Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
79/21.1GAMTL.E1
Relator: CARLOS DE CAMPOS LOBO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
NAMORO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
MAUS TRATOS
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – O crime de violência doméstica pretende punir a conduta do agente que inflija maus tratos físicos ou psíquicos, ao cônjuge ou ex-cônjuge, a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, sendo que tal atuação pode ser reiterada ou não.
II - Desta feita, tem-se defendido que os bens jurídicos protegidos são a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade humana, sendo que por força da norma incriminadora apenas se acalentam condutas efetivamente maltratantes, ou seja, todas aquelas que ponham em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus tratos.
III- Igualmente se entende que no dito crime, como bem a proteger, desponta a necessidade de salvaguardar a paz e tranquilidade interiores de molde a que alguém não tenha que sofrer qualquer invasão perturbadora de uma rotina equilibrada, pacífica e apaziguadora.
IV – Assim meras referências ao facto de o arguido ter apelidado a Assistente de “burra” por diversas vezes, sem o conseguir situar verdadeiramente no tempo, frequência e contexto, não transparece a dita carga.
V – Igualmente a circunstância da Assistente ter que ter o seu telemóvel consigo para poder falar com o arguido, em quadro de regra escolar de proibição do seu uso, podendo funcionar como mera justificativa para desrespeito da dita regra, em contexto de namoro de jovens, pode assumir as mais diversas justificações que não passam por comportamento invasivo, intrusivo, coativo do arguido sobre a Assistente.
VI – Também o mero afastamento da Assistente da família paterna e a aproximação da mãe, por mais permissiva, e nessa medida poder estar aquela mais dedicada ao namorado, ao que se pensa, não desenha qualquer sinal de ato configurador de violência doméstica.
VII – Ainda, o ter que aguardar pelo arguido para almoçar, desconhecendo-se o que pudesse acontecer se tal não fosse feito, associado à ideia de que na sequência do namoro entre o arguido e a Assistente, a família paterna desta nunca mais foi a família que se dava bem, não denunciando o menor traço da existência de um comportamento abusivo e controlador do arguido, parece antes mostrar que se está face a uma reação familiar muito comum em quadros de não aprovação de determinado namoro.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório


1. O processo de inquérito com o nº 79/21...., que correu termos na Comarca ..., no Ministério Público – 1ª Secção de Inquéritos de ..., teve origem numa denúncia apresentada por AA, na qualidade de pai de BB, contra CC, destinando-se a investigar factos, eventualmente cometidos por este, que seriam suscetíveis de integrar, entre outros, a prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) do CPenal.

2. Findo o inquérito, o Digno Magistrado do Ministério Público proferiu despacho ordenando o seu arquivamento – artigo 277.º, nº2 do CPPenal -, concluindo, em síntese, não tendo sido reunidos indícios suficientes para alicerçar a prolação de uma acusação contra o arguido (…) quanto à prática de factos susceptíveis de integrar o crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º nº 1, alínea b) do Código Penal, determina-se o arquivamento dos autos (…)[1].


3. Inconformada com esta decisão, BB, tendo-se constituído como assistente, veio requerer a abertura da instrução, alegando que elementos probatórios existiam que não tendo sido carreados ao processo na fase de inquérito, permitem que se decida pela pronúncia do arguido.

4. Por despacho proferido em 29 de dezembro de 2021, foi declarada aberta a instrução[2], onde realizado o Debate Instrutório, a 9 de março de 2022 no decurso do qual tiveram lugar diversas diligências de prova – audição da Assistente e três testemunhas por esta arroladas -[3], culminou com a prolação de Decisão Instrutória de não pronúncia do arguido.

5. Inconformada com tal despacho de não pronúncia, a Assistente dele recorreu, extraindo da respetiva motivação do recurso as seguintes conclusões que, em mera síntese, se enunciam[4]:

- O Tribunal deu como provado que o arguido chamou “burra” à assistente, por várias vezes, durante o período de namoro, em situações e contextos não concretamente apurados;
- O Tribunal igualmente consigna que a assistente referiu que o arguido a apelidou de “burra” no seio de discussões, mas não conseguiu concretizar nenhuma, o que não permite compreender o contexto em que ocorreram, o que assim não permite compreender a intenção do arguido;
-Também quanto à situação reportada ao ano novo, não se vislumbra que o arguido tenha proibido a assistente de falar com o seu pai;
- O Tribunal concluiu que resultam dúbias as intenções do arguido;
- Também, refere o Tribunal que o arguido ao comentar a roupa que a assistente vestia, não se verifica que o mesmo tenha atuado com qualquer vontade de limitar a ofendida na sua liberdade;
- O Tribunal a quo sequer fez um exame crítico da prova junta aos autos pois, tal importava que explicasse porque considerou que o arguido chamar, por diversas vezes, burra à assistente não traduz uma ofensa da pessoa desta;
- Tal como concluiu que o facto de o arguido afirmar que matava o pai da assistente, não é uma forma de controlar e de a limitar na sua actuação;
- Ou como considerou que o controlo do que alguém veste não traduz uma forma de limitar o outro na sua liberdade e limitá-lo;
- Não se entende bem o itinerário cognoscitivo seguido pelo Tribunal;
- Assim deve ser revogada a decisão recorrida.

