Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL SOARES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO DE COIMA PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO INDEFERIMENTO LIMINAR DO REQUERIMENTO EXECUTIVO RECORRIBILIDADE COMPETÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 02/11/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | A execução de uma coima aplicada no processo administrativo de contraordenação em que não houve impugnação judicial, processa-se numa uma ação executiva autónoma e não constitui uma fase ou incidente do processo de contraordenação. Sendo indeferido liminarmente o requerimento executivo com fundamento na incompetência absoluta do tribunal, tal decisão é recorrível, de harmonia com o regime do processo civil para a execução por indemnizações, que segue o processo executivo comum, sob a forma sumária, aplicável por forma das remissões sucessivas dos artigos 89º nº 2 do Regime Geral das Contraordenações e do artigo 491º nº 2 do Código de Processo Penal. O disposto no artigo 73º do Regime Geral das Contraordenações apenas regula o direito aos recursos no processo de contraordenação declarativo e não nas ações executivas das coimas aí aplicadas, que são processadas autonomamente.
A competência para a execução da coima não pertence à Autoridade Tributária, mas sim ao tribunal criminal que teria sido competente para a fase judicial do processo de contraordenação, nos termos do artigo 61º do Regime Geral das Contraordenações. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acórdão deliberado em Conferência 1. Relatório 1.1. Decisão recorrida Despacho proferido em 21fev2024, no qual o tribunal recorrido rejeitou o requerimento executivo do Ministério Público, para execução de coima aplicada pela Guarda Nacional Republicana em processo de contraordenação, por incompetência absoluta em razão da matéria, considerando que a competência pertence à administração tributária, absolvendo o executado da instância. 1.2. Recurso e parecer 1.2.1. O Ministério Público recorreu do despacho, invocando, resumidamente, as seguintes razões: - Pelo despacho recorrido, o tribunal recorrido decidiu que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a ação executiva, considerando que tal competência recai sobre a administração tributária (AT). - O despacho é suscetível de recurso. - O legislador não alterou o disposto nos artigos 61º, 88º e 89º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), mantendo-se a competência para a execução da coima administrativa não paga junto dos tribunais. - De acordo com a atual redação do artigo 35º do RCP, a AT apenas tem competência para a execução das custas da entidade administrativa. - Ao julgar que é absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar a ação executiva que deu origem ao recurso, o tribunal recorrido a violou o disposto nos artigos 61º, 88º e 89º do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), 35º do RCP e 64º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal (CPP). 1.2.2. Não houve resposta 1.2.3. Na Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso, acompanhando a respetiva motivação. 1.2.4. Foi proferida decisão sumária de rejeição do recurso por irrecorribilidade do despacho recorrido pela relatora original. 1.2.5. Dessa decisão reclamou o Ministério Público para a Conferência, alegando que a decisão em causa é recorrível. Argumentou, em resumo, que, como decidido pelo Vice-Presidente desta Relação, quando julgou o procedente a reclamação da decisão da primeira instância que tinha indeferido a interposição de recurso, se existir litígio relativamente ao apuramento da competência entre um tribunal e uma entidade administrativa, o mesmo apenas pode ser solucionado através de recurso e que as decisões baseadas na violação das regras de competência em razão da matéria e de indeferimento liminar admitem sempre recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência. Igualmente remeteu para os argumentos do acórdão deste Tribunal, no processo 525/23.0T9OLH.E1 (consultável em www.jurisprudencia.csm.org.pt). 1.2.6. O presente acórdão é redigido pelo primeiro adjunto, por vencimento da relatora original. 2. Questões a decidir Por ordem de precedência lógica, as questões a decidir são as seguintes: (i) a recorribilidade da decisão impugnada e, caso a respetiva apreciação não fique prejudicada, (ii) a legalidade do despacho recorrido. 3. Fundamentação 3.1. Factualidade processual relevante - O Ministério Público apresentou no tribunal recorrido um requerimento executivo, com base em certidão do processo de contraordenação nº …/2019, que recebeu da Guarda Nacional Republicana, autoridade administrativa onde o mesmo correu os seus termos, para pagamento da coima de 280 euros, em que foi condenado o arguido AA, apresentando como título executivo a decisão condenatória aí proferida; - O processo foi autuado como “Execução custas/multa/Coima (coimas administrativas)” - Sobre o requerimento recaiu o despacho recorrido, que se transcreve: Estabelece o actual art.º 35º do Regulamento das custas processuais (após - Lei n.º 27/2019, de 28/03) o seguinte: 1 - Compete à administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial. 2 - Cabe à secretaria do tribunal promover a entrega à administração tributária da certidão de liquidação, por via eletrónica, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, juntamente com a decisão transitada em julgado que constitui título executivo quanto às quantias aí discriminadas. 