testemunha, nos trechos relevantes para o facto colocado em crise, resulta que num primeiro momento, o mesmo e os proprietários do prédio vizinho (antecessores dos Recorrentes) consideravam que a passagem (que foi reconhecida como uma servidão) “não era de ninguém”, no sentido de que não pertencia a nenhum dos prédios (podendo alvitrar-se a possibilidade, não explorada, de pensarem tratar-se de uma passagem pública. A testemunha afirma textualmenteo terreno não era de ninguém. Não era meu, nem era dele. Não era meu, nem era dele”). Porém, a partir do momento em que decidem, em conjugação de esforços, colocar um portão de entrada na mesma passagem, é manifesto que estão a agir convencidos de deterem ambos poder sobre esse espaço. É o que resulta do seguinte trecho:
Magistrado Judicial: …no relacionamento do sr. (…) consigo, como é que tratavam aquele terreno? O sr. (…) dizia: eu sou o dono desta, deste, desta parte do terreno?
Testemunha: Não dizia nada. Agente demos sempre bem. Nunca, nunca houve essas, essas conversas, nem esse debate, era a gente passarmos além e nunca, nunca houve nada dessas conversas, nem nada. Aquilo é meu, aquilo é teu...
Magistrado Judicial: Portanto, o que faziam era por acordo dos dois?
Testemunha: Sim, o que a gente fazia era tudo (impercetível).
Nesse trecho, nada em absoluto favorece a impugnação da matéria de facto feita pelos Recorrentes. Bem diversamente, o que se extrai é o convencimento do ex-proprietário do prédio dos Autores de estar a exercer um direito próprio.
Numa outra parte do depoimento, a testemunha é confrontada com a circunstância de não constar dos documentos do imóvel e da escritura de compra e venda em que interveio como vendedor, o direito de passagem versado na ação.
São os seguintes os trechos em causa:
Mandatário MJP: Sim, sr. Dr. o que eu pretendo é saber porquê que o senhor vem a este tribunal dizer que tem direito a passar e até diz que o Poço é meeiro, quando o sr., inclusive, fez uma escritura onde nada consta, apesar de ter publicitado, aa, de uma forma que não corresponde à realidade, a venda da casa. Portanto, para percebermos que, efetivamente, no fundo, sr. Dr. Juiz, não só a credibilidade do depoimento da testemunha, mas também perceber aa, do resto. Portanto, se efetivamente, o senhor achava que tinha direito a não.
Magistrado Judicial: Bom. A pergunta é, aa, a escritura, a escritura pública de, de com… venda, que foi celebrada já no ano de 2021, não menciona nenhuma destas situações, nomeadamente a existência de uma servidão. Tem alguma explicação para isso?
Mandatário MJP: A, na licença de utilização, que é a licença (…), faz menção a, à entrada pela Rua do (…), não faz menção à entrada pela Rua (…).
Qual a relevância da resposta da testemunha – que é inconclusiva – para o facto que se questiona?
Com o devido respeito, nenhuma.
Irrelevantes são também, para o efeito que nos ocupa, os documentos convocados pelos Recorrentes – certidão do registo predial, caderneta predial e licença de utilização.
A passagem pelo prédio dos Recorrentes não constava nem da certidão do registo predial, nem da caderneta predial, nem da licença de utilização do prédio, pela simples razão de que era uma mera situação de facto, não reconhecida juridicamente, sendo esse reconhecimento, por via judicial, precisamente o objeto desta ação.
A referência à mesma passagem não foi declarada pela testemunha, enquanto vendedor, na escritura pública que celebrou, pelos mesmos motivos, porque “oficialmente” não existe, tendo ele, como é corrente nesses atos, se limitado a declarar vender o que consta descrito no registo predial.
Em síntese, nem o depoimento da testemunha atrás transcrito, nem o seu confronto com os documentos referidos pelos Recorrentes dão apoio à impugnação da matéria de facto formulada neste recurso.
Aliás, da conjugação do depoimento da testemunha com os processos de obra levados à Câmara Municipal em 1991 (referidos no relatório pericial), que descrevem a passagem como um “logradouro comum”, obtém-se o necessário para convir, como se fez na sentença sob recurso, que os proprietários do prédio dos Recorridos estavam convencidos de exercerem um direito seu sobre o que entretanto se estabeleceu ser parte do prédio dos Recorrentes.
Conclui-se, desse modo, que não merece provimento a impugnação da matéria de facto, devendo a decisão respetiva ser mantida nos seus termos.

