Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
138/23.6PTFAR.E1
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Conquanto os antecedentes criminais do arguido não inviabilizem imperativamente a formulação do juízo de prognose favorável e a consequente suspensão da execução da pena de prisão, o prognóstico favorável torna-se, nestes casos, bem mais difícil e questionável, mesmo nas situações em que os crimes em causa sejam de diferente natureza.
Cabe sublinhar que não é a mera existência de antecedentes criminais que afasta in casu a suspensão da execução da pena de prisão, mas não pode ser desvirtuada a insuficiência das penas anteriormente sofridas pelo arguido para dissuadir o mesmo da prática de novos delitos, mantendo-se aquele indiferente perante tais punições.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

O arguido AA foi submetido a julgamento, no âmbito do qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, e com os fundamentos de direito que antecedem, julgo a acusação totalmente procedente e, em conformidade, decido:

i) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão efetiva;

ii) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor (artigo 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal) por um período de 7 (sete) meses;”

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Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“a) Por Sentença proferida nos presentes autos, decretou o Meritíssimo Juiz “a quo” que o arguido, ora Recorrente, fosse condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º nº1 e 69º nº1 al. a), na pena principal de 4 (QUATRO) meses de prisão efetiva e na pena acessória de 7 (SETE) meses de proibição de conduzir veículos com motor

b) O presente recurso tem como objecto o excesso, desadequação e desproporcionalidade na pena principal de prisão efetiva de quatro meses proferida por Sentença nos presentes autos, a qual condenou o arguido na pena principal de QUATRO nos termos dos artigos 292º nº1 do Código Penal, sendo que no entendimento do Recorrente, face ao seu relatório social, aos factos dados como provados, designadamente o falecimento da sua progenitora – situação que motivou o consumo de álcool - e a confissão integral e sem reservas, seria necessário, adequado e proporcional ter sido aplicada ao arguido a pena de prisão, suspensa na sua execução nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal.

c) Existem, no entender do Recorrente, várias questões pertinentes, que não foram devidamente observadas pelo tribunal “a quo” que se considera essenciais para a correta aplicação de pena ao caso vertente e cuja valoração influiria necessariamente na possibilidade de ser conferida ao Recorrente uma derradeira pena de prisão suspensa na sua execução.

d) Com efeito, pese embora o Recorrente conduzisse a sobredita viatura após ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de, pelo menos, 1,25 g/l, o grau de ilicitude do facto e a censurabilidade da conduta do Recorrente serem naturalmente elevados por se tratar de actio criminal, a verdade é que a tipificação do crime de condução do veiculo em estado de embriaguez, só se encontra alcançado por 0,05g/l encontra-se muito perto do limite mínimo para a possibilidade de tipificação como a prática criminal, sendo que, não fora a reincidência seria certamente aplicável ao ora Recorrente uma Suspensão Provisória do Processo nos termos do disposto no artigo 281º e seguintes do Código de Processo Penal.

e) Por outro lado e de suma importância, no nosso modesto entendimento, o Recorrente não foi interveniente em acidente de viação.

f) O Recorrente mostra-se ainda - com base nas suas declarações que serviram de meio probatório credível e espontâneo bem como no seu Relatório Social – socialmente integrado constituindo o seu trabalho a garantia da sua integração na sociedade pese embora o seu certificado de registo criminal.

g) Para além do mais, atenta a confissão integral dos factos, o Recorrente reconheceu a ilicitude da sua conduta, não deturpou a verdade dos factos e demonstrou absoluta contrição perante o Meritíssimo Juiz “a quo”, não postulando qualquer facto ou conduta que atentasse há boa administração da Justiça e da aplicação da Lei.

h) Na realidade para determinação da medida da pena, não pode o julgador olvidar o estabelecido no artigo 71º nº2 do Código Penal.

