Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ DE CARVALHO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO PAULIANA REQUISITOS SIMULAÇÃO DE CONTRATO MATÉRIA DE FACTO | ||
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Data do Acordão: | 04/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 – A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica). 2 – A presunção equivale, pois, a uma convicção fundada sobre a ordem normal das coisas. 3 – Em matéria de simulação e de impugnação pauliana, fora dos raros casos de confissão, a prova obtida não tem uma fonte directa, mas a resposta pode ser encontrada a partir da conciliação entre os dados objectivos e juízos presuntivos obtidos a partir de um trabalho de peneira dos contributos probatórios presentes na produção de prova, calibrados à luz de critérios de experiência, da lógica e de normalidade social. 4 – A comprovação da intencionalidade associada ao negócio jurídico tem de ser alcançada com base em técnicas de reconstrução indirecta em que, com base na prova de certos factos materiais (factos-base de uma presunção), se argumenta que um sujeito tem ou teve uma determinada vontade. 5 – A impugnação pauliana tem os seguintes pressupostos e requisitos: (i) a realização pelo devedor de um acto que diminua a garantia patrimonial do crédito e não seja de natureza pessoal; (ii) que o crédito seja anterior ao acto, ou sendo posterior, ter sido ele dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; (iii) que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má-fé tanto do alienante como do adquirente; (iv) que resulte do acto a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito ou agravamento dessa impossibilidade. 6 – Na impugnação pauliana o conceito de má fé expresso no n.º 2 do artigo 612.º do Código Civil tem um sentido próprio, não impondo o legislador que tenha havido por parte dos intervenientes no negócio uma intenção deliberada de prejudicar o credor, bastando-se com a consciência desse prejuízo, exigindo, porém, que a consciência desse prejuízo se verifique em ambos os contratantes. 7 – De acordo com o preceituado no artigo 611.º do Código Civil, ao credor basta fazer prova da existência e do montante do seu crédito, impendendo sobre o devedor o ónus de demonstrar que o seu património é composto por bens suficientes para garantir a satisfação desse crédito. 8 – Diz-se simulação a divergência entre vontade real e vontade declarada resultante de um acordo entre declarante e declaratário, ou qualquer interessado no negócio, no intuito de enganar terceiros. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 499/17.6T8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Central de Competência Cível de Setúbal – J1 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: Na acção comum de condenação proposta por (…) contra (…), (…), “(…), Lda.”, (…), (…) e (…), o Autor veio interpor recurso da sentença proferida. * O Autor pedia que: a) fosse declarada a ineficácia, em relação ao Autor, das transmissões de propriedade do bem imóvel, prédio misto, sito em Águas de Moura, Estrada de (…), (…), na freguesia de Marateca, concelho de Palmela, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da Secção U e na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o artigo n.º (…), devendo ainda ser ordenado à 5.ª e 6.º réus a restituição do referido bem, por forma a garantir a satisfação do seu crédito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil. e, subsidiariamente, que b) fosse declarada nulidade das transmissões de propriedade do bem imóvel por simulação absoluta, devendo ainda ser ordenado o cancelamento dos registos efetuados com base nos aludidos negócios de compra e venda e doação. * Em abono da sua pretensão, o Autor invoca que os 1ºs Réus venderam o imóvel identificado na petição inicial à empresa “(…), Lda.” que, no mesmo dia, o vendeu a (…), mãe da Ré. Esta, de seguida, doou o imóvel aos seus netos, filhos do 1º e 2ª Réus, livre de ónus ou encargos, por forma a salvaguardar o imóvel e impossibilitar a cobrança do crédito do Autor no montante de € 54.148,57 acrescidos de juros de mora vincendos desde 18/01/2017. Alega ainda que os 1º e 2ª Réus com a venda deste imóvel conseguiram esvaziar o património que podia garantir a satisfação do crédito do Autor, pois resultaram infrutíferas as diligências encetadas pelo mesmo para localizar outros bens no património dos Réus susceptíveis de responder pelo crédito. Mais se diz que os 1º e 2º Réus nunca deixaram de habitar o imóvel em causa, o qual foi transferido entre familiares e por montante exageradamente baixo que corresponde a 1/3 do verdadeiro valor do imóvel. * Devidamente citados, os Réus apresentaram contestação, alegando, em suma, que nunca pretenderam prejudicar os credores e evitar a satisfação integral dos seus créditos. E concluem, assim, pela inexistência de qualquer acto que prejudique o Autor. * O objecto do presente litígio consistia em apreciar da ineficácia em relação ao Autor das transmissões de propriedade do imóvel e da nulidade das transmissões de propriedade do bem imóvel por simulação absoluta. * Realizado o julgamento, o Tribunal «a quo» decidiu absolver os Réus de tudo o peticionado. * O recorrente não se conformou com a referida decisão e nas suas alegações apresentaram as seguintes conclusões: «I. Ora e salvo melhor opinião entende o Recorrente que o Tribunal a quo valorou mal os depoimentos e declarações prestadas. II. Quanto aos pontos da factualidade considerada não provada pela sentença recorrida: “Os gerentes da 3ª ré sabiam que com estes negócios pretendia o 1º réu furtar-se ao pagamento das suas dívidas tendo tais atos sido praticados pelos réus com o intuito de impossibilitar o autor de obter a satisfação integral do seu crédito” (Ponto 8), “O 1.º e 2ª réus, agiram em conluio com os restantes réus com o intuito exclusivo de enganar e prejudicar o autor, impedindo-o de exercer os seus direitos de crédito” (Ponto 10), e “Os réus acordaram entre si fazer as declarações constantes das duas primeiras escrituras de compra e venda e da última escritura de doação, sem verdadeiro intuito de realizar contratos de, respetivamente, compra e venda e doação” (Ponto 11). III. O Tribunal a quo julgou-os não provados, contudo deveria ter decidido os mesmos como provados pelos fundamentos acima indicados. IV. Em primeiro lugar, não obstante o 1.º Recorrido afirmar que, aquando do divórcio e dos negócios impugnados, não tinha qualquer litígio ou dívida, a verdade é que a empresa (…) já ultrapassava tempos difíceis a essa data. V. Mais ainda, 2011 foi o ano no qual se consolidou a dívida do 1.º Recorrido perante o Recorrente. VI. Conforme decidido em ação que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Instância Central de Lisboa, 1.ª Secção Cível – J18, sob o n.º de processo 11312/14.6T8LSB, tendo já sido proferida sentença em 08.06.2016, dando a mesma procedência ao pedido do Recorrente. VII. Aliás, o Douto Tribunal a quo decidiu pela anterioridade do crédito do Recorrente sobre os negócios impugnados. VIII. Desde logo se denota a falta de coerência e justificação para o facto de o negócio em causa ter sido realizado primeiro com a empresa 3.ª Ré e só depois com a 4.ª Ré, quando poderia ter sido celebrado diretamente… IX. Ora, se porventura tivesse existido alguma justificação plausível para a venda do imóvel à empresa 3.ª Recorrida, para posterior transmissão à 4.ª Recorrida, qualquer um dos Recorridos conseguiria enunciá-la. X. Além disso, no que diz respeito aos valores declarados no 1.º e no 2.º negócio, esses valores são escandalosamente baixos, a saber € 85.000 e € 87.500, respetivamente. XI. Para a decisão em causa deveriam ainda ter sido considerados os próprios pagamentos realizados nos negócios em causa. XII. Conforme se poderá comprovar através do Requerimento probatório submetido a 28.06.2019 por parte dos Recorridos, de acordo com a versão dos Recorridos, na escritura de dia 18.01.2012 de passagem do imóvel para a Recorrida (…), foram efetuadas transferências bancárias no valor de € 75.000,00 e um pagamento em numerário de € 10.000,00. XIII. Na segunda escritura, também realizada a 18.01.2012 e de transmissão do imóvel da Recorrida (…) para a Recorrida (…), o preço foi pago mediante dois cheques bancários no valor de € 75.000,00 e um pagamento em numerário de € 12.500,00. XIV. Aliás, o próprio legal representante da 3.ª Ré, no seu depoimento admitiu que nunca realizaria um pagamento em dinheiro. XV. Não se recordando (qualquer um dos Recorridos!) de qualquer pagamento em numerário. XVI. Porque tais pagamentos nunca sucederam! XVII. Em segundo lugar, relativamente à primeira escritura celebrada no dia 18 de janeiro de 2012, as transferências realizadas para a 2.