Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1115/20.4T8PTM.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: TRADUÇÃO DE DOCUMENTOS
DISPENSA
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - A sociedade Ré foi devidamente citada, por carta registada com aviso de recepção, para, querendo, contestar a presente acção, o que foi feito nos termos do disposto nos artigos 228.º e 246.º do C.P.C., sendo certo que a mesma se remeteu ao mais completo silêncio, não tendo arguido, sequer, qualquer nulidade ou irregularidade na sua citação, assumindo uma posição de revelia absoluta – já que não apresentou contestação, nem juntou procuração aos autos – revelia essa que, todavia, é inoperante quanto a si, por força do estatuído na alínea a) do artigo 568.º do C.P.C. (uma vez que o Réu … veio contestar a acção e impugnar, no essencial, os factos alegados pelos Autores na sua petição inicial).
- Por outro lado, o disposto no artigo 41.º do C.P.C., ao contrário do sustentado pelo recorrente, só tem aplicação quando o Réu vem contestar a acção, mas não junta procuração a advogado (cfr. parte final de tal preceito: “ficar sem efeito a defesa”), o que, como vimos, não é, manifestamente, o caso em apreço, pelo que forçoso é concluir que o prosseguimento dos autos, culminando com a realização da audiência de julgamento e a prolação da sentença recorrida – atenta a contestação apresentada pelo Réu (…), aqui recorrente – não padece de qualquer nulidade.
- O artigo 134.º, n.º 1, do C.P.C. não obriga à tradução de documentos em língua estrangeira, apenas se impondo, quando for necessária, não o sendo quando se trata de uma língua com grandes semelhanças com a portuguesa, como é o caso da língua espanhola, acessível ao comum dos falantes da língua portuguesa.
- No recurso em que se impugna o montante relativo ao excesso de consumo de água por parte dos Autores impendia obrigatoriamente sobre o Réu (…), aqui recorrente – sob pena de rejeição, nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do C.P.C. – o ónus de indicar, com exactidão, os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados – com referência clara e expressa aos factos dados como provados e aos factos dados como não provados – bem como quais as respostas que, em concreto, deviam ser dadas, o que aquele, de todo em todo, não veio a fazer.
- A omissão de pronúncia a que alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. respeita apenas a questões e não a factos, sendo que a omissão de factos só integra a nulidade prevista na alínea b) do referido preceito legal se se traduzir na falta absoluta da respectiva fundamentação o que, como é evidente, não se verifica no caso dos presentes autos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 1115/20.4T8PTM.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) e mulher, (…), intentaram a presente acção declarativa comum contra (…), Lda. e (…) pedindo a condenação destes a pagar-lhes a quantia de € 58.334,93, a título de indemnização por danos patrimoniais, e ainda a quantia de € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Alegaram, em síntese, ter celebrado com os Réus dois contratos para a instalação de equipamentos de reparação e ampliação do sistema de água, a utilizar de furos realizados em dois imóveis de sua propriedade, tendo pago o preço previamente acordado, muito embora uma das máquinas nunca tenha atingido os valores ideais preconizados e garantidos pelos Réus (25/30 litros de débito por minuto), tendo-se ficado no máximo em 5 litros por minuto, enquanto a outra máquina está inoperacional, por retirada de algumas peças, nunca tendo trabalhado devidamente.
Devidamente citados para o efeito apenas o Réu (…) veio apresentar a sua contestação, alegando a sua ilegitimidade e impugnando, no essencial, a factualidade alegada pelos Autores. Conclui pela improcedência da acção, com as legais consequências.
De seguida, veio a ser realizada a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados o objeto do litígio e os temas de prova.
Posteriormente, realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
1) Condenou a Ré (…), Lda. a pagar aos Autores uma indemnização por danos patrimoniais, relativos à venda da máquina para a vivenda (…), no montante global de € 28.584.93;
2) Condenou ainda a Ré (…), Lda. a pagar aos Autores uma indemnização por danos não patrimoniais, relativos à venda da máquina para a vivenda (…), no montante de € 1.000,00;
3) Finalmente, condenou o Réu (…) a pagar aos Autores uma indemnização por danos não patrimoniais, relativos à venda da máquina para a vivenda do (…), no montante de € 1.000,00, absolvendo os Réus do demais peticionado pelos Autores.