i) O Recorrente, como atrás se aflorou, confessou perante o Meritíssimo Juiz “a quo”, para além da prática dos factos, os motivos que conduziram à ingestão de bebidas alcoólicas e posterior condução de veículo com motor na via pública.

j) Admitiu, o Recorrente, que procedeu à ingestão de bebidas alcoólicas pelo falecimento da sua mãe o qual se deu como provado.

k) Este comportamento irrefletido - que o mesmo lamentou e demonstrou genuína contrição perante a Casa da Justiça

l) Por outro lado a conclusão do relatório social é espelho de que uma pena de prisão suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova ou a medida que determine o seu tratamento nas instituições próprias, mostrar-se-á como justa adequada e proporcional “Face às necessidades de reinserção detetadas consideramos que caso o arguido venha a ser condenado no âmbito do presente processo, julgamos que o seu processo de reinserção deverá ser necessariamente abrangente e impositivo de novo acompanhamento na ETET – Equipa Técnica Especializada de Tratamento de …, com total ausência de consumo de álcool em excesso, que poderá contribuir para uma melhor consciencialização dos seus atos.»

m) A TAS (1,25 g/l) que foi verificada ao Recorrente seria não fosse a reincidência passível de aplicação de Suspensão Provisória no Processo,

n) E desta forma, forçoso será concluir que o recorrente: está preparado para manter uma conduta de vida licita, a conduta do Recorrente assentou na ingestão de álcool em excesso face ao falecimento da sua progenitora, a TAS encontra-se no mínimo d qualificação criminal, o recorrente não interveio em acidente de viação, está socialmente inserido após muito tempo não apto a trabalhar, e apesar das necessidades de prevenção especial serem elevadas, as de prevenção especial não o são uma vez que o recorrente está socialmente inserido e interiorizou o respeito pelos bens jurídicos e desvalor da sua conduta.

o) Pelo que, requer que seja aplicada ao recorrente a título de pena principal prisão de quatro meses suspensa na sua execução nos termos do nº 1 do artigo 50º do Código Penal, por período de um ano sujeito a regime de prova e acompanhamento.

NESTES TERMOS, NOS MELHORES DE DIREITO E DE JUSTIÇA E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DOS VENERADOS DESEMBARGADORES DEVE POIS A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA, NA PARTE EM QUE DELA SE RECORRE E, SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE FIXE PENA PRINCIPAL DE PRISÃO EFETIVA DE QUATRO MESES SUBSTITUIDA POR PENA SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO PELO PERIODO DE UM ANO SUJEITA A REGIME DE PROVA E ACOMPANHAMENTO.

ASSIM SE FAZENDO, A SÃ, SERENA E COSTUMADA JUSTIÇA!”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões:

“1- Dos antecedentes criminais do arguido retira-se que o mesmo tem 6 crimes averbados no seu certificado de registo criminal (mediante 4 condenações, sendo 2 delas pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez).

2-Por outro lado, o crime em análise foi cometido durante o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada no processo abreviado n.º 95/22.6....

3-Por outro lado ainda, em três das condenações foi-lhe aplicada uma pena de prisão suspensa na execução.

4- O arguido revela uma personalidade refratária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito e que a aplicação de penas não privativas da liberdade, como a suspensão da execução da pena não têm obstado à prática de crimes de vária natureza.

5- A prognose sobre o comportamento do arguido à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é claramente negativa.

6- O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelo arguido, numa situação como esta, de sucessivas condenações penais, por variados tipos de crime, designadamente de condução de veículo em estado de embriaguez. (2 condenações anteriores), e em que já beneficiou anteriormente da suspensão de execução da pena de prisão, ficaria afetado pela substituição, novamente, da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão, mesmo que sujeita a condições.

7- Não existindo um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem andou o Tribunal recorrido em não decretar a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido.

8-O arguido demonstra um total desinteresse pelas solenes sanções contidas nas anteriores condenações e até indiferença às penas que veio sofrendo, teimando em delinquir.