ª Recorrida no valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros) e de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) reportam-se ao dia 17 de janeiro de 2012, ou seja, um dia antes da escritura. XVIII. Já no que concerne à segunda escritura, outorgada no mesmo dia 18 de janeiro de 2012, os cheques no valor de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) e de € 30.000,00 (trinta mil euros) foram emitidos a 11 de janeiro de 2012 e descontados no dia 13 de janeiro do mesmo ano, ou seja, cinco dias antes da respetiva escritura. XIX. O facto de todos os pagamentos, tanto os da primeira escritura como da segunda terem sido realizados antes da data da escritura demonstram o grau de confiança e intimidade entre as partes. XX. Além de a Recorrida (…) não ter recebido qualquer lucro com a realização do negócio, ainda teve prejuízos, nomeadamente com o pagamento do Imposto de Selo no valor de € 680,00 (cfr. Documento junto com a Petição Inicial sob o n.º 22). XXI. O objetivo claro e flagrante foi a dissipação de património. XXII. Quanto aos pontos da matéria de facto considerada não provada na sentença recorrida “Desde a data de construção da moradia e até ao dia de hoje, 1º e 2ª réus sempre moraram efetivamente nessa moradia” (Ponto 3) e “Após as transmissões do imóvel os 1.º e 2.º Réus continuam a viver juntos, na referida moradia” (Ponto 4), salvo melhor opinião, o Tribunal a quo deveria tê-los considerado como provados. XXIII. O 1º Recorrido foi apanhado em completa contradição quando confrontado com os Avisos de Receção referentes às citações dos seus filhos, com morada na Estrada (…), os quais foi o próprio que assinou a 25.01.2017. XXIV. Ora, o 1.º Recorrido afirma ter residência na Rua (…) em Águas de Moura desde 2012, porém, no ano de 2017 recebia comunicações endereçadas aos seus filhos na casa sita na Estrada (…), foi visto na referida morada por diversas vezes a realizar planos familiares e os seus veículos encontravam-se sempre lá estacionados. Da matéria de Direito XXV. A presente impugnação pauliana foi intentada pelo Recorrente para proteção do crédito que tem sobre o 1.º Recorrido, já reconhecido judicialmente. XXVI. O Recorrente intentou já outras impugnações paulianas que têm por objeto similares situações de dissipação de património por parte do 1.º Recorrido. XXVII. Não pode o Recorrente concordar com a sentença recorrida na parte em que considera não se verificar má-fé nos negócios celebrados pelos Recorridos. XXVIII. Ora, os negócios impugnados não correspondem, de forma alguma, a um enquadramento normal de negócio realizado entre pessoas independentes com o objetivo de realizarem um negócio. XXIX. Os Recorridos apenas pretendiam a transmissão do imóvel para os 5.º e 6.º Réus livres de ónus e encargos. XXX. Tendo em conta que o Tribunal a quo considerou comprovada a anterioridade do crédito do Recorrente em relação aos atos impugnados, estranha-se que não tenha entendido os negócios impugnados como praticados de má-fé. XXXI. Aliás, nem precisaria o Recorrente de provar que os atos foram praticados dolosamente com o fim de impedir a satisfação do seu crédito, nos termos do disposto na alínea a) do artigo 610.º do Código Civil. XXXII. Ora, nos termos do artigo 611.º do Código Civil, cabe ao devedor o ónus da prova de que possui bens penhoráveis de igual ou maior valor, e não ao credor, ora recorrente. XXXIII. Porém, de todo o modo, o Recorrente provou com todo o alegado de que os atos foram sim praticados pelos Recorridos dolosamente com o fim de impedir a satisfação do crédito do Recorrente. XXXIV. O Tribunal a quo entendeu não se verificar provada a má-fé dos Recorridos no sentido de que estes tivessem consciência do prejuízo que poderia ser causado ao Recorrente, para efeitos de preenchimento do requisito de má-fé essencial para a ação de impugnação pauliana em causa. XXXV. Com todo o devido respeito, decidiu o Douto Tribunal erradamente. XXXVI. Tanto os Réus …, como … (outro accionista da sociedade … e Réu na Impugnação Pauliana com o n.º de processo 11312/14.6T8LSB, que correu os seus termos no Juízo Central Cível de Lisboa, com Acórdão de procedência transitado em julgado a 16.01.2018) se divorciaram com apenas uns meses de diferença e ambos deixaram todos os bens em nome das suas ex-cônjuges... XXXVII. E todos os negócios impugnados foram realizados entre pessoas interligadas entre si. XXXVIII. Nem mesmo o Tribunal a quo conseguiu encontrar justificação para os negócios realizados. XXXIX. Conforme referido nos artigos 16.º a 21.º das presentes alegações, os Recorridos não lograram justificar os negócios impugnados. XL. Antes pelo contrário, evitaram sempre responder diretamente às perguntas realizadas, vacilando por diversas vezes nas suas respostas. XLI. Considera-se, desde logo, que os depoimentos em causa não foram, de todo, convincentes ou verdadeiros! XLII. Mesmo o valor que os Recorridos atribuíram ao imóvel é extremamente irrealista e incongruente com a realidade e com o facto de terem realizado diversas benfeitorias no imóvel. XLIII. Ao “vender” o referido imóvel da 2.ª Recorrida, com o consentimento do 1.º Recorrido, estes dois Recorridos esvaziaram o património da 2.ª Recorrida e, consequentemente, impossibilitaram a compensação do património comum pelo património próprio da 2.ª Recorrida, retirando ao 1.º Recorrido a possibilidade de reclamar o seu direito à meação no património comum, constituído pelo menos pelo crédito sobre o património próprio da 2.ª Recorrida, no valor de € 122.848,61. XLIV. O divórcio dos 1º e 2ª Recorridos ocorreu no dia 12.07.2012, pelo que nessa data tornou-se exequível o direito do 1º Recorrido à sua meação no património comum do casal. XLV. Mesmo que assim não se entenda, hipótese que se coloca à cautela, sem conceder, sempre se dirá que a dívida que o 1.º Recorrido tem para com o Recorrente é uma dívida comum do 1º Recorrido e da 2.ª Recorrida, conforme disposto no artigo 1691.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código Civil. XLVI. Os três negócios impugnados estão feridos de má-fé, porquanto os Recorridos intervenientes em tais negócios não poderiam desconhecer a situação económica caótica do 1.º e 2.ª Recorridos. XLVII. Os Recorridos levaram a cabo ações concertadas e provenientes de intricadas relações de confiança para dissipação do património. XLVIII. De igual modo se reitera o entendimento consagrados nos artigos 36.º a 55.º da presente peça processual, referente aos alegados pagamentos em numerário. XLIX. Os Recorridos poderiam ter feito a transação diretamente, sem intermediação da empresa, a qual nem sequer lucrou com a transmissão da propriedade, uma vez que nada ganhou com os negócios (antes pelo contrário). L. Conforme é sabido, a má-fé é um elemento extremamente difícil de ser provado e deve ser valorado tendo em conta as normais regras de senso comum. LI. Não procedendo o pedido principal da impugnação pauliana, o Recorrente pediu subsidiariamente que fossem declarados nulos por simulação absoluta, os negócios impugnados. LII. De facto, nos negócios em apreço, verifica-se a existência simultânea de três requisitos da simulação: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (pactum simulationis) e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar). LIII. Contudo a Douta sentença recorrida julgou também improcedente o pedido subsidiário deduzido. LIV. A sentença proferida viola o regime previsto nos artigos 610.º e 616.º do Código Civil. LV. Nestes termos, deverá improceder o alegado pelos Recorridos no âmbito do processo mencionado e ser revogada a sentença recorrida do Juízo Central Cível de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, dando-se provimento à presente alegação nos estritos termos supra requeridos. Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas.: a) Deverá ser admitido e julgado procedente o presente recurso; b) Devendo, consequentemente, ser revogada a douta sentença, e, consequentemente, ordenar a baixa do processo para a decisão devida das questões de facto e de Direito invocadas, com todos os efeitos legais daí advenientes, assim sendo feita Justiça!». * Não foram apresentadas contra-alegações. * Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). Apesar da sua exagerada extensão, analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de: i) erro na avaliação da matéria de facto. ii) erro de julgamento na subsunção jurídica realizada. * III – Dos factos apurados: 3.1 – Matéria de facto provada: Discutida a causa mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para a boa decisão da causa: 1) O 1º Réu era marido da 2ª Ré entre 17/06/1995 e 12/07/2012, e ambos são, respectivamente, pai e mãe da 5ª e 6º Réus. 2) A 4ª Ré é mãe da 2ª Ré e avó da 5ª e 6º Réus. 3) A 3ª Ré é uma sociedade comercial por quotas, sendo um dos seus sócios e gerente – (…) – marido da prima do 1º Réu, (…). 