Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
897/20.8T8PTG.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: COIMA
MONTANTE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
ARTIGO 9º
Nº 1
AL. A)
E Nº 3
DO D.L. Nº 156/2005
DE 15/09
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O legislador ordinário goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis à prática de contraordenações, desde que, obviamente, sejam respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contraordenacional, e, além disso, desde que que as sanções a aplicar sejam efetivas, proporcionadas e dissuasoras, de modo a ficar garantido o efeito preventivo das mesmas, sob pena de os destinatários das normas não se sentirem compelidos a cumpri-las.

Ora, o legislador, ao fixar, para o cometimento da contraordenação em causa nestes autos, uma coima que varia entre 7.500 euros (mínimo) e 15.000 euros (máximo), não foge ao princípio da proporcionalidade (princípio constitucionalmente imposto, no que toca à restrição de direitos), isto é, o legislador não estabelece uma moldura sancionatória claramente excessiva, manifestamente injustificada ou, mesmo, abusiva.

O Tribunal Constitucional tem afirmado a constitucionalidade do artigo 9º, nº 1, al. a), e nº 3, do D.L. nº 156/2005, de 15/09, por não violação do princípio da proporcionalidade - art.º 18º, nº 2, da C.R.P.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

No Recurso de Contraordenação nº 897/20.8T8PTG, do Juízo Local Criminal de Portalegre, e mediante pertinente sentença, foi decidido nos seguintes termos:

“Em face do exposto, julgo improcedente, por não provado, o recurso apresentado por C…, e mantenho, nos seus precisos termos, a decisão administrativa.

Custas pela Recorrente, que se fixam em 2 UC”.

*

Inconformada, a arguida C… interpôs recurso da sentença, formulando na respetiva motivação as seguintes conclusões (em transcrição):

“I - A Recorrente foi condenada no âmbito do Recurso de Contraordenação nº …, instaurado pela ASAE contra C…, em que a mesma foi condenada pela prática de uma contraordenação, p. e p. pelo art.º 9.º, n.º 3 do DL n.º 156/2005, na redação introduzida pelo DL n.º 74/2017, de 1 de junho, conjugado com o art.º 3.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma, condenou e manteve a coima a que ora recorrente foi sancionada no valor de €7500,00, sendo o mínimo €7500 e o máximo €15.000 (vide art.º 9.º, n.º 3 do DL n.º 156/2005, na redação introduzida pelo DL n.º 74/2017, de 1 de Junho, conjugado com o art.º 3.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma).

II - O presente recurso tem por objeto quanto à matéria de facto somente quanto à questão da situação económica da Arguida.

III - Com o devido respeito, o Tribunal Recorrido incorreu em manifesto e flagrante erro na apreciação do teor do depoimento da legal responsável da Arguida, não valorando, indevidamente, as declarações por si prestadas quanto à sua situação económica, tendo ainda em conta o contexto atual de pandemia e todos os condicionalismos impostos pelo Estado Português.

IV - O presente recurso tem ainda por objeto quanto à matéria de Direito, somente quanto ao montante aplicado no valor de € 7.500,00, cujo valor em concreto se considera desproporcional e inconstitucional – tendo em conta a moldura aplicável e respetiva agravante da deslocação ao local da GNR.

V - De harmonia com o disposto no art° 204° da CRP, "Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados";

VI - O núcleo essencial do direito fundamental dos consumidores à "qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos" não é afetado pelo facto de o fornecedor de bens ou prestador de serviços não facultar ao consumidor o livro de reclamações de forma imediata, sendo que atualmente há a possibilidade da reclamação ser apresentada eletronicamente;

VII - O conteúdo essencial do preceito previsto no artigo 61 °/1 da Constituição da República Portuguesa é atingido de forma desproporcionada quando a lei prevê no art. 9º/1, alínea b) e 3 do Decreto-Lei n° 156/05, de 15 de setembro a aplicação de uma coima mínima de 7.500,00 €;

VIII - A aplicação à recorrente de uma coima, ainda que reduzida sem considerar a agravação, é, ainda assim, além de desfasada da realidade, é manifestamente desproporcional, ilegal e até imoral, comparativamente com o valor que o legislador quis proteger - o do consumidor - e coloca em perigo a subsistência e existência da própria Recorrente, que a verificar-se terá que encerrar a sua atividade.

IX - As normas previstas no artigo 9.º/1, alínea a) e 3 do Decreto-Lei nº 156/05, de 15 de setembro, segundo a interpretação normativa que lhes foi conferida pelo tribunal a quo, são claramente inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no art. 18° da Constituição da República Portuguesa;

X - A sentença sub judice deve ser imediatamente revogada, com a consequente absolvição da recorrente da coima que lhe foi aplicada.