9- Assim nenhum reparo nos merece a sentença recorrida, pois nenhuma disposição legal foi violada.

10- Deve assim, manter-se a mesma fazendo-se assim J U S T I Ç A”

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Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada resposta.

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APRECIAÇÃO

A única questão a resolver é a que tem que ver com a eventual aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.

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A matéria considerada provada foi a seguinte:

“1) No dia 28/10/2023, pelas 3h32, o arguido conduzia o ciclomotor de matrícula …, na Avenida …, em ….

2) O arguido conduzia a sobredita viatura após ter ingerido bebidas alcoólicas, apresentando uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de, pelo menos, 1,25 g/l, descontada a margem de erro máximo admissível.

3) O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e tinha noção que a sua TAS era superior a 1,2 g/l, bem sabendo que o seu estado não lhe permitia efetuar uma condução cuidada e prudente e que aquele estado lhe diminuía a capacidade de atenção, reação e destreza.

4) Admitiu e quis conduzir nestas circunstâncias agindo livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punível.

Mais se provou que:

5) A mãe do arguido faleceu em … de 2023.

6) Do relatório social elaborado pela DGRSP e referente ao arguido consta, além do mais, o seguinte:

«I – Condições Sociais e Pessoais

À data dos alegados factos AA, de 46 anos de idade, natural da … e de nacionalidade portuguesa, residia e reside como sozinho, na morada constante nos autos, num anexo residencial arrendado por 150€/mês, constituído por uma divisão, com aparentes condições de habitabilidade. Anteriormente, viveu maritalmente, durante cerca de 2 anos, tendo a relação entre ambos sido descrita como conflituosa, atentos os seus hábitos de consumo de bebidas alcoólicas.

O arguido é oriundo de um agregado familiar detentor de um estrato sócio-económico mediano e com uma dinâmica relacional propicia a um processo de desenvolvimento normativo em termos psico-afectivos. Contudo, na sequência de imperativos laborais dos pais – emigrados na … – o arguido, desde os 2 anos de idade e a irmã primogénita foram acolhidos pelo agregado da avó materna, por forma a usufruírem de um adequado acompanhamento educativo, tendo-lhes proporcionado, também, uma dinâmica relacional caracterizada como normativa.

A reunificação do núcleo familiar de origem, quando o arguido frequentava o 1º ciclo de escolaridade, coincidiu com certas referências escolares de um padrão comportamental caracterizado por acentuadas dificuldades ao nível do cumprimento das regras em sala de aula, que se agravaram durante a frequência do 2º ciclo de estudos, atentos os vários comportamentos de indisciplina, absentismo e desmotivação.

Neste contexto, AA viria a completar apenas o 5º. ano de escolaridade, quando tinha 17 anos de idade.

Em termos profissionais e depois de, ainda na adolescência, o agregado de origem ter diligenciado pela aprendizagem de uma “arte” do descendente, o mesmo viria a obter formação na área da carpintaria, onde trabalhou cerca de 10 anos, como ajudante de marceneiro, intercalada com vários períodos de inatividade de curta duração.

Posteriormente, trabalhou como distribuidor de bebidas e empregado de copa e de mesa na área da restauração e, até há cerca de 4 meses, como operário polivalente no ….

Na atualidade e desde o mês de julho p.p. o arguido passou a exercer funções na …, como …, em regime noturno, vinculado contratualmente com contrato a termo certo pelo prazo de 6 meses, com uma remuneração mensal equivalente ao salário mínimo nacional, depositando grandes expetativas no desempenho da atividade, atenta a possibilidade de, definitivamente, poder usufruir de uma condição laboral estável.

Neste contexto, à data dos factos já beneficiava de uma condição económica minimamente suficiente para as suas despesas do quotidiano, atenta a remuneração mensal recebida.