Inconformado com tal decisão dela apelou o Réu (…), tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
a) A sociedade (…), Lda. não se encontrava representada por advogado ou defensor nomeado no decurso do processo, situação causadora de nulidade;
b) A indicada situação é também violadora do preceito constitucional exposto no artigo 20.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;
c) Nos autos constam documento em língua estrangeira (espanhol e inglês) que não foram traduzidos e que fundamentaram parte dos factos provados.
d) O artigo 134.º, n.º 1, do CPC exige a tradução de documento entregues em língua estrangeira, não podendo estes ser utilizados;
e) Além disso a sua utilização sem tradução é violadora do preceito constitucional presente no artigo 20.º, n.º 4, da CRP;
f) No que respeita ao excesso de consumo de água, o mesmo não é possível apurar com exatidão por inexistência de faturas nos mesmos meses de anos anteriores, informação essencial tendo em consideração a água ser maioritariamente utilizada para rega de jardim exterior e o aumento do seu consumo ser nos meses de maior calor, numa zona seca;
g) No que respeita aos danos não patrimoniais existe ausência de pronúncia, não tendo o Tribunal se pronunciado em nenhum momento sobre o pedido de notificação ao ISS, I.P. para conhecer os rendimentos do Recorrente;
h) Não podendo fundamentar com a falta de elementos sobre os rendimentos do Recorrente, quando poderia ter acesso aos mesmos, não sendo imputável ao Recorrente a apresentação dos mesmos, tendo em consideração o estado de saúde deste devidamente exposto no processo.
i) Nestes termos e nos mais de direito requer-se a V. Exa. que seja dado provimento ao presente recurso, devendo a sentença ora em análise ser revogada, sendo substituída por outra que retifique os pontos expostos nas anteriores conclusões.
Pelos Autores foram apresentadas contra-alegações de recurso, nas quais pugnam pela manutenção da sentença recorrida.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo Réu (…), ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se constitui causa de nulidade de todo o processado o facto de, após a citação, a Ré (…), Lda. não estar representada por advogado ou defensor nomeado, o que viola também o disposto no artigo 20.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;
2º) Saber se documentos em língua estrangeira (espanhol), não traduzidos para a língua portuguesa, e que fundamentaram o ponto 49 dos factos provados, não podiam ter sido utilizados para esse fim, por violação do estipulado nos artigos 134.º, n.º 1, do C.P.C. e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa;
3º) Saber se, no que respeita ao excesso de consumo de água por parte dos Autores, não era possível apurar com exactidão tal excesso, uma vez que não estão juntas aos autos as respectivas facturas dos mesmos meses e de anos anteriores;
4º) Finalmente, saber se a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C.), atendendo a que a M.ma Juiz “a quo”, no que tange à sua condenação por danos não patrimoniais, não oficiou ao ISS, I.P. para saber quais são os rendimentos do recorrente, sendo que a não apresentação dos mesmos não lhe é imputável, face ao seu estado de saúde.

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal “a quo” e que, de imediato, passamos a transcrever:
1. A Ré (…) é uma sociedade com um capital social de 5.000 euros e tem como objeto o comércio e instalação de sistemas de purificação de água, exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas, exploração hoteleira.
2. Encontra-se averbada pela AP. (…) a nomeação do Réu (…) como sócio gerente da Ré (…).
3. Em meados de 2017, os Autores pediram à sra. (…), que lhes presta serviços de construção civil e é pessoa de sua confiança, ajuda de forma a aferir da possibilidade de ter água potável na casa, com a tipologia tipo vivenda, Vivenda (…), sita em (…), concelho de Lagoa, que é sua, diretamente do furo lá existente.
4. Uma vez que a residência dos Autores está fixada a mais de 700 km de distância do Algarve onde é sito tal imóvel, a sra. (…) ao diligenciar pelo pedido efetuado e auscultando o mercado, indicou aos Autores a firma (…), Lda..
5. Os Autores, pediram ao Réu (…), gerente da Ré (…), orçamento para o local designado, sendo a sra. (…) sua intermediária.
6. O Réu (…), sócio gerente da Ré (…), dirigiu-se ao local, (…), no concelho de Lagoa, e fez um teste à água no local (partículas por milímetro).
7. Após, a Ré (…) apresentou aos Autores o orçamento, segundo o qual atendia às características do local do furo tendo por base a análise da água efetuada pela Ré (…).
8. Foi apresentado o orçamento n.º (…), datado de 14.08.2017, em nome de (…), e no valor de 47.936,79 euros (Iva incluído à taxa de 23%).
9. Até à presente data os Autores não receberam fatura emitida deste valor, nem de qualquer outro valor pela Ré (…), Lda..
10. Os Autores efetuaram uma transferência no valor de 40.746,27 euros, no dia 22.08.2017, correspondente a 85% do valor total, para o NIB (…), da Caixa Geral de Depósitos, da conta titulada pela Ré (…), Lda..