6. Notificados o Digno M.º P.º e o arguido, do despacho de admissibilidade do recurso e deste, apenas o primeiro apresentou articulado de resposta junto do Tribunal recorrido, concluindo nos termos seguintes: (transcrição)

1.ª O presente recurso deve considerar-se improcedente.
2.ª A instrução é uma fase facultativa, dirigida pelo Juiz de Instrução e que visa a comprovação judicial da decisão proferida quer pelo assistente quer pelo Ministério Público, conforme o procedimento criminal dependa ou não de acusação particular respectivamente, isto é, visa apurar se foram ou não recolhidos indícios suficientes da verificação do crime imputado ao arguido.
3.ª Para que seja aberta a instrução o RAI deve conter a narração factual que integre os elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime em apreço nos termos do disposto no art.º 287º n.º 3 do C.P.P.
4.ª Ao contrário do alegado pela assistente, o Tribunal a quo procedeu ao exame crítico da prova produzida, à luz das regras de experiência comum, concluindo pelo recurso ao princípio in dúbio pro reo.
5.ª Assim sendo, ao tribunal a quo não existiram dúvidas, muito menos razoáveis para a não condenação do arguido pelos factos descritos na acusação.
6.ª É, pois, totalmente improcedente a invocação da assistente, devendo manter-se o despacho de não pronúncia proferido nos autos.

Nestes termos, negando provimento ao recurso.


7. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do CPPenal, emitiu parecer entendendo que o presente recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida[5].
Todavia e, em síntese, foi igualmente defendido que determinada factualidade dada como adquirida em 1ª Instância – mormente chamar burra à Assistente por diversas vezes no período de namoro e o arguido fazer reparos à roupa que aquela usava, fazendo-a trocar o que vestia – poderia configurar crime de injúria, e até crime de ofensa à integridade física simples - devendo por isso ter sido tomada posição sobre tal, ainda que também considere que face à data dos factos o momento da apresentação da denúncia já tivesse decorrido o prazo de 6 meses a que alude o artigo 115º do CPenal.
Não foi apresentada resposta ao parecer.

8. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art.º 410°, n.° 2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do art.º 412º, nº 1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pela Assistente, onde ressalta uma certa confusão e imprecisão no argumentário, importa apreciar e decidir da existência ou não de indícios que permitam pronunciar o arguido pela prática do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alínea b), 2, 4, 5 e 6 do CPenal.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido pronunciou-se da seguinte forma: (transcrição)

Com interesse para a decisão instrutória, consideram-se os seguintes factos suficientemente indiciados [excluindo-se factos conclusivos, matéria de direito ou que não assumem qualquer relevo para a decisão a proferir]:
1. Em Novembro de 2018 a assistente iniciou um relacionamento amoroso com o arguido.
2. Tal relacionamento terminou em Março de 2020.
3. Ao tempo, a assistente cursava um Colégio Particular, onde era directora DD, e a assistente residia em ....
4. O arguido chamou, por várias vezes, durante o período de namoro, à assistente “burra” em situações e contextos não concretamente apurados.