AA apresenta hábitos de consumos de álcool em excesso desde a adolescência, que terão estado na génese, desde esse período, a conflitos verbais agressivos, que já na idade adulta, terão registado uma gradual intensificação, facto que terá desencadeado várias ligações ao sistema de justiça, por crimes de violência doméstica, especialmente contra o pai, quando sob o efeito de álcool em excesso e condução com álcool.

Na atualidade, AA refere que se encontra abstinente do consumo de bebidas alcoólicas, decorrente da sua nova atividade profissional, uma vez que, indiferenciadamente, são sujeitos a controlo de despistagem de consumos de substâncias aditivas.

O arguido aceitou ao longo da última década, ainda que de forma intermitente, o acompanhamento médico e medicamentoso na ETET – Equipa Técnica Especializada de Tratamento de …, à sua problemática aditiva, tendo comparecido pela última vez à consulta de acompanhamento em maio de 2022. Importa ainda referir que no âmbito do Plano de Reinserção Social homologado no âmbito do processo nº 95/22.6…, Juízo Local Criminal de …- – Juíz …, o arguido tinha como obrigação frequentar a atividade Taxa Zero, ministrada por estes serviços, que se verificou no passado dia 29 de novembro. Cumulativamente, está obrigado e frequentar consulta especializada de alcoologia e respetivo tratamento, na ETET – Equipa Técnica Especializada de Tratamento de …, o que ainda não se verificou.

Quanto a atividades de lazer/recreativas, o arguido não tem qualquer atividade estruturada, apesar de referir o gosto por veículos de duas rodas – motard - mas não identificando amizades/convivialidades de caráter pró criminal.

2 – Repercussões da Situação Jurídico-Penal do Arguido

AA tem antecedentes criminais, por crimes de violência doméstica e condução com álcool, tendo a penúltima pena de prisão 4 anos 4 meses a que foi condenado, com pena suspensa, com regime de prova, pela prática de dois crimes de violência doméstica, terminado no passado 09/09/2022, tendo revelado algumas dificuldades no cumprimento das obrigações constantes no plano de reinserção social homologado.

Também no âmbito da medida de acompanhamento que se encontra a decorrer, no âmbito do processo 95/22.6…, - condução de veículo em estado de embriaguez - que transitou em julgado 01/02/2013, o arguido vem mostrando um interesse reduzido no cumprimento das respetivas obrigações, uma vez que o termo da medida está previsto para 01/02/2024 e ainda não diligenciou pela marcação de consulta na ETET de …, com vista à realização de avaliação clínica, para aferir a necessidade de tratamento à sua problemática aditiva.

Neste contexto, aceita a intervenção do sistema de justiça e verbaliza apreensão pelo desfecho do presente envolvimento judicial, atentas as suas ligações ao sistema de justiça, pelo mesmo tipo de crime – condução com álcool. Mesmo assim, denota vontade e iniciativa em aderir a eventuais tarefas de carácter reparador e ressocializador que estejam contempladas no sistema jurídico português.

II – Conclusão

O arguido, de 46 anos de idade, tem antecedentes criminais, estando o consumo de bebidas alcoólicas, maioritariamente, subjacentes aos mesmos.

O arguido é detentor e um percurso vivencial já na idade adulta, onde se salientam referências a precoces dificuldades ao nível do cumprimento de regras/normas sociofamiliares, pautada por um clima de tensão/hostilidades atribuídas ao arguido, potenciado quando sob o efeito de álcool em excesso.

O arguido demonstra hábitos de trabalho e investimento na atividade profissional, apesar de intercalada com períodos de inatividade, estando neste momento vinculado contratualmente, o que lhe permite algum controlo emocional e de consumos de álcool em excesso. Contudo, o facto de se encontrar sem apoio médico e medicamentoso para controlo da sua aditividade, apesar de a isso estar obrigado judicialmente e sem qualquer apoio de retaguarda em termos familiares, poderá constituir-se como eventual fator de risco.