11. Foi efetuada outra transferência bancária, no valor de 7.190,52 euros, no dia 26.06.2018, correspondente aos restantes 15%, de conta titulada pelos Autores para a conta titulada pela sra. (…), NIB (…), do BS, segundo instruções do Réu (…), conforme estabelecido no email recebido no dia 06.06.2018 endereçado pelo Sr. (…) para a Dª (…).
12. No orçamento apresentado pela Ré (…), Lda., menciona-se que a instalação da máquina é oferta, havendo sido tal trabalho adjudicado diretamente pelo sr. (…) à sra. (…) a título particular, que se encarregou de “servir de ponte” entre o Sr. (…) e os Autores.
13. A máquina, após montagem, apresentava-se em boas condições e as ligações efetuadas estavam em bom estado, e a máquina esteve a trabalhar aproximadamente 2 meses, mas sempre sem atingir os valores ideais preconizados e garantidos pelos Réus (25/30 litros de débito por minuto), tendo atingido no máximo 5 litros por minuto.
14. Foram efetuados vários telefonemas ao Réu (…), pelos Autores, para que fosse corrigir o que se passava com a máquina, para além de Emails trocados também para esse efeito, de forma a cumprir com o que fora acordado.
15. O Réu (…) informou aos Autores, que por motivos de saúde não foi possível deslocar-se imediatamente ao local, como seria necessário e exigível, tendo por isso passado algum tempo desde a instalação da máquina, deteção do problema e prolação do diagnostico “in loco”.
16. Nesse hiato temporal a máquina teve de ser imediatamente desligada dado que se rompeu o corpo da bomba de alimentação da bomba de pressão, passando, entretanto, meses sem que este nada fizesse.
17. Posteriormente à montagem da máquina, e enquanto esperavam que a situação ficasse sanada, os Autores adquiriram outra máquina ao Réu (…), para ser instalada numa outra vivenda dos Autores, chamada vivenda (…), sita nos (…), concelho de Lagoa.
18. Para colocar a máquina adquirida na Vivenda (…) a trabalhar corretamente, foram informados os Autores, segundo o Réu (…) relatou à sra. (…), que seria necessário adquirir peças novas para a máquina, ou para agilizar o processo, poder-se-iam ir buscar as referidas peças à segunda máquina que os Autores acabaram por adquirir posteriormente considerando que eram compatíveis entre si.
19. De forma a resolver esta situação o mais breve possível e uma vez se encontravam em pleno Verão, os Autores, acederam a que fossem retiradas peças à segunda máquina, mas após a colocação dessas peças a máquina também não ficou a funcionar como devia.
20. Os Autores voltaram a contactar, através de diversos telefonemas o Réu (…) para que resolvesse a situação, o que não acabou por acontecer, mais uma vez, embora este garantisse que iria “resolver” o problema.
21. Foi enviado, novamente pelos Autores, um email a expressar o desagrado na situação com as duas máquinas.
22. Mas a resposta da Ré (…), Lda. foi que era alheia a alterações de corrente verificadas no local, e que iria mandar desenhar uma bomba mais adequada à máquina que tinham vendido, passando mais de um ano para o efeito.
23. Para além disso iria mandar vir um técnico da fábrica para verificar a situação, técnico esse que nunca veio a mando do Réu (…).
24. Apesar de todos os esforços desenvolvidos para a situação ficar sanada e em conformidade com o acordado (telefonemas, emails, visitas presenciais), manteve-se tudo na mesma.
25. Nem a Ré (…), Lda. nem o Réu (…), resolveram a situação relativa a ambas as máquinas até à presente data, sendo que quanto à segunda máquina foram retiradas peças e o Réu (…) não mais voltou a repor as peças retiradas para que a máquina possa funcionar.
26. Como os Autores necessitavam da máquina a funcionar, solicitaram, mais uma vez, à sra. (…) que se informasse de quem poderia resolver o problema, nas imediações de Lagoa, tendo em consideração a falta de resposta dos Réus.
27. Tendo verificado que não existiam no concelho de Lagoa, e arredores, outras firmas especializadas para o efeito, a sra. (…) entrou em contacto com o fornecedor da Ré (…), Lda., a firma (…), em Espanha, fabricante das máquinas vendidas.
28. A Ré (…), Lda. assumiu que a máquina fornecida seria eficiente para a qualidade da água proveniente do furo.
29. Contudo, depois do arranque da máquina as características da água do furo não eram compatíveis com o equipamento fornecido, originando por isso graves problemas nos equipamentos.