Termos em que V. Exas, revogando a douta sentença sob censura, farão a tão curial Justiça”.

*

O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo nos seguintes termos (em transcrição):

“1) O presente Recurso versa sobre matéria de facto. Ora, tal não é permitido pelo art.º 75.º, n.º 1, do atual RGCO, que limita expressamente o recurso para a Relação à matéria de direito.

2) Pelo que, salvo melhor opinião, não deve esse Venerando Tribunal conhecer do recurso na parte em que o mesmo versa sobre a matéria de facto dada como provada na sentença.

3) A coima aplicada não nos merece qualquer censura, uma vez que já foi fixada no mínimo legal (vide art.º 9.º, n.º 3, do D.L. n.º 156/2005, na redação introduzida pelo D.L. n.º 74/2017, de 1 de junho, conjugado com o art.º 3.º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma).

4) O D.L. n.º 156/2005, de 15/09, visa a tutela dos direitos dos consumidores, e as normas violadas prosseguem essa finalidade, procurando garantir que a entidade administrativa toma conhecimento das reclamações apresentadas pela consagração da obrigatoriedade do seu envio por parte do prestador de serviços, e estabelecimento de sanções em caso de incumprimento das práticas impostas.

5) Os comportamentos impostos pelo referido decreto-lei são essenciais para assegurar práticas comerciais respeitadoras dos direitos dos consumidores, responsabilizando os agentes do comércio jurídico na justa medida das suas obrigações enquanto operadores a quem incumbe observar o respeito pelos direitos dos consumidores.

6) No ilícito de mera ordenação social as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as sanções criminais, dirigindo-se a princípios de pura utilidade e estratégia social, pelo que a ponderação de um critério de proporcionalidade será diferente consoante se esteja perante reações penais ou contraordenacionais, devendo ser mais apertado e rígido na primeira hipótese.

7) Pelo que, o quadro sancionatório decorrente do referido diploma, ao tutelar a posição do consumidor, é perfeitamente necessário, adequado e proporcional.

8) O Tribunal Constitucional tem afirmado a Constitucionalidade do referido normativo em presença, por não violação do princípio da proporcionalidade, art.º 18.º, n.º 2, da C.R.P. – cfr. acórdãos n.ºs 62/2011, 67/2011 e 97/2014 (este último em Plenário), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

9) Em consonância com a Jurisprudência citada, somos do entendimento que os artigos 9.º, n.º 1, a), e nº 3, do D.L. n.º 156/2005, de 15/09, não violam o princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da CRP ou qualquer outro preceito constitucional, pelo que em conformidade, deverá improceder a inconstitucionalidade invocada pela recorrente, devendo a sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos.

Nestes termos, deverá ser julgado totalmente improcedente o recurso ora interposto pela Recorrente”.

*

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, aquando da vista a que alude o artigo 416º, nº 1, do C. P. Penal, apôs “visto”.

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

No caso destes autos, face às conclusões retiradas pela recorrente da motivação do recurso, e em muito breve resumo, são duas as questões a conhecer:

1ª - Impugnação da decisão fáctica.

2ª - Medida concreta da coima (com invocação da inconstitucionalidade da norma sancionatória, por violação do princípio da proporcionalidade).

2 - A decisão recorrida.

A sentença revidenda é do seguinte teor (integral):

“I – Relatório

No âmbito do Recurso de Contraordenação n.º …, instaurado pela ASAE contra C…, em que a mesma foi condenada pela prática de uma contraordenação, p. e p. pelo art.º 9.º, n.º 3 do DL n.º 156/2005, na redação introduzida pelo DL n.º 74/2017, de 1 de Junho, conjugado com o art.º 3.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma, veio o mesmo impugnar a referida decisão, por entender que o reclamante abusou do seu direito de requerer o livro de reclamações e que como foi a recorrente que chamou a autoridade não deve funcionar a agravação prevista no art.º 9.º, n.º 3, do DL n.º 156/2005, na redação introduzida pelo DL n.º 74/2017, de 1 de Junho. Requer a sua absolvição ou, a aplicação de uma admoestação.

O Tribunal é competente.

II – Questão a decidir

Apurar se a recorrente praticou a contraordenação em causa.