Face às necessidades de reinserção detetadas consideramos que caso o arguido venha a ser condenado no âmbito do presente processo, julgamos que o seu processo de reinserção deverá ser necessariamente abrangente e impositivo de novo acompanhamento na ETET – Equipa Técnica Especializada de Tratamento de …, com total ausência de consumo de álcool em excesso, que poderá contribuir para uma melhor consciencialização dos seus atos.»

7) Por sentença proferida no processo sumário n.º 109/09.5…, do ….º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de …, em 06.07.2009 e transitada em julgado em 06.07.2009, foi o arguido condenado pela prática, em 20.06.2009, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal., na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €5,00, que perfaz o total de €450,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 meses;

8) Por sentença proferida no processo comum (Tribunal Singular) n.º 684/09.4…, do ….º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de …, em 22.06.2011 e transitada em julgado em 22.07.2011, foi o arguido condenado pela prática, em 08.08.2009, de 2 crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. d), e 2, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 3 anos e 6 meses, com sujeição a deveres;

9) Por acórdão proferido no processo comum (Tribunal Coletivo) n.º 259/17.4…, do Juízo Central Criminal de … – Juiz … – do Tribunal Judicial da Comarca de …, em 09.05.2018 e transitado em julgado em 09.05.2018, foi o arguido condenado pela prática, em 21.04.2017, de 2 crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. d), 2, 4 e 5, do Código Penal, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão, suspensa por 4 anos e 4 meses, com regime de prova, e na pena acessória de frequência de programas específicos de prevenção violência doméstica, pelo período de 18 meses, tendo ambas as penas sido extintas em 09.09.2022;

10) Por sentença proferida no processo abreviado n.º 95/22.6…, do Juízo Local Criminal de … – Juiz … – do Tribunal Judicial da Comarca de …, em 20.12.2022 e transitada em julgado em 01.02.2023, foi o arguido condenado pela prática, em 27.08.2022, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal., na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 1 ano, com regime de prova, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses.”

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Com vista à fixação da pena, escreveu-se, entre o mais, na sentença recorrida:

“As exigências de prevenção geral são prementes.

(…)

No que concerne às necessidades de prevenção especial, estas sobressaltam no presente caso. Conquanto o arguido se encontra a trabalhar, revela falhas na vertente do seu enquadramento familiar, não detendo qualquer apoio a este nível (cf. ponto n.º 6 dos factos provados).

Noutra senda, o arguido já foi condenado 4 vezes pela prática de um global de 6 crimes, sendo que em três delas foi-lhe aplicada uma pena de prisão (cf. pontos n.ºs 7, 8, 9 e 10 dos factos provados). Não obstante a prática de um dos crimes se reportar a 20.06.2009 (cf. pontos n.º 7 dos factos provados), dois dos delitos averbados no registo criminal do arguido são de idêntica natureza que aquele sub judice, o último dos quais foi já praticado em 27.08.2022 (cf. ponto n.º 10 dos factos provados).

Ademais, os factos aqui em apreço foram cometidos durante o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada no processo abreviado n.º 95/22.6…, ou seja, a última condenação em que o arguido incorreu, em virtude da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (cf. ponto n.º 10 dos factos provados).

Assim, não obstante as penas que lhe foram aplicadas, o arguido não se desinibiu de praticar um novo delito criminal, o que evidencia que as punições previamente referidas foram totalmente infrutíferas, revelando-se, in casu, a pena de multa manifestamente insuficiente para cumprir as finalidades da punição.

Enquanto tal, entende o Tribunal que somente uma pena privativa da liberdade se mostra justa, suficiente e adequada, pelo que se impõe a aplicação de uma pena de prisão ao arguido.

*

2.2. Da pena de substituição

(…)

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Da suspensão da execução da pena de prisão

(…)

Vertendo tais considerações ao caso em mãos, verifica-se que o pressuposto formal da suspensão está observado, dado que ao arguido foi aplicada uma pena de prisão 4 (quatro) meses de prisão.