4) O Autor é proprietário de um imóvel sito em (…), constituído por edifício de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, celeiro, cavalariças e garagem 5) (…) e de um outro imóvel sito em Monte dos (…), constituído por uma casa de rés-do-chão, um terreno, um olival e cavalariças; 6) O Autor e o 1º Réu são dois dos quatro accionistas da sociedade “(…) Formação e Consultadoria, SA.”, pessoa coletiva n.º (…), com sede na Rua (…), n.º 13, 1.º, 2800-710 Almada, anteriormente designada por “(…) – Serviços e Comércios Internacionais, SA”. 7) Em 08/04/2004 e 12/04/2004, por acordo entre o Autor, o 1º Réu, os dois restantes sócios (… e …) e a sociedade (…) foi constituída hipoteca voluntária sobre os referidos dois imóveis do Autor, a favor do Banco (…), como garantia de financiamento para a sociedade (…). 8) Em 12/09/2005, o Autor e o 1º Réu, bem como ainda (…) e (…), assinaram uma “Declaração de Dívida e Compromisso de Distrate de Hipoteca”, da qual consta o seguinte: «O valor total das hipotecas escriturado foi (Quinhentos e sessenta mil euros) sendo o valor dado à casa de (…), € 327.00,00 € e ao Monte dos (…) € 233.000,00; O nosso compromisso para distrate das hipotecas tem como limite a data de doze de Março de dois mil e onze; (…) Enquanto se mantiverem a(s) hipoteca(s), ou seja, até ao limite máximo de 12 de Março de 2011, isto se não houver antecipação dos distrates, pagaremos por cada mês, a titulo de compensação, ao (…), a importância de € 2.570,00». 9) No dia 12/03/2011, o distrate não sucedeu. 10) Em 06/11/2012, foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade (…). 11) O cancelamento das hipotecas verificou-se no que se refere ao imóvel do Monte dos (…), (…), em 26/11/2014 e, quanto ao imóvel de (…), em 31/05/2016. 12) O 1º Réu não pagou qualquer quantia ao Autor a partir de abril de 2011. 13) O Autor instaurou acção declarativa de condenação, contra vários réus, entre os quais o aqui 1º Réu, acção que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Instância Central de Lisboa, 1ª Secção Cível – J18, sob o n.º de processo 11312/14.6T8LSB tendo sido proferida sentença em 07/07/2016, dando a mesma procedência ao pedido do Autor, tendo sido objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu Acórdão em 28/11/2017, transitado em julgado em 16/01/2018, que confirmou integralmente a sentença recorrida. 14) Nos termos da referida sentença, o 1º Réu foi condenado a pagar ao Autor: - A quantia de trinta e sete mil, seiscentos e noventa e três euros (€ 37.693,00), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais vencidas entre Abril de 2011, inclusive, e Novembro de 2014, inclusive, e até integral pagamento; - A quantia de quinhentos euros e setenta cêntimos (€ 500,70) mensais, desde Novembro de 2014 exclusive e até Junho de 2016, exclusive, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento. 15) (…) O que perfaz a título de capital, € 47.206,30 (= 37.693,00 + 500,70 x 19 meses) acrescido de juros de mora vencidos que até 17/01/2017, à taxa legal, perfazem o valor de € 6.942,27 (seis mil, novecentos e quarenta e dois euros e vinte e sete cêntimos), sem prejuízo dos juros vincendos a partir de 18/01/2017, à taxa legal, num total de € 54.148,57 (cinquenta quatro mil, cento e quarenta e oito euros, cinquenta e sete cêntimos), ao qual acrescem juros de mora vincendos a partir de 18/01/2017. 16) O Autor intentou acção declarativa de condenação (impugnação pauliana), contra o 1º e 2º Réus e ainda contra (…), que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Instância Central de Lisboa, 1ª Secção Cível – J1, sob o n.º de processo 1688/13.8TVLSB, onde foi proferida sentença, já transitada em julgado, procedendo parcialmente o pedido do Autor, tendo sido condenados os Réus adquirentes a ver restituídos aos patrimónios dos Réu (…) e o Réu (…) vários bens alienados, na medida necessária ao pagamento da dívida da (…), garantida pela hipoteca que incide sobre o bem imóvel pertencente ao Autor sito em (…) e tendo a Ré (…) sido absolvida do pedido. 17) Em 01/07/2016, o Autor intentou a acção de impugnação pauliana que corre termos sob o n.º 16678/16.0T8LSB, no Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 2, contra o aqui 1º Réu, com o objetivo de impugnar várias alienações de 5 (cinco) automóveis, invocando que nas datas de 13/01/2012 (nesta data foram alienados 2 veículos – Mercedes e Range Rover), 11/06/2012 (Jaguar), 11/10/2012 (Mercedes) e 02/01/2013 (Toyota), foram efectuadas essas vendas pelo aqui 1º Réu e 2ª Ré. 18) Em 13/04/1993, ainda no estado de solteira, a 2ª Ré adquiriu a (…) e mulher, um prédio rústico com a área de 5.075 m2, composto por terreno destinado a cultura hortícola de regadio, situado em (…), freguesia de Marateca, do concelho de Palmela. 19) Por despacho de 04/05/1995 foi emitido pela Camara Municipal de Palmela, a favor da Ré (…), alvará de licença de utilização do imóvel, correspondente ao alvará de construção emitido em 06/05/1994. 20) O casamento entre 1º Réu e 2ª Ré foi celebrado em 17/06/1995. 21) Em 09/10/1995, foi constituída hipoteca sobre o prédio referido em 18) «encontrando-se a parte urbana omissa na respectiva matriz, mas tendo sido pedida a sua inscrição em vinte e dois de Maio, findo» para «garantia do bom e integral pagamento à Caixa de Credito Agrícola Mútuo (…), CRL, de: a) todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir , seja qual for a sua natureza (…) até ao montante de capital de doze milhões e seiscentos mil escudos» (equivalente a € 62.848,61). 22) No dia 25/8/2008, 1º e 2ª Réus, no estado de casados, pediram um empréstimo bancário à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), CRL, no valor de € 60.000,00, declarando que a «segunda outorgante-mulher é dona e legitima possuidora do prédio misto, sito na Estrada de (…), (…), Águas de Moura, freguesia de Marateca, concelho de Palmela, composto de cultura arvense, pomar de laranjeiras e arrecadações agrícola e rés-do-chão para habitação, descritos na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…), da dita da dita freguesia» concedido «ao abrigo do Regulamento do Crédito à habitação para os trabalhadores das instituições de credito agrícola mútuo destinado a financiar a realização de obras de beneficiação na referida habitação»; com garantia hipotecária sobre o imóvel; 23) Em 18/01/2012, a 2ª Ré, com o consentimento do 1º Réu, por ainda estarem casados, vendeu à 3ª Ré, por escritura de compra e venda, pelo preço de € 85.000 (oitenta cinco mil euros), o prédio misto sito em (…), Estrada de (…), (…), freguesia de Marateca, concelho de Palmela, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da Secção U e na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o artigo n.º (…). 24) Na matriz predial urbana mostra-se descrito o «prédio urbano de r/c para habitação, com 5 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho, 2 corredores, despensa e terraço», com «área de implantação do edifício: 298,0000m2; área bruta de construção: 298,000m2; área bruta dependente: 105,0000m2; área bruta privativa: 298 m2» e indicação de área total do terreno de: 5075,0000m2. 25) No mesmo dia, 18/01/2012, e no mesmo Cartório Notarial, imediatamente a seguir, a 3ª Ré vendeu o imóvel descrito em 22) à 4ª Ré, pelo preço de € 87.500,00 (oitenta e sete mil e quinhentos euros). 26) Em 01/03/2012, e no mesmo Cartório Notarial, a 4ª Ré transmitiu o imóvel descrito em 22), através de doação, aos seus netos, 5ª e 6º Réus, filhos do 1º e 2ª Ré, na altura com 13 e 15 anos de idade. 27) O Autor requereu a declaração de insolvência do Réu (…) no âmbito do processo de insolvência n.º 3111/14.1TBSTB, tendo sido proferida sentença, datada de 13/08/2014, julgando improcedente a acção e absolvendo o requerido do pedido de declaração de insolvência. 28) No âmbito da sentença proferida no processo de insolvência 3111/14.1TBSTB resultou provado que «No ano de 2012, o requerido declarou rendimentos do trabalho dependente e rendimentos prediais para efeitos de imposto sobre rendimento das pessoas singulares, encontrando-se inscrito na segurança social; No ano de 2013, o requerido declarou, para efeitos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, o rendimento global de € 29.400,01; O requerido é administrador da empresa (…), SA que se encontra em actividade, auferindo a remuneração mensal ilíquida de € 2.100 x 14 meses, acrescida de subsidio de almoço no valor diário de € 4,27; O requerido no ano de 2012, era titular de participação social na sociedade com o NIPC (…)». 29) O Réu (…) é, desde a criação da empresa (…), presidente do conselho de administração da empresa. 30) Em 28/11/2012 transitou em julgado a sentença de declaração de insolvência da empresa (…), tendo em 04/03/2016 sido proferida decisão de homologação do plano de insolvência. 31) O último registo de prestação de contas da empresa (…) data de 21/09/2020 encontrando-se a empresa em actividade. 