III – Fundamentação

A) Factos provados

1. No dia 21 de julho de 2017, uma patrulha da PSP – Comando Distrital de …, deslocou-se ao estabelecimento explorado pela sociedade arguida, em virtude de um cliente ter solicitado o livro de reclamações, se este não lhe ter sido facultado de forma imediata;

2. T…, por não ter ficado satisfeito com o serviço prestado pela sociedade arguida, solicitou o livro de reclamações ao responsável do estabelecimento acima referido, o qual recusou a sua disponibilização;

3. J… confirmou à patrulha que só entregaria o livro ao cliente, após o mesmo efetuar o pagamento do serviço adquirido;

4. Contudo, o próprio cliente esclareceu que o serviço seria pago pelo seu patrão, conforme previamente acordado entre este o proprietário do estabelecimento;

5. Ainda assim, foi declinada a apresentação do livro de reclamações;

6. Os representantes da arguida, conheciam a obrigação legal de disponibilização do livro de reclamações ao cliente sempre que solicitado, e ainda assim recusaram a entrega do mesmo, agindo de forma livre, voluntária e deliberada, admitindo como possível que a sua conduta era violadora da lei, conformando-se com esse resultado.

B) Factos não provados

Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:

a) T… chegou ao restaurante já exaltado e a discutir com um colega de trabalho;

b) Sentou-se numa mesa, e logo de seguida trocou de mesa sem pedir ou consultar se o podia fazer;

c) Após pedir o jantar, levantou-se e dirigiu-se à casa de banho, pontapeando duas cadeiras na sala de refeições;

d) Desde que chegou discutia em tom alto e utilizou expressões como “merda”, “caralho”, “foda-se2, “são todos uns filhos da puta”, sempre em voz alta;

e) Reclamou da comida afirmando “A comida é uma merda”, “não vale um caralho”, “não sabem fazer uma merda”;

f) J…, esposo da sócia gerente da arguida solicitou ao reclamante que tivesse calma, pois estava a deixar os presentes incomodados;

g) O reclamante dirigiu-se à gerente e disse-lhe “não vale uma merda”, “isto é uma terra de filhos da puta”;

h) A reação da gerente foi solicitar ao reclamante que pagasse a refeição e que se fosse embora;

i) É neste momento que o reclamante pede o livro de reclamações, ao que lhe foi respondido que sim, era seu direito, mas tinha que pagar a refeição;

j) A responsável não recusou a apresentação do livro de reclamações;

k) Foi a gerente que teve a iniciativa de chamar a PSP ao local.

C) Motivação

O Tribunal formou a sua convicção com base no teor do auto de notícia, declarações da legal representante do recorrente e testemunhas ouvidas em audiências. Tudo analisado criticamente, com recurso às regras da experiência comum.

Assim, quanto ao descrito em 1 a 3, 5 e 6 tal factualidade não foi posta em causa pela recorrente, nas declarações que prestou, afirmando ainda ser conhecedora da obrigação legal e que incorria na prática de contraordenação, dizendo inclusive “que já estava à espera da multa”, mas ainda assim decidiu não entregar o livro de reclamações ao cliente.

Já quanto ao elencado em 4, resultou do teor do depoimento dos agentes da PSP ouvidos, em conjugação com o depoimento da testemunha T….

Quanto aos factos dados como não provados, pese embora a legal representante do recorrente tenham referido esses factos, a testemunha T… negou-os, sendo que as restantes testemunhas também não os afirmaram. Assim sendo, e não tendo o Tribunal razões para dar maior credibilidade a uma versão em detrimento de outra, considerou tais factos como não provados.

D) Enquadramento jurídico

A recorrente foi condenada pela prática de uma contraordenação, p. e p. pelo art. art.º 9.º, n.º 3 do DL n.º 156/2005, na redação introduzida pelo DL n.º 74/2017, de 1 de junho, conjugado com o art.º 3.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma.

Ora, atendendo aos factos provados concluímos que a conduta da recorrente preenche integralmente os elementos, objetivos e subjetivos, da dita contraordenação, nos termos constantes da decisão administrativa, a qual não merece reparo.

Alega a recorrente que o cliente agiu em abuso de direito. O pedido de apresentação do livro de reclamações não está condicionado, ou seja, a lei consignou essa obrigação sem que tenha feito depender o exercício da mesma de quaisquer condições. Basta que o cliente o solicite, para os fins que bem entender. Assim, não se vislumbra qualquer abuso de direito.

Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, a recorrente praticou a contraordenação que lhe foi imputada na decisão administrativa.

C) Da coima

Foi a ora recorrente sancionada com uma coima no valor de €7500,00, sendo o mínimo €7500 e o máximo €15.000 (vide art.º 9.º, n.º 3 do DL n.º 156/2005, na redação introduzida pelo DL n.º 74/2017, de 1 de junho, conjugado com o art.º 3.º, n.º 1, al. b) do mesmo diploma).