No que concerne com o pressuposto material, importa notar o percurso criminal do arguido, sendo 3 das 4 condenações já em prisões suspensas (cf. pontos n.ºs 7, 8, 9 e 10 dos factos provados).C

Não se ignora que o delito em apreço foi praticado três dias após o falecimento da mãe do arguido (cf. pontos n.ºs 1 e 5 dos factos provados), mas o arguido, mesmo antes de tal acontecimento infortuno, já havia sido condenado pela prática de idêntico crime, notadamente por aquele cometido em 27.08.2022 (cf. ponto n.º 10 dos factos provados).

Para mais, o crime em análise foi cometido durante o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada no processo abreviado n.º 95/22.6… (cf. ponto n.º 10 dos factos provados).

Veja-se, por outro lado, que na penúltima pena de prisão suspensa com regime de prova, que terminou em 09.09.2022, o arguido revelou algumas dificuldades no cumprimento das obrigações constantes no plano de reinserção social homologado (cf. pontos n.ºs 6 e 9 dos factos provados). Também no âmbito da medida de acompanhamento que se encontra a decorrer, no âmbito do processo 95/22.6…, em virtude da prática de crime de idêntica natureza que aquele em apreço, o arguido vem mostrando um interesse reduzido no cumprimento das respetivas obrigações, uma vez que o termo da medida está previsto para 01.02.2024 e ainda não diligenciou pela marcação de consulta com vista à realização de avaliação clínica, para aferir a necessidade de tratamento à sua problemática aditiva (cf. pontos n.ºs 6 e 10 dos factos provados).

Destarte, não se pode concluir com o grau de certeza que se exige no juízo de prognose realizado – uma expectativa fundada –, que a simples censura dos factos cometidos e a ameaça da prisão realizam, no caso vertente, as exigências de prevenção especial, mostrando-se provável a ressocialização do arguido em liberdade.

O arguido evidencia, enquanto tal, uma personalidade desconforme ao direito e ao dever ser jurídico pelo qual se devem pautar todos os cidadãos, não bastando a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão para afastar o arguido da criminalidade, em virtude das diversas penas anteriormente aplicadas ao arguido (incluindo prisão suspensa), não terem logrado afastá-lo da prática de ilícitos criminais.

Nesta senda, as exigências de prevenção especial são consideráveis, mostrando-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido manifestamente insuficiente e inadequada para salvaguardar as necessidades de punição que o caso reclama”.

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O arguido pretende que seja aplicada a suspensão da execução da pena de 4 meses de prisão que foi fixada.

Ora, como bem se refere na sentença recorrida, a aplicação da tal pena de substituição da pena de prisão não tem justificação.

Bem se sabe que, como refere Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, pág. 77, “São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial (artigos 70º e 40º, nº 1, do CP), que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade (pena alternativa ou pena de substituição). Não é, por conseguinte, uma qualquer finalidade de compensação da culpa. Se a culpa é limite da pena (artigo 40º, nº 2, do CP), desempenha esta função estritamente ao nível da determinação da medida concreta da pena principal ou da pena de substituição que venha a ser aplicada (artigo 71º, nº 1, do CP).”

A suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artº 50º do C.P., é uma das penas substitutivas da pena de prisão efectiva, sendo até, no dizer do Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal II, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 337, “a mais importante das penas de substituição, por dispor de mais largo âmbito.”

Dispõe o nº 1 do referido preceito legal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Tendo em consideração a referida redacção (na versão original de 1982 referia-se “pode suspender” e não “suspende”), conclui-se claramente que o legislador dá indicação que sempre que se verifiquem os referidos pressupostos, deve o julgador decretar a suspensão da execução da pena de prisão, conhecidos que são os malefícios do cumprimento de penas curtas de prisão.

Tal indicação saiu até reforçada com a nova redacção dada ao preceito legal em causa, pela L. 59/2007 de 4/9, que aumentou o limite máximo para a suspensão da execução da pena de prisão, de 3 para 5 anos.