32) Foi proferido despacho de arquivamento em 21/02/2012, no âmbito do NUIPC 6169/11.1TDLSB na sequência de queixa apresentada por (…) contra (…), (…) e (…), SA, imputando-lhes a prática de um crime de burla. * 33 – Os gerentes da 3ª Ré sabiam que com estes negócios pretendia o 1º Réu furtar-se ao pagamento das suas dívidas tendo tais actos sido praticados pelos Réus com o intuito de impossibilitar o Autor de obter a satisfação integral do seu crédito[1]. 34 – O 1º e 2ª Réus agiram em conluio com os restantes Réus com o intuito exclusivo de enganar e prejudicar o Autor, impedindo-o de exercer os seus direitos de crédito[2]. 35 – Os Réus acordaram entre si fazer as declarações constantes das duas primeiras escrituras de compra e venda e da última escritura de doação, sem verdadeiro intuito de realizar contratos de, respectivamente, compra e venda e doação[3]. * 3.2 – Matéria de facto não provada: 1 – A 2ª Ré adquiriu o prédio descrito em 18) aos avós. 2 – O empréstimo pedido pelos 1º e 2º Réus em 09/10/1995 foi com o objetivo de construção de uma moradia no referido terreno. 3 – Desde a data de construção da moradia e até ao dia de hoje, 1º e 2ª Réus sempre moraram efectivamente nessa moradia. 4 – Após as transmissões do imóvel os 1º e 2º Réus continuam a viver juntos, na referida moradia. 5 – As despesas materiais com a construção da moradia e obras de melhoria, feitas pelo 1º Réu e 2ª Ré enquanto casal, ascendem a, pelo menos, € 122.848,61 (= € 62.848,61 + € 60.000,00). 6 – Devido à alienação, a 2ª Ré não tem património capaz de assegurar o pagamento da compensação ao 1º Réu, da meação a que este teria direito na partilha, no valor de € 61.424,30 (= € 122.848,61 / 2). 7 – Esta moradia tem um valor nunca inferior a € 300.000,00. 8 – Eliminado[4]. 9 – Inexistem outros bens penhoráveis existentes na esfera jurídica do 1º Réu ou da 2ª Ré que possam satisfazer o seu crédito. 10 – Eliminado[5]. 11 – Eliminado[6]. 12 – Os 5ª e o 6º Réus, sempre viveram juntamente com os pais, 1º e 2ª Réus, no imóvel. * IV – Fundamentação: 4.1 – Da alteração da decisão de facto: Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil. Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de primeira instância que deu como provados (e não provados) certos factos pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados. * O recorrente discorda da posição do Tribunal «a quo» quanto à resposta negativa aos pontos 8)[7], 10)[8] e 11)[9] dos factos não provados. Na leitura do Juízo Central de Competência Cível de Setúbal «a matéria de facto não provada resultou da falta de prova produzida sobre a mesma e, bem assim, de prova produzida em sentido contrário». O recorrente funda a sua discordância nos depoimentos de parte de (…), (…), … (legal representante da 3ª Ré) e de (…) e no testemunho de (…). * A questão fracturante dos autos corresponde ao apuramento da intenção negocial das partes e destina-se a decifrar se estão preenchidos os requisitos subjectivos da procedência de uma impugnação pauliana e, subsidiariamente, de um negócio simulado. Em matéria de simulação e de impugnação pauliana, é imperioso apurar qual a intenção das partes em celebrarem determinado ajuste e a prova directa dessas intenções é rara (v.g. confissão ou contradeclaração escrita). Consabidamente, estamos numa área doutrinal e jurisprudencial classificada como prova diabólica e onde, por norma, fora dos raros casos de confissão, a prova obtida não tem uma fonte directa mas a resposta pode ser encontrada a partir da conciliação entre os dados objectivos – normalmente registados em suporte documental e, por vezes, transmitidos por avaliações periciais – e juízos presuntivos obtidos a partir de um trabalho de peneira dos contributos probatórios presentes na produção de prova, calibrados à luz de critérios de experiência[10], da lógica[11] e de normalidade social. Assim, a comprovação da intencionalidade associada ao negócio jurídico e a falta ou vício da vontade tem de ser alcançado «com base em técnicas de reconstrução indirecta em que, com base na prova de certos factos materiais (factos-base de uma presunção), se argumenta que um sujeito tem ou teve uma determinada vontade»[12] [13] [14] [15]. Também Maria de Fátima Ribeiro entende que a prova indirecta (resultante para o julgador de «sinais ou revelações exteriorizadas desse estado psíquico») ou a prova por presunção (resultante para o julgador de determinadas circunstâncias que lhe permitam, «utilizando as regras da experiência, os princípios da lógica, ou mesmo os dados da intuição humana», firmar consciência), assumem particular relevância[16]. Alerta também a autora para a não exigência de haver intenção de prejudicar o credor, que não se deve confundir com a má-fé a que se refere o artigo 612.º do Código Civil. Somos adeptos da posição teórica de Pires de Lima e Antunes Varela que sublinham que as presunções podem ser legais, se estabelecidas pela lei, ou judiciais, simples ou de experiência, quando assentam no simples raciocínio de quem julga[17]. De acordo com a noção incorporada no artigo 349.º[18] do Código Civil as presunções são as ilações que a lei ou o julgador[19] tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Ou, como sublinha Chiovenda, «a presunção equivale, pois, a uma convicção fundada sobre a ordem normal das coisas»[20]. No âmbito de tal má-fé subjetiva bilateral, não se exige a demonstração da intenção de prejudicar ou o conhecimento da situação de insolvência do devedor, bastando o conhecimento/convicção do devedor/alienante e do terceiro/adquirente de que o acto transmissivo ocasiona dano ao credor (diminuição da garantia patrimonial do seu crédito), o que é compatível com o dolo, mas também com a negligência consciente[21]. Sendo a simulação um fingimento que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta), ou que foi celebrado para esconder um outro, esse sim querido pelas partes (negócio dissimulado), a prova do requisito “intuito de enganar terceiros” pode ser feita de forma expressa – quando, por exemplo, existe um quesito a indagar sobre a intenção que é matéria de facto – ou de forma menos ostensiva, quando as instâncias recorrem a presunções[22]. Aplicando-se aqui esta posição mutatis mutandis ao instituto da impugnação pauliana. * A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto «não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)»[23]. A apreciação da prova deve ocorrer sob o signo da probabilidade lógica – de evidence and inference –, ou seja, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis. Na presente hipótese é incontestável que os negócios impugnados foram realizados entre pessoas interligadas entre si e que a sucessão de transacções e a transmissão de subsequente dos mesmos bens para terceiros integrados no núcleo familiar dos envolvidos nos negócios. E isso criava inequivocamente uma dúvida relacionada com a probidade negocial aqui em discussão e onde a sociedade mediadora do negócio intercalar aparece como mero entreposto instrumental do negócio. Além do mais, essa obscuridade negocial estava adensada com o tempo e o modo de pagamento dos ditos negócios que ocorreram antes do momento das escrituras e que motivaram que uma parte dos pagamentos fosse efectuada em numerário quando uma das intervenientes era uma sociedade comercial que se encontra sujeita a regras contabilísticas que não se mostram compatíveis coma conduta adoptada. Porém, na óptica da decisão recorrida não resultava que os Réus tinham a «necessária consciência de que algum prejuízo (animus nocendi) fosse causado ao credor» e que o Autor não logrou provar que a parte contrária agisse «de forma concertada para retirar aquele imóvel» da esfera dos Réus impedindo o Autor de realizar o seu credito. Recorda-se que conclusão diversa tinha sido retirada no âmbito do processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Instância Central de Lisboa, 1.ª Secção Cível – J1, sob o n.