Efetivamente, para a verificação da agravante basta que a autoridade policial tenha sido chamada ao local e registado a ocorrência, sendo irrelevante apurar quem é que chamou essa autoridade.

Nos termos do disposto no art.º 18.º n.º 1 do RGCO, “A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação”.

Ora a coima aplicada não merece censura pois fixou-se no mínimo legal.

Requer a recorrente a substituição da coima por admoestação.

Nos termos do art.º 51.º do RGCO, prevê-se que quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. Ora no caso, não podemos dizer que a infração é de reduzida gravidade, já que a recorrente persistiu na sua conduta, mesmo após a PSP estar no local, o que agravou a sua conduta, em termos de moldura aplicável. Acresce que nenhuma justificativa de tal comportamento resultou provada, para além de uma aparente teimosia em não cumprir a lei.

Assim sendo, não estão verificados os requisitos para a aplicação de admoestação.

Requer ainda a Recorrente a suspensão da execução da coima, contudo tal não se encontra legalmente previsto para este tipo de infração, pelo que não poderá ser satisfeita a sua pretensão.

IV – Decisão

Em face do exposto, julgo improcedente, por não provado, o recurso apresentado por C…, e mantenho, nos seus precisos termos a decisão administrativa.

Custas pela Recorrente, que se fixam em 2 UC.

Comunique a presente decisão à autoridade administrativa.

Notifique”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Dos factos.

A recorrente impugna a matéria de facto dada como provada na sentença sub judice (na opinião da recorrente, o tribunal a quo não apreciou devidamente a prova atinente à sua situação económica).

Cumpre decidir.

Preceitua o artigo 75º, nº 1, do Regime Geral das Contraordenações (D.L. nº 433/82, de 27/10 - doravante designado por RGCO -), que, “se o contrário não resultar deste diploma, a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.

Ou seja, face aos poderes conferidos pelo artigo 75º, nº 1, do RGCO, nos processos de contraordenação, como é o caso destes autos, o Tribunal da Relação (a segunda instância) apenas conhece da matéria de direito, funcionando como tribunal de revista, perante os factos que foram apurados em primeira instância.

Por outras palavras: os factos que ficaram assentes na sentença proferida em primeira instância têm de considerar-se fixados, salvo se do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resultar a ocorrência de algum dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal.

Como bem se escreve, a este propósito, no Ac. do T.R.P. de 18-05-2005 (in www.trp.pt), “o Tribunal da Relação, em regra e no âmbito dos recursos de contraordenação, apenas conhece de direito. Constituem exceções a esta regra as que constam do art.º 410º, nº 2, do C.P.P.: A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e o erro notório na apreciação da prova. Tais vícios da matéria de facto têm de resultar do texto da decisão recorrida e sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, não sendo admissível, designadamente, o recurso a declarações ou depoimentos exarados no processo, e não podendo basear-se em documentos juntos ao processo”.

Não se vislumbra a existência, in casu, de qualquer um dos vícios prevenidos no artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal, nem a recorrente invoca expressamente tal existência.

Por conseguinte, e face a tudo o predito, relativamente à impugnação da decisão fáctica tomada pelo tribunal a quo, e porque este tribunal ad quem apenas conhece da matéria de direito (cfr. o disposto no artigo 75º do RGCO), impossibilitado está, obviamente, de apreciar de novo a prova, ou seja, de ponderar e de decidir sobre o julgamento dos factos expresso na sentença recorrida.

Improcede, pois, por forma manifesta, toda esta primeira vertente do presente recurso, relativa à apreciação e valoração da prova produzida na audiência de discussão e julgamento.

A matéria de facto dada como provada pelo tribunal de primeira instância mostra-se, por isso, definitivamente assente.

b) Da medida concreta da coima (e da inconstitucionalidade invocada pela recorrente).

A recorrente discute a medida concreta da coima que lhe foi aplicada, alegando que a interpretação efetuada pelo tribunal a quo do preceituado no artigo 9º, nº 1, al. a), e nº 3, do D.L. nº 156/2005, de 15/09, é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

Cabe decidir.

Desde logo, cumpre referir que a recorrente foi sancionada com uma coima no montante de 7.500 euros, dentro de uma moldura punitiva que, em abstrato, é de 7.500 euros a 15.000 euros (cfr. o disposto no artigo 9º, nº 3, do D.L. nº 156/2005, de 15/09, na redação introduzida pelo D.L. nº 74/2017, de 01/06, conjugado com o preceituado no artigo 3º, nº 1, al. b), do mesmo diploma legal).