*
Com interesse para a decisão instrutória consideram-se os seguintes factos não suficientemente indiciados:
A. O Colégio mencionado em 3 fica localizado em ....
B. Entre Novembro de 2018 e Junho de 2019, o arguido impunha sanções à assistente, como chatear-se com ela, se não atendia o telefone cada vez que lhe ligasse.
C. Outra das consequências de não atender era que a deixaria, alegando que ele era a única pessoa que se interessava pela assistente.
D. O arguido disse à assistente que a sua família (pai e irmão) não queriam saber dela, nem a avó paterna.
E. No período de namoro, o arguido afirmava, quase diariamente, à assistente, que esta só queria vestir-se com roupas justas, ou decotes ou com peças mais elaboradas porque era uma oferecida.
F. Porque queria era que os outros se metessem com ela.
G. O arguido transmitia à assistente que ninguém além dele, queria o seu bem.
H. Afirmando-lhe, insistentemente nesse mesmo período, que nada sabia fazer, que era uma nulidade e que só consigo conseguiria vingar.
I. Durante o período de namoro o arguido exigia que a assistente lhe dissesse onde e a que horas ia e exigia-lhe informações do local e hora onde estava e com quem.
J. No dia 1 de Janeiro de 2020 o arguido impediu a assistente de atender as chamadas do pai e de lhe dar qualquer resposta, invocando que este só a queria controlar.
K. Ao agir da forma descrita, o arguido sabia que molestava a saúde psíquica da assistente, que a ofendia na sua honra e consideração, que abalava a sua segurança pessoal, amor próprio e dignidade, ou seja, sabia que lhe provocava grande sofrimento psíquico, o que pretendeu e fez de forma reiterada.
L. O arguido agiu deliberada e conscientemente, bem sabendo que lhe eram proibidas tais condutas.
*
Importa então conjugar a prova indiciária recolhida.
Compulsados os autos, verifica-se que os elementos indiciários de prova relevantes para a decisão a proferir, recolhidos em sede de inquérito e da instrução, entre os mais, são os seguintes:
- Auto de inquirição de AA a fls. 54;
- Auto de inquirição de EE de fls. 137;
- Assento de nascimento de fls. 31;
- Inquirição de DD, FF e GG prestadas em sede de instrução. - Interrogatório do arguido.
- Declarações da Assistente prestadas em sede de instrução.
*
Uma vez elencada a prova recolhida nos presentes autos, importa analisar a mesma.
Antes de mais, há que referir que as testemunhas AA, DD e FF não assistiram a qualquer facto dos que constavam [com relevância] do requerimento de abertura de instrução que tenha ocorrido entre o arguido e a assistente [de mencionar que a testemunha DD confirmou que a assistente frequentava o colégio onde era directora bem como a localização do mesmo], levando a depoimentos indirectos sendo que, nessa sede, apenas releva o que a assistente [de quem obtiveram as informações] veio referir.
A testemunha GG, avó paterna da assistente, relatou apenas como viu a assistente ao longo do tempo em que namorou com o arguido bem como era antes, não tendo conhecimento directo de qualquer facto. Apenas referiu, de forma que não se compreende, que quando combinavam almoçar e o arguido também iria, tinham que esperar pelo mesmo. Ora é com espanto que se procura perceber qual o motivo que causa choque à testemunha, sendo tal inclusive adveniente das regras da boa educação [aguardar por convidado que está atrasado].
No que concerne às declarações da assistente, a mesma pautou por conclusões, depondo de forma tendenciosa, sem conseguir precisar acontecimentos [à excepção da situação ocorrida na passagem de ano], referindo que o mesmo era agressivo [sem conseguir concretizar como], dizendo que a impedia de vestir como queria [porque o arguido comentava a forma como vestia, desconhecendo-se com que frequência] mas que não lhe aplicava qualquer consequência caso não fizesse o que o arguido pretendia, ao mesmo passo que dizia ser obrigada a alterar a forma como se vestia.
Aludiu ainda à circunstância de o arguido a apelidar de “burra”, no seio de discussões, mas não conseguindo concretizar nenhuma [nem quando, nem onde, nem a que se referia a discussão]. Ora tal não permite sequer compreender o contexto em que ocorreram, sem o qual é impossível compreender as intenções do arguido.
Acresce ainda que a assistente menciona que ambos perguntavam onde se encontravam com regularidade e que tal acontecia de forma normal, o que é ainda condicente com o habitual das relações em que há uma preocupação e interesse na vida do parceiro, não se demonstrando qualquer forma anormal na actuação que, nas palavras da assistente, era mútua.
Quanto à situação reportada ao ano novo não se vislumbra que o arguido tenha proibido a assistente de falar com o seu pai, inclusivamente referindo esta que o mesmo falou com o pai dizendo que o matava, por existir um mau ambiente entre ambos, nem concretizando de que forma a proibia de o fazer.
Assim, além de inexistir prova quanto aos factos não provados, conforme vem sendo defendido na jurisprudência1, a decisão instrutória não pode, pois, excluir o princípio in dubio pro reo da valoração das provas que subjaz à decisão de pronúncia ou não pronúncia (ou seja, o princípio in dubio pro reo não está apenas destinado à fase de julgamento, considerando-se que a sua desconsideração seria geradora de inconstitucionalidade) e a verdade é que da prova produzida em Inquérito e Instrução no caso presente, resulta dúvida séria, razoável e inultrapassável sobre a questão de facto controvertida, isto é, se se verificam os elementos subjectivos, já que resultam dúbias as intenções do arguido, designadamente quanto a dizer “burra” à assistente.
Diga-se, ainda, que não se vislumbra como seguro que o arguido tenha actuado com o propósito de ofender a assistente.
No demais, designadamente quanto ao arguido comentar a roupa que a assistente vestia, não se verifica que o mesmo tenha actuado com qualquer vontade de limitar a ofendida na sua liberdade.
Face ao exposto, impera lançar mão do princípio do in dubio pro reo, valorando tais factos em favor do arguido, dando-os como não suficientemente indiciados.
*
Do crime de Violência Doméstica:
Foi requerida a pronuncia do arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art. 152.º, n.os 1, al. b), 2, 4, 5 e 6 do Código Penal.
Dispõe-se neste normativo que:
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
[…]
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
[…]
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
[…]
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.
O crime de violência doméstica tem em vista proteger a saúde (física e psíquica) e ainda o bem jurídico integridade pessoal ligada à defesa da dignidade da pessoa humana e desenvolvimento da sua personalidade.
O tipo legal de crime de violência doméstica inclui comportamentos que de forma reiterada ou intensa (uma vez que a lei nova não exige, como elemento típico, a reiteração) lesam a dignidade humana do cônjuge. Neste sentido tem-se em conta o art. 1.º, 25.º e 26.º da CRP.
O tipo assim definido tanto consente uma reiteração de condutas que se traduzem, cada uma à sua maneira, na prática de agressões físicas ou psíquicas ao cônjuge, como uma só conduta que manifeste gravidade intrínseca suficiente para nele se enquadrar.
A dimensão que se tem atribuído à violência doméstica está bem patente, desde logo pela sua consagração autonomizada em 2007, havendo uma progressiva consciencialização da necessidade de garantir que as relações familiares ou de grande proximidade (como no caso de dependentes) que o espaço de relação e/ou coabitação seja um espaço digno e de liberdade e que permita um desenvolvimento da personalidade aliado a um respeito pela dignidade humana.
Neste crime “o bem jurídico protegido é a saúde – bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos.”2
De salientar o ensinamento vertido no Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 663/16.5PBCTB.C1, em 07-02-2018, relator Brízida Martins, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz que “A conduta típica do crime de violência doméstica inclui, para além da agressão física (mais ou menos violenta, reiterada ou não), a agressão verbal, a agressão emocional (p. ex., coagindo a vítima a praticar atos contra a sua vontade), a agressão sexual, a agressão económica (p. ex., impedindo-a de gerir os seus proventos) e a agressão às liberdades (de decisão, de ação, de movimentação, etc.), as quais, analisadas no contexto específico em que são produzidas e face ao tipo de relacionamento concreto estabelecido entre o agressor e a vítima, indiciam uma situação de maus tratos, ou seja, um tratamento cruel, degradante ou desumano da vítima.”
Ora, os maus tratos físicos consistem em actos de violência física, enquanto os maus tratos psíquicos consistem em actos que ofendem a integridade moral ou o sentimento de dignidade, tais como as injúrias, as humilhações e as ameaças. Segundo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.02.2008, Proc. 1702/2008-3, os maus-tratos psíquicos compreendem, a par das estratégias e condutas de controlo, o abuso verbal e emocional que perturbe a “normal convivência e as condições em que possa ter lugar o pleno desenvolvimento da personalidade dos membros do agregado familiar”. Na verdade, entre o crime de violência doméstica na vertente dos maus-tratos psíquicos através de ameaças ou injúrias e os crimes de ameaça (art. 153.º) e injúria (art. 181.º) existe uma relação de concurso aparente, cedendo estes àqueles.
Em relação ao tipo objectivo de ilícito este pressupõe que um agente se encontre numa determinada relação para com o ofendido. Destarte trata-se de um crime específico que poderá ser próprio ou impróprio caso as condutas concretas, em si mesmo consideradas e abstraídas dessa relação constituam em si mesmo um crime.
Esta relação pode englobar uma das previstas no art. 152.º, n.º 1 do Código Penal.
Preenche-se ainda pela acção de infligir maus tratos físicos e/ou psíquicos podendo consistir em ofensas à integridade física, humilhações, provocações, molestações, ameaças, privações de liberdade, ofensas sexuais, entre outros.
Por outro lado o tipo subjectivo de ilícito trata-se de dolo, em qualquer das suas modalidades (directo, indirecto e eventual) nos termos do art. 14.º do Código Penal4.
*
No caso dos presentes autos, provou-se que o arguido terá chamado à assistente em momentos não concretizados “burra” e em contextos não percepcionados.
Todavia não resultam como provados os elementos subjectivos de tal imputação.
Ora, para que a um agente seja imputado a prática de um crime de violência doméstica é necessário mais do que a existência de agressões físicas, ou psíquicas designadamente quando essas mesmas agressões careçam de intensidade para colocar em crise o bem jurídico protegido pelo crime de violência doméstica, que é a dignidade da pessoa humana e a integridade pessoal contra os maus-tratos.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07-02-2018, proferido no processo n.º 663/16.5 PBCTB.C1, relatora Brízida Martins, disponível em www.dgsi.pt, onde se diz que «II - O crime de violência doméstica visa proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher, como ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças.
III - O que importa saber é se a conduta do agente, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é susceptível de ser classificada como “maus tratos.”»
No caso em apreço verifica-se não nos encontramos perante actos que possam ser classificados como “maus tratos”, numa consideração global de desrespeito pela pessoa da vítima, antes em contextos concretos.
Assim, uma vez que os factos indiciariamente provados não permitem subsumir a conduta do arguido a uma conduta dolosa, não se verificando os elementos subjectivos do tipo de crime em causa, impõe-se concluir que não foi produzida prova que permita concluir pela verificação de uma probabilidade razoável de que, em julgamento, ao arguido venha a ser aplicada uma pena.
Consequentemente, deve o arguido, ao abrigo do disposto no art. 308.º, n.º 1 do Código Penal ser não pronunciado pela prática do crime de que vem acusado.
*
Em face do exposto, decide-se, nos termos do disposto no art. 308.º, n.º 1 do Código de Processo Penal:
NÃO PRONUNCIAR o arguido CC pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b), n.º 2, 4, 5 e 6 do Código Penal.