III. Aplicação do Direito.
No que concerne à subsunção jurídica feita na sentença recorrida, os Recorrentes suscitam a seguinte ordem de razões para fundamentarem a sua discordância:
(i) a decisão recorrida onera desproporcionadamente o prédio dos Recorrentes, diminuindo o seu valor, sem que estejam provados danos para os Recorridos causados pelo facto de apenas usarem a entrada principal do seu prédio;
(ii) constitui, nesta ação, facto essencial nuclear, o animus da posse, não podendo a falta de prova desse facto ser suprida pelo Tribunal, nomeadamente com recurso ao disposto no artigo 1252.º, n.º 1, do Código Civil (pretendem certamente referir-se ao n.º 2 do artigo 1252.º do Código Civil).
Conforme já se afirmou, a presente ação visa o reconhecimento judicial do direito de servidão de passagem, a favor do prédio dos Recorridos e que onera o prédio dos Recorrentes.
A sua causa de pedir é a usucapião.
Na mesma ação, os Recorridos formularam o pedido, introduzindo, antes do reconhecimento da servidão, um elemento de condenação, mas como é fácil compreender, não se trata de “condenar os Réus a reconhecerem”, mas declarar ou reconhecer judicialmente, o que, por via da autoridade própria do caso julgado, colocará os proprietários do prédio serviente, como se de uma condenação se tratasse, sob o dever de acatamento da servidão. Por isso se afirmou que esta não é uma ação de condenação da alínea b) do n.º 3 do artigo 10.º do Código de Processo Civil, mas uma ação de simples apreciação da alínea a) do mesmo n.º 3 do artigo.
Esta também não é uma ação destinada à constituição de uma servidão legal, conforme as previstas no n.º 2 do artigo 1547.º do Código Civil, nomeadamente, com fundamento no encravamento do prédio dominante.
Pode então estabelecer-se que a sede de direito da causa de pedir da ação está nos artigos 1543.º, 1544.º, 1547.º e 1548.º do Código Civil.
Segundo o primeiro deles “servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia”.
De acordo com o artigo 1547.º, n.º 1, as servidões podem constituir-se, entre outras causas, por usucapião.
Na definição do Professor Oliveira Ascensão “servidão é o direito real que permite aumentar as utilidades que um direito real de gozo sobre um imóvel proporciona, mediante uma restrição correlativa de um direito de gozo sobre o imóvel vizinho” (Direito Civil Reais, 4ª edição refundida, Coimbra Editora, pág. 432).
Apenas as servidões que se revelem por sinais visíveis e permanentes podem ser adquiridas por usucapião (artigo 1548.º do Código Civil), o que se justifica para evitar a aquisição de servidões “exercidas na ignorância do proprietário do prédio serviente” e para não “serem confundidas com actos de mera tolerância deste” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, págs. 363 e 364).
A constituição da servidão por usucapião remete para a forma de aquisição de direitos reais de gozo prevista no artigo 1287.º do Código Civil.
Segundo a norma “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”.
Na posse de boa fé de direitos reais sobre imóveis, como é o caso, na falta de título e de registo, a aquisição dá-se no termo de 15 anos (artigo 1296.º do Código Civil).
A posse é um poder de facto a que se associa uma intencionalidade.
Não basta que o agente atue por forma correspondente ao exercício do direito. Como exige o artigo 1251.º do Código Civil é necessário que o faça convencido de estar a exercer esse poder de facto como beneficiário de um direito, pois, de outra forma, será um mero detentor (alínea a) do artigo 1253.º do Código Civil).
Assim é, com a chamada “posse boa para usucapião”. Quem atua o poder de facto sobre a coisa tem de estar convencido de que está no exercício de um direito próprio.
Escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de fevereiro de 2019 “a usucapião vive da união destes dois elementos nucleares que são a posse e o decurso do tempo. A usucapião é um modo de aquisição originária de direitos reais, pela transformação em jurídica de uma situação de facto, de uma mera aparência, em benefício daquele que exerce a gestão económica da coisa. A posse boa para usucapião há-de ter as características de posse verdadeira e própria, não sendo, por isso, usucapíveis direitos que, embora dotados de tutela possessória, se reconduzem a situações de mera detenção” (proc. n.º 797/17.9T8OLH.E1.S1).
Consta ainda do mesmo aresto “o acto de aquisição da posse que releva para a usucapião terá assim de conter os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus e o animus. Se só o primeiro se preenche, verifica-se uma situação de detenção, insusceptível de conduzir à dominialidade.