º de processo 1688/13.8TVLSB, onde foi proferida sentença, já transitada em julgado, procedendo o pedido do Autor, tendo sido os Réus, entre os quais o aqui 1º Réu, sido condenados a restituir vários bens alienados. É certo que a prova poderia ser distinta nas duas acções e que estes negócios aqui em apreciação pudessem ter sido realizados com intuitos absolutamente diversos e num quadro de honestidade intelectual que não ocorreu nos actos translativos ali julgados. Existem duas linhas probatórias completamente divergentes, uma encabeçada e corporizada nos depoimentos tomados aos intervenientes directos nos negócios sob avaliação e a outra prosseguida pelo Autor. Da análise integrada de todos os meios de prova, este Tribunal da Relação não tem qualquer dúvida que todo o itinerário das compras e vendas e da subsequente doação tinha o objectivo de proteger o antigo património dos primeiros Autores, salvaguardando-o de actos de apreensão por parte dos devedores e visava assim evitar que o bem em causa fosse aplicado na satisfação do crédito da parte activa. Na realidade, apenas com base em dados ilógicos e irracionais se compreenderia a sucessão de negócios efectuados ou então teria de existir um interesse encapotado de alteração da realidade que conduzisse a uma modificação consciente dos elementos contratuais base ao nível do preço, ao modo de pagamento e à intervenção de um terceiro no negócio. O depoimento de parte do Autor é muito mais crível, socialmente ajustado à realidade e assume-se como logicamente representativo da lógica inerente a fenómenos típicos fraudulentos de ocultação e de dissipação de património. A resposta terá de ser positiva a partir da filtragem das declarações tomadas ao Autor (…), que foram secundadas pelo testemunho recolhido a (…). Esta testemunha, por força da sua ligação prévia à sociedade (…), revelou ter conhecimento da valorização do prédio onde estava instalada a residência familiar, a forma costumeira e contemporânea como o Réu (…) e o outro sócio se divorciaram e alienaram o património que tinham em nome pessoal. A testemunha estava ainda a par do processo de degradação progressiva da tesouraria e das finanças da sociedade. Na sua leitura, os negócios aqui em discussão foram feitos de forma clássica de divórcio e de alienação do património, mas realizados «de forma atabalhoada». A par destas assertivas declarações sucede que, nalguns passos dos respectivos depoimentos, os Réus depoentes mostraram uma incapacidade explicativa da razão de ser destes sucessivos negócios. Da audição da prova e da avaliação dos restantes elementos resulta que os Réus agiram de forma concertada, com base nesse relacionamento de confiança, ocorrendo uma clara dissipação do património, que visava causar prejuízo a terceiros detentores de créditos anteriormente constituídos. Assim, com base nas declarações convocadas pelo recorrente e ainda com o recurso a presunções judiciais, que se mostram escoradas em critérios de normalidade social e nas regras de experiência comum, é possível consolidar a tese que, efectivamente, na sua dimensão real, o objectivo camuflado correspondia àquele que estava exarado nos factos não provados e, que o negócio em discussão, serviu assim apenas para retirar ao Autor a possibilidade de reparar o seu crédito. De todo o complexo probatório, ao invés daquele que foi o entendimento da Mma. Juíza de Direito, o Tribunal da Relação de Évora não tem qualquer dúvida de afirmar que, sem embargo das divergências existentes entre grupos de interesses revelados no decurso do julgamento e do próprio ónus constitutivo da prova, o que resulta da actividade probatória é que os pontos 8), 10) e 11) dos factos não provados se mostram demonstrados. Em suma, tanto através de prova directa como pelo recurso a presunções, resulta que a mesma é avassaladora relativamente à existência de um negócio viciado e projectado com o intuito exclusivo de prejudicar a aqui parte activa. E isso implica necessariamente que a decisão de facto seja alterada, ao abrigo da disciplina contida no artigo 662.º[24] do Código de Processo Civil e, assim, transplantam-se os factos 8) 10) e 11) para o elenco dos factos provados. A alteração é feita na correspondente secção e evidenciada a negrito para facilitar a detecção da modificação da decisão de facto. * 4.2 – Do erro de Direito: 4.2.1 – Da impugnação pauliana: Sobre a temática podem ser consultados Adriano Vaz Serra[25] [26], Almeida Costa[27], Pires de Lima e Antunes Varela[28] [29] [30], Cabral de Moncada[31], Carlos Mota Pinto[32], Menezes Cordeiro[33] [34], Menezes Leitão[35] [36], Carvalho Fernandes[37], Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte[38], Paula Costa e Silva[39], Brandão Proença[40], Armando Lemos Triunfante[41], Armindo Ribeiro Mendes[42], Cura Mariano[43], Maria de Fátima Ribeiro[44] [45], Clara Sottomayor[46], Maria do Patrocínio Paz[47], Romeu Martins Filho[48], José Alberto Gonzalez[49], Gonçalo dos Reis Martins[50] e Rui Correia de Sousa, entre outros.[51] Dispõe o artigo 610.º do Código Civil que: «os actos que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes: a) Ser o crédito anterior ao acto[52] [53]ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do futuro credor; b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade». A acção pauliana visa permitir, ao credor, a impugnação de determinados actos que ponham em perigo a garantia geral dos seus débitos[54]. Na formulação de Luís Menezes Leitão «a impugnação pauliana consiste na faculdade que a lei confere a cada credor de reagir contra actos do devedor que diminuem a garantia patrimonial do crédito, ou seja, o património do devedor, em seu prejuízo. Essa reacção dos credores é admissível, quer em relação à primeira alienação realizada pelo devedor (artigo 610.º e seguintes), quer em relação a alienações subsequentes efectuadas pelo adquirente dos bens (artigo 613.º) e constitui uma acção específica, destinada à impugnação desses actos»[55]. Não apenas celebrando actos feridos de nulidade, nomeadamente negócios simulados, ou através de inacções quanto aos direitos que tenha em relação a terceiros, se torna possível ao devedor prejudicar os legítimos interesses dos credores. Ainda um outro expediente lhe permite atingir a garantia patrimonial. Com efeito, pode também acontecer que o devedor realize actos verdadeiros que envolvam a diminuição do seu património: por exemplo, vendas, doações, renúncias a direitos, assunção de novas dívidas. E tais negócios, ainda que algumas vezes sejam celebrados inocentemente, muitas vezes sê-lo-ão de caso pensado, na mira de lesar os credores. Admitamos a hipótese de o devedor vender os seus bens para os subtrair à execução, dado que os valores pecuniários se apresentam mais facilmente sonegáveis do que os restantes bens móveis ou imóveis. Na óptica de Cabral de Moncada ocorre a verificação «dum facto que faz nascer um outro direito inconciliável com os direitos originários naquele acto jurídico»[56]. E João Cura Mariano afirma que «nascendo com a constituição do crédito essa expectativa jurídica, é ela que é lesada quando o devedor pratica um acto que diminui decisivamente o património-garante, tornando-o ineficaz para desempenhar a sua função de garantia. É esta lesão efectiva que a impugnação pauliana procura neutralizar»[57]. Da análise do quadro legal aplicável, a impugnação pauliana tem os seguintes pressupostos e requisitos: a) a realização pelo devedor de um acto que diminua a garantia patrimonial do crédito e não seja de natureza pessoal; b) que o crédito seja anterior ao acto, ou sendo posterior, ter sido ele dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; c) que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má-fé tanto do alienante como do adquirente; d) que resulte do acto a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do crédito ou agravamento dessa impossibilidade. É controvertida a natureza da impugnação pauliana e a variedade de argumentos teóricos aduzidos pelos diversos autores leva a qualificações tão diversas que surge na doutrina referenciada como uma acção de responsabilidade delitual, uma pretensão justificada numa obligatio ex lege, um processo de natureza mista em que se cruzam os elementos da responsabilidade delitual com os da obligatio ex lege, um pleito escorado no instituto do enriquecimento sem causa ou um caso de responsabilidade sem dívida ou uma reclamação de nulidade. Na caracterização da acção, Carvalho Fernandes sustenta que não se trata de um vício genético do negócio, mas sim de uma situação de impugnabilidade no domínio da ineficácia stricto sensu ou simples ineficácia. Isto é, «conduz-nos a esta solução o facto de no caso se verificar, não um vício genético do negócio, mas um obstáculo exterior que se opõe à produção (ou à produção plena) dos seus efeitos. Nestes termos, o negócio sem deixar de ser válido e, como tal, apto, em princípio, a assegurar a sua função (hoc sensu, ser eficaz), vê a mesma ser perturbada pela verificação de um facto alheio à sua estrutura e, em geral, superveniente à sua formação»[58]. Inspirado em Vaz Serra[59], Antunes Varela comenta que «permitindo a restituição dos bens ao património do devedor, embora na limitada medida do interesse do credor impugnante, a lei revela claramente que, nos actos de alienação, a pauliana não envolve, como consequência, a simples ineficácia do acto impugnado, abrindo apenas ao credor impugnante a possibilidade de agredir os bens alienados, mas obrigando-o a suportar a concorrência dos credores do adquirente. A restituição – como quem diz o retorno – dos bens alienados ao património do devedor, para colmatar a brecha aberta na garantia patrimonial do credor impugnante, significa naturalmente duas coisas: 1ª que o impugnante pode executar os bens alienados como se eles não tivessem saído do património do devedor, mas sem a concorrência dos demais credores (…) deste, uma vez que a