30. Após vários contactos efetuados com a firma (…) foi assegurado, aos Autores que colocariam a máquina a funcionar e que ficaria com garantia de fábrica, exatamente como se fosse nova.
31. Os Autores aceitaram o orçamento que lhes foi enviado para reparação e colocação em atividade por técnico de fábrica que se deslocaria ao local para o efeito (enviada mensagem à sra. … em 15/05/2019 para contatar com a firma para adjudicação do trabalho).
32. Por lapso foi apresentado o Orçamento n.º (…), pela firma (…), em nome de (…) pelo facto de ser o marido da sra. (…), que na altura forneceu os seus dados para elaboração do referido orçamento para faturação, datado de 31/05/2019, no valor de 15.068,38 euros (valores sem IVA), o que não afetou o negócio celebrado pois todo o demais correspondia à realidade contratada.
33. Foi acordada a entrega de 80% do valor no ato de adjudicação no valor de 12.054,70 euros, entregue em 07/06/2019 através de transferência bancária para o IBAN ES (…).
34. Tendo os Autores verificado que o orçamento não estava em seu nome solicitaram a retificação do orçamento, alterando os dados para “(…)”, NIF (…) e retificação de valores com acrescento de IVA à taxa de 21% (IVA praticado em Espanha).
35. O Orçamento apresentado tem o n.º (…), datado de 31/05/2019 e foi enviado pela firma (…) em 12/06/2019.
36. No email que acompanha o orçamento foi solicitado o pagamento do IVA correspondente ao valor já pago no montante de 2.531,49 euros.
37. A Transferência desse valor foi efetuada no dia 14/06/2019, para o IBAN referido em 33.
38. Posteriormente, foi emitida a fatura n.º (…), datada de 06/08/2019, no valor total de 18.232,74 euros, em nome da Autora (…).
39. Para a liquidação da totalidade da fatura ainda restaram € 3.646,55 que foram entregues posteriormente através da transferência datada de 10/12/2019.
40. Porém o arranque definitivo da máquina ainda foi necessário a compra de mais alguns equipamentos e uma segunda vinda do competente técnico de Espanha.
41. E para a vinda do técnico especializado de Espanha foi emitido o orçamento n.º (…), no valor de 2.266,27 euros, datado de 05/09/2019 e emitido, por lapso, em nome de (…) ao invés de ser emitido em nome dos Autores.
42. Para liquidação do orçamento n.º (…) os Autores efetuaram uma transferência no valor de 2.742,19 euros, datada de 10/09/2019 para o IBAN da firma (…).
43. Foi emitida posteriormente a fatura n.º (…), datada de 27/09/2019, em nome da Autora (…), no valor de 2.742,19 euros.
44. Para além do prejuízo que sofreram os Autores com a reparação da máquina, também tiveram com elevado consumo de água de rede, que foi gasta para rega do jardim e das plantas com recurso á água da rede, sendo o objetivo principal da aquisição da máquina proporcionar a utilização da água do furo permitindo evitar gastos com a rega do jardim.
45. O gasto para uma casa desabitada a maior parte do ano (casa de férias), como é o caso desta moradia propriedade dos Autores, é de 200,00 euros mensais (gasto médio de água do jardim).
46. Em período de calor (excetuando o período em que a rega está desligada que será sensivelmente de Novembro a Março) temos nos restantes meses de Abril a Outubro um gasto total de 1.400,00 euros.
47. As faturas estão em nome do Autor (…) e, pelo seu confronto constata-se que o gasto foi muito superior: Janeiro/2019 – € 15,67; Fevereiro/2019 – € 15,60; Março/2019 – € 204,91 (liga a rega em Março); Abril/2019 – € 501,45 (foi ligada a rega ao abastecimento da rede) problema a partir daqui; Maio/2019 – € 776,03; Junho/2019 – € 1.142,55; Julho/2019 – € 1.384,44; Agosto/2019 – € 1.685,57; Setembro/2019 – € 2.438,19; Outubro/2019 – € 1.082,35 (mês em que foi ligada a máquina, mais ou menos meio mês com a máquina parada e o restante meio mês com a máquina em funcionamento).
48. Partindo do princípio de que todos os meses a média de consumo de água de tal imóvel sempre rondou os 200,00 euros mensais, tal equipamento adquirido à Ré (…), ao invés causou aos Autores um prejuízo no valor de 7.610,00 euros, tudo contrariamente ao garantido pela Ré.
49. Para colocar a primeira máquina a trabalhar em condições (aproximadamente 2 anos depois), foram despendidos: com a firma (…) – 18.232,74 euros + 2.742,19 euros = 20.974,93 euros + Despesas com água paga em excesso – 7.610,00 euros.