2.2. Da questão a decidir

Como acima se expendeu, o thema decidendum cinge-se à verificação ou não, da existência de indícios bastantes que permitam apontar ao arguido o cometimento do crime de violência doméstica, nos termos entendidos pela Assistente.
Num pronto passo importa sublinhar que de acordo com o plasmado no artigo 286.º, nº 1, do CPPenal “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.”
A instrução, tem assim caráter facultativo, natureza jurisdicional porque presidida por um juiz, ocorre a seguir ao inquérito e visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento – artigos 286º, nº 2 e 288º, nº 1 do CPPenal -, sendo constituída pelo conjunto de atos que o juiz entenda levar a cabo, e obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório – artigo 289º, nº 1, do mesmo complexo normativo.
Este momento processual pode ser requerido pelo arguido ou pelo assistente, conforme a natureza do ato que os afete e que lhes confira o interesse em fazer comprovar judicialmente, a decisão decorrente do encerramento do inquérito.
O arguido pode requerer a instrução no caso de ter sido deduzida acusação e o assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.
In casu, está-se perante a segunda vertente apontada, tendo a Assistente peticionado a realização desta fase processual, face à decisão de arquivamento do inquérito seguida pelo Digno Mº Pº.
E, nessa sequência, efetuadas as diligências que se entenderam pertinentes em sede instrutória, concluiu-se pela inexistência de indícios que permitissem pronunciar o arguido.
Reza o artigo 308º, nº1 do CPPenal que sendo recolhidos indícios suficientes, até ao encerramento da instrução, de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz por despacho pronuncia o arguido pelos factos respetivos.
Neste palco, ao que parece, o critério orientador da introdução do feito em juízo, fim almejado pela instrução, é o da suficiência de indícios / sinais / traços, assumindo-se que é o mesmo que rege o momento da dedução de acusação pois, a mesmidade do critério para efeitos de acusação (…) e de pronúncia respalda-se na natureza acusatória do processo (…) e (…) tem por função garantir que o cidadão não é injustificadamente sujeito a julgamento, com todo o potencial de afetação do bom nome[6] / reputação / imagem e até segregação que tal pode implicar.
Diga-se, também, que a ideia de indícios suficientes encerra a dimensão de vestígios / dados que devidamente conjugados e ponderados fazem séria e confortadamente admitir uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, na sua sequência, uma pena ou uma medida de segurança, sendo que não se está neste patamar a exigir provas certas mas antes circunstâncias conhecidas e demonstradas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, racional, se pode obter uma conclusão firme / segura / sólida de um determinado facto[7].
Assim, só se mostra justificável sujeitar alguém a julgamento sempre e quando os vestígios colhidos durante um inquérito (e também na instrução), vistos numa perspetiva isenta / equidistante / desapaixonada indiquem que a serem aqueles confirmados em juízo, o arguido estará mais perto de uma condenação do que da absolvição.
Perante tal, não cabem aqui decisões de pronúncia arriscadas, sem suficiente base de apoio, alimentadas pela ideia de que “ talvez em julgamento” e com “uma boa dose de sorte”, e/ou “com um juiz castigador”, obterão reforço de prova que levem à condenação[8].
De outra banda, importa também ponderar o que se mostra exigível para estar desenhado o iter criminis que se pretende atribuir ao arguido – violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), n.º 2, 4, 5 e 6 do Código Penal[9].
O crime em referência pretende punir a conduta do agente que inflija maus tratos físicos ou psíquicos, ao cônjuge ou ex-cônjuge, a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, sendo que tal atuação pode ser reiterada ou não[10].
Desta feita, tem-se entendido que os bens jurídicos protegidos são a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade humana, sendo que por força da norma incriminadora apenas se acalentam condutas efetivamente maltratantes, ou seja, todas aquelas que ponham em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus tratos[11].