procedência da pauliana só ao impugnante aproveita; 2ª que, executando os bens alienados, como se eles tivessem retornado ao património do devedor e não se mantivessem na titularidade do adquirente, o impugnante pode executá-los, na medida do necessário para satisfação do seu crédito, sem sofrer a competição dos credores do adquirente»[60]. Na nossa visão, trata-se de uma acção de declaração de ineficácia dos actos em relação ao credor[61] [62] [63] [64] [65]. Mota Pinto asseverava que «a ineficácia relativa surge-nos em situações caracterizadas pela existência de uma expectativa, que seria prejudicada pelo negócio de disposição ou de vinculação em causa. O negócio é relativamente ineficaz, por força do impedimento, resultante daquela disposição legítima do terceiro acerca do conteúdo do acto. É necessário proteger o terceiro na medida apropriada à não frustração do seu direito, mas não se deve limitar o poder de disposição, do titular mais do que for necessário a essa protecção. Logo o negócio só é ineficaz em face do terceiro, mas não é entre as partes ou em face de outras pessoas»[66]. A propósito do direito português, Romeu Ribeiro Filho firma conclusão no sentido em que «a utilidade primordial da impugnação pauliana, além de assegurar o pleno cumprimento das obrigações livremente assumidas, é conservar a garantia patrimonial dada ao negócio entabulado entre as partes, não se permitindo intervenções de terceiros que tentem alterar os efeitos da realização da vontade daquelas»[67]. Tanto pode tratar-se de operações que impliquem redução do activo como um aumento do passivo. Logo, mostram-se impugnáveis as alienações propriamente ditas, as renúncias a garantias ou a outros direitos que advierem ao devedor, a assunção de dívidas, etc.; e esses actos dispositivos podem ser realizados a título gratuito ou a título oneroso[68]. Por norma, os efeitos da impugnação pauliana aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido, com direito à restituição na medida do seu interesse, visando a possibilidade deste executar os bens no património do terceiro, não se pondo em causa a validade da alienação efectuada pelo executado[69]. A excepção surge no domínio do direito falimentar em que a restituição do bem reverte a favor da massa insolvente. Não estão, porém, sujeitos à impugnação os actos do devedor que tenham natureza pessoal, mesmo que deles resulte eventualmente uma diminuição do seu património. Assim, se o devedor decide casar em comunhão geral de bens, ou efectuar a adopção ou a perfilhação de uma criança, ou requerer o divórcio ou a separação judicial de bens, os credores não poderão reagir contra esses actos através da impugnação pauliana[70]. Esse direito de terceiro, permite-lhe atacar o negócio impedindo, por esta via, que ele produza plenamente os seus efeitos. Na impugnação pauliana isso implica, para o adquirente, a impossibilidade de impedir que, sobre a coisa objecto do negócio impugnado, um credor do alienante possa, obtendo a penhora, realizar o seu crédito. Por outras palavras, o direito do adquirente sofre uma limitação a favor do credor do alienante, que se valeu da impugnabilidade do negócio aquisitivo; mas esta limitação já não opera perante o alienante ou seus demais credores. Neste sentido, dá-se uma ineficácia parcial e relativa do negócio[71]. Relativamente à interpretação do conceito legal de impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade, Menezes Cordeiro refere que a expressão «exige que o acto a impugnar tenha provocado a insolvência do devedor ou tenha agravado essa insolvência»[72]. Luís Menezes Leitão discorda justamente da proposição avançada por Menezes Cordeiro e pugna que «esta fórmula poderá abranger, não apenas os casos em que o acto implique a colocação do devedor numa situação de insolvência ou agrave essa situação, se ela já se verificava, mas também os casos em que, embora não ocorrendo essa insolvência, o acto produza ou agrave a impossibilidade fáctica de o credor obter a execução judicial do crédito (como na hipótese de o devedor resolver alienar todos os bens imóveis que possui, ficando, porém, com o dinheiro da sua venda, que facilmente poderá depois ocultar ou dissipar[73]. Neste campo, a razão está aqui com Menezes Leitão e com Antunes Varela[74], que alargam a esfera de protecção da norma vigente, a qual deixou de ser coincidente com a proposição regulativa que estava contida no artigo 1033.º do Código de 1867, que fazia apelo directo à noção de insolvência. Sobre o conceito de má fé, João Cura Mariano refere que «consciência do prejuízo é um processo psicológico pertencente ao domínio da representação ou ideação, assumindo uma natureza intelectiva. Nesta operação intelectual, o devedor e o terceiro adquirente devem não só ter a percepção da situação patrimonial do primeiro e dos efeitos do acto que vão praticar, mas também aperceberem-se que estes podem impossibilitar os credores do devedor de obter a satisfação integral dos seus créditos. Não é necessário que essa consciência se traduza num juízo de certeza sobre a verificação futura desta consequência, bastando-se com um juízo de possibilidade. É suficiente para que os autores do acto tenham consciência das suas consequências danosas que as prevejam como possíveis, tendo-as presente no seu espírito. Também não é necessário que o raciocínio elaborado preveja especificamente o direito do credor impugnante, sendo suficiente que o mesmo abranja a generalidade dos credores, onde aquele se inclui»[75] [76] [77]. Estes critérios, pressupostos e requisitos de procedência são recepcionados pela mais recente jurisprudência nacional [78] [79] [80] [81] [82] [83]. * Centrando a atenção no caso concreto e após a operação de modificação da decisão de facto não existem dúvidas que os pressupostos constitutivos da impugnação pauliana se encontram totalmente preenchidos. Na realidade, ao realizarem os negócios em apreço, os dois primeiros Réus, com pelo menos a cumplicidade dos demais, afastaram a possibilidade de credor reclamar o seu direito à meação no património comum do extinto casal e os três negócios em debate nesta acção envolveram a “diminuição da garantia patrimonial do crédito” do Autor, que assim ficou impossibilitaram de realizar a cobrança do valor de € 61.424,30. Torna-se assim evidente que o Autor tinha razão quando sustentava que «o 1.º Réu, em conluio com a 2.º Ré (à data sua esposa) puseram então em marcha um ardiloso plano de desapropriação dos seus bens, começando pela criação da empresa (…) e culminando na transmissão de bens móveis e imóveis que se encontravam em seu nome, passando a titularidade dos mesmos para a esfera jurídica de seus familiares amigos e sociedades com as quais mantinham ou mantêm relações estreitas, com o único e exclusivo fim de se empobrecerem culposamente, de modo a subtraírem-se ao cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas». Relativamente à doação a situação está abrangida pela esfera de protecção do artigo 613.º[84] do Código Civil, por não se tratar de um caso de sub-aquisição a título oneroso. Neste domínio, ainda que assim não fosse, como alerta Cura Mariano «serão raros (…) os casos em que um adquirente de má-fé não venha a ser também um sub-alienante de má-fé»[85] [86]. Em consequência desta diferente interpretação, é assim revogada a decisão revogada e substituída por outra que declara a ineficácia, em relação ao Autor, das transmissões de propriedade do bem imóvel, devendo ainda ser ordenado à 5ª e ao 6º Réus a restituição dos referidos bens, por forma a garantir a satisfação do seu crédito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil. * 4.2.2 – Da simulação: Apesar de não ser estritamente necessário, uma vez que se trata de um pedido subsidiário[87], importa ainda que, à cautela e a nível sumário, seja apreciado a pretensão simulatória. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado (n.º 1 do artigo 240.º do Código Civil). Diz-se simulação a divergência entre vontade real e vontade declarada resultante de um acordo entre declarante e declaratário, ou qualquer interessado no negócio, no intuito de enganar terceiros. Ao acordo referido dá-se o nome de pactum simulationis ou acordo simulatório. Na sua lição Castro Mendes refere que o acordo se pode reconduzir a uma situação em que «dois ou mais sujeitos entrem em acordo (pactum simulationis) para o efeito de fingirem celebrar um negócio (acto simulado) cujos efeitos práticos não são pretendidos nem por um nem por outro. Há aqui uma dupla reserva mental, acordada entre ambos os declarantes com o intuito de enganar terceiros, figura a que cabe o nome de simulação. Para Heinrich Höester os pressupostos da simulação são, portanto, os seguintes: «1.º Uma divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante. Quer dizer, o lado externo da declaração negocial, a declaração, e o seu lado interno, a vontade, não coincidem, mas divergem – entendida esta divergência nos termos amplos que enunciámos. 