50. Ainda no decorrer do ano de 2018, os Autores, confiantes que conseguiriam através dos Réus resolver o “problema” com a máquina adquirida para a vivenda (…), também situada no concelho de Lagoa solicitaram novamente à senhora Andreia que inquirisse junto do Réu (…) de forma a aferir se teriam uma máquina “superior” à primeira máquina adquirida para instalação numa vivenda com um jardim de dimensões bastante superiores.
51. No dia 06/06/2018 foi enviado à sra. (…), que posteriormente reencaminhou aos Autores, um email da Ré (…), Lda., assinado pelo Réu (…), com a confirmação de que teria uma máquina indicada para o local.
52. Tomando os Autores conhecimento pela informação prestada pelo Réu (…) à sra. (…) que seria uma máquina já usada, ainda que por curto período de tempo, o Réu (…) acedeu a fornecê-la pelo valor de € 35.000,00 (valores sem IVA), tendo apresentado para o efeito o orçamento n.º (…).
53. Apesar de ser um orçamento emitido pela Ré (…), Lda. esta máquina pertencia ao Réu (…), tendo este informado que sendo um bem em “segunda mão” não seria cobrado IVA e que seria transmitida “a título particular”.
54. Após adjudicação, foi efetuada pelos Autores, transferência bancária para conta titulada pelo Réu (…), com o IBAN n.º (…), do BS, no valor de € 29.750,00, que correspondia a 85% do valor total do orçamento.
55. Os Autores entregaram 85% do valor da máquina, cumprindo com o acordado e acabaram por não poder utilizar a referida máquina, que se encontra em poder dos Autores.
56. Os Réus tornaram impossível a manutenção da relação de confiança estabelecida entre as partes que firmaram os acordos celebrados.
57. O equipamento fornecido pela Ré (…), Lda. não era adequado.
58. O equipamento foi fornecido de acordo com as indicações fornecidas pela Ré (…) e pelo Réu (…).
59. O Réu (…) agiu no acordo celebrado com os AA em representação e no âmbito do objeto da Ré (…), Lda. no que respeita à transmissão da máquina para a vivenda dos Autores de (…) (…) e agiu em nome próprio relativamente à transmissão da máquina para a vivenda dos Autores do (…).
60. Algumas plantas da vivenda da (…) morreram devido ao excesso de sal.
61. Toda a situação supra descrita veio afetar a tranquilidade dos Autores.
62. O Réu (…) encontra-se a ser seguido no Hospital de Santa Maria pelo menos desde 2019, para tratamento de doença cancerígena.

Apreciando, de imediato, a primeira questão suscitada pelo Réu (…), ora apelante – saber se constitui causa de nulidade de todo o processado o facto de, após a citação, a Ré (…), Lda. não estar representada por advogado ou defensor nomeado, o que viola também o disposto no artigo 20.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – importa dizer a tal respeito que, da análise dos autos, constata-se que a sociedade Ré, acima identificada, foi devidamente citada, por carta registada com aviso de recepção, para, querendo, contestar a presente acção, o que foi feito nos termos do disposto nos artigos 228.º e 246.º do C.P.C., sendo certo que a mesma se remeteu ao mais completo silêncio.
Além disso, também não veio a sociedade Ré arguir qualquer nulidade ou irregularidade na sua citação, tendo assumido uma posição de revelia absoluta – já que não apresentou contestação, nem juntou procuração aos autos – revelia essa que, todavia, é inoperante quanto a si, por força do estatuído na alínea a) do artigo 568.º do C.P.C. (uma vez que o Réu … veio contestar a acção e impugnar, no essencial, os factos alegados pelos Autores na sua petição inicial).
Por outro lado, o disposto no artigo 41.º do C.P.C., ao contrário do que sustenta o recorrente, só tem aplicação quando o Réu vem contestar a acção, mas não junta procuração a advogado (cfr. parte final de tal preceito: “ficar sem efeito a defesa”), o que, como vimos, não é, manifestamente, o caso em apreço.
Deste modo, resulta claro que o prosseguimento dos autos, culminando com a realização da audiência de julgamento e a prolação da sentença recorrida – atenta a contestação apresentada pelo Réu (…), aqui recorrente – não padece de qualquer nulidade.
Acresce que, também é nosso entendimento, não se mostrar violado o disposto no n.º 2 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o qual estatui que:
- Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
Ora, o direito à tutela jurisdicional efectiva impõe aos tribunais, no âmbito da justiça cível, a pronúncia sobre todas as pretensões deduzidas pelas partes e a resolução de todos os pontos litigiosos que lhe sejam submetidos.