Daí resulta que o tribunal tenha sempre que ponderar a suspensão da execução da pena de prisão, desde que a mesma caiba dentro do acima referido limite de 5 anos, como é o caso dos autos.

Não há um dever de suspender, mas sim um poder vinculado de decretar a suspensão (Vítor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, C.P. anotado e comentado, pág. 178).

Ou por outras palavras: “trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena de prisão, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos” – Maia Gonçalves, C.P. Português, 18ª edição, pág. 215.

A este propósito, ensina Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 2ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2009, págs. 342 e segs.: “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto”.

(…)

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».

Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (...).

Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (...). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação (...).

Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime» (...). Já determinámos (...) que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.”.

No mesmo sentido: ac. do S.T.J. de 8/2/08, C.J., A.S.T.J., ano XVI, tomo I, pág. 227, relatado pelo Sr. Cons. Oliveira Mendes: “A par de considerações de prevenção especial coexistem considerações de prevenção geral, sendo que a pena de suspensão de execução da prisão só é admissível quando não coloque em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja o sentimento de reprovação social do crime.”

Em termos de prevenção geral, não se justifica que, novamente, se aplique suspensão da execução da pena de prisão.

Se é certo que a t.a.s. se situa no limiar do limite a partir do qual é a condução sob o efeito do álcool considerada crime, não é menos certo que o flagelo da condução de veículos com motor após a ingestão de álcool continua evidente.

É sabido que a condução de veículos automóveis é uma actividade extremamente perigosa e essa perigosidade constante é exponencialmente aumentada quando o condutor a leva a efeito sob a influência do álcool. E a alegada circunstância de o recorrente não ter sido interveniente em acidente de viação não tem relevância, pois o que está em causa é um perigo abstracto, potencial.

As necessidades de prevenção geral são, pois, elevadíssimas, conhecido que é o crescente número de acidentes de viação que ocorrem em Portugal e o enorme número de vítimas por eles causados, muitas vezes por virtude de condução sob o efeito do álcool.

Conforme consta nos relatórios de sinistralidade da A.N.S.R. (consultáveis em www.ansr.pt), com realces nossos:

- em 2016 o número de acidentes foi de 127.210 e em 2019 foi de 135.063 (sempre com subida nos anos intermédios);

- em 2016 o número de vítimas mortais foi de 445 e em 2019 foi de 472 (em 2017 foi de 510 e em 2018 foi de 508);

- em 2016 o número de feridos graves foi de 2.102 e em 2019 foi de 2.288.

Os anos de 2020 e 2021 foram anos atípicos, tendo em conta os constrangimentos provocados pela pandemia, mas sempre se dirá que em 2011 ocorreram 30.691 acidentes com vítimas, sendo 401 mortais e 2.297 feridos graves.

No ano 2022 registaram-se no Continente e nas Regiões Autónomas 34.275 acidentes com vítimas, 473 vítimas mortais, 2.436 feridos graves e 40.123 feridos leves.

Entre janeiro e junho de 2023 registaram-se no Continente e nas Regiões Autónomas 17.121 acidentes com vítimas, 238 vítimas mortais, 1.226 feridos graves e 19.886 feridos leves.

Comparando com o período homólogo de 2013, a tendência crescente foi visível nos diversos indicadores, com exceção do índice de gravidade (-14,8%).

Comparativamente a 2019, metade dos indicadores de sinistralidade apresentaram resultados decrescentes: menos 249 acidentes (-1,5%) e menos 994 feridos leves (-4,9%). Registou-se, contudo, que o número de vítimas mortais e de feridos graves aumentou (+7 e +72, respetivamente).