2.º Um acordo entre declarante e declaratário a este respeito. A existência deste acordo (o chamado “acordo simulatório”) significa que ambos conhecem a divergência, que é, assim, intencional. 3.º O intuito de enganar terceiros, que também é intencional, claro»[88]. É fraudulenta quando os simuladores são animados por «animus decipiendi» e «animus nocendi», intuito, ou, pelo menos, consciência de prejudicar alguém[89], sendo que aqui vigora a segunda modalidade. O conceito de negócio simulado encontra-se explicitado, de harmonia com a doutrina tradicional, no n.º 1 do artigo 240.º, de que decorre que há simulação sempre que concorram divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, combinação ou conluio que determine a falsidade dessa declaração (acordo simulatório), e a intenção, intuito ou propósito de enganar ou prejudicar terceiros. Ainda quando não tenha havido intenção fraudulenta, isto é, de prejudicar terceiros (animus nocendi) – caso mais frequente –, haverá simulação se existir o intuito ou propósito de enganar terceiros (animus decipiendi)[90]. Em súmula, são elementos da simulação a divergência entre a vontade real e a vontade declarada, a existência de acordo simulatório e o propósito de enganar (simulação inocente) ou prejudicar (simulação fraudulenta) terceiros. Apurado o conspecto factual, caso não fosse deferida a pretensão principal, nesse espectro lógico-existencial, a situação em causa inscrever-se-ia na esfera de protecção do negócio simulado e as vendas concretizadas nos autos seriam nulas, ao abrigo da previsão normativa do artigo 240.º[91] do Código Civil, com as necessárias consequências. * V – Sumário: (…) * VI – Decisão: Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, a qual é alterada, declarando-se a ineficácia, em relação ao Autor, das transmissões de propriedade do bem imóvel, devendo ainda ser ordenado à 5ª e ao 6º Réus a restituição dos referidos bens[92], por forma a garantir a satisfação do seu crédito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil. Custas pelos Réus, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil. Notifique. * Processei e revi. * Évora, 07/04/2022 José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho Mário Branco Coelho Isabel de Matos Peixoto Imaginário __________________________________________________ [1] A alteração em causa decorre da operação de reanálise da matéria de facto e traduziu-se na prova do facto 8 que estava integrado na factualidade não provada. [2] A alteração em causa decorre da operação de reanálise da matéria de facto e traduziu-se na prova do facto 10 que estava integrado na factualidade não provada. [3] A alteração em causa decorre da operação de reanálise da matéria de facto e traduziu-se na prova do facto 11 que estava integrado na factualidade não provada. [4] A eliminação resulta da reapreciação da matéria de facto e o facto em questão passou a integrar o elenco dos factos provados. [5] A eliminação resulta da reapreciação da matéria de facto e o facto em questão passou a integrar o elenco dos factos provados. [6] A eliminação resulta da reapreciação da matéria de facto e o facto em questão passou a integrar o elenco dos factos provados. [7] (8) Os gerentes da 3.ª Ré sabiam que com estes negócios pretendia o 1.º Réu furtar-se ao pagamento das suas dívidas tendo tais actos sido praticados pelos Réus com o intuito de impossibilitar o Autor de obter a satisfação integral do seu crédito. [8] (10) O 1.º e 2.ª Réus agiram em conluio com os restantes Réus com o intuito exclusivo de enganar e prejudicar o Autor, impedindo-o de exercer os seus direitos de crédito. [9] (11) Os Réus acordaram entre si fazer as declarações constantes das duas primeiras escrituras de compra e venda e da última escritura de doação, sem verdadeiro intuito de realizar contratos de respectivamente, compra e venda e doação. [10] Pode ler-se no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães Justiça de 21/11/2019, divulgado em www.dgsi.pt, que as regras da experiência não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos do conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, e, noutra parte, mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria, permitindo fundar as presunções naturais, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil. [11] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/09/2020, disponibilizado em www.dgsi.pt, também aponta para que «nas ações de impugnação pauliana assume especial relevância a prova indirecta, por presunção judicial, ilações que o julgador tira de um facto conhecido (facto base da presunção) para afirmar um facto desconhecido (facto presumido), segundo as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica». [12] Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, Madrid, 2002, pág. 164. [13] Luís Filipe Pires de Sousa, Revista Julgar, Número Especial, 2013, páginas 71-88. [14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2016, publicitado em www.dgsi.pt. [15] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/04/2016, pesquisável em www.dgsi.pt. [16] Maria de Fátima Ribeiro, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, página 707. [17] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, página 312. [18] Artigo 349.º (Noção): Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. [19] Artigo 351.º (Presunções judiciais): As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal. [20] Chiovenda, Princípios de Direito Processual Civil, 4ªed., página 853. [21] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/06/2021. [22] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/05/2012, disponibilizada na plataforma www.dgsi.pt. [23] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra, página 191. [24] Artigo 662.º (Modificabilidade da decisão de facto): 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. 3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma: a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância; b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições; c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições; d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade. 4 - Das decisões da Relação previstas nos nºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. [25] Adriano Vaz Serra, Responsabilidade Patrimonial, Boletim do Ministério da Justiça n.º 75, 1958, a páginas 5-408. [26] Adriano Vaz Serra, Acórdão de 30 de Janeiro de 1968. Anotação, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 102.º, n.º 3382, 1969, a páginas 4-10. [27] Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra. [28] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição (com a colaboração de M. Henrique Mesquita) – reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2010. [29] João de Matos Antunes Varela, Fundamentos da acção pauliana, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 91.º, 1959, páginas 349-353, n.º 3140, págs. 366-370 e n.º 3141, páginas 379-383. [30] João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 1997. [31] Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, vol. II, 3ª edição, Coimbra. [32] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra. [33] António Menezes Cordeiro, Anotações ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-1991, Impugnação pauliana de actos anteriores ao crédito – Nulidade da fiança por débitos futuros indetermináveis – Efeitos da impugnação, Revista da Ordem dos Advogados, ano 51, 1991, vol. II, a páginas 525-572. [34] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, vol. II, IV e X, Almedina, Coimbra. [35] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2016. [36] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, 12ª edição, Almedina, Coimbra, 2018. [37] Carvalho Fernandes, O Regime Registral da Impugnação Pauliana, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Colaço, vol. II. [38] Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias do Cumprimento, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2006. [39] Paula Costa e Silva, Impugnação pauliana e execução, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.02.2003, Cadernos de Direito Privado, n.