Entende-se ainda, que no crime violência doméstica, como bem a proteger, desponta a necessidade de salvaguardar a paz e tranquilidade interiores de molde a que alguém não tenha que sofrer qualquer invasão perturbadora de uma rotina equilibrada, pacífica e apaziguadora.
Cumpre ainda fazer notar que em termos objetivos este ilícito pressupõe a existência de uma relação de índole familiar / íntima entre o agente e a vítima em que o primeiro, de modo reiterado ou não, inflige mau trato físico, mau trato psíquico – este pode revelar-se por via de humilhações, ameaças, injúrias, difamações, provocações, perseguições, privações de liberdade, ofensas sexuais[12].
Por seu turno, em termos subjetivos, o dolo do agente, integrando a intenção de perpetrar determinado tipo de atos e assim atingir / beliscar a dignidade humana da vítima, incide sobre os diversos fragmentos da situação vivencial de grave afectação de uma vertente do equilíbrio psicossomático, pluridimensional da vítima[13].
Concatenando todo o acima enunciado com o manancial probatório coligido, mesmo o trazido em sede instrutória e a factualidade dada como indiciada, tal como o detalhadamente ponderado na decisão em sindicância, crê-se que não assiste suporte à tese propugnada pela Assistente.
Desde logo, todo o por si declarado. Para além de concretas referências ao facto de o arguido a ter apelidado de “burra” por diversas vezes, sem o conseguir situar verdadeiramente no tempo, frequência e contexto, nada mais de objetivo, claro e inequívoco transparece das suas declarações, as quais revelaram incongruências / fragilidades óbvias[14], tal como o refere a decisão em dissídio - (…) sem conseguir precisar acontecimentos [à excepção da situação ocorrida na passagem de ano], referindo que o mesmo era agressivo [sem conseguir concretizar como], dizendo que a impedia de vestir como queria [porque o arguido comentava a forma como vestia, desconhecendo-se com que frequência] mas que não lhe aplicava qualquer consequência caso não fizesse o que o arguido pretendia, ao mesmo passo que dizia ser obrigada a alterar a forma como se vestia (…) Aludiu ainda à circunstância de o arguido a apelidar de “burra”, no seio de discussões, mas não conseguindo concretizar nenhuma [nem quando, nem onde, nem a que se referia a discussão (…).
Para além deste pedaço factual, nada mais de relevante se exibe como indiciado.
Refira-se, também, que as testemunhas ouvidas em sede de inquérito – HH (fls. 134 a 136), EE (fls. 137 a 139) – foram muito claras. Referindo saber do relacionamento de namoro existente entre a Assistente e o arguido, nunca assistiu a nenhuma ameaça ou injúria direcionadas pelo suspeito à vítima (o primeiro); nunca presenciou qualquer ameaça ou injúria direcionadas pelo suspeito à vítima (o segundo).
O pai da Assistente, que figura como denunciante nestes autos, não teve qualquer conhecimento direto de atos que aponta ao arguido, assentando todo o seu depoimento em suposições e em possíveis outras razões em nada relacionadas com o ilícito em causa[15], avaliações de comportamentos da Assistente de onde retira as ilações que entende, atribuindo as atitudes diferentes no estar desta (na escola, na família, junto das amigas) a eventuais atos menos próprios do arguido, mas sem qualquer ancoradouro factual seguro / irrefutável.
No que concerne à prova trazida pela Assistente em sede de instrução, definitivamente, a sua carga probatória também não abunda, exuberando como frágil / frouxa / inconsistente e em algum ponto até tendenciosa[16].
A testemunha DD, que foi professora da Assistente no Colégio que esta frequentava assumiu nunca assisti a qualquer coisa que tenha acontecido entre a BB e o CC (…) a BB tinha falta de pré requisitos e foi necessário um trabalho nesse sentido (…) contra as regras fixadas no Colégio a BB não entregava o telemóvel na portaria e quando confrontada chorava (…) A BB dizia que ficava com o telemóvel por causa do namorado que precisava de falar com ela (...).
Com todo o respeito pela opinião contrária, nada disto elucida, como se pretende insinuar, comportamento invasivo, intrusivo, coativo do arguido sobre a Assistente. Aliás, a circunstância desta ficar com o telemóvel e justificar-se com o namorado, pode também ser uma mera desculpa para o incumprimento da regra imposta no estabelecimento de ensino frequentado pela Assistente; ou apenas e só porque esta num quadro de namoro típico de jovens quisesse estar sempre em contacto com o namorado.