Ou seja, a coima aplicada à recorrente foi estabelecida no mínimo legalmente previsto.

Assim sendo, e nesta primeira perspetiva (também relativa à determinação da medida concreta da coima), nada há a ponderar ou a decidir, pela singela razão de que a coima foi fixada no respetivo mínimo legal.

Depois, e com o devido respeito pelo esforço argumentativo constante da motivação do recurso, a coima prevista para a contraordenação praticada pela recorrente não ofende qualquer normativo constitucional ou qualquer princípio constitucionalmente estabelecido, designadamente não violando o princípio da proporcionalidade (consagrado no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

Com efeito, e a nosso ver, deve entender-se que o legislador ordinário goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis à prática de contraordenações, desde que, obviamente, sejam respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contraordenacional, e, além disso, desde que que as sanções a aplicar sejam efetivas, proporcionadas e dissuasoras, de modo a ficar garantido o efeito preventivo das mesmas, sob pena de os destinatários das normas não se sentirem compelidos a cumpri-las.

Ora, em nosso entender, o legislador, ao fixar, para o cometimento da contraordenação em causa nestes autos, uma coima que varia entre 7.500 euros (mínimo) e 15.000 euros (máximo), não foge ao princípio da proporcionalidade (princípio constitucionalmente imposto, no que toca à restrição de direitos), isto é, o legislador não estabelece uma moldura sancionatória claramente excessiva, manifestamente injustificada ou, mesmo, abusiva.

Aliás, e como bem refere o Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância na sua resposta ao recurso, o Tribunal Constitucional já se pronunciou, por diversas ocasiões, sobre a questão agora em análise, concluindo, repetidamente, pela constitucionalidade do normativo legal em apreço.

Neste segmento da apreciação do presente recurso, subscrevemos, pois, o que consta, no essencial, da resposta ao recurso apresentada pelo Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância: “o Tribunal Constitucional já se pronunciou várias vezes sobre esta questão nos acórdãos nºs 62/2011, 67/2011 e 97/2014 (este último em Plenário), todos disponíveis em www.dgsi.pt. O Tribunal Constitucional tem afirmado a Constitucionalidade do normativo em presença, por não violação do princípio da proporcionalidade - art.º 18º, nº 2, da C.R.P. Entre outros, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 67/2011, de 02 de fevereiro de 2011, no Processo nº 275/10, 3ª Secção, onde se entendeu não julgar inconstitucional a norma extraída da conjugação entre os artigos 3º, nº 1, alínea b), 9º, nº 1, alínea a), e nº 3, todos do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de setembro, no sentido de considerar ser aplicável a coima aí prevista - cujo limite mínimo para as pessoas coletivas é de 15.000 euros - nos casos em que, requerida a presença da autoridade para remover a recusa referida no número anterior, essa recusa é removida sendo o livro de reclamações facultado ao utente. (…) Mais se refere no Acórdão nº 67/2011: “a título preliminar, deve notar-se que o legislador ordinário goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, desde que respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contraordenacional e que as sanções aplicadas sejam “efetivas”, “proporcionadas” e “dissuasoras”, de modo a garantir o efeito preventivo daquelas, sob pena de os destinatários das normas não se sentirem compelidos a cumpri-las (com efeito, a fixação de coimas com montantes irrisórios face ao benefício colhido da prática do ilícito contraordenacional tende a enfraquecer o próprio cumprimento da lei; assim, ver Paulo Otero/Fernanda Palma, Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social, in «RFDUL» (Separata), 1996, n.º 2, pp. 562 e 563). E, no Acórdão do Pleno nº 97/2014, de 06-02-2014, o mesmo Tribunal decidiu não julgar inconstitucional a norma extraída do nº 3 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 156/2005, quando interpretada no sentido de que, requerida a presença da autoridade para remover a recusa referida no número anterior, essa recusa é removida sendo o livro de reclamações facultado ao utente”.

Não há, portanto, em nosso entender, qualquer fundamento para formular um juízo de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 9º, nº 1, al. a), e nº 3, do D.L. nº 156/2005, de 15/09.

Por conseguinte, também nesta perspetiva (ainda relativa à determinação da medida concreta da coima), e ao contrário do invocado na motivação do recurso, não ocorre, in casu, qualquer inconstitucionalidade.

Improcede, pois, sem necessidade de mais considerações, toda a vertente do recurso que vem de analisar-se (relacionada com a medida concreta da coima aplicada à recorrente).

Por tudo o que ficou dito, o recurso da arguida não merece provimento.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 09 de fevereiro de 2021

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Laura Goulart Maurício)