º 7, 2004, páginas 46-63. [40] José Carlos Brandão Proença, Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, 2ª edição, Universidade Católica Editora, Porto, 2017. [41] Armando Lemos Triunfante, Dos meios conservatórios da garantia patrimonial do credor. Declaração de nulidade. Sub-rogação do credor ao devedor. Impugnação pauliana. Arresto (Breve Estudo na Lei, na Doutrina e na Jurisprudência, Porto Editora, Porto, 1996. [42] Armindo Ribeiro Mendes, Exercício da impugnação pauliana e a concorrência de credores, Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Colaço, vol. II, Almedina, Coimbra, 2002, a páginas 416-455. [43] João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2008. [44] Maria De Fátima Ribeiro, Um confronto entre a resolução em benefício da massa insolvente e a impugnação pauliana, IV Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2017, a páginas 131-180. [45] Maria de Fátima Ribeiro, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, a páginas 693-735. [46] Clara Sottomayor, Invalidade e Registo – A protecção de terceiro adquirente de boa fé, Almedina, Coimbra, 2010. [47] Maria do Patrocínio Baltasar da Paz, Impugnação Pauliana, Aspectos Gerais do Regime, biblioteca FDUL, 1987. [48] Romeu Martins Ribeiro Filho, Impugnação pauliana como meio de conservação da garantia patrimonial, Garantia das Obrigações – Publicação de Trabalhos de Mestrado, Coordenação Jorge Sinde Monteiro, Almedina, Coimbra, 2007, a páginas 451-489. [49] José Alberto Gonzalez, Código Civil Anotado, vol. II, Direito das Obrigações (artigos 397.º a 873.º), Quid Juris, Lisboa, 2012. [50] Gonçalo dos Reis Martins, Artigo 610.º – Requisitos Gerais, Código Civil Anotado, vol. I (artigos 1.º a 1250.º), coordenação Ana Prata, Almedina, Coimbra, 2017, a páginas 790-791. [51] Rui Correia de Sousa, Impugnação Pauliana – Colectânea de Sumários de Jurisprudência, Quid Juris, Lisboa, 2002. [52] A jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça revela que, tal proclama o acórdão de 19/04/2004, integrado em www.dgsi.pt, que a anterioridade do crédito para efeitos de acção pauliana [artigo 610.º, alínea a), primeira parte, do Código Civil] deve reportar-se ao momento da constituição da relação obrigacional respectiva e não, v. g., à data da respectiva forma de tutela jurisdicional. [53] No mesmo sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2010, partilhado em www.dgsi.pt. [54] Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, 1ª ed., reimpressão, páginas 488. [55] Luís Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, páginas 80. [56] Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, vol. II, 3ª ed., páginas 421. [57] João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª ed., páginas 175. [58] Carvalho Fernandes, O Regime Registral da Impugnação Pauliana, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Colaço, vol. II, página 33. [59] Vaz Serra, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 66, página 305. [60] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7ª ed., página 457. [61] Menezes Cordeiro, Impugnação Pauliana. Fiança de Conteúdo Indeterminável, in CJ 17 (1992), III, a páginas 55-64. [62] Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias do Cumprimento, 4ª ed., página 16. [63] Carvalho Fernandes, O Regime Registral da Impugnação Pauliana, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Colaço, vol. II, páginas 33-34. [64] Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, páginas 313-315. [65] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para fixação de jurisprudência n.º 3/2001, in Diário da República, Série I-A, de 9 de Fevereiro de 2001. [66] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, páginas 606-607. [67] Romeu Ribeiro Filho, Impugnação Pauliana como Meio de Conservação da Garantia Patrimonial, in Garantia das Obrigações, publicação dos trabalhos de mestrado, Almedina, 2007, páginas 488. [68] Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., páginas 743. [69] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28/03/96, publicado em BMJ 455-498 e no Acórdão da Relação de Coimbra de 23/01/01, disponibilizado em www.trc.pt. [70] Luís Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, páginas 87. [71] Carvalho Fernandes, O Regime Registral da Impugnação Pauliana, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Colaço, vol. II, página 34. [72] Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, 1ª ed., reimpressão, página 490. [73] Luís Menezes Leitão, Garantia das Obrigações, página 93. [74] Antunes Varela, Obrigações, vol. II, página 448. [75] João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, página 199. [76] No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/11/2020, pesquisável em www.dgsi.pt, é dito que: «1. Na impugnação pauliana o conceito de má fé expresso no artigo 612.º, n.º 2, do Código Civil tem um sentido próprio, não impondo o legislador que tenha havido por parte dos intervenientes no negócio uma intenção deliberada de prejudicar o credor, bastando-se com a consciência desse prejuízo, exigindo, porém, que a consciência desse prejuízo se verifique em ambos os contratantes. 2. Verifica-se a má fé quando os intervenientes no negócio impugnado não podiam ignorar ou deixar de ter consciência do prejuízo que causavam aos restantes credores do alienante, que todos sabiam que existiam, tal como sabiam que o devedor não dispunha de outros de outros bens aptos a satisfazer os seus créditos, procurando com o negócio salvaguardar o único bem que existia no património do devedor de vir a ser penhorado». [77] Também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/02/2019, depositado em www.dgsi.pt, se apela a este conceito de má fé, recorrendo à lição de Vaz Serra, que defendia que: «entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor». Pode assim afirmar-se que a má-fé é entendida como a consciência de que o ato em causa vai provocar a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou um agravamento dessa impossibilidade. Este conceito de má-fé traduz-se numa má-fé subjectiva ou em sentido subjectivo, também conhecida por sentido psicológico, que consiste na convicção do agente de que não tem um comportamento conforme ao direito. A consciência do prejuízo apresenta-se, assim, como um resultado de um raciocínio em que o devedor e o terceiro adquirente devem ter noção da situação patrimonial em que se encontra o primeiro e dos efeitos provenientes do ato que irão praticar, juntamente com a percepção de que este pode prejudicar a garantia patrimonial do credor e impossibilitá-lo de obter a satisfação do seu crédito”. [78] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/03/2019, disponibilizado em www.dgsi.pt. [79] A este propósito, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/05/2019, publicado em www.dgsi.pt, pode ler-se que: «I- A impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial com que o credor conta contra actos do devedor que a afectam negativamente. II- A procedência da impugnação pauliana exige que, do acto que dela é objecto, possa resultar a impossibilidade de o credor obter a satisfação integral do seu crédito ou, pelo menos, o agravamento dessa impossibilidade. III- Perante o preceituado no artigo 611.º do Código Civil, ao credor basta fazer prova da existência e do montante do seu crédito, impendendo sobre o devedor o ónus de demonstrar que o seu património é composto por bens suficientes para garantir a satisfação desse crédito». [80] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/04/2018, também disponibilizado em www.dgsi.pt. [81] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/02/2020, cuja busca pode ser feita em www.dgsi.pt. [82] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/09/2020, publicado em www.dgsi.pt. [83] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/12/2021, consultado em www.dgsi.pt. [84] Artigo 613.º (Transmissões posteriores ou constituição posterior de direitos): 1. Para que a impugnação proceda contra as transmissões posteriores, é necessário: a) Que, relativamente à primeira transmissão, se verifiquem os requisitos da impugnabilidade referidos nos artigos anteriores; b) Que haja má fé tanto do alienante como do posterior adquirente, no caso de a nova transmissão ser a título oneroso. 2. O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, à constituição de direitos sobre os bens transmitidos em benefício de terceiro. [85] João Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, a páginas 234. [86] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/05/2014, disponibilizado em www.dgsi.pt. [87] Artigo 554.º (Pedidos subsidiários): 1 - Podem formular-se pedidos subsidiários. Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior. 2 - A oposição entre os pedidos não impede que sejam deduzidos nos termos do número anterior; mas obstam a isso as circunstâncias que impedem a coligação de autores e réus. [88] Simulação, Simulação Relativa, Formalismo legal, in Cadernos de Direito Privado, n.º 19, página 6. [89] João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, página 149. [90] Esta concepção jurisprudencial é pacífica e pode ser encontrada no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/02/2003, consultável em www.dgsi.pt. [91] Artigo 240.º (Simulação): 1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado. 2. O negócio simulado é nulo. [92] Remete-se para a identificação do imóvel melhor descritos na petição inicial e na decisão de facto acima transcrita. |