Além disso, deve entender-se que o legislador está também vinculado ao princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) e ao princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), sendo-lhe vedado criar obstáculos ao exercício de direitos das partes, que dificultem ou prejudiquem arbitrariamente ou de forma desproporcionada o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.
Porém - ao contrário do sustentado pelo recorrente - o respeito por estes direitos não exclui a possibilidade de o legislador conformar o processo de acordo com regras precisas, cuja inobservância tem por consequência a preclusão de direitos ou a restrição dos poderes cognitivos dos tribunais.
Assim sendo, o facto da sociedade Ré não ter contestado a presente acção no prazo legal, ou, eventualmente, não ter solicitado apoio judiciário para o poder fazer (caso fizesse prova de uma situação económica deficitária) preenche uma conduta omissiva da sua parte, só à mesma imputável, não constituindo, por isso, qualquer violação do preceituado no n.º 2 do citado artigo 20.º.

Analisando agora a segunda questão levantada pelo Réu, (…), ora apelante – saber se documentos em língua estrangeira (espanhol), não traduzidos para a língua portuguesa, e que fundamentaram o ponto 49 dos factos provados, não podiam ter sido utilizados para esse fim, por violação do estipulado nos artigos 134.º, n.º 1, do C.P.C. e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa – haverá que referir a tal propósito que os documentos por aquele mencionados (juntos pelos AA. com a sua petição inicial) não serviram, de todo, para prova do ponto 49 dos factos provados, como, aliás, se poderá constatar da respectiva motivação constante da sentença recorrida (cfr. “prova documental” – fls. 11/12).
Acresce que, em todo o processo, nomeadamente quando da realização da audiência de julgamento, o aqui apelante não veio requerer a tradução dos documentos em causa, escritos em castelhano, o que podia ter feito, pelo que a sua inércia ou omissão só pode ser interpretado como tendo entendido perfeitamente o seu teor…
Além disso, sempre se dirá que a maior parte dos aludidos documentos são oriundos de uma sociedade espanhola com quem o ora recorrente terá realizado vários negócios (através da sociedade Ré), pelo que será verosímil que o mesmo entende perfeitamente a língua castelhana!
Finalmente, importa ter presente que o artigo 134.º, n.º 1, do C.P.C. não obriga à tradução de documentos em língua estrangeira, apenas se impondo, quando for necessária, não o sendo quando se trata de uma língua com grandes semelhanças com a portuguesa, como é o caso da língua espanhola, acessível ao comum dos falantes da língua portuguesa – cfr. C.P.C. Anotado, Vol. I, 2ª ed., página 166, citando o Acórdão da R.P. de 16/6/2004, proferido no P. 722/11.
Por último, é nosso entendimento, que também não se mostra violado o disposto no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o qual estatui que:
- Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
A este respeito o Tribunal Constitucional tem entendido que o legislador ordinário tem competência para delimitar os pressupostos ou requisitos processuais de que depende a efectivação da garantia de acesso aos tribunais (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, CRP anotada, Vol. I, 2ª ed., página 438).
Por isso, o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe, nas soluções que consagra, ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente protegidos relevantes e, em conformidade, disciplinar o âmbito do processo, nomeadamente, os prazos e os poderes de cognição do tribunal.
Assim sendo, sufragamos a posição de que a tradução de documentos estrangeiros não é obrigatória e que esta interpretação do n.º 1 do citado artigo 134.º não é – de todo – inconstitucional e, por via disso, não viola os princípios da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva consagrados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Apreciando, de seguida, a terceira questão suscitada pelo Réu, (…), ora apelante – saber se no que respeita ao excesso de consumo de água por parte dos Autores, não era possível apurar com exactidão tal excesso, uma vez que não estão juntas aos autos as respectivas facturas dos mesmos meses e de anos anteriores – importa dizer a tal respeito que aquele não concorda com o raciocínio jurídico do Julgador “a quo” ao ter calculado tal excesso no montante de € 7.610,00 para efeitos de condenação da sociedade Ré.
Ora, o montante supra referido consta dos factos que vieram a ser dados como provados na decisão sob censura, sendo certo que o recorrente não impugnou a decisão relativa à matéria de facto nos precisos termos previstos no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil.
Na verdade, o recorrente não indicou, de todo, nas respectivas conclusões, quais os concretos pontos de facto da decisão sob censura que considera incorrectamente julgados, em obediência ao que se encontra expressamente estipulado na alínea a) de tal preceito legal.