Por seu turno, a testemunha FF, Assistente Social, a qual conheceu a Assistente e pais num quadro de regulação de responsabilidades parentais, não tendo qualquer conhecimento direto do relacionamento de namoro em causa, de modo cristalino referiu ter sentido (…) uma preocupação por parte do pai em relação a um namoro porque a BB estava a alterar o comportamento, no sentido de se afastar da família paterna e estar mais perto da mãe que era mais permissiva no namoro (…) só tem conhecimento do que lhe foi dito pelo pai da BB e pela avó paterna (…).
Daqui, para além de nada surgir ilustrativo de conhecimento direto, muitas ilações se podem tirar. Não gostar a família paterna do namoro da Assistente, algum “ciúme” do afastamento da Assistente por estar mais dedicada ao namorado, certa reserva por a Assistente querer estar mais próximo da mãe…Enfim, um variado número de hipóteses em que, nenhuma delas, ao que se pensa, desenha qualquer sinal de ato configurador de violência doméstica.
Em último, a testemunha GG, avó paterna da Assistente que de forma completamente apaixonada e nada distante referiu (…) o que assistiu era à pressão que ele fazia sobre a BB pois tinham que aguardar que ele chegasse para irem almoçar (…) para depois afirmar (…) não sabe o que acontecia se fossem almoçar sem esperar por ele.
Todo o depoimento em causa, não denunciando o menor traço da existência de um comportamento abusivo e controlador do arguido, o que parece antes mostrar, não é mais do que a reação familiar muito comum em quadros de não aprovação de determinado namoro. Claramente ilustrativo disso é o que a supra dita testemunha disse (…) nunca mais foram a família que se dava bem.
Colhe ainda notar, alguns detalhes que se descortinam como importantes.
O pai da Assistente, denunciante nestes autos, na verdade, nunca a assistiu a nada de concreto entre aquela e o arguido revelador do que depois afirma (…) o denunciado sempre tratou a menor de forma estrondosamente cruel e manipuladora (…), sendo que também declarou que o (…) denunciado sempre que encontrava o aqui denunciante, olhava para ele em tom de desafio e de forma arrogante (…).
Configurando tal, pensa-se, alguma animosidade entre o pai da Assistente e o arguido, com a circunstância de aquele nunca ter explicado o motivo pelo qual a sua filha – a Assistente – nunca lhe ter pedido qualquer tipo de ajuda no alegado relacionamento tóxico / cruel / manipulador e com o pormenor já acima contemplado - como a sua menor andar de carro com o indivíduo, sozinha e este dormir consigo -, crê-se que o que aqui desponta, não é mais do que um retrato típico, e tão comum, de não aceitação de um namoro porque se entende que um dos envolvidos não é a pessoa adequada e que qualquer pai almeja / sonha para o seu filho[17].
Em presença de todo este narrado e ponderado, é de concluir que inexistem indícios, ainda que muito ténues, da prática pelo arguido, do crime que a Assistente lhe pretende apontar.
Telegraficamente, uma palavra sobre o posicionamento assumido pelo Digno Mº Pº, neste Venerando Tribunal.
Defendendo que se poderia desenhar a prática pelo arguido de um crime de injúria e de um crime de ofensa à integridade física simples – este não se descortina muito claramente em que factos concretos indiciados – e que por isso o Tribunal deveria ter equacionado, em tempo, o cumprimento do disposto no artigo 303º, nº 5 do CPPenal -, acaba por concluir que (p)oderia (…) vir a valorar a impossibilidade de prosseguimento do procedimento criminal quanto a tais ilícitos em presença do facto de o exercício do direito de queixa ter ocorrido para além do prazo dos seis meses, cfr. artigo 115º do CP, uma vez que o relacionamento entre a assistente e o arguido teria terminado em março de 2020 e a denúncia e tomada de declarações a BB, momento em que manifesta a pretensão de ver exercida a ação penal, ocorrera em 21.06.2021[18].
Salvo mais avisada e douta opinião, reconhecendo do Digno Mº Pº que por tais eventuais crimes se mostraria extinto o exercício do direto de queixa, para além de desnecessária qualquer ponderação aqui e agora, por inútil, talvez fosse igualmente redundante fazer uso do mecanismo inserto no citado inciso legal.
Em consequência, nada mais resta que afirmar deverem os autos ser arquivados como bem se decidiu em 1ª instância.