3 - Compete ao Ministério Público promover a execução por custas face a devedores sediados no estrangeiro, nos termos das disposições de direito europeu aplicáveis, mediante a obtenção de título executivo europeu. 4 - A execução por custas de parte processa-se nos termos previstos nos números anteriores quando a parte vencedora seja a Administração Pública, ou quando lhe tiver sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo. 5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a execução por custas de parte rege-se pelas disposições previstas no artigo 626.º do Código de Processo Civil. A propósito da alteração legislativa que deu origem à sobre dita norma, pronunciou-se o Ministério Publico no Parecer do Ministério Publico sobre a proposta de Lei nº 149/XIII/4ª GOV enviado em 24.10.2018. O parecer supra referido sustenta aliás a sua inteira concordância com ser retirada a competência aos tribunais judicias para proceder a cobrança de custas e coimas, manifestando unicamente a sua discordância relativamente a essa competência no que concerne à pena de multa. Aliás e no que concerne ao disposto no art.º 89º do RGCO também o referido parecer contem menção da alteração que deveria ser feita à referida norma. É certo que o diploma não contempla essa mesma alteração, no entanto uma interpretação sistemática do diploma (conjugada com a lei geral tributária e o código do procedimento e processo tributário) não pode deixar de considerar que a execução por coimas não cabe aos tribunais, mas antes à autoridade tributária. No âmbito aliás deste parecer, e com o intuito de de facto delimitar as competências do Ministério Publico no âmbito das execuções de origem penal ou contra ordenacional, foi referido que o art.º 148º do C.P.P.T deveria conter uma alínea c) no seu numero 2º, contendo as coimas emitidas por entidades administrativas. A referida alínea c) limitou-se a custas, multas não penais e sanções pecuniárias em processo judicial. Porém a norma constante do nº 1º, alínea b) da referida norma contempla as coimas aplicadas em decisões e sentenças, onde incluímos obviamente as coimas de entidades administrativas ou as coimas aplicadas em por sentença após recurso de impugnação judicial de decisão administrativa. É aliás tal facto também referido no 1. Parecer do Ministério Publico n.º 27/2020, de 04-10 que refere o seguinte: “Cobrança das custas fixada na fase administrativa do processo contraordenacional. 1.ª Na sua versão original, o Regime Geral das Contraordenações remetia a execução das custas para o disposto nos artigos 171.º e seguintes do Código das Custas Judiciais, assim atribuindo ao Ministério Público competência para promover a sua execução junto dos tribunais judiciais (artigo 202.º, n.º 2, daquele Código); 2.ª Esta solução, apesar das inúmeras alterações legislativas que enfrentou, manteve-se quase inalterada até a entrada em vigor da Lei n.º 27/2019, de 28 de março, relativa a aplicação do processo de execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial; 3.ª Com efeito, considerando a natureza tributária das custas e seguindo o exemplo da jurisdição administrativa e fiscal, o legislador inverteu aquele paradigma, remetendo para a execução fiscal a cobrança coerciva das custas fixadas em processo judicial; 4.ª Para esse efeito, a Lei n.º 27/2019, de 28 de março, alterou o Código de Procedimento e de Processo Tributário que passou a dispor que «Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei: [...] Custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial [artigo 148.º, n.º 2, alª c)]; 5.ª Bem como o artigo 35.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, que sob a epígrafe «execução», passou a dispor que: «Compete a administração tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, promover em execução fiscal a cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial»; 6.ª Embora nem a Lei n.º 27/2019, de 28 de março, nem as normas que ela alterou, o digam expressamente, deve entender-se que este regime é aplicável as custas fixadas na fase administrativa do processo de mera ordenação social, competindo a Administração Tributária proceder a sua cobrança coerciva; 7.ª Desde logo, porque, continuando o artigo 92.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações, a remeter para os preceitos reguladores das custas em processo criminal, será aqui aplicável o disposto no artigo 35.º do Regulamento das Custas; 8.ª Depois, porque, atenta a sua natureza, tais custas estão incluídas no âmbito do artigo 148.º, n.º 1, al.ª a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo o qual o processo de execução fiscal abrange, para além do mais, a cobrança coerciva de taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais; 9.ª Em terceiro lugar, porque, em vez de atribuir ao juízo ou tribunal que as tenha proferido competência para executar as decisões relativas a multas, custas e indemnizações previstas na lei processual aplicável, o legislador passou a atribuir-lhe, apenas, competência para a execução das decisões relativas a multas penais e indemnizações previstas na lei processual aplicável (artigo 131.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário); 10.