Comparativamente com o período homólogo de 2022, observaram-se aumentos nos principais indicadores no Continente: mais 1.358 acidentes (+9,0%), mais 24 vítimas mortais (+11,5%), mais 53 feridos graves (+5,0%) e mais 1.533 feridos leves (+8,7%). De salientar que, relativamente a 2022, no primeiro semestre do ano tem vindo a registar-se um aumento da circulação rodoviária com o correspondente acréscimo no risco de acidente, como se pode concluir do aumento de 10,4% no consumo de combustível rodoviário até junho de 2023, de acordo com dados da Direção-Geral de Energia e Geologia , e do aumento de 11,2% do tráfego médio diário da rede de auto estradas da APCAP - Associação Portuguesa das Sociedades Concessionárias de Autoestradas ou Pontes com Portagens.

É evidente que não foi tudo provocado por condução sob a influência do álcool, mas muitos acidentes foram, como é por todos sabido.

As campanhas levadas a cabo não têm tido muito sucesso, principalmente perante os jovens. Mas o arguido já não é muito jovem e, certamente bem ciente do perigo, tem mais que maturidade para, depois de ingerir álcool, não iniciar a condução automóvel.

A questão nem está na ingestão de álcool em excesso (esse é outro problema que, pelos vistos, bem afecta o recorrente); o que tarda é a adopção de comportamentos que “substituam” a condução após essa ingestão, muitos deles há muito interiorizados noutros países.

Por exemplo: regressar a casa de táxi ou de t.v.d.e; solicitar a outra pessoa (familiar ou amigo) que transporte quem ingeriu álcool; quando em grupo, combinar previamente que um dos elementos não ingerirá álcool a fim de efectuar a condução posteriormente, etc., etc..

Por outro lado, as necessidades de prevenção especial são ainda mais evidentes e prementes.

É que o arguido praticou os factos dos autos no período de anterior suspensão da execução da pena de prisão de 3 meses, pela qual foi condenado precisamente por crime de condução sob o efeito do álcool.

Anteriormente havia sido condenado também em penas de suspensão de execução de pena de prisão por crime de violência doméstica e em pena de multa também por crime de condução sob o efeito do álcool.

E a adesão anterior do arguido às obrigações decorrentes da aplicação de suspensão da execução da pena tem sido muito diminuta e evidentemente reveladora de que nova suspensão de execução da pena seria ao completo arrepio do sentimento comunitário.

Conforme provado se considerou, consta no relatório social que (com realces nossos):

“AA tem antecedentes criminais, por crimes de violência doméstica e condução com álcool, tendo a penúltima pena de prisão 4 anos 4 meses a que foi condenado, com pena suspensa, com regime de prova, pela prática de dois crimes de violência doméstica, terminado no passado 09/09/2022, tendo revelado algumas dificuldades no cumprimento das obrigações constantes no plano de reinserção social homologado.

Também no âmbito da medida de acompanhamento que se encontra a decorrer, no âmbito do processo 95/22.6…, - condução de veículo em estado de embriaguez - que transitou em julgado 01/02/2013, o arguido vem mostrando um interesse reduzido no cumprimento das respetivas obrigações, uma vez que o termo da medida está previsto para 01/02/2024 e ainda não diligenciou pela marcação de consulta na ETET de …, com vista à realização de avaliação clínica, para aferir a necessidade de tratamento à sua problemática aditiva.”

Como se vê, quer no que diz respeito ao crime de violência doméstica, quer, com especial relevância para a apreciação do que aqui se discute, no que se refere ao crime de condução sob o efeito do álcool, o arguido não tem demonstrando o interesse necessário por cumprir as obrigações que condicionaram a suspensão da execução da pena de prisão, não revelando, sequer, qualquer interesse em tratar-se.

Bem se conhecem as desvantagens do cumprimento efectivo de curtas penas de prisão, mas o que é certo é que perante tudo o que provado se considerou, não se vislumbra a mínima possibilidade de fazer uma prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

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Deverá o arguido suportar as custas, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

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Évora, 21 de Maio de 2024

Nuno Garcia

Laura Goulart Maurício

António Condesso