III - Dispositivo
Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pela assistente BB mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigo 515º, nº1, alínea b) do CPPenal).

Évora, 15 de dezembro de 2022

(o presente acórdão, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94.º, n.º 2, do CPPenal.)

(Carlos de Campos Lobo - Relator)
(Ana Bacelar – 1ª Adjunta)
(Renato Barroso – 2º Adjunto)


________________________________________________
[1] Cfr. fls. 166 a 171.
[2] Cfr. fls. 210.
[3] Cfr. fls. 248 a 252.
[4] Não foi junta qualquer versão do requerimento de recurso em formato word ou outro que possibilitasse a sua utilização em termos de trabalho.
[5] Cfr. 313.
[6] GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário de Código de Processo Penal, Tomo III Artigos 191º a 310º, 2ª Edição, 2022, Almedina, p. 1346.
[7] Neste sentido, MELADO, J. M. Asencio, Presuncion de Inocência Y Prueba Indiciária, 1992, citado por SIMÕES, Euclides Dâmaso, Prova Indiciária (Contributos Para O Seu Estudo E Desenvolvimento Em Dez Sumários E Um Apelo Premente), in “Revista Julgar”, 02, Maio/Agosto de 2007, Edição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, p. 205.
[8] LEAL-HENRIQUES, Manuel, Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Volume II (Artigos 176º a 361º), 2014, Centro de Estudos de Formação Jurídica e Judiciária, p. 396.
[9] Artigo 152º
Violência doméstica
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
[…]
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
[…]
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento;
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
[…]
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos.
[10] Neste sentido os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de outubro de 2020, proferido no Processo nº 362/19.6PDCSC.L1-3, do Tribunal da Relação de Évora, de 13 de setembro de 2022, proferido no Processo nº 820/19.2PAOLH.E1, disponíveis em www.dgsi.pt.
Ainda, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2021, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, p. 642.
[11] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial – Tomo I – Artigos 131º a 201º, 1999, Coimbra Editora, p. 332.
[12] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, ibidem, p. 333.
[13] MIGUEZ GARCIA, M., CASTELA RIO, J. M., Código Penal – Parte geral e especial- Com Notas e Comentários, 2015 – 2ª Edição, Almedina, p. 651.
[14] Elucidativo da inconsistência do seu posicionamento é o facto de em sede de instrução, as primeiras palavras que a Assistente profere, e antes de mais nada, foram que estava ali por causa de um relacionamento tóxico e abusivo, sem qualquer concretização.
Começando por dizer que terminou o namoro com o arguido na altura da pandemia, acaba por dizer que foi em abril de 2019.
Referiu que as alegadas sanções que o arguido prometia aplicar caso ela não fizesse o que ele queria era terminar o relacionamento. Nunca deixou de vestir a roupa que tinha decidido vestir, apesar de dizer que o arguido não querer que ela vestisse determinada roupa.
Declarando que o arguido a proibiu de falar com colegas e amigos, acaba depois por dizer que ele nunca a proibiu de falar com as amigas.
Por diversas vezes a Assistente associa os problemas tidos com o arguido a questões existentes entre este e o pai.
[15] Parece que a estratégia passava por afastar a BB de todos quantos lhe pudessem abrir os olhos (…) a progenitora da BB permitia que esta e o namorado tivessem comportamentos totalmente inaceitáveis para o denunciante, como a sua menor andar de carro com o indivíduo, sozinha e este dormir consigo (…).
Atente-se que foi a própria Assistente, ouvida no debate instrutório, que declarou perentoriamente que o pai não gostava do arguido.
Num episódio que terá acontecido numa passagem de ano, foi a própria Assistente a referir que o arguido nada lhe fez, mas sim discutiu ao telefone com o seu pai.
[16] As declarações da avó paterna da Assistente são reveladoras de algum sentimento de agastamento pelo facto da neta – aqui a Assistente – por causa do namoro estar mais ligada e junto do namorado, do que da família, quadro que é absolutamente normal em namoro de jovens.
[17] Diga-se ainda, que da própria denúncia exubera alguma tensão / desacordo quanto à forma de educação da Assistente, entre o pai e a mãe que, ao que parece é mais permissiva.
[18] Cfr. fls. 313.