ª Em quarto lugar, porque o legislador restringiu os poderes do Ministério Público, maxime o poder de promover a execução por custas, conferindo-lhe, agora, apenas, competência para promover a execução das penas e das medidas de segurança e, bem assim, a execução por indemnização e mais quantias devidas ao Estado ou a pessoas que lhe incumba representar judicialmente (artigo 469.º do Código de Processo Penal); 11.ª Finalmente, porque o legislador eliminou a referência a execução por custas, que constava do artigo 491.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, passando a mesma a ser da competência exclusiva da Administração Tributária; 12.ª Com estas alterações, para além de ter atribuído a Administração Tributária competência para proceder a cobrança coerciva das custas, o legislador eliminou as normas que antes atribuíam ao Ministério Público competência para promover a sua execução e aos tribunais judiciais competência para a tramitar; 13.ª Desta forma, o artigo 148.º, n.º 1, al.ª a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, passou a incluir a cobrança da taxa de justiça e dos encargos legais, que, por força de disposições legais especiais, antes lhe estava subtraída; 14.ª Se as entidades administrativas remeterem ao Ministério Público expediente destinado a cobrança de custas fixadas em processo de contraordenação, tal expediente deverá, por mera economia de meios, ser reencaminhado diretamente a Autoridade Tributária, com conhecimento ao remetente. O parecer supramente citado, descreve a restrição da competência do ministério publico, circunscrevendo-a unicamente a multas penais e indemnizações arbitradas em processo penal. Não podemos deixar ainda de trazer à colação o seguinte: O Código de procedimento e processo tributário, no seu art.º 148º, nº1º, alínea b), estatui: “O processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas: b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns. A questão da competência dos tribunais ou da administração tributária para proceder à cobrança de coimas aplicadas por entidades administrativas, tem pois que ser solucionada através de um processo de interpretação, uma vez que, as alterações sugeridas pelo Ministério Publico no parecer de 24.10.2018, relativamente à norma constante do art.º 89º do RGC não sofreram acolhimento na lei. Nesta interpretação jurídica temos em conta elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente, socorrendo-nos de elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis). Aplicando estes elementos à analise da Lei Lei n.º 27/2019, de 28 de Março, a qual se encontra sumariada da seguinte forma: “Aplicação do processo de execução fiscal à cobrança coerciva das custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial, procedendo à sétima alteração à Lei da Organização do Sistema Judiciário, trigésima terceira alteração ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, sétima alteração ao Código de Processo Civil, décima terceira alteração ao Regulamento das Custas Processuais, trigésima terceira alteração ao Código de Processo Penal, quarta alteração ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro”, conjugando com o parecer do Ministério Publico sobre a proposta de Lei nº 149/XIII/4ª GOV enviado em 24.10.2018, com as referências já mencionadas, bem como o art.º 148º, nº1º alínea b) e nº2º alínea c) do Código do Procedimento e Processo Tributário, entendemos que o legislador quis concentrar na administração tributária toda a cobrança de valores pecuniários, com excepção da quantia relativa à pena de multa ou indemnização arbitrada em processo penal (competência que se mantêm no Ministério Publico), uma vez que estas assumem relevância penal, seja para determinação do cumprimento de condição da suspensão, seja para extinção da pena de multa ou sua conversão em prisão subsidiária. Face ao exposto declaro os tribunais judiciais absolutamente incompetente, em razão da matéria, para executarem coimas aplicadas por entidades administrativas. (este nosso entendimento mereceu confirmação do Tribunal da relação de Évora – Ac do TRE proferido no processo 319/23.2T9OLH.E1 de 07/11/2023) A incompetência absoluta em razão da matéria verificada constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso e a todo o tempo, e importa a absolvição do Executado da instância, nos termos do disposto nos artigos 65º, 97º, 98º, 99º e 577º, al. a) do Código de Processo Civil. 3.1. Identificação da questão O litígio que nos ocupa neste momento é um mais de uma catadupa de outros iguais que têm chegado do mesmo tribunal, com dezenas de despachos de rejeição dos requerimentos executivos para pagamento coercivo de coimas aplicadas pelas autoridades administrativas e outros tantos recursos do Ministério Público – aliás, as buscas nas bases de dados de jurisprudência fazem crer que se trata de um problema circunscrito apenas àquele tribunal de …. A solução que a Relação tem dado para tais recursos não é uniforme e a ausência de mecanismos formais que permitam uma maior aproximação de posições para estabilizar e unificar a jurisprudência tende a perpetuar uma situação que é em tudo indesejável. Sem preocupações de exaustividade, estão publicadas na base de dados www.jurisprudencia.csm.org.pt inúmeros acórdãos sobre este assunto que evidenciam a existência de três entendimentos distintos (referimos apenas um acórdão por cada relator): - O despacho em causa é irrecorrível: TRE 21nov2023 (processo 202/23.1T9OLH.E1), TRE 29nov2023 (processo 82/23.1T9OLH.E1), TRE 23fev2024 (processo 313/23.3T9OLH.E1), TRE 18NOV2024 (processo 140/23.8T9OLH.E1), TRE 30nov2024 (processo 84/24.6T9OLH.E1), TRE 3dez2024 (processo 594/23.2T9OLH.E1), TRE 3dez2024 (processo 126/23.2T9OLH.E1), TRE 3dez2024 (processo 606/23.0T9OLH.E1), TRE 6dez2024 (processo 424/22.0T9OLH.E1); - O despacho é recorrível e o recurso é improcedente porque a competência para a execução é da autoridade tributária: TRE 7NOV2023 (processo 319.23.2T9OLH.E1) – único que localizámos que adotou este entendimento, embora, pouco depois, o mesmo relator tivesse passado a considerar o despacho irrecorrível, como se vê no acórdão TRE 5dez2023 (processo 145/23.9T9OLH.E1); - O despacho é recorrível e o recurso é procedente porque a competência pertence ao tribunal recorrido: TRE 24out2023 (processo 109/23.2T9OLH.E1), TRE 7nov2023 (processo 107/23.6T9OLH.E1), TRE 5fev2024 (processo 436/22.6T9OLH.E1) e TRE 5fev2024 (processo 154/23.8T9OLH.E1). Identificada a questão em traço largo, há que prosseguir. 3.2. Admissibilidade do recurso A primeira questão a que devemos dar resposta, porque é prejudicial das demais e porque nos está colocada, é a da admissibilidade do recurso. Como vimos, é largamente maioritário o entendimento de que não há recurso do despacho que indefere liminarmente o requerimento executivo para pagamento de coima aplicada pela autoridade administrativa, com fundamento na incompetência absoluta do tribunal. Pese embora um ou outro pormenor diferenciador nos acórdãos que assinalámos, o argumento fundamental que apoia tal entendimento está no artigo 73º do RGCO: essa norma enumera taxativamente os recursos dos despachos judiciais proferidos no processo de contraordenação; logo, se lá não se encontra previsto o recurso do despacho que indefere liminarmente o requerimento executivo, então é irrecorrível. Salvo o devido respeito, a tese da irrecorribilidade não convence. Ela apoia-se num equívoco interpretativo sobre o alcance das normas aplicáveis e, sobretudo, quando testada noutras situações, conduz a resultados inaceitáveis. Vamos ver porquê. O processo de contraordenação, regulado no RGCO, tem uma fase administrativa obrigatória e uma fase judicial facultativa. Sem necessidade de ir ao detalhe, a fase administrativa corresponde ao processado entre o conhecimento da prática da contraordenação pela entidade administrativa e a decisão final de condenação ou arquivamento. Se o processo for arquivado ou se o arguido for condenado e se conformar com a decisão, não chega sequer a haver processo judicial. Apenas se houver impugnação da decisão condenatória ou de alguma decisão da autoridade administrativa que admite impugnação é que o processo dá entrada em tribunal e assume natureza judicial. As possibilidades de recurso de decisões judiciais proferidas no processo de contraordenação expressamente previstas no RGCO são as seguintes: a) Recurso da sentença ou despacho que condene em coima superior a 249,40 euros (artigo 73º nº 1 al. a)); b) Recurso da sentença ou despacho que condene em sanções acessórias (artigo 73º nº 1 al. b)); c) Recurso da sentença ou despacho que absolve o arguido ou arquiva o processo, quando a coima aplicada pela autoridade administrativa tiver sido superior a 249,40 euros ou quando o Ministério Público tiver reclamado essa coima (artigo 73º nº 1 al. c)); d) Recurso do despacho que rejeita a impugnação judicial (artigo 73º nº 1 al. d)); e) Recurso da decisão proferida através de despacho, não obstante a oposição do recorrente (artigo 73º nº 1 al. e)); f) Recurso da sentença noutras situações, quando aceite pela Relação (artigo 73º nº 2); g) Recurso do despacho de rejeição da impugnação judicial por violação das regras de prazo ou exigências de forma (artigo 63º nº 1); h) Recurso da decisão que não atenda à impugnação da decisão da autoridade administrativa relativa às custas do processo, quando o seu montante exceda a alçada do tribunal de comarca (artigo 95º nº 2). Nas situações das alíneas a), b), c), e) e f), trata-se de recurso de decisões proferidas na fase judicial do processo de contraordenação. Nas situações das alíneas d) e g), o recurso é de decisões que rejeitaram a abertura da fase judicial. Na situação da al. h) está em causa o recurso da decisão que rejeitou a reclamação da decisão da autoridade administrativa relativa a custas. O traço comum de todas as situações é que são recursos de decisões judiciais proferidas no processo de contraordenação, com natureza declarativa. Para as situações em que o arguido não paga voluntariamente a coima, o RGCO prevê e regula também um processo de execução para pagamento coercivo. Trata-se, porém, de um processo judicial autónomo do processo de contraordenação e não de uma fase ou incidente desde deste. O artigo 89º nº 2 do RGCO determina que à execução da coima se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no processo penal para a execução da multa e, obviamente, também, sem prejuízo das regras especiais fixadas nos seus artigos 90º e 91º. O artigo 491º nº 2 do CPP, por sua vez, ao determinar que regras se aplicam à execução por falta de pagamento da multa penal, remete para as disposições do processo civil que regulam a tramitação da execução por indemnizações. Essas regras são as previstas nos 87º e 88º do Código de Processo Civil (CPC) e o processo é o comum para pagamento de quantia certa, com forma sumária, em que o título