Por ser difícil, se não impossível, fazer a prova da posse em nome próprio, que não seja coincidente com a prova do direito aparente, estabelece o n.º 2 do artigo 1252.º do Código Civil uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa (corpus)”.
Dispõe o referido n.º 2 do artigo 1252.º do Código Civil que “em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1257.º”.
Extrai-se da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2019 o seguinte: “a relevância do «animus», enquanto requisito integrante da posse, deverá ser adequadamente circunscrita: o que está em causa não é tanto a indagação sobre o elemento subjetivo do alegado possuidor, mas a questão de saber se os actos materiais por ele praticados em relação à coisa denotam um exercício coadunável com o «animus» correspondente ao direito a que o mesmo se arroga, i. é, se estamos perante uma actuação em que possa ser revelada, a qualquer pessoa que a observe, a vontade de agir como se de titular do direito se tratasse” (processo n.º 1824/15.0T8PRD.P1.S1, no mesmo suporte).
Na situação em presença está demonstrada uma atuação dos proprietários do prédio sob o n.º (…) sobre a passagem controvertida, que inclui, nomeadamente, a utilização da mesma, desde 1991, para travessia a pé e para recolha de água no poço (n.ºs 4, 6 e 7 dos factos provados), a colocação na saída da mesma para a via pública de um portão, em conjunto com o proprietário do prédio n.º … (n.º 11), a colocação de um telheiro (n.º 13) e a utilização da mesma com um veículo automóvel (n.º 15).
Essa atuação faz presumir, nos termos do n.º 2 do artigo 1252.º do Código Civil, a vontade de agir como titular do direito de passagem. Mas o recurso à presunção legal nem seria necessário, uma vez que a matéria provada também contém a demonstração positiva de que os atos dos proprietários do prédio sob o n.º (…) eram praticados “com a convicção […] de exercerem um direito próprio” (n.º 17).
Servindo a presunção, como é de lei, para extrair um facto desconhecido de outro que é conhecido (artigo 349.º do Código Civil), a conclusão é que a mesma redunda desnecessária no caso concreto.
Os Recorrentes afirmam que o Tribunal recorrido supriu ilegalmente o facto ou a prova (nesta parte, a alegação é ambígua) do “animus”, mas não lhes assiste razão.
O facto essencial a que se reportam foi alegado pelos Autores da ação no artigo 20º da petição inicial.
A demonstração desse facto consta do elenco da matéria provada e está fundamentada na convicção que a suporta, não se alcançado que tenha ocorrido qualquer suprimento do Tribunal recorrido contrário às regras do processo.
Os Recorrentes convocam ainda um juízo de proporcionalidade entre o benefício que os Autores retiram da servidão e o prejuízo que o reconhecimento da mesma importa para o valor do seu prédio.
Essa ponderação não tem apoio legal. A lei não a exige, não sendo legítimo ao intérprete e ao aplicador do direito, como o é o Tribunal, criar condições ou requisitos para a aquisição de direitos, que o legislador, a quem é reservada constitucionalmente essa função (artigos 161.º e 198.º da Constituição da República Portuguesa), não estabeleceu.
Do exposto resulta que soçobram, como um todo, os fundamentos do recurso em análise, assim se concluindo que este deve ser julgado improcedente e deve ser mantida, nos seus termos, a sentença recorrida.

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IV. Responsabilidade tributária
As custas nesta instância são da responsabilidade dos Recorrentes, que decaíram (artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Sendo o termo “custas” polissémico (artigo 529.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), o mesmo significaria, no caso, apenas custas de parte.
Sucede que não tendo sido oferecida resposta ao recurso, não existem custas de parte a reembolsar nesta sede, pelo que não há objeto para a condenação em custas, sendo simplesmente arrecadada a taxa de justiça paga com o impulso processual.
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V. Registo da sentença transitada em julgado
Em obediência ao disposto no artigo 8.º-A, n.º 1, alínea b) e 8.º-B, n.º 3, alínea a), do Código do Registo Predial, ordenar-se-á o registo da sentença transitada em julgado.
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Decisão
Face ao acima exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em julgar totalmente improcedente o recurso interposto na ação pelos Réus (…), (…) e (…), mantendo nos seus termos a sentença recorrida.
Sem custas.
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Transitado em julgado esta acórdão, extraia certidão da sentença recorrida, com essa nota, e remeta-a à Conservatória do Registo Predial, agora, para registo da decisão.
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Évora, 2 de outubro de 2025
Maria Emília Melo e Castro
Maria Isabel Calheiros
Anabela Raimundo Fialho
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SUMÁRIO (elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil)
(…)