Além disso, o Réu (…) também não explicita devidamente quais as respostas (positivas ou negativas) que deviam ter sido dadas à factualidade que pretende impugnar pela via recursória e, por isso, não cumpriu o estipulado na alínea c) do n.º 1 do citado artigo 640.º.
Com efeito, o aqui apelante, limita-se a afirmar que, “in casu”, não foi feita prova do montante relativo ao excesso de consumo de água por parte dos Autores, montante esse que, na decisão recorrida, foi apurado e calculado no valor de € 7.610,00.
E nem se diga que o Réu (…) não o podia fazer no recurso que interpôs para esta Relação – ou seja, indicar quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e quais as respostas que, em seu entender, deviam ter sido dadas – uma vez que resulta claro que a M.ma Juíza “a quo”, na sentença recorrida, indicou, de forma cabal e explícita, quais os factos dados como provados, bem como indicou quais os factos dados como não provados.
Deste modo, face ao acima exposto, torna-se evidente que o Réu (…), aqui apelante, não deu cumprimento, de todo, ao ónus que lhe era imposto expressamente pelas alíneas a) e c) do n.º 1 do citado artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, aliás, pode ver-se Amâncio Ferreira que sustenta que a não satisfação dos ónus impostos pelo referido artigo 640.º a cargo do recorrente, implicam a rejeição imediata do recurso – cfr. Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., página 203.
No mesmo sentido se pronuncia também Lopes do Rego ao afirmar que este preceito (referindo-se ao artigo 690.º-A do antigo C.P.C., cuja redação é similar à do actual artigo 640.º) não previu o convite ao aperfeiçoamento quando o recurso versa sobre a matéria de facto que se pretende impugnar e que, desde logo, não satisfaça minimamente o estipulado nos n.º 1 e 2 pois, se isso acontecer, o recurso é logo liminarmente rejeitado – cfr. Comentário ao C.P.C., 1999, página 466.
Em sentido idêntico ou similar veja-se ainda o que é afirmado por Abrantes Geraldes que, desde já, passamos a transcrever:
- A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) …
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o Apelante considera incorrectamente julgados;
c) …
d) …
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) …
Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” – cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 128/129.
Também a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem entendido que o recurso em que se impugna a matéria de facto deve ser rejeitado quando não levar às conclusões, não apenas a indicação precisa e concreta dos factos que considera incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido, como também daqueles que, de harmonia com os fundamentos apontados, reputa demonstrados. Ou seja, não basta ao recorrente, para obter em 2ª instância a reapreciação da prova produzida no tribunal a quo, quedar-se numa transcrição genérica de depoimentos prestados, pois, sobre ele, impende o ónus de especificar quais são os concretos pontos de facto que reputa indevidamente apreciados, com remissão expressa para os respectivos artigos constantes dos articulados e com referência precisa aos aludidos depoimentos, bem como indicar qual o sentido concreto em que a matéria fáctica impugnada deveria ter sido julgada pelo tribunal recorrido – cfr., entre outros, o Acórdão do S.T.J. de 10/12/2009, in www.dgsi.pt, bem como os Acórdãos da R.C. de 25/5/99 e 24/10/2000, da R.L. de 2/11/2000, de 12/2/2014 e 8/11/2020, da R.G. de 14/3/2013 e desta Relação de 11/7/2019 in, respectivamente, B.M.J. 483.º, página 371, JTRC01137/ITIJ/Net e, restantes arestos, disponíveis in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, vejam-se ainda os Acórdãos do STJ de 3/3/2016, 7/7/2016, 27/10/2016, 5/9/2018, 26/9/2018 e 27/9/2018, todos disponíveis in www.dgsi,pt.
Também o relator do presente aresto veio já a pronunciar-se nesse sentido, em casos semelhantes ao dos presentes autos, no Acórdão da R.E. de 9/2/2006, proferido no P. 2135/05, no Acórdão da R.L. de 21/11/2006, proferido no P. 8538/06 e ainda no Acórdão da R.E. de 10/4/2008, proferido no P. 748/08.
E, a tal propósito, não será demais citar o Acórdão do STJ de 1/10/2015, também disponível in www.dgsi.pt, onde é afirmado o seguinte:
- No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
Por isso, atentas as razões e fundamentos acima referidos, é nosso entendimento que – no caso em apreço – face ao disposto no n.º 1, “in fine”, do mencionado artigo 640.º do C.P.C., não é possível a este Tribunal Superior conhecer do recurso do apelante quanto à impugnação da matéria de facto apurada no tribunal a quo (em virtude de, alegadamente, ter sido incorrectamente valorada a prova documental produzida nos autos) e, por via disso, deverá o mesmo ser rejeitado, nesta parte, o que aqui se determina para os devidos e legais efeitos.
Em consequência, mantendo-se imutável a factualidade apurada no tribunal a quo – a qual se mostra transcrita supra – não é possível alterar a decisão recorrida e sufragar o entendimento defendido pelo recorrente, de que o excesso de consumo de água por parte dos Autores não poderá ser calculado como tendo atingido o valor de € 7.610,00.

Finalmente, analisando agora a quarta questão levantada pelo Réu (...), ora apelante – saber se a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C.), atendendo a que a M.ma Juíza “a quo”, no que tange à sua condenação por danos não patrimoniais, não oficiou ao ISS, I.P. para saber quais são os rendimentos do recorrente, sendo que a não apresentação dos mesmos não lhe é imputável, face ao seu estado de saúde – haverá que referir a tal propósito que, como é sabido, «a lei não traça um conceito de nulidade de sentença, bastando-se com a enumeração taxativa de várias hipóteses de desconformidade com a ordem jurídica que, uma vez constatadas na elaboração da sentença, arrastam à sua nulidade» – cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., páginas 46/47.
Esse elenco taxativo das causas de nulidade da sentença consta das alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Ora, a alínea d) do n.º 1 do referido preceito legal comina a sentença de nula “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Daqui resulta que o juiz tem de apreciar todas as questões que lhe são submetidas e apenas essas, não estando, porém, obrigado a apreciar todos os argumentos invocados pelos recorrentes, desde que, sem necessidade de apreciar tais argumentos, tome posição sobre o núcleo essencial daquelas questões. Por outro lado, apenas pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso.
«Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (artigo 660.º-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado. Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções na exclusiva disponibilidade das partes (artigo 660.º-2), é nula a sentença que o faça» – cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 2001, páginas 670.
Com efeito, é entendimento na jurisprudência dos nossos tribunais superiores que a nulidade por omissão de pronúncia há-te incidir apenas sobre “questões” que tenham sido submetidas à apreciação do tribunal, com elas não se confundindo as considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 19/3/2002, Rev. n.º 537/02, 2ª Sec., Sumários, 3/2002).
Na verdade, a omissão de pronúncia a que alude a alínea d) do n.º 1 do citado artigo 615.º respeita apenas a questões e não a factos, sendo que a omissão de factos só integra a nulidade prevista na alínea b) do referido preceito legal se se traduzir na falta absoluta da respectiva fundamentação o que, como é evidente, não se verifica no caso dos presentes autos.
A este propósito pode ver-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 10/1/2002, Rev. n.º 3196/01, 2ª sec., Sumários 1/2002.
No caso em apreço, o recorrente sustenta a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, uma vez que a M.ma Juíza “a quo” não se terá pronunciado sobre o seu pedido de informação ao ISS, I.P. para serem conhecidos os seus rendimentos.
Todavia, a este respeito, apenas se dirá que não se verifica tal nulidade, uma vez que a sentença recorrida analisou todas as questões suscitadas nos autos, nomeadamente, qual o montante da indemnização devida aos Autores, por danos não patrimoniais sofridos, tendo vindo a fixar o respectivo montante em € 1.000,00 no que se reporta ao Réu (…), aqui apelante.
Quanto ao facto de não ter sido apurada nos autos qual é a actual situação económica do recorrente (cfr. ponto 5) dos factos não provados) importa frisar, tão só, que a prova de tal factualidade incumbia ao Réu (…), sendo do seu exclusivo interesse, não estando provado que o mesmo, pelo facto de ter problemas de saúde, estivesse impedido de juntar aos autos os respectivos documentos, nomeadamente a sua última declaração de IRS.
Assim sendo, forçoso é concluir que não existe qualquer omissão de pronúncia na decisão sob censura proferida na 1ª instância, pelo que a mesma não padece da nulidade prevista na referida alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C. que, erroneamente, lhe é imputada pelo Réu (…), aqui apelante.
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pelo Réu (…), ora apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ele indicados.
***
Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)

***

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Réu (…) e, em consequência, confirma-se integralmente a sentença proferida pelo Julgador “a quo”.
Custas pelo Réu (…), ora apelante (sem prejuízo do apoio judiciário de que é beneficiário).

***
Évora, 10 de Março de 2022
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás
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[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, páginas 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, n.ºs 32/33, página 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, página 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, página 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, página 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, páginas 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3.º, página 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, 1972, páginas 286 e 299).