executivo é a decisão condenatória, por força do disposto no artigo 550º nº 2 al. a) do CPC. Do artigo 87º nº 2 do CPC resulta que a execução para pagamento da coima é tramitada por apenso ao processo de contraordenação a que respeita. Nos casos em que o processo de contraordenação chegou à fase judicial e a coima foi aplicada por decisão judicial, a regra da apensação não suscita qualquer dúvida. A execução é apensada ao processo de contraordenação, no tribunal onde este correu. Nos casos em que a coima foi aplicada pela autoridade administrativa e o processo não chegou à fase judicial, o artigo 89º nºs 1 e 3 do RGCO diz-nos que a execução é promovida no tribunal competente segundo o artigo 61º - isto é, o tribunal onde teria corrido a fase judicial, se a ela houvesse lugar – não exatamente por apenso ao processo de contraordenação – uma vez que este não estava lá pendente – mas sim com o processo de contraordenação apensado, depois remetido pela autoridade administrativa ao Ministério Público. Em qualquer daquelas situações não há dúvida que o processo executivo é um processo próprio e autónomo do processo de contraordenação. Isso resulta, desde logo, da circunstância de a lei determinar que corre por apenso. Se é um processo apenso, não é o mesmo do outro nem uma fase ou incidente dele. E resulta, igualmente, da letra do artigo 89º nºs 1 e 2, que diz que a execução é promovida “perante” ou “junto” do tribunal competente e não no processo, como ocorreria se fosse uma fase ou incidente dele. De resto, no caso que estamos a apreciar foi exatamente assim que se processou, pois os autos são de execução para pagamento de coima e não de processo de contraordenação. Aqui chegados, podemos já enunciar a conclusão que consideramos decisiva e que sustenta a afirmação que fizemos antes, de que a tese da irrecorribilidade do despacho em causa parte de um equívoco interpretativo: os presentes autos não são um processo de contraordenação; são um processo de execução por coima, comum para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, que traz apensado o processo administrativo de contraordenação, regulado pelas respetivas normas do CPC, sem prejuízo das especialidades previstas no RGCO. Em face da conclusão acabada de enunciar, se o processo para execução da coima aplicada pela autoridade administrativa não é um incidente nem uma fase do processo de contraordenação e se, embora correndo por apenso a ele ou, como no nosso caso, com ele apensado, tem autonomia, é um equívoco considerar que o artigo 73º do RGCO – que, repete-se, respeita a decisões da fase declarativa do processo de contraordenação – impede a aplicação do regime dos recursos a que houver lugar na tramitação da execução para pagamento de quantia certa sob a forma sumária. Aquele artigo 73º regula apenas o regime dos recursos das decisões proferidas no processo de contraordenação; não regula os recursos das decisões relativas a processo de contraordenação nem de decisões proferidas em processos de execução de coimas aplicadas em processos de contraordenação. Em acórdãos em que se decidiu pela irrecorribilidade, argumentou-se que a remissão do artigo 491º nº 2 do CPP para as disposições do processo civil relativas à execução por indemnizações se restringe às regras da tramitação do processo e não do recurso, visto que estas são as previstas no RGCO. Trata-se, porém, de uma objeção fundada numa premissa incorreta, na medida em que, como concluímos, as regras de recursos previstas no RGCO só se aplicam às decisões proferidas nos processos de contraordenação e não às execuções apensas. Noutros acórdãos em que se decidiu no mesmo sentido, usa-se outro argumento que, embora impressivo, deve ser afastado. Diz-se que, se na versão originária do artigo 90º nº 2 do RGCO se previam expressamente duas possibilidades de recurso de decisões proferidas na execução da coima e se, com a revisão operada pelo Decreto-Lei 244/95, essas normas foram revogadas, então, conclui-se, isso só pode significar que o legislador pretendeu eliminar o direito ao recurso de quaisquer decisões proferidas no processo de execução. E mais, tal opção teria resultado do facto de o legislador ter, nessa revisão do RGCO, reforçado as garantias de defesa do arguido e o contraditório no processo de contraordenação, donde não se justificaria mais um regime de recursos tão permissivo. Há três razões para este argumento não ser válido. Em primeiro lugar, o preâmbulo do Decreto-Lei 244/95 não autoriza essa conclusão. Lê-se aí o seguinte: «Em particular, procede-se à revisão do regime do pagamento voluntário da coima, esclarecendo-se que não fica precludida a aplicação de sanções acessórias, e aperfeiçoam-se quer o regime atinente ao processo de aplicação administrativa das coimas e das sanções acessórias, ao processo judicial de aplicação de tais sanções e aos recursos das decisões, quer as regras em matéria de execução da coima e das sanções acessórias, de custas e de taxa de justiça.». Ora, o que o legislador informou foi que pretendeu aperfeiçoar o regime dos recursos e as regras da execução; não que quis eliminar o direito ao recurso nas execuções. Em segundo lugar, o facto de o arguido ter hoje mais garantias de defesa no processo de contraordenação não pode justificar a eliminação do direito ao recurso no processo de execução da coima. São coisas totalmente distintas. Na execução não se vai discutir a prática da infração nem o valor da coima. Pode, isso sim, discutir-se, por exemplo, a oposição à execução ou à penhora ou quaisquer outros incidentes previstos nas normas aplicáveis às execuções. O recurso das decisões proferidas no processo executivo em nada interfere com o que foi declarado no processo de contraordenação. E, por outro lado, mesmo que tal argumento fosse válido, sê-lo-ia apenas para recursos a interpor pelo arguido e nunca para os recursos a interpor pelo Ministério Público, como é o caso do presente. O acréscimo de direitos de defesa do arguido no processo de contraordenação não justifica a eliminação do direito do Ministério Público a recorrer da decisão que recusa a execução da coima. No caso que estamos a analisar, o facto de o arguido ter tido amplas possibilidades de defesa no processo de contraordenação em nada afeta o direito do estado, representado pelo Ministério Público, executar a coima em que ele foi condenado. Em terceiro lugar, se consideramos o sistema legal vigente à data das alterações introduzida pelo Decreto-Lei 244/95 no RGCO, vemos que foi outra a razão da revogação do nº 2 do artigo 91º, onde se previam duas possibilidades de recurso na execução da coima. Na versão original do RGCO, aprovada em 1982, o seu artigo 89º nº 2 dispunha que a execução por coima obedecia aos termos da execução por custas. Ora, a execução por custas (ou, melhor, como então se chamava, por imposto de justiça) estava regulada no CPC, na versão resultante da revisão do Decreto-Lei 44129, de 28dez1961. Era promovida pelo Ministério Público (artigo 59º), corria por apenso ao processo (artigo 92º nº 1) e seguia a forma sumaríssima (artigo 927º). Na execução por custas apenas era admitido recurso nos embargos em que a sentença tivesse por fundamento a violação das regras de competência ou caso julgado (artigos 800º e 678º nº 2, ex vi artigo 801º). Nos outros casos não havia recurso, uma vez que só era admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorria (artigo 678º nº 1) e no processo sumaríssimo o valor da causa não ultrapassava a alçada do tribunal de comarca (artigo 462º nº 1). Quer isto dizer que, na sua versão originária, o RGCO previa normas específicas relativas ao direito ao recurso na execução por coima porque, de outro modo, com a remissão para o regime da execução por custas, o recurso simplesmente não seria admissível. O Decreto-Lei 244/95 foi publicado em 14set1995 e entrou em vigor em 1out1995 (cfr. o seu artigo 5º). Nesse momento estava em finalização a grande revisão do processo civil que viria a ser introduzida, em 12dez1995, pelo Decreto-Lei 329-A/95, vigente a partir de 1jan1997 para os processos iniciados após essa data (cfr. o seu artigo 16º). No novo regime do processo civil, a execução por custas passou a seguir a forma sumária (artigo 465º nº 2) e nos recursos passaram a aplicar-se as regras dos recursos na execução ordinária, dos artigos 922º e 923º, por via da remissão do artigo 466º nº 3. Compreende-se, assim, que no momento da revisão do RGCO, de 1995, o respetivo diploma deixasse de prever normas específicas sobre os recursos na execução por coima, na medida em que no mesmo ano foi aprovada uma revisão do processo civil que, por força da remissão para o respetivo regime, passou a admitir o direito ao recurso na execução por coima, nos termos aplicáveis nas execuções por custas. Quer isto dizer que não é correto afirmar que a revogação do nº 2 do artigo 91º do RGCO, operada pelo Decreto-Lei 244/95, resultou da intenção do legislador restringir o direito ao recurso aos casos previstos no artigo 73º do RGCO. A tese da irrecorribilidade que estamos a rebater, a ser válida, quando posta à prova noutras situações, mostrar-se-ia inaceitável no plano da sistemática das leis e dos direitos constitucionais. Para o demonstrar, assinalamos apenas algumas situações hipotéticas em que nos parece, de todo, insustentável defender que decisões contrárias aos interesses do executado, de terceiro ou do Estado, representado pelo Ministério Público, proferidas no processo de execução por coima, são insuscetíveis do recurso que a lei admite nos outros processos executivos, apenas porque não está previsto no artigo 73º do RGCO: - Rejeição de embargos de executado por falta de intervenção no processo de contraordenação – o arguido foi condenado sem audição e apenas teve contacto com o processo na execução; - Rejeição de embargos de executado por violação de caso julgado – o arguido foi condenado duas vezes pela autoridade administrativa no pagamento da mesma coima; - Rejeição de embargos de executado por facto extintivo da obrigação – execução por coima paga ou prescrita; - Rejeição de oposição à penhora – na execução foram penhorados bens absolutamente impenhoráveis ou isentos de penhora; - Rejeição de embargos de terceiro – o bem penhorado pertencente a terceiro; - Rejeição de reclamação de créditos – um terceiro tem um crédito garantido pelo bem penhorado; - Indeferimento liminar do requerimento executivo – o tribunal considera a condenação em coima aplicada pela autoridade administrativa excessiva ou ilegal. Pensamos que os exemplos acabados de referir mostram que não pode estar certo o entendimento, maioritariamente seguido nesta Relação, na catadupa de recursos provindos do tribunal de Olhão, segundo o qual não há direito ao recurso no processo de execução por coima. De resto, se percorrermos as bases de dados de jurisprudência, verificamos que há inúmeros acórdãos dos tribunais superiores em recursos interpostos de decisões judiciais de outro tipo proferidas em processos de execução por coima, sem que a sua recorribilidade tivesse sido questionada. A nosso ver, sendo aplicável, nos termos acima referidos, com as necessárias adaptações, por via da dupla e sucessiva remissão para o processo penal e para o processo civil, o regime da execução por indemnizações, de processo comum para pagamento de quantia certa, com forma sumária, é admissível recurso do despacho que indefere liminarmente o requerimento executivo por incompetência absoluta do tribunal. No processo civil a incompetência absoluta é de conhecimento oficioso (artigo 97º nº 1) e fundamento para indeferimento liminar (artigos 99º nº 1 e 726º nº 1 al. b)) e dessa decisão cabe sempre recurso (artigos 644º nº 2 al. b) e 853º nº 3). Uma nota mais, brevíssima, para assinalar que, contrariamente ao afirmado em acórdãos desta Relação, a situação em apreço não tem outra solução por via da aplicação das regras de resolução dos conflitos de competência ou de jurisdição. As regras relativas à resolução do conflito previstas nos artigos 32º a 36º do CPP não são aplicáveis ao caso. O tribunal recorrido não atribuiu a competência a outro tribunal da mesma jurisdição. Considerou, isso sim, que a competência pertence à AT. Assim, tratando-se de uma situação em que a declaração de incompetência não pode ser dirimida com as regras previstas naquelas normas, a via de impugnar a decisão tem de ser o recurso. Não há, igualmente, um conflito de jurisdição, cuja resolução pertença ao Tribunal de Conflitos, nos termos regulados pela Lei 91/2019, de 4set. Desde logo, porque resulta do seu artigo 9º nº 2 que a resolução do conflito só é admissível depois de esgotados os meios de recurso ordinário da decisão proferida sobre a jurisdição. Depois, mais importante ainda, porque o conflito de jurisdições é o que ocorre entre tribunais judiciais e tribunais administrativos e fiscais e não entre um tribunal judicial e uma autoridade administrativa. No caso, a decisão recorrida atribuiu a competência à AT. Ora, mesmo que o Ministério Público viesse a enviar a documentação para a AT para aí se proceder à execução fiscal, competindo à AT a direção do processo (artigos 149º, 150º do Código de Procedimento e Processo Tributário – CPPT) e a decisão de iniciar ou não a execução (artigos 10º nº 1 al. f) e 188º do CPPT), caso se recusasse a fazê-lo com fundamento em incompetência absoluta, de que conhece oficiosamente (artigo 16º do CPPT), o processo nem chegaria ser remetido ao tribunal tributário, que só intervêm nas situações previstas no artigo 151º do CPPT, todas elas posteriores ao início da execução fiscal. Não sendo o Ministério Público parte no processo de execução fiscal enquanto este corre na AT, não teria sequer de ser notificado da recusa de instauração da execução fiscal. Quer isto tudo dizer que a manutenção do despacho recorrido, se não fosse recorrível, no caso da AT não se considerar competente, acabaria com toda a probabilidade num impasse que impossibilitaria a execução da coima. Portanto, o presente recurso é admissível. 3.3. O despacho recorrido Importa agora verificar se a decisão recorrida está correta. A nosso ver a questão é simples de resolver e a razão está do lado do Ministério Público. A competência material pertence ao tribunal de … e não à autoridade tributária. O artigo 61º do RGCO é claro: a execução corre no tribunal criminal que teria sido competente para a fase judicial do processo de contraordenação. Aplicar, como no despacho recorrido, o artigo 35º do Regulamento das Custas Judiciais ou o artigo 148º nº 2 al. b) do CPPT é “forçar” a letra da lei. O que está aqui em causa não é uma multa ou outra sanção pecuniária fixada em processo judicial. A coima foi fixada em processo administrativo, pois a fase judicial do processo de contraordenação não existiu. Do mesmo modo é “forçar” a lei pretender aplicar o artigo 148º nº 1 al. b) do CPPT, que se refere de forma expressa e restritiva às coimas das infrações tributárias. A contraordenação que deu origem à coima não é tributária. O parecer do Ministério Público em que o tribunal recorrido sustenta a argumentação da sua tese demonstra o contrário. Se no âmbito do processo legislativo foi proposta determinada solução e se a lei que veio a ser aprovada não a acolheu, isso significa que o legislador a rejeitou; não o contrário. Nem se diga que a solução legal vigente – a execução por custas correr na AT e a execução por coimas nos tribunais comuns – é uma incongruência a necessitar de correção por via jurisprudencial. O legislador fez essa opção consciente e ela tem boas razões. A coima é uma sanção cujos princípios e regime aplicável estão próximos da multa penal e que não tem qualquer semelhança com as custas judiciais. Se o legislador excluiu da competência da jurisdição administrativa e fiscal a execução das multas penais, entendeu também fazê-lo em relação às coimas do direito contraordenacional, por semelhança de razões. O recurso é, em conclusão, procedente. 4. Decisão Pelo exposto, acordamos em julgar o recurso procedente e em revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que não declare a incompetência absoluta do tribunal. Não há lugar ao pagamento de custas. Évora, 11fev2025 Manuel Soares Francisco Moreira das Neves (revendo posicionamento anterior sobre a mesma questão) Mafalda Sequinho dos Santos (vencida, com a seguinte declaração de voto) Pelas razões enunciadas na decisão sumária, assim como nas decisões proferidas nos Processos n.º 67/23.3T9OLH.E1, 88/23.6T9OLH.E1 e 156/23.4T9OLH.E1, entendo que a decisão não admite recurso. Em síntese, entendo que o regime das contraordenações pode ter três fases – administrativa, judicial e executiva – todas sujeitas ao RGCO (e apenas subsidiariamente ao regime processual penal e civil). Independentemente de estarmos perante uma execução que é tramitada autonomamente, pois não existiu a fase de impugnação judicial, as regras de competência não parecem sofrer alteração e não deixa de se aplicar o RGCO (o que é distinto de dizer que apenas se aplicam as regras correspondente ao processo de impugnação judicial), com o seu regime regra da irrecorribilidade. Vigorando, no direito das contraordenações, o princípio da irrecorribilidade das decisões, apenas podem ser impugnadas aquelas em que esta faculdade esteja expressamente prevista. E este princípio não é derrogado pelo art.º 74.º, nº 4, do RGCO, de acordo com o qual o recurso seguirá a tramitação do processo penal (subsidiariamente, do CPC, por força do art.º 4.º do CPP), tendo em conta as especialidades que resultam do RGCO, pois apenas se estatuí a remissão quanto ao regime de tramitação do recurso e já não quanto às condições de admissibilidade do mesmo. Nem o art.º 89.º, n.º 2 do RGCO, derroga a norma especial do art.º 73.º, dispondo o primeiro, apenas, quanto às normas aplicáveis à fase processual da execução da coima (as disposições do CPP relativas à execução da multa, com as necessárias adaptações, designadamente o previsto nos artigos 491.º e 510.º e, subsidiariamente, as disposições do CPC e do RCP), nada aí se mencionando quanto à (ir)recorribilidade das decisões. Da conjugação destes normativos decorre, em meu entender, a inexistência de lacuna que legitime o recurso ao CPP, nos termos do art.º 41.º, n.º 1 do RGCO, ou ainda, subsidiariamente, ao CPC. Na verdade, quanto às decisões que admitem recurso em sede de regime das contraordenações, o art.º 73.º do RGCO configura uma norma especial (e de exceção à regra da irrecorribilidade), que traduz a clara opção do legislador quanto à restrição do leque das decisões em processos de contraordenação que admitem recurso para o Tribunal da Relação. Privilegiou-se, nos ilícitos de mera ordenação social (e por comparação com o regime processual penal), a celeridade e simplificação dos atos, em prol de uma definição da situação mais próxima da violação dos bens jurídicos, justificada pela natureza destes e pela desigual ressonância ética das condutas. Esta interpretação tem, aliás, respaldo constitucional, pois o art.º 32.º, nos seus nºs 1 e 10, estabelece que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, enquanto que nos processos de contraordenação dever-se-á garantir ao arguido os direitos de audiência e de defesa. E estes encontram-se garantidos, pelo direito de audição e defesa do arguido na fase administrativa e pela faculdade de impugnação judicial, com a consagração (ainda que limitada) de um grau de recurso. Tem sido este o entendimento do Tribunal Constitucional, como se extraí do Ac. 508/2016. Na verdade, não concebemos que a fase executiva do processo de contraordenação, que decorre após o visado já se ter conformado com a aplicação da sanção, possa assegurar garantias processuais superiores às da fase administrativa ou de impugnação judicial. Neste sentido convocamos, também, a evolução legislativa. Na sua redação inicial, resultante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, o RGCO admitia, no n.º 2 do artigo 91.º, a possibilidade de recurso para a relação das decisões proferidas pelo tribunal no âmbito do processo executivo em termos muito limitados. Esta possibilidade veio a ser eliminada com o Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de setembro, diploma que, a par do reforço de garantias do arguido (nas fases administrativa e judicial) assume também o escopo de acentuar a eficácia do sistema punitivo das contraordenações (o que resulta, desde logo, do respetivo preâmbulo). O legislador procurou, então, arredar a possibilidade de protelar a cobrança da coima, em paralelo que o incremento das garantias nas fases processuais antecedentes. Não se pode, por isso, na ausência de lacuna que o legitime, importar para o regime jurídico contraordenacional as exigências do direito processual penal, nomeadamente de recorribilidade das decisões. Os óbices suscitados pelo presente acórdão à solução da irrecorribilidade, reconduzem-se a uma discordância relativamente à solução legislativa e podem-lhe ser apontados, mas não a alteram. Resultam, ainda assim, do âmbito da liberdade de conformação do legislador ordinário, não impondo a Constituição a consagração, no âmbito do direito das contraordenações (como em outras situações), do duplo grau de jurisdição. Nem me parece que o legislador de 95, ao assumir a clara intenção de acentuar a eficácia do sistema punitivo das contraordenações, tenha sido animado pela necessidade de aperfeiçoar o regime dos recurso, ampliando-o, ao eliminar o n.º 2, do art. 91.º do RGCO, pois tal afigura-se-nos contrário à solução de um regime de recorribilidade mais amplo que o consagrado